Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
880/14.2T9BBBRG G1
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: INJÚRIA
EXPRESSÕES NÃO OFENSIVAS DA HONRA E CONSIDERAÇÃO
NÃO PRONÚNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I) O que é ofensivo da honra e consideração alheia não é aquilo que o é para o concreto ofendido, mas sim o que é considerado como tal pela generalidade das pessoas de bem de um certo país e no contexto sócio-cultural em que os factos se passaram, de forma a que a sociedade não lhe fique indiferente, reclamando a tutela penal de dissuasão e repressão desse comportamento.
II) Dizer directamente a uma pessoa "tenho vergonha de ter colegas como tu", "tenho nojo de ter colegas como tu" não traduz a imputação de quaisquer factos a essa pessoa nem essas palavras são ofensivas da honra e consideração de quem quer que seja.
III) É que tais expressões não se revelam adequadas a ofender aquele núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros, apresentando-se, assim como atípicas e por isso insusceptíveis de censura penal.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

1. No âmbito dos presentes autos em que é participante e assistente Maria C., no final do inquérito, a mesma deduziu acusação contra o arguido Joaquim A. imputando-lhe a prática de um “crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181° do Código Penal (acusação essa que o Ministério Público não acompanhou com o argumento de que “não se reuniram indícios suficientes da prática pelo mesmo[arguido] do crime pelo qual contra si foi deduzida acusação particular).
2. O arguido, inconformado com tal acusação, requereu a abertura de instrução, visando a sua não pronúncia do crime pelo qual vinha acusado.
3. Finda a instrução, foi proferido despacho de não pronúncia do arguido.
4. Inconformado com tal decisão, a assistente (a fls. 155 a 184) interpôs recurso finalizando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição com os realces nelas constantes):
1- a) “A questão posta, nesta sede e momento processual, consiste em saber se devem ou não os presentes autos prosseguir os seus termos, para a fase de julgamento, com pronúncia do arguido Joaquim A. pelos factos e incriminação jurídico-penal constantes da acusação particular contra ele deduzida nos autos, a fls. 93 e 94, pela assistente Maria C.”, conforme se pode ler na douta decisão instrutória;
1- b) O arguido fundamentou o requerimento de Abertura de Instrução na ausência de indícios suficientes da prática, pelo mesmo, do crime de que vem acusado.
1-c) O Tribunal “ a quo” decidiu não haver indícios suficientes e
1-d) decidiu, ainda, que:
“… se entende que as afirmações que lhe são atribuídas não integram os elementos objectivos típicos do imputado crime de injúria.---
Com efeito, as afirmações atribuídas ao arguido, produzidas sem mais, como teria sucedido na versão da assistente, não se mostram aptas a atingir qualquer núcleo essencial de qualidades morais dela. Na verdade, pergunta-se, até, a que qualidades dessa natureza se teria reportado, ou querido reportar, o arguido, na medida em que não teria particularizado de que comportamentos ou atributos dela tinha vergonha ou nojo. Não lhe disse, também, que a mesma fosse, em geral, vergonhosa ou nojenta.---
Na verdade, e a terem ocorrido os factos conforme relata a assistente, o arguido limitou-se, num contexto de liberdade reconhecida a qualquer cidadão, a manifestar a opinião que dela tem ou os sentimentos que pela mesma nutre, ainda que, porventura, infundamentados. Poderia tê-lo feito, é certo, de outro modo, afirmando que a mesma o embaraçava ou que lhe causava repulsa. Sendo, no entanto, esse o sentido do que, em substância, lhe manifestou, não é por ter optado pelo emprego de expressões porventura injustas, mais grosseiras ou descorteses que as suas acções revestem a carga ofensiva necessária para merecer a tutela penal, ainda que a assistente se tivesse sentido, efectivamente, ofendida por elas.”
2- Na decisão instrutória, pode, ainda, ler-se:
“Em síntese do que vem de dizer-se, considera-se, com relevância para a decisão a proferir:---
a) Indiciariamente demonstrado que:---
[único]. No dia 29.05.2014, cerca das 14h30m, no interior das instalações do estabelecimento de ensino …, em …, onde Maria C. e o arguido, à data, leccionavam, e quando aquela que se encontrava junto à porta de entrada de uma das salas de aulas, este abeirou-se da mesma, dirigindo-se-lhe verbalmente, em tom de voz elevado.---
b) Indiciariamente não demonstrado que:---
i. Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar reportadas em a), o arguido, de entre as afirmações que produziu, haja dito a Maria C. “tenho vergonha de ter colegas como tu” e “tenho nojo de ter colegas como tu”.---
ii. O arguido haja actuado de forma livre e deliberada, consciente de que dirigia a Maria C. afirmações aptas a nesta provocar ofensa na sua honra e consideração, logrando alcançar tal resultado.---
Em decorrência de tudo quanto se deixou dito, impõe-se proferir decisão de não pronúncia.”
3- Decidiu o Tribunal “a quo” “… não pronunciar, para julgamento em processo comum e com intervenção do Tribunal Singular, Joaquim A., melhor id. nos autos, pela prática, em autoria material, de um crime de injúria, p. e p. pelo artº 181º do Cód. Penal, conforme lhe vem imputado por via da acusação particular de fls. 93 e 94.”
4- Por discordar da douta decisão instrutória proferida, a Assistente dela recorre, por entender existirem razões de facto e de Direito, que impunham decisão diversa.
5- Existem nos autos indícios suficientes da prática, pelo arguido, do crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º do Código Penal;
6- A fase processual penal de instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento; É o que determina o artigo 286º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
7- E, nos termos do disposto no artigo 308º, n.º 1 do Código de Processo Penal se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário profere despacho de não pronúncia.
8- Por sua vez, estabelece o artigo 283º, n.º 2 do Código de Processo Penal, que a suficiência de indícios encontra-se dependente de deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
9-a) Sufragamos a posição do Prof. Doutor Germano Marques da Silva, que, a propósito, defende: “No CPP/87 a fase da instrução não visa nunca um juízo sobre o mérito, mas tão-só a apreciação judicial da legalidade da acusação (...). Trata-se verdadeiramente de um juízo sobre a acusação em ordem a verificar a sua regularidade processual para a submissão a julgamento. O requerente da instrução não solicita ao tribunal um juízo sobre o mérito da acusação, tão-só sobre a existência dos pressupostos para que a causa seja submetida a julgamento. É esse o juízo que o despacho de pronúncia e não pronúncia corporizam.” pág. 168- in Curso de Processo Penal, Volume III, Verbo.
9-b) E, acrescenta, o mesmo autor: “Nas fases preliminares do processo não se visa alcançar a demonstração da realidade dos factos, antes e tão-só indícios, sinais, de que um crime foi eventualmente cometido por determinado arguido. As provas recolhidas nas fases preliminares não constituem pressuposto da decisão jurisdicional de mérito, mas de mera decisão processual quanto à prossecução do processo até à fase de julgamento. Para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige, pois a prova, no sentido de certeza moral da existência de um crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido.”, pág.s 182 e 183 - in Curso de Processo Penal, Volume III, Verbo.
10- A Assistente/recorrente, ouvida a fls. 25 dos autos, confirmou a queixa apresentada a fls. 2 a 5 dos autos, nomeadamente, as expressões que o arguido lhe dirigiu, as circunstâncias de tempo e lugar em que as mesmas foram proferidas e descreveu o contexto em que os factos se verificaram, nomeadamente, da sua surpresa com a conduta do arguido, pois não existiu facto ou acontecimento – nomeadamente, cometido pela Assistente – que temporalmente precedesse a atitude do arguido e que, de alguma forma, a justificasse ou pelo menos, a explicasse.
11- O arguido (fls. 63) negou a prática dos factos participados e explicou que a denúncia-crime se deveu ao facto dele ser testemunha em vários processos judiciais que implicam os elementos da direcção pedagógica em 2011 do Conservatório de Música de Barcelos, do qual a denunciante fazia e ainda hoje faz parte;
12- O arguido não relata qualquer comportamento prévio da Assistente;
13- Tal versão é contrariada pela testemunha Ana M. que afirmou que a conduta do arguido foi de reacção a uma provocação da Assistente/recorrente (fls. 85 e 86);
14- O arguido reconheceu ter trocado umas palavras com a Assistente, que gesticulou e falou alto, por ter um problema de gaguez e admitiu ter dito a frase “não voltes a fazer isso”;
15- O arguido não explicando o contexto em que disse a frase citada no item 14º, para se perceber o porquê de o ter dito, nem explica como uma conversa, que não passou de uma troca de palavras, nela se insira frases, tal como aquela que o arguido admite ter dito, isto é, “não voltes a fazer isso”.
16- As testemunhas Maria G. e Ana P. que depuseram de forma coincidente quanto ao contexto e circunstâncias em que o arguido se dirigiu à Assistente, confirmaram que, abeirando-se delas a Assistente, logo de seguida se aproxima o arguido/recorrido dizendo-lhe ”não voltes a fazer isso”.
17- As testemunhas Maria G. e Ana P. ao relatarem que quando se aperceberam que a conversa assumia um teor pessoal, retiraram-se para dentro das respectivas salas de aula, situadas junto ao local em que se mantiveram arguido e Assistente, falando o arguido alto, necessariamente tinham que ouvir toda a troca de palavras entre ambos, até porque admitem ter ouvido, ainda, a Assistente a perguntar ao arguido se a estava a ameaçar e a resposta deste “estou”.
18- Por outro lado, as testemunhas Maria G. e Ana P. ao declararem que a conversa assumiu “um teor pessoal”, estão a admitir que ouviram outras palavras trocadas pelo arguido com a Assistente, para além das que relataram que, inclusive, apelidam de “pessoal”.
19- Do relato das mesmas testemunhas Maria G. e Ana P. resulta, ainda, que o arguido disse de uma só vez a frase ”não voltes a fazer isso”, em momento algum se referindo que o arguido gaguejou ao proferir a mesma, pelo que o falar alto e gesticular não pode ter sido em consequência da gaguez de que padece.
20- A testemunha Maria A. (fls. 82) relatou uma conversa telefónica mantida com a testemunha Ana M., que lhe telefonou para contar que entre a Assistente e o arguido tinha havido uma troca de palavras, no local de trabalho e que tal se deveu ao facto da Assistente ter acenado e o arguido ter reagido.
21- Mas se nada se passou de anormal, não se compreende como tal troca de palavras entre Assistente e arguido mereceu um telefonema da docente Ana Maria à docente Maria A., a contar o sucedido.
22- As testemunhas Maria A. (fls. 82) e Ana M. (fls. 85 e 86) usam o verbo reagir, ao descreverem a actuação do arguido; 23- Tais depoimentos têm implícito que o age.nte, o autor dessa reacção, o arguido, utilizou uma conduta que extravasa o normal agir, pois, reage e não age, utilizando - se não outros meios – pelo menos uma linguagem agressiva, podendo esta revestir igualmente carácter ofensivo, a merecer censura penal, que acompanha com manifestações corporais que reforçam o que se diz e a forma como se diz.
24- Tal corrobora as declarações da Assistente que relatou quando ouvida em inquérito (fls. 25) e fez constar da acusação particular que “O arguido dirigiu-se à Assistente em voz alta e, por isso, perfeitamente audível por quem quer que se encontrasse no local e enquanto proferia as frases descritas, apontava à Assistente o dedo indicador, colocando-se exactamente à sua frente e cara a cara.”
25- Discordamos da posição do Tribunal “a quo” ao não considerar credível o depoimento prestado pela testemunha Miguel A. (fls. 44), marido da assistente, que confirmou a ocorrência dos factos, dado ter tido conhecimento dos mesmos através do telefonema que, para o efeito, a Assistente lhe fez, pelas 15h00m, do próprio dia, mostrando-se esta perturbada e a chorar compulsivamente.
26- Acrescentou, ainda, a testemunha Miguel A., que logo no dia seguinte, pelas 8h30m confrontou o arguido, que lhe reconheceu ter proferido as expressões em causa e que o mesmo não justificou o seu comportamento.
27- A M.ma Juiz de Instrução entendeu não atribuir, ao depoimento da Assistente prestado em sede de inquérito, credibilidade bastante, pois “a assistente escusou-se a revelar o contexto em que os factos teriam ocorrido”;
28- De igual modo não atribuiu credibilidade ao depoimento da testemunha Miguel A., invocando idênticas razões;
29- O Tribunal “a quo” poderia sempre ter feito uso da faculdade que a Lei lhe confere de determinar a realização das diligências que considerasse úteis, tomando mais declarações à Assistente, bem como reinquirindo a testemunha Miguel A..
30- Assim não o tendo feito, o Tribunal “a quo” violou os princípios da oralidade e da mediação.
31- Acresce a prova documental junta – o processo disciplinar instaurado ao arguido pelo Conservatório de Música de Braga, pelos mesmos factos objecto da denúncia-crime, no âmbito do qual, o arguido/recorrido confessou a prática dos mesmos.
32- Analisando o conjunto de toda a prova a que supra se faz referência, conjugada com as regras da experiência comum, conclui-se que há indícios suficientes que permitem pronunciar o arguido/recorrido pelos factos e com o enquadramento jurídico-penal constantes do libelo acusatório particular.
33- Em conformidade a douta decisão instrutória deveria ter sido no sentido de considerar indiciariamente demonstrado que:---------------------------------
No dia 29 de Maio de 2014, cerca das 14,30h, no interior das instalações do Estabelecimento de Ensino …, encontrava-se a Assistente a conversar com as Docentes Ana P. e Maria G., junto à porta da sala de aula designada M1, quando delas se abeirou o arguido, e sem que nada o fizesse prever e, por isso, de forma inesperada, dirigiu-se à Assistente, dizendo-lhe: “Tenho vergonha de ter colegas como tu”, “Tenho nojo de ter colegas como tu”.
O arguido dirigiu-se à Assistente em voz alta e, por isso, perfeitamente audível por quem quer que se encontrasse no local e enquanto proferia as frases descritas, apontava à Assistente o dedo indicador, colocando-se exactamente à sua frente e cara a cara.---------------------------------------------
Tais expressões ou frases repetiu-as o arguido - confessando tê-las proferido - perante o Docente António M., instrutor do processo disciplinar que lhe foi instaurado por despacho da Directora do … e quando ouvido em declarações, na sequência da denúncia apresentada pela Assistente à dita escola. ----------------------------------------------------------------------------------
À data dos factos, Assistente e arguido leccionavam naquela escola e o arguido ainda hoje é aí professor.---------------------------------------------------
A Assistente sentiu-se profundamente ofendida e enxovalhada com as expressões que o arguido lhe dirigiu, audíveis por quem quer que fosse e se encontrasse no local, pois o arguido dirigiu-se à Assistente sempre em voz alta.-------------------------------
A Assistente é pessoa respeitada e considerada por todos quantos a conhecem e com ela privam. --------------------------------------------------------
O arguido sabia que tais afirmações eram susceptíveis de ofender a honra e consideração da Assistente e que a sua conduta é proibida por lei, mas mesmo assim não se coibiu de a levar por diante.--------------------------------
Agiu o arguido com o propósito concretizado de ofender a honra e consideração da Assistente, que efectivamente se sentiu ofendida e vexada com toda a conduta do arguido, atrás descrita, causando-lhe desgosto e grande abalo moral.------------------------
Agindo, pois, o arguido de modo deliberado e consciente.---------------------
Cometeu o arguido um crime de injúrias, p. e p. pelo artigo 181º do Código Penal.-----------------------------------------------------------------------------------
34- De tais indícios resulta uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena.
35- A douta decisão instrutória recorrida decidiu, ainda, que “as afirmações que lhe são atribuídas não integram os elementos objectivos típicos do imputado crime de injúria.”, decisão com a qual igualmente discorda a Assistente/recorrente.
36- Dispõe o artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal que “quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias”;
37- A honra é o bem jurídico protegido no crime de injúrias;
38- “A honra é um bem jurídico complexo, que inclui, por um lado, um valor pessoal e interior de cada indivíduo, o interesse da estima que cada um tem por si próprio, radicado na sua inviolável dignidade pessoal (honra interior), e, por outro, a própria reputação ou consideração exterior, o apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade do indivíduo enquanto pessoa e os demais valores pessoais por ele adquiridos no plano moral, intelectual, sexual, profissional ou político, o bom nome e reputação, o direito ao crédito pessoal e o direito ao decoro (honra exterior)”;
39- As afirmações “tenho nojo de ter colegas como tu”, “tenho vergonha de ter colegas como tu”, tratam-se da formulação de juízos de valor acerca da pessoa da Assistente, contendo uma apreciação sobre o seu carácter, exprimindo, de forma pejorativa, sentimentos de desprezo, de repulsa ou de aversão;
40- O comportamento do arguido é objectivamente injurioso: são expressões que proferiu de forma espontânea, da sua exclusiva vontade, dirigidas presencialmente à Assistente e através do qual se gera uma imagem negativa em torno da mesma, diminuindo a sua auto-estima e desprestigiando-a perante os outros;
41- No que diz respeito ao tipo subjectivo de ilícito, é um crime (de injúria) doloso;
42- a) Ora, tendo o arguido actuado de forma livre e deliberada, consciente de que as expressões proferidas são objectivamente idóneas a produzir uma ofensa à honra e consideração, propósito esse que logrou concretizar e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei,
42- b) cometeu o arguido/recorrido, com dolo directo, um crime de injúria, tal como o define o artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal e pela prática do identificado crime deverá ser pronunciado;
43- A Assistente sentiu-se efectivamente ofendida com as expressões que o arguido lhe dirigiu;
44- A decisão instrutória deveria ter sido de pronúncia do arguido para julgamento pela prática em autoria material do crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º do Código Penal.
45- Foi violado o disposto nos artigos 181º do Código Penal e artigos 127º, 283º, n.º2, 286º, n.º 1 e 308º, n.º1 todos do Código de Processo Penal.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve ser revogada a douta decisão instrutória recorrida e substituída por douto Acórdão que pronuncie o arguido Joaquim A. para julgamento em processo comum e com intervenção do Tribunal Singular, pela prática, em autoria material, de um crime de injúria, p. e p. pelo artº 181º do Cód. Penal, conforme lhe vem imputado por via da acusação particular de fls. 93 e 94, dando-se a mesma por integralmente reproduzida, bem como a prova ali elencada.
Assim se fazendo, JUSTIÇA.”

5. O recurso foi admitido por despacho de fls. 185.
6. O Ministério Público junto da 1ª instância (a fls. 189 a 193) respondeu ao recurso, concluindo no sentido da improcedência do recurso.
7. O arguido (a fls. 194 a 202) respondeu ao recurso, concluindo no sentido do seu não provimento e manutenção da decisão recorrida.
8. Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto (a fls. 214 e 215) emitiu parecer no sentido de que “o recurso deve ser julgado improcedente”.
9. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, não foi apresentada resposta.
10. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foi realizada conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito.
No caso vertente, a questão essencial suscitada pela recorrente consiste em saber se existem indícios suficientes da prática, pelo arguido, do imputado crime de injúria, para que, nessa sequência, o mesmo venha a ser pronunciado e submetido a julgamento.
Todavia, afigura-se-nos que uma questão prévia importa analisar e que tem a ver se as expressões de que o arguido foi acusado de ter dirigido à assistente são, ou não, susceptíveis de integral o crime de injúria. É que uma eventual resposta negativa a esta questão torna prejudicial aqueloutra questão de saber se há ou não indícios do cometimento de crime.

Vejamos, desde já, o teor da decisão recorrida (transcrição):
“DECISÃO INSTRUTÓRIA
I.
Inconformado com a acusação que a assistente Maria C. contra ele deduziu, por imputada prática, em autoria material, de um crime de injúria, p. e p. pelo artº 181º do Cód. Penal, o arguido Joaquim A., melhor id. nos autos, requereu a abertura da instrução.---
Fundamentou as razões da sua manifestada discordância, sustentando, em síntese, que não foram, em fase de inquérito, reunidos indícios em medida bastante dos factos cuja prática lhe vem atribuída; que, a manter-se em julgamento, a prova produzida em inquérito, nunca poderia deixar de beneficiar da aplicação do princípio in dubio pro reo. Concluiu, pugnando pela prolação de despacho de não pronúncia.---
Admitido o requerimento apresentado e, consequentemente, declarada a abertura da fase de instrução, procedeu-se, na ausência de produção de prova suplementar, a requerimento ou por determinação oficiosa do Tribunal, a debate instrutório, com observância do pertinente formalismo legal.---
II.
Após o despacho que admitiu a abertura da instrução não sobreveio qualquer excepção, nulidade, questão prévia ou incidental que, afectando a presente fase processual, cumpra conhecer e que obste à apreciação do mérito.---
III.
A questão posta, nesta sede e momento processual, consiste em saber se devem ou não os presentes autos prosseguir os seus termos, para a fase de julgamento, com pronúncia do arguido Joaquim A. pelos factos e incriminação jurídico-penal constantes da acusação particular contra ele deduzida nos autos, a fls. 93 e 94, pela assistente Maria C..---
Delimitado o objecto da decisão a proferir, importa considerar a previsão do nº 1 do artº 286º do Cód. de Proc. Penal, em conformidade com o qual a instrução tem por finalidade a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.---
Complementarmente, prescreve o artº 308º, nº 1 do citado diploma legal que se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia.---
E os indícios devem ser tidos por suficientes, sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança, em conformidade com o que se dispõe no nº 2 do artº 283º, aplicável ex vi do preceituado no nº 2 do artº 308º.---
Delineado o quadro normativo a considerar e com interesse para o caso que nos ocupa, impõe-se, antes do mais, tecer algumas considerações prévias, a respeito do que deve entender-se pela aludida possibilidade razoável, conceito [indeterminado] de que o legislador se socorre para conferir aos indícios o atributo de suficientes e, nessa medida, de elementos propulsores da submissão da causa a julgamento.---
Ora, na formulação proposta por José da Costa Pimenta [“in” Código de Processo Penal Anotado, 2ª. edição, Rei dos Livros, Lisboa, pp. 28 e 29] “Indício é a circunstância certa através da qual se pode chegar, por indução lógica, a uma conclusão acerca da existência ou inexistência de um facto que se há-de provar”. E prossegue o mesmo autor, dizendo, com inteiro acerto, “(…) tem que considerar-se válido o ensinamento tradicional, que fundamenta o convencimento indiciário num esquema de silogismo. A premissa maior, de natureza problemática, é constituída pelas máximas de experiência e pelo senso comum; a premissa menor, que deve revestir carácter certo, é constituída pela circunstância indiciante; a conclusão, por fim, conjuga logicamente a premissa menor, concreta e certa, com a premissa maior, abstracta e problemática, e constitui o argumentum desmonstrativum delicti”.---
Nas fases preliminares do processo - de inquérito e de instrução - não se visa, como bem nota Germano Marques da Silva [“in” Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 2000, pp. 178 e 179], alcançar a demonstração da realidade dos factos, mas, antes e tão-só indícios, ou seja, sinais de que um crime foi eventualmente cometido por determinado arguido. As provas recolhidas, naquelas fases, não constituem pressuposto da decisão jurisdicional de mérito, mas de mera decisão processual quanto à prossecução do processo até à fase de julgamento. Daí que, para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exija a prova, no sentido de certeza moral da existência do crime, bastando-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime.---
E os indícios suficientes, para aquele anunciado efeito, devem ser tidos por verificados sempre que, na terminologia legal, se apresentem como bastantes para fundar uma possibilidade razoável de condenação. Tem-se considerado que essa possibilidade é uma probabilidade mais positiva do que negativa, ou seja, o juiz só deve pronunciar quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido. É, no entanto, ponto assente que, na pronúncia, o juiz não julga a causa; verifica se se justifica que, com as provas recolhidas no inquérito e na instrução, o arguido seja submetido a julgamento. Não são, assim, impostas as mesmas exigências de verdade e de certeza requeridas pelo julgamento final [neste sentido, Germano Marques da Silva, Ob. Cit., p. 179; Acórdão da Relação do Porto de 20.10.93, “in” CJ, 1993, Tomo IV, p.261].---
Como se escreveu, também, no acórdão da Relação de Guimarães de 17.02.2014 [“in” http://www.dgsi.pt/jtrg, Proc. nº 831/11.6TAFAF.G1], os “(…) indícios suficientes, para efeitos de pronúncia, são os elementos de facto existentes no processo que permitem a convicção do juiz de instrução de que, a manterem-se em julgamento, terão a virtualidade de conduzir à condenação do arguido ou, pelo menos, que essa condenação é mais provável que a absolvição”.---
A suficiência dos indícios não pode, nem deve, porém, ancorar-se em caprichos e/ou impressões meramente subjectivas. Com efeito, exige-se um juízo crítico, objectivo e fundamentado dos elementos de prova que os autos contêm. Por isso, o juiz, finda a instrução, tem de proceder a uma análise conjunta dos elementos de prova, apreciando, nomeadamente, da credibilidade e consistência dos depoimentos prestados em conjugação com os demais elementos probatórios, à luz das regras de experiência comum, da lógica e da razoabilidade. E só com base nessa análise poderá concluir se os elementos de prova recolhidos até ao momento, uma vez produzidos e/ou examinados [“repetidos”] em audiência de julgamento e sujeitos ao contraditório pleno, à oralidade e à imediação, permitem formar um juízo de probabilidade séria de condenação do arguido [vd., neste sentido, acórdão da Relação de Guimarães de 22.10.2012, Proc. nº 657/08.4TABGC.G1, e acórdão da mesma Relação de 17.02.2014, já acima citado, publicados ambos em idêntico sítio]. E não há dúvida de que, no indicado percurso, a prova indiciária, circunstancial ou indirecta, devidamente valorizada, permite fundamentar esse juízo de probabilidade, quando os elementos em que se apoiam são precisos e concordantes.--
Em síntese, o processo de sindicância, conducente à decisão de pronúncia, deve, como se considerou no acórdão da Relação do Porto de 23.11.2011 [“in” http://www.dgsi.pt/jtrp, Proc. nº 18/09.8TATMC.P1], passar por três fases: (i) um juízo de indiciação da prática de um crime, resultante dos elementos probatórios produzidos; (ii) um juízo probatório de imputação desse crime ao arguido; e (iii) um juízo de prognose condenatório, mediante o qual se possa concluir que predomina uma possibilidade razoável de o arguido vir a ser condenado por esses factos ou vestígios probatórios.---
Dito isto e vertendo ao caso que nos toma, a questão decidenda consiste em saber, como se anunciou já, se os autos devem ou não prosseguir para a fase de julgamento. A resolução da questão enunciada, limitada que se encontra pelos termos do requerimento de abertura de instrução apresentado, passará, necessariamente, por determinar se os indícios colhidos nos autos, em fase de inquérito, são ou não suficientes para suportar o continente factual constante daquele libelo acusatório, por forma a sustentar a possibilidade razoável de condenação futura do arguido Joaquim Matos.---
Pois bem. Tal como dos autos decorre, a assistente Maria C. deduziu, no culminar da fase de inquérito, acusação particular contra Joaquim A., imputando-lhe, como se disse já, a prática, em autoria material, de um crime de injúria, p. e p. pelo artº 181º do Cód. Penal.---
Considerou, em síntese, encontrar-se suficientemente indiciado que, no dia 29.05.2014, cerca das 14h30m, nas instalações do estabelecimento de ensino …, estando a conversar com outras duas docentes de quem é colega, o arguido, professor na mesma instituição, aproximou-se e, sem que nada o fizesse prever, dirigiu-se-lhe, em voz alta e audível para quem se encontrava no local, dizendo “tenho vergonha de ter colegas como tu” e “tenho nojo de ter colegas como tu”; que o arguido, ao prosseguir a descrita conduta, o fez de forma livre e deliberada, consciente de que as afirmações por si produzidas eram aptas a ofender na sua honra e consideração, não desconhecendo, ainda, da proibição e punibilidade da respectiva conduta.---
Indicou, como elementos de prova dos factos por cuja prática indiciária concluiu os que se encontram elencados a fls. 94 e que, por economia de meios, se dão por integralmente reproduzidos.--
Impõe-se, agora, analisando criticamente os elementos de prova carreados para os autos, até esta fase, decidir se deve ou não pronunciar-se o arguido Joaquim A., pelos factos e com o enquadramento jurídico-penal constantes do libelo acusatório particular.---
Nesse processo de sindicância, importa considerar que os autos tiveram início com a denúncia constante de fls. 2 a 5, cujo teor se dá por reproduzido e por via da qual a assistente Maria Cristina Dornelas participou a ocorrência dos factos aí vertidos, a incluir os que foram, posteriormente, objecto da acusação particular que deduziu. Para além dos factos que, pela indicada via, narrou, fez, ainda, constar da participação apresentada que o comportamento do arguido não teve qualquer causa, tendo ocorrido de forma totalmente descontextualizada, inesperada e gratuita, tanto mais que nunca entre ambos existiu qualquer desentendimento, mantendo relação de amizade por mais de 20 anos. A acompanhar a queixa que apresentou, fez juntar aos autos cópia de exposição que dirigiu à Directora do …, que se encontra a fls. 6 e 7, tendo, ainda, indicado como testemunhas dos factos ocorridos Ana P., Maria G. e Miguel M..---
Nas declarações que lhe foram tomadas em inquérito, a assistente confirmou, nos seus precisos termos, a participação que apresentou, reforçando desconhecer o que motivou a atitude do denunciado e acrescentando que as duas colegas presentes no momento dos factos, Ana P. Moreira e Maria G., o chamaram à atenção pelo seu comportamento inapropriado.
Disse, ainda, que, na data que se seguiu à da ocorrência dos factos, a testemunha Miguel Miranda, de quem é cônjuge, confrontou, segundo o mesmo lhe transmitiu, o arguido, que, perante ele, assumiu o que fizera – cfr. fls. 25 e 26.---
Ana P., inquirida que foi na qualidade de testemunha, declarou que, sendo docente no estabelecimento em referência nos autos, estava, em data que não soube precisar com rigor, mas localizada no decurso do mês de Maio de 2014, entre as 14h10m e as 14h30m, à porta de uma sala de aulas, a conversar com a colega Maria G. Miranda, quando de ambas se aproximou a assistente. Mais disse que, de seguida, se aproximou, também, o arguido, que, em voz alta, o que nele é habitual por gaguejar, disse à assistente, “não voltes a fazer isso”. Acrescentou que, depois, ambos trocaram algumas palavras, delas tendo retido na sua memória que a assistente perguntou ao arguido se a estaria a ameaçar, ao que o mesmo respondeu afirmativamente. Finalizou, dizendo que, tendo percepcionado, a dado momento, que a conversa tomara rumo pessoal, retirou-se para dentro da sala, juntamente com a colega Maria G. – cfr. fls. 28 e 29.---
A testemunha Maria G. prestou depoimento de sentido convergente ao da anterior testemunha – cfr. fls. 30 e 31.---
Por seu turno, a testemunha Miguel A. e Silva M., que da assistente é cônjuge, declarou ter tomado conhecimento dos factos ocorridos por aquilo que lhe foi transmitido, telefonicamente, por ela, pelas 15h00m, do dia em consideração, sendo que a mesma se apresentava perturbada e a chorar compulsivamente. Adiantou que no dia dos factos tentou estabelecer contacto com o arguido, o que, porém, apenas, veio a lograr conseguir, pelas 8h30m do dia seguinte, tendo o mesmo, perante si, assumido o que fizera, ameaçando-o a ele, depoente, nos mesmos termos. Disse, ainda, que o arguido, nesse momento, não justificou os seus comportamentos, não encontrando ele, depoente, também qualquer justificação para eles, sendo certo que o arguido e a assistente eram amigos de longa data – cfr. fls. 44 e 45.---
O arguido, interrogado que foi nessa indicada qualidade, negou a autoria dos factos cuja prática lhe vem atribuída, justificando a denúncia que contra si foi apresentada pelo facto de se encontrar arrolado como testemunha em vários processos pendentes no Tribunal de Barcelos e em que são visados elementos da direcção pedagógica de 2011 do …, do qual a assistente faz, ainda hoje, parte. Mais disse conhecer a assistente há mais de 30 anos, tendo ambos sido colegas no …, com o qual deixou de colaborar após ter tomado conhecimento de irregularidades aí praticadas, sendo que, porém, se manteve colega da assistente no …. Disse, ainda, que, depois de ter deixado de colaborar com o estabelecimento de Barcelos, o que sucedeu em 2011, a assistente deixou de lhe falar, perdendo-se a relação de amizade que ambos mantinham. A respeito dos factos participados, declarou ter trocado, efectivamente, palavras com a assistente, o que fez, efectivamente, em tom de voz elevado, o que nele é habitual, como é conhecimento da mesma, devido a um problema de gaguez de que padece. Acrescentou que não foi sua intenção ameaçá-la nem insultá-la, embora lhe possa ter dito, no já referido tom elevado de voz, “não voltes a fazer isso”. Indicou como testemunha Ana M. - cfr. fls. 62 a 64.---
Foi junta aos autos cópia certificada de peças de processo disciplinar que no … correu termos contra o arguido, a incluir as declarações pelo mesmo prestadas nessa sede, bem como o relatório final elaborado – cfr. fls. 65 a 73.---
Inquirida que foi, na qualidade de testemunha, Maria A. declarou não ter presenciado os factos, tendo, apenas, tomado conhecimento, através de Ana M., que o arguido e a assistente haviam, na data dos factos, trocado palavras, tudo motivado por comportamento prévio que esta tomara relativamente àquela – cfr. fls. 82.---
Por seu turno, a testemunha Anabela R. declarou que, na data dos factos, a assistente lhe transmitiu que iria dar entrada de um processo contra o arguido, em decorrência de este a haver insultado, não lhe revelando, porém, o que o mesmo lhe havia dito – cfr. fls. 83 e 84.---
Finalmente, a testemunha Ana M. declarou que, na data dos factos, se encontrava num corredor que dá acesso às salas de aulas, quando por passou a assistente, que lhe dirigiu atitude que tomou como provocatória e que atribuiu ao facto de ela, depoente, ser testemunha em processo em que se investigam alegados desvios de dinheiros no …. Mais disse que, estando, nessa ocasião, o arguido na sua companhia, o mesmo reagiu à provocação da assistente, dirigindo-se na direcção dela, não tendo, porém, ela, depoente, percepcionado as palavras trocadas entre ambos – cfr. fls. 85 e 86.---
Nesta fase de instrução, como se disse já, não foram produzidas, a requerimento ou por determinação oficiosa do Tribunal, diligências suplementares de prova.---
Isto posto, coloca-se a questão de saber se os indícios colhidos nos autos são, ou não, suficientes para determinar a sujeição do arguido Joaquim A. a julgamento, pelos factos e enquadramento jurídico-penal constantes da acusação particular contra ele deduzida. E a resposta é, adiantamo-lo já, negativa. Vejamos porquê.---
Assim, e tal como dos autos decorre, a assistente corroborou, nas declarações por si prestadas em inquérito, os factos constantes da participação que apresentou e que vieram a originar a acusação particular que deduziu.---
Porém, as suas declarações foram as únicas produzidas nos autos a suportar, directamente, a alegada ocorrência dos factos.---
Com efeito, as testemunhas Ana P. e Maria G., assumidamente presentes no local, confirmaram, apenas, ter ocorrido troca de palavras entre o arguido e a assistente, com alguma correspondência com a parte da materialidade denunciada por esta e passível, abstractamente, de fazer incorrer o mesmo na prática de ilícito penal de natureza procedimental semi-pública – que foi objecto de arquivamento pelo Ministério Público. Por seu turno, as testemunhas Miguel A., Maria A. e Anabela R. não revelaram dos factos ter qualquer conhecimento directo, reportando-se aquilo que relataram ao que lhes foi transmitido por terceiros, a incluir a assistente. Já a testemunha Ana M., declarando-se, embora, nas proximidades do local de ocorrência dos factos, afirmou não ter percepcionado as palavras trocadas entre a assistente e o arguido.---
Isto posto, não pode deixar de reconhecer-se que, verificado que seja algum tipo de interesse, directo ou indirecto, no desfecho de qualquer causa – o que se verifica, em geral e pela natureza das coisas, relativamente à pessoa do ofendido ou do assistente, não sendo, porém, apanágio singular dele -, devem as declarações de quem se encontre nessa indicada posição merecer especiais cautelas.---
Não significa, no entanto, isso que possa, ou deva, retirar-se, sem mais, ou seja, aprioristicamente, credibilidade aos relatos produzidos. É que tudo depende, como é evidente, dos termos em que as declarações são prestadas. E se o forem de forma devidamente circunstanciada e coerente, nenhuma razão de princípio pode determinar a não atendibilidade de qualquer meio de prova previsto na lei, seja ele qual for. E as declarações do ofendido ou do assistente são, como é sabido, um meio de prova como outro qualquer.---
Tendo as enunciadas asserções como certas, coloca-se, justamente, a questão de saber se o relato da assistente deve, ou não, no confronto com a ausência de outra prova, ao menos directa, que o corrobore, merecer especial credibilidade.---
E, nesse particular, regista-se que a assistente fez afirmar na denúncia que apresentou que o comportamento do arguido se apresentou como totalmente inesperado e descontextualizado, considerando, até, que vinham mantendo relação de amizade há várias dezenas de anos. Foi afirmação que, quando ouvida em declarações, reiterou.---
Pois bem. No contexto de pessoas que mantenham entre si relações pessoais, para mais de amizade e mantida por longo período de tempo, a ausência de motivo propulsor – seja ele qual for - é totalmente inusual, para não dizer já que não se apresenta concordante, à luz das regras de lógica e de normalidade esperada, com a possibilidade de ocorrência de factos da natureza dos denunciados.---
Porém, a assistente escusou-se a revelar o contexto em que os factos teriam ocorrido, declarando, até, no que foi contrariada pela demais prova produzida em inquérito, que mantinha, na data deles, relação de especial amizade com o arguido. Não pode, assim, dizer-se que, isoladamente considerado na sua função probatória de directamente suportar a ocorrência dos factos, deva atribuir-se especial ou acrescida credibilidade ao relato da assistente.---
Disse, porém, a testemunha Miguel A., que da assistente é cônjuge, que a mesma, em quase contínuo à ocorrência dos factos, o contactou telefonicamente, dando mostras de especial estado de perturbação devido à alegada ocorrência deles. Por isso, coloca-se a questão de saber se, circunstancialmente, tal ocorrência poderia conferir credibilidade acrescida ao relato da assistente. Sucede, porém, que, para além de a testemunha Miguel A. ter alinhado no mesmo diapasão de afirmar a especial relação de amizade mantida entre a sua cônjuge e o arguido, retirando ao comportamento deste qualquer causa que o pudesse ter motivado, mais remota ou próxima, num relato que não pode ser tido senão como desviando-se da realidade dos factos, o certo é que a testemunha Anabela R. não deu fé, no depoimento que prestou, do referido estado de especial alteração emocional em que, após a troca de palavras entre o arguido e a assistente, esta teria ficado.---
De registar, ainda, que, na versão mantida pela assistente, ao longo do inquérito, e parcialmente corroborada pelas testemunhas Ana P. e Maria G. o arguido, a par das afirmações pelas quais veio a ser particularmente acusado, ter-lhe-ia destinado outras que tomou como ameaçadoras – e que, como se disse já, foram objecto de arquivamento, ocorrência contra a qual a assistente não se insurgiu, requerendo a abertura da instrução. Pode assim dizer-se que, se foi o caso de a assistente - como declarou, apenas, o seu cônjuge -, ter ficado especialmente perturbada, logo após a ocorrência dos factos, tal estado de alteração emocional poderá bem ter-se ficado a dever às expressões que tomou como atentatórias da sua integridade física.---
Ainda no que respeita ao depoimento prestado pela testemunha Miguel A. veio o mesmo dar fé de que o arguido, no dia que se seguiu ao confronto com a assistente, teria assumido perante ele o que fizera, a incluir a matéria objecto da acusação, assim como o teria ameaçado também a ele. Não indicou, porém, a colega que, alegadamente, teria estado presente no curso dessa ocorrência e que teria logrado retirar o arguido do local, afirmando desconhecer a identidade dela.---
Pois bem. Para além de, porventura, a testemunha Miguel A. – em atenção à sua formação profissional, como resulta atestado dos termos em que se identificou – não desconhecer da importância de, não tendo estado presente na data dos factos, contribuir para corroborar a versão da sua cônjuge, certo é que o respectivo depoimento nos mereceu especiais reservas, pelas razões já acima apontadas.---
Acresce dizer que pretende a assistente, como resulta do texto da acusação que deduziu, extrair probatoriamente subsídios da certidão junta aos autos, relativa, entre o mais, ao teor das declarações prestadas pelo arguido, quando inquirido no âmbito do processo disciplinar que o visou. Está-se, porém, em presença de confissão produzida fora do processo penal, perante entidade instrutória de processo disciplinar---
Simplesmente, nada do que o arguido pudesse ter afirmado, na indicada sede, pode constituir meio de prova atendível para suportar qualquer juízo condenatório e, por conseguinte, menos ainda o juízo indiciário favorável que se supõe formulado nesta fase de instrução. É que como resulta do princípio da suficiência, plasmado no artº 7º do Cód. de Proc. Penal e corolário do princípio da presunção da inocência, o processo penal é promovido independentemente de qualquer outro, nele se resolvendo todas as questões que interessem à decisão da causa – sem prejuízo do que se prescreve no nº 2 da citada disposição normativa, que, no caso, não tem qualquer aplicação. Por isso, confissões de facto obtidas fora do processo penal, seja em que contexto for, e sem as garantias por este reclamadas, são probatoriamente inatendíveis.---
De registar que, de resto e nesta sede em que nos encontramos, não está em questão saber se o arguido praticou os factos, mas se os autos contêm indícios, em medida suficiente, da correspondente ocorrência. E a essa questão impõe-se prestar resposta negativa, sendo que, para o efeito, não tem, também nesta fase, o Tribunal que admitir que, em julgamento, venha, ou possa vir, a produzir-se mais e melhor prova. Tem que admitir, apenas e como se disse já acima, que a prova produzida em inquérito venha a reproduzir-se em julgamento e, nesse pressuposto, formular um juízo de maior probabilidade de condenação do arguido. E é esse juízo que, no caso, não se mostra possível.---
Aqui chegados, não pode deixar de tecer-se mais algumas considerações adicionais.---
É que, ainda que, porventura, os autos contivessem – que não contêm, como se disse já – indícios em medida bastante da ocorrência dos factos por cuja prática foi o arguido acusado, a verdade é, porém, que se entende que as afirmações que lhe são atribuídas não integram os elementos objectivos típicos do imputado crime de injúria.---
Com efeito, as afirmações atribuídas ao arguido, produzidas sem mais, como teria sucedido na versão da assistente, não se mostram aptas a atingir qualquer núcleo essencial de qualidades morais dela. Na verdade, pergunta-se, até, a que qualidades dessa natureza se teria reportado, ou querido reportar, o arguido, na medida em que não teria particularizado de que comportamentos ou atributos dela tinha vergonha ou nojo. Não lhe disse, também, que a mesma fosse, em geral, vergonhosa ou nojenta.---
Na verdade, e a terem ocorrido os factos conforme relata a assistente, o arguido limitou-se, num contexto de liberdade reconhecida a qualquer cidadão, a manifestar a opinião que dela tem ou os sentimentos que pela mesma nutre, ainda que, porventura, infundamentados. Poderia tê-lo feito, é certo, de outro modo, afirmando que a mesma o embaraçava ou que lhe causava repulsa. Sendo, no entanto, esse o sentido do que, em substância, lhe manifestou, não é por ter optado pelo emprego de expressões porventura injustas, mais grosseiras ou descorteses que as suas acções revestem a carga ofensiva necessária para merecer a tutela penal, ainda que a assistente se tivesse sentido, efectivamente, ofendida por elas – vd., a este propósito, entre outros, Ac. do STJ de 22.01.2015, “in” CJ STJ, 2015, Tomo I, pp. 206 e ss.; Ac. da Relação de Guimarães de 23.02.2015, “in” CJ, Ano XL, Tomo I, p. 309 (sumários).---
IV.
Em síntese do que vem de dizer-se, considera-se, com relevância para a decisão a proferir:---
a) Indiciariamente demonstrado que:---
[único]. No dia 29.05.2014, cerca das 14h30m, no interior das instalações do estabelecimento de ensino …, onde Maria C. e o arguido, à data, leccionavam, e quando aquela que se encontrava junto à porta de entrada de uma das salas de aulas, este abeirou-se da mesma, dirigindo-se-lhe verbalmente, em tom de voz elevado.---
b) Indiciariamente não demonstrado que:---
i. Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar reportadas em a), o arguido, de entre as afirmações que produziu, haja dito a Maria C. “tenho vergonha de ter colegas como tu” e “tenho nojo de ter colegas como tu”.---
ii. O arguido haja actuado de forma livre e deliberada, consciente de que dirigia a Maria C. afirmações aptas a nesta provocar ofensa na sua honra e consideração, logrando alcançar tal resultado.---
Em decorrência de tudo quanto se deixou dito, impõe-se proferir decisão de não pronúncia.---
V.
Pelo exposto, decide-se não pronunciar, para julgamento em processo comum e com intervenção do Tribunal Singular, Joaquim A., melhor id. nos autos, pela prática, em autoria material, de um crime de injúria, p. e p. pelo artº 181º do Cód. Penal, conforme lhe vem imputado por via da acusação particular de fls. 93 e 94.---
Custas a cargo da assistente, com taxa de justiça que se fixa em 2 UC.---
(…)”

Pela leitura desta decisão recorrida que culminou pela não pronúncia do arguido, ressalta, em primeira linha, que, depois de analisar todos os elementos de prova recolhidos em sede de inquérito, a Mma Juíza chegou à conclusão de que não existiam indícios suficientes que o arguido tivesse dirigido à assistente as expressões “Tenho vergonha de ter colegas como tu”, “Tenho nojo de ter colegas como tu”, expressões estas que constituíam o verdadeiro cerne da acusação particular que a assistente configurava como integradoras do crime de injúria que assacava ao arguido. E, já a título subsidiário (ou seja em segunda linha), a Mma Juíza a quo considerou que mesmo que tivessem sido proferidas tais expressões, as mesmas não seriam susceptíveis e integrar, desde logo, os elementos objectivos do crime de injúria de que arguido tinha sido acusado.

Deixando já aqui adiantada a nossa posição, consideramos que bem andou a Mma Juíza a quo ao enveredar pela prolação de decisão de não pronúncia do arguido.
Estabelece o artigo 425º, n.º 5 do Código de Processo Penal que “Os acórdãos absolutórios enunciados no artigo 400º, n.º 1, al. d), que confirmem decisão de 1ª instância sem qualquer declaração de voto podem limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada”.
Muito embora, em termos técnico-jurídicos um acórdão absolutório seja distinto de um despacho de não pronúncia, este último tem o mesmo sentido/efeito de absolutório porquanto, também na não pronúncia não há responsabilização criminal de alguém. Este tem sido o entendimento dos tribunais superiores, nomeadamente do STJ: “um acórdão da Relação que confirma um despacho de não pronúncia da 1.ª instância é um acórdão absolutório” para os efeitos do disposto na al. d), do n.º 1, do art. 400º do CPP. (cfr. Acórdão do S.T.J., de 8 de Julho de 2003, Proc. n.º 2304/03 - 5.ª Secção, Relator o Ex.mo Conselheiro Abranches Martins, aliás este também citado e seguido de perto no Ac da Relação de Lisboa, de 09.04.2013, Proc. 1208/11.9TDLSB.L1, Relator Jorge Gonçalves)
Assim, devendo haver confirmação da decisão recorrida – como acontece no presente caso -, pode a respectiva fundamentação limitar-se a remeter para os fundamentos da decisão impugnada, nos termos do disposto no artigo 425.º, n.º 5, do CPP.
Apesar de não nos propormos a fazer isso de modo assim tão singelo, de sobremaneira limitar-nos-emos a tecer algumas a considerações especialmente relacionadas com a questão prévia já supra invocada (sendo que, na parte final da decisão recorrida isso já tinha sido abordado) de que as expressões em causa não susceptíveis de integrar a prática de crime.
Apreciemos.
Muito embora, numa primeira fase, a decisão recorrida tenha, de forma exaustiva, analisado os elementos de prova recolhidos em sede inquérito para chegar ao entendimento da inexistência de indícios suficientes de que o arguido tivesse proferido aquelas expressões - independentemente de saber se existem ou não indícios de que, efectivamente, tivessem sido proferidas - somos de considerar que tais expressões não são susceptíveis de integrar (desde logo a nível objectivo) o crime de injúria p. e p. pelo artigo 181º nº 1 do Código Penal que a assistente imputou ao arguido na acusação que deduziu.
Senão, vejamos:
Estabelece o art.º 181 nº 1 do Código Penal:
"Quem, injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias".
Trazendo à colação os ensinamentos de Beleza dos Santos sobre o que deve entender-se por “honra” e “consideração”, escreve aquele autor que entende-se por honraaquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale; refere-se ao apreço de cada um por si, à auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral”, e por consideração aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração ou ao desprezo público; refere-se ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social ou, ao menos, de não o julgar um valor negativo” (Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e injuria, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 92, n.º 3152, pág. 167/168).
E continua aquele autor:
“Nem tudo aquilo que alguém considere ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria punível (…)“Há pessoas com um amor próprio tal, com uma estima tão grande pelo eu, atribuindo um valor de tal maneira excessivo àquilo que possa tocá-los e ainda ao que dizem ou pensam os outros, que se consideram ofendidos por palavras ou actos que, para a generalidade das pessoas, não constituiriam ofensa alguma. Neste caso, não deve considerar-se existente qualquer difamação ou injúria. (…) Não deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem tudo aquilo que o queixoso entenda que o atinge, de certos pontos de vista, mas aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais”.
Por outras palavras, o que é ofensivo da honra e consideração alheia não é aquilo que o é para o concreto ofendido, mas sim o que é considerado como tal pela generalidade das pessoas de bem de um certo país e no contexto sócio-cultural em que os factos se passaram, de forma a que a sociedade não lhe fique indiferente, reclamando a tutela penal de dissuasão e repressão desse comportamento.

Regressando ao caso dos autos (independentemente de saber se existem ou não indícios de que tenham sido proferidas, frise-se) dirigir-se à assistente em voz alta e proferir as expressões “Tenho vergonha de ter colegas como tu”, “Tenho nojo de ter colegas como tu”, tais expressões não configuram a prática de qualquer crime, mormente do crime de injúria.
Dizer directamente a uma pessoa “Tenho vergonha de ter colegas como tu”, “Tenho nojo de ter colegas como tu”, salvo o muito devido respeito por opinião contrária, não traduz a imputação de quaisquer factos a essa pessoa nem essas palavras são ofensivas da honra e consideração de quem quer que seja.
O que o arguido alegadamente expressa é aquilo que ele próprio sente derivado do facto da assistente ser uma das suas colegas. Daquelas palavras decorre que o arguido se sente envergonhado e/ou tem nojo pelo facto da assistente ser uma das suas colegas (quiçá, resultante essa repulsa da mesma poder tido algum comportamento que não seja do seu agrado, comportamento esse a que a assistente nem sequer faz referência na acusação). Diferentemente do que a assistente parece pretender dar a entender, das mesmas palavras não se pode concluir que o arguido esteja a chamar de nojenta à assistente ou que lhe o mesmo tivesse afirmado, por exemplo, “és uma vergonha” ou que a mesma seja vergonhosa.
Com aquelas imputadas palavras/expressões o arguido apenas manifesta o que sente em relação à assistente e, dessa forma, evidencia o seu desagrado/repulsa em relação à mesma.

E a expressão desse sentimento apenas e tão só se pode inserir no âmbito da liberdade de expressão erigida pelo legislador no art. 37.º da Constituição da República Portuguesa, que tem por epígrafe “Liberdade de expressão e informação”, dispondo o nº 1 que “Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações”.
E estabelece o nº 2 de tal preceito constitucional que “O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura”.

O direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades da pessoa visada. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse a vida em sociedade seria impossível e o direito seria a fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função.
Aquelas expressões - embora de cariz porventura deselegante, indecoroso e de pouca cortesia para com a assistente e de a esta poderem ter causado desprazer, desconforto ou indignação - apenas podem ser vistas mais como um desabafo em que o arguido sente repulsa de ter assistente como colega, e não, propriamente, como um ataque ao carácter ou à personalidade da assistente.

A este propósito, e por elas concordarmos, recordemos aquilo que, já próximo do seu final, foi dito na decisão recorrida:
“É que, ainda que, porventura, os autos contivessem – que não contêm, como se disse já – indícios em medida bastante da ocorrência dos factos por cuja prática foi o arguido acusado, a verdade é, porém, que se entende que as afirmações que lhe são atribuídas não integram os elementos objectivos típicos do imputado crime de injúria.---
Com efeito, as afirmações atribuídas ao arguido, produzidas sem mais, como teria sucedido na versão da assistente, não se mostram aptas a atingir qualquer núcleo essencial de qualidades morais dela. Na verdade, pergunta-se, até, a que qualidades dessa natureza se teria reportado, ou querido reportar, o arguido, na medida em que não teria particularizado de que comportamentos ou atributos dela tinha vergonha ou nojo. Não lhe disse, também, que a mesma fosse, em geral, vergonhosa ou nojenta.---
Na verdade, e a terem ocorrido os factos conforme relata a assistente, o arguido limitou-se, num contexto de liberdade reconhecida a qualquer cidadão, a manifestar a opinião que dela tem ou os sentimentos que pela mesma nutre, ainda que, porventura, infundamentados. Poderia tê-lo feito, é certo, de outro modo, afirmando que a mesma o embaraçava ou que lhe causava repulsa. Sendo, no entanto, esse o sentido do que, em substância, lhe manifestou, não é por ter optado pelo emprego de expressões porventura injustas, mais grosseiras ou descorteses que as suas acções revestem a carga ofensiva necessária para merecer a tutela penal, ainda que a assistente se tivesse sentido, efectivamente, ofendida por elas (…)”

Como já tivemos oportunidade de referir, decorre das expressões em causa, podendo até ser totalmente infundamentadas, que as mesmas se mostram de nível deselegante, indecoroso e de pouca cortesia para com a assistente.
Todavia, e apesar disso - porque tais expressões não se revelam adequadas a ofender aquele núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros, ou seja, não são adequadas a ofender a honra e consideração - tais expressões apresentam-se como atípicas e por isso insusceptíveis de censura penal.

Em face do exposto, e em síntese conclusiva, bem andou, pois, o tribunal a quo ao proferir despacho de não pronúncia do arguido, pelo que o recurso não poderá ser provido.

III. DISPOSITIVO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s. (arts. 515º nº 1 al. b) do Código de Processo Penal e 8º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, conjugado este com a Tabela III anexa a tal Regulamento)
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(Elaborado em computador e revisto pelo relator, o primeiro signatário - art. 94º nº 2 do Código de Processo Penal)
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Guimarães, 30 de Maio de 2016

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(Luís Coimbra)

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(Maria Manuela Paupério)