Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
171/15.1T8PRG-A.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: DECLARAÇÕES DE PARTE
PODERES DO JUIZ
PRINCÍPIO INQUISITÓRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O tribunal pode determinar oficiosamente a realização da prova por declarações de parte, com base no art. 411º do CPC e no disposto no art. 452º, n.º 1 “ex vi” do art. 466º, n.º 2, 2ª parte, ambos do CPC.
II- As declarações de parte apenas podem incidir sobre factos em que o declarante haja intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

M. G. e marido A. R. propuseram ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra 1º) A. F. e Mulher C. F., 2°s) R. F. e mulher M. P., e 3°s) P. V. e marido D. R., pedindo que:

- se declare que os prédios identificados nos artigos 1º e 2º se encontram divididos em substância e que deram origem aos prédios individualizados e autonomizados referenciados nos artigos 8º, 9º e 10º;
- se declare que à data das escrituras indicadas nos artigos 40º a 42º, os AA, os 2º e os 3ºs RR. eram legítimos proprietários, por via da usucapião, dos prédios rústicos identificados nos artigos 8º, 10º e 9º, respectivamente, condenando-se todos os RR. no reconhecimento desses direitos;
- se declare que os contratos de doação enunciados nos artigos 40º a 42º nulos, por simulados;
- se declare a validade e existência dos contratos de compra e venda dissimulados, com o preço relativo a cada prédio que se vier a provar;
II) - A título subsidiário
A) Mantendo-se os pedidos das als. C), D) e E) do pedido principal, se declare que, à data das doações referidas nos arts 40° a 42°, os AA, os 2°s e os 3°s RR eram legítimos comproprietarios dos prédios identificados nos arts 1° e 2°.
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Na parte final da petição inicial, em sede de meios de provas, os autores requereram, entre outros, o seguinte:
«B) POR CONFISSAO (Arts 452º n° 2 e 456° CPC)
Depoimento de parte dos 1ºs, 2°s e 3°s RR aos factos dos arts 3°, 5° a 19°, 39° e 77° a 79°, e dos 1ºs e 3°s RR aos factos dos arts 43°, 45° a 53°, 62°, 68° e 82° da p.i.».
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Citados, apenas os co-Réus C. F. e marido A. F. apresentaram contestação (Ref.ª 20442878).
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Realizada a audiência prévia (Ref.ª 34208187), foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada procedentes a exceção dilatória de ilegitimidade passiva dos 2ºs. co-RR. M. P. e R. F., com a sua consequente absolvição da instância; no mais, foi afirmada a validade e regularidade da instância.

Foi definido o objeto do litígio, nos termos seguintes:
«1- A existência de simulação relativa.
(…)».

E enunciados os seguintes temas da prova:
«1. A vontade real dos réus de celebrarem contratos de compra e venda, e não de doação.
(…)».

E, relativamente aos requerimentos probatórios, o tribunal “a quo” proferiu o seguinte despacho (na parte que ora releva):
«Prova por confissão
I - Admito o depoimento de parte dos réus C. F. e A. F..
II - Os autores requereram a prestação do depoimento de parte dos réus P. V. e D. R., que não apresentaram contestação nem tomaram posição no âmbito do presente processo.
O depoimento de parte é um meio processual destinado a provocar a confissão judicial, ou seja, o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. Ora, não tendo os réus P. V. e D. R. contestado a acção, não assumiram posição contrária à dos autores. Por conseguinte, as declarações que eventualmente prestassem não lograriam atingir aquele desiderato. Assim sendo, indefiro o requerido».
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Datado de 18-02-2020 foi proferido o seguinte despacho (Ref.ª 34210938):

«Tendo sido indeferida a prestação de depoimento de parte pelos réus que não apresentaram contestação nem de qualquer forma tomaram posição sobre o objecto do processo, os autores pretendem a sua inquirição como testemunhas.
De acordo com o artigo 496.º do Código de Processo Civil, estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes. Ora, se aqueles réus não podem produzir prova por confissão, tão só e apenas em virtude da postura por si assumida no âmbito deste processo, sempre poderão prestar, como parte, declarações não confessórias, em conformidade com o disposto no artigo 466.º do Código de Processo Civil. E se assim é, encontram-se impedidos de depor como testemunhas.
Em consequência do exposto, indefiro o pedido de inquirição na qualidade de testemunhas dos réus P. V. e D. R.».
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Em 10/03/2020, os AA. requereram, ao abrigo do disposto nos arts 411º e 452º, n.º 1, “ex vi” do art. 466º, n.º 2 do CPC, que aos RR. P. V. e D. R. sejam tomadas declarações de parte, a prestar em sede de audiência de julgamento, aos factos dos arts 43º, 45º, 46º, 47º, 48º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º, 62º, 63º, 68º e 82º da P.I. (Ref.ª 35122549).
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Em resposta, os RR. pugnaram pelo indeferimento do aludido requerimento que requereu a tomadas declarações de parte aos 3ºs RR. (Ref.ª 35326896).
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Datado de 11-05-2020, foi proferido o seguinte despacho (Ref.ª 34383721):
«(…)
REFª: 35122549
Os autores requereram a prestação de declarações de parte pelos réus P. V. e D. R..
A prestação de declarações de parte nos termos previstos no artigo 466.º do Código de Processo Civil é um meio de prova pessoalíssimo, em que é a parte que se autopropõe a prestar tais declarações, tendo em vista escopo diverso daquele que subjaz ao depoimento de parte.
Não obstante a divergência jurisprudencial existente sobre esta matéria, é nosso entendimento que poderá, todavia, justificar-se a prestação de declarações de parte por iniciativa do juiz, ainda que a requerimento de alguma das partes, quando existam motivos para tanto, no âmbito dos seus poderes inquisitórios (artigos 411.º e 452.º, n.º 1, ex vi artigo 466.º, nº 2, do CPC).
Os motivos aduzidos pelos autores no seu requerimento em referência, relacionados com a dificuldade da prova dos factos simulatórios por si alegados na ausência daquelas declarações, parecem-nos fundados.
Assim sendo, defiro o requerido.
(…)».
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Inconformados com este despacho, dele interpuseram recurso os RR., A. F. e mulher C. F. (Ref.ª 34454111), tendo formulado, a terminar as respetivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«I. O presente recurso vem interposto do despacho de 11-05-2020 que admitiu, a requerimento dos Autores as declarações de parte dos RR P. V. e marido D. R., com carácter não confessório á matéria dos artigos 43º,45º a 53º, 62,.
II. Transitou em julgado a decisão que indeferiu o depoimento de parte dos Réus não contestantes à matéria dos artigos 43,45 a 53, 62, 68 e 82, todos da p.i.
III. Transitou em julgado a decisão que indeferiu a inquirição como testemunhas dos Réus não contestantes relativamente à mesma matéria
IV. Foi deferido o pedido de prestação de declarações de parte com carácter não confessório, dos RR não contestantes à mesma matéria.
V. Esta decisão de que se recorre viola o caso julgado e a autoridade do caso julgado formados anteriormente.
VI. Se os RR não podem ser ouvidos em declarações de parte com efeito confessório por ter sido indeferida a prestação de depoimento de parte também não podem sê-lo com o caráter que foi por também ter sido indeferida a sua audição como testemunhas.
VII. O poder inquisitório do juiz, embora amplo, é um poder vinculado.
VIII.O princípio do inquisitório, cujos parâmetros não poderão deixar de ser também seguidos quando se faça apelo ao disposto no artº 452 do CPC não poderá ser invocado de forma automática designadamente para superar eventuais falhas de instrução que sejam de imputar a alguma das partes, designadamente quando esteja precludida a apresentação de meios de prova.
IX. As declarações de parte só podem ser desencadeadas pela própria parte
X. O tribunal quando indeferiu o depoimento de parte dos RR e a sua intervenção como testemunhas, na posse dos mesmos elementos que tem hoje, não julgou necessário usar do seu poder inquisitório.
XI. E, agora só deferiu as declarações de parte á mesma matéria, a pedido dos AA, pois os elementos que tinha quando indeferiu são os mesmos que agora tem quando deferiu.
XII. Só no decurso da produção de prova é que poderia ajuizar se era necessário ou não usar do seu poder inquisitório.
XIII. Este poder tem de respeitar o princípio do dispositivo e só pode ser utilizado quando se constata a sua necessidade concreta e não de forma abstrata.
XIV. Não é isto que resulta dos autos pois demonstram e o despacho recorrido confirma, que a decisão foi tomada, apenas em resposta a um pedido concreto dos AA.
XV. Os quais até indicam os concretos factos articulados na petição inicial, a que pretendam que os RR respondam agora em declarações de parte, exatamente os mesmos que indicaram quando requereram o seu depoimento de parte ou quando os arrolaram como testemunhas.
XVI. Atenta a matéria objeto da prova, que contende com atos pessoais, as declarações de parte terão que ter necessariamente objetivos confessórios.
XVII. E é isto precisamente que os AA pretendem com o argumento de que poderão ter dificuldades de prova da por si invocada simulação das doações.
XVIII. Por isso, apesar de no despacho recorrido se afirmar que as declarações de parte têm escopo diverso do depoimento, naturalmente que tendo em vista a confissão, está em contradição com o primeiro despacho.
XIX. Está-se a deixar entrar pela janela aquilo que se disse não ser possível entrar pela porta.
XX. Por conseguinte, o despacho recorrido viola o caso julgado e a autoridade do caso julgado, pois que, a prestação de declarações de parte é também um meio de obtenção da confissão.
XXI. E é esta confissão que o despacho recorrido pretende obter dos RR, apesar de ter indeferido o seu depoimento de parte, apesar de ser esse o instrumento legal por excelência para a obtenção da confissão judicial relativamente a factos que lhe são desfavoráveis
XXII. Por outro lado, a atividade oficiosa do tribunal não pode suprir a falta de diligência das partes.
XXIII. E aquilo que os AA pretenderam e o despacho recorrido sancionou foi obter por via oficiosa aquilo que, por sua iniciativa, oportunamente não pugnaram, em desrespeito por um dos princípios do processo civil que é precisamente o da autorresponsabilidade das partes, segundo o qual estas sofrem as consequências jurídicas prejudiciais da sua negligência ou inépcia na condução do processo, que fazem a seu próprio risco
XXIV. De modo que o despacho recorrido premeia a inércia dos AA e, conforme entendimento jurisprudencial “o exercício do dever de diligenciar pelo apuramento da verdade e justa composição do litígio, não comporta uma amplitude tal que o autorizem a colidir quer com o princípio da legalidade e da tipicidade que comanda toda a tramitação processual, quer com outros princípios fundamentais como o do dispositivo, da autorresponsabilidade das partes ….”

Termos em que se conclui pela procedência do presente recurso e pela revogação do despacho proferido sendo substituído por outro que indefira as declarações de parte dos réus não contestantes.»
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Os AA. apresentaram contra-alegações, pugnando pelo não provimento do recurso e confirmação da decisão recorrida (Ref.ª 35995541).
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo (Ref.ª 166415387).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em indagar da (i)licitude do despacho que admitiu a prova por declarações de parte dos 3ºs co-Réus..
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

Os factos materiais relevantes para a decisão do presente recurso são os que decorrem do relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos).
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V. Fundamentação de direito

1. Da apreciação da admissibilidade da prova por declarações de parte.

1.1. Sem embargo das diversas questões autonomizadas na apelação pelos recorrentes, em bom rigor são as mesmas reconduzíveis a uma única de âmbito mais genérica, qual seja a de indagar da verificação dos requisitos legais da admissibilidade da prova por declarações de parte. Aliás, se quisermos ser mais precisos a questão objeto de recurso é a de saber se, tendo sido indeferido o depoimento de parte dos RR. visando obter a sua confissão sobre factos alegados na p.i, podem os mesmos RR. ser admitidos a prestar declarações de parte sobre os mesmos factos, por decisão do juiz e mediante sugestão da parte contrária.
Urge, por isso, analisar, em traços gerais, o regime legal da prova por declarações de parte e densificar o princípio do inquisitório.
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1.2. O regime legal da prova por declarações de parte mostra-se regulado no art. 466.º do CPC, nos moldes seguintes:
«SECÇÃO II
Prova por declarações de parte
Artigo 466.º
Declarações de parte
“1 - As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto.
2 - Às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417.º e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior.
3 - O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão”.

Na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII, que deu origem à Lei n.º 41/2013 de 26/06, faz-se-lhe uma sucinta referência nos termos seguintes:

Prevê-se a possibilidade de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando face à natureza pessoal dos factos a averiguar tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão”.
Como tem sido salientado, a introdução no nosso ordenamento jurídico-processual das declarações de parte como meio de prova autónomo traduz o acolhimento do entendimento, que já se vinha afirmando no seio da doutrina e da jurisprudência (1), no sentido de considerar e valorar o depoimento de parte, ainda que sem carácter confessório, desde que este viesse a revelar um efeito útil para a descoberta da verdade material (2). O mesmo é dizer que este novo e autónomo meio probatório corresponde ao acolhimento da “possibilidade de a parte se pronunciar, a requerimento próprio, sobre factos que lhe são favoráveis, com intencionalidade probatória, restrita porém a factos de direta e pessoal intervenção da parte ou do seu direto conhecimento” (3).
A sua consagração na lei adjetiva constitui um reforço da tutela do direito à prova, enquanto manifestação do direito geral à proteção jurídica e de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20º da Constituição da República Portuguesa – pois que, em muitos casos, pode ser difícil ou mesmo impossível demonstrar certos factos por via diversa da do próprio relato das partes –, e à finalidade da descoberta da verdade material – porque as partes terão, muitas das vezes, conhecimento privilegiado dos factos que alegam, já que os praticaram ou presenciaram (4).
Esse novo meio de prova ganha particular interesse em matérias do foro íntimo ou pessoal dos litigantes, não presenciadas por terceiros e, nessa medida, de mais difícil demonstração. Contudo, a lei não restringe a admissão deste meio de prova a estes casos, antes estabelecendo como requisito de admissibilidade, no que respeita à incidência, apenas que as declarações da parte respeitem a factos em que o litigante interveio pessoalmente ou de que teve conhecimento direto (5).
Estamos, por conseguinte, no âmbito mais amplo do direito que assiste à parte de provar os factos por si alegados e que sustentam a sua pretensão, ou mesmo até de fazer a contra prova dos factos contra si invocados, no quadro do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva (art. 20º da CRP), pelo que, nessa medida, é a cada uma das partes que incumbe eleger os meios de prova adequados à demonstração com que está onerada ou que, de algum modo, convém à prossecução dos seus interesses. Tal não significando que não devam impor-se certas limitações aos meios de prova utilizáveis em cada caso, mas essas limitações devem mostrar-se materialmente justificadas e respeitadoras do princípio da proporcionalidade.
Assim sendo, e a menos que seja evidente a redundância em sentido favorável à parte requerente, será sempre temerário justificar a recusa de um meio de prova com a invocação de o tribunal já estar convencido de uma certa versão dos factos (6).

Decorre, assim, do n.º 1 do citado art. 466º do CPC que são pressupostos legais da admissibilidade da prestação de declarações de parte:

a) Requerimento formulado pela própria parte que irá prestar as declarações (7) (e não pela parte contrária ou por um comparte do depoente).
b) Formulado até ao início da fase das alegações orais na audiência de discussão e julgamento em 1ª. Instância (8) (9); e
c) Que as declarações se reportem a factos em que a parte tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto (10).

A parte pode no mesmo processo prestar declarações de parte e depoimento de parte, isto é, ser ouvida em qualidades distintas – na qualidade de declarante de depoente –, para prova de factos distintos e em momentos distintos (11).
Sendo ouvida a requerimento da parte contrária, o procedimento a empregar é o do depoimento de parte; mas sendo ouvida por sua própria iniciativa, o procedimento é o das declarações de parte.
Por outro lado, se a parte for ouvida na primeira qualidade, sê-lo-á para prova de factos que lhe são desfavoráveis; se for ouvida na segunda qualidade, sê-lo-á para prova de factos que lhe são favoráveis, embora o n.º 3 do art. 466º do CPC não exclua que das declarações de parte emerja confissão.
Com efeito, o legislador dá relevo confessório às declarações que essa mesma parte vier a fazer durante a prestação destas declarações relativamente a factos que lhe sejam desfavoráveis.
Quer isto dizer que o mesmo meio de prova é, ao mesmo tempo, tarifado e livre, tudo variando segundo o sentido das declarações que a parte vier a fazer sobre os mesmos factos. Se as declarações forem confessórias, será tarifado ou legal; não sendo confessórias, será de apreciação livre (12).

Como decorre do n.º 3 do art. 466º do CPC, a prova por declarações de parte pode ter como resultado declarações favoráveis ou desfavoráveis ao declarante, com diferente valor probatório (13):

- confissão (que carecerá de ser objeto de assentada para fazer prova plena);
- reconhecimento de factos desfavoráveis que não possa valer como confissão (é o caso do reconhecimento não confessório previsto no art. 361º do CC);
- demonstração de factos favoráveis, caso em que tais declarações de parte são livremente valoradas pelo juiz, nos termos gerais.

É discutível, na doutrina e na jurisprudência, se esse meio de prova pode, ou não, ser oficiosamente determinado.
A esse respeito, refere Paulo Pimenta (14) que a natureza voluntária das declarações de parte significa que esse meio de prova não pode ser requerido pela contraparte, nem determinado oficiosamente. Quanto à parte contrária, tem ao seu dispor o regime do depoimento de parte (art. 452º, n. 2), sendo que esse, sim, tem intuito confessório; por seu turno o juiz tem ao seu dispor mecanismos adequados e suficientes, ora determinando o depoimento de parte (art. 452º, n.º 1), ora solicitando esclarecimentos (art. 7º, n.º 2) (15).
Em sentido contrário, Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro (16) entendem que nada impede que o tribunal determine oficiosamente a prestação de declarações de parte, o que tem fundamento legal bastante no art. 411º do CPC.
Aderindo a esta última posição, e socorrendo-nos das palavras de Luís Filipe Pires de Sousa (17) diremos que «o atual art. 411 do Código de Processo Civil (…) - ao afirmar que incumbe ao juiz ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer - postula um critério de plenitude do material probatório no sentido de que todas as provas relevantes devem ser carreadas para o processo, mesmo que seja por iniciativa do juiz. A decisão de facto só será justa «se o juiz proceder, de modo racionalmente controlável, a uma reconstrução dos factos com observância do critério da plenitude do material probatório.
A admissibilidade do juiz ordenar, oficiosamente, a prestação de declarações de parte sempre resultaria da remissão do Art. 466.2. para o Art. 452.1. do Código de Processo Civil. Por outro lado, sendo a evolução legislativa no sentido de um reforço do inquisitório, a possibilidade de o juiz determinar oficiosamente a prestação de declarações de parte é mais lógica e coerente com tais poderes gerais do juiz em matéria de instrução» (18).
As declarações de parte não se confundem com a prova confessória adveniente do próprio depoimento de parte, estando, ao contrário deste, sujeitas à livre à apreciação do tribunal (art. 607º, n.º 5 do CPC), salvo se dessas declarações configurarem em si uma confissão do declarante (n.º 3 do citado art. 466º).
O meio de prova “depoimento de parte” encontra-se previsto no art. 452.º do CPC, norma que se integra na secção epigrafada “prova por confissão das partes” e no capítulo “prova por confissão e por declarações das partes”.

Nos termos desse referido artigo é estabelecido o enquadramento geral do instituto:

«1 - O juiz pode, em qualquer estado do processo, determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento, informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa.
2 - Quando o depoimento seja requerido por alguma das partes, devem indicar-se logo, de forma discriminada, os factos sobre que há de recair».

E como resulta dos arts. 352º, n.º 1 e 356º, n.º 2, ambos do Código Civil, o depoimento de parte constitui um meio de obter uma confissão judicial provocada, ou seja, o reconhecimento de factos que é desfavorável à parte que o presta e aproveita à parte contrária.
Nesta vertente, portanto, o depoimento de parte importa enquanto revelador de factos desfavoráveis ao depoente e favoráveis à parte contrária.
O reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente (art. 361º do CC).
O depoimento de parte (tal como as declarações das partes) é sempre reduzido a escrito, na parte em que houver confissão do depoente ou em que este narre factos ou circunstâncias que impliquem indivisibilidade da declaração confessória (art. 463º, n.º 1, do CPC), ficando a constar em ata e sendo conhecida por assentada (n.º 3 do art. 463º do CPC).
Como realça Rui Pinto (19), a letra do n.º 3 do art. 466º do CPC permite concluir que quanto ao seu valor probatório este meio de prova em nada se distingue do depoimento de parte, seja quando a parte afirma factos favoráveis, como quando reconhece factos desfavoráveis.
Importa ter presente que nas situações previstas no art. 354º do CC (“inadmissibilidade da confissão”) a confissão de factos desfavoráveis não faz prova plena contra o confitente (20).
Nessas eventualidades, o reconhecimento de factos desfavoráveis vale tanto como o reconhecimento de factos favoráveis: elemento probatório que o tribunal apreciará livremente, nos termos do art. 361º do CC.
Daí que, conclua o citado autor, vivendo paredes-meias com o depoimento de parte, o meio de prova do art. 466º do CPC apresenta uma maior maleabilidade de uso e de utilidade processual.
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1.3. Atento o princípio do inquisitório, expressamente consagrado no art. 411.º do CPC, “[i]ncumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.
Sem prejuízo de, em obediência ao princípio do dipositivo estabelecido no n.º 1 do art. 5º do CPC, caber às partes o ónus de invocar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas, o princípio do inquisitório impõe ao juiz, quanto àqueles factos e aos demais de que lhe é lícito conhecer, o poder/dever de diligenciar no sentido da descoberta da verdade e da justa composição do litígio.
O princípio do inquisitório, no seu sentido restrito, adquire plena eficácia na fase da instrução do processo, uma vez que o tribunal não está limitado aos elementos probatórios apresentados pelas partes, tendo o poder-dever de procura da verdade material, dentro do âmbito limitado pelo objeto do processo (21). Outorga-se ao juiz um poder para garantir que este reúna toda a prova necessária à formação completa e esclarecida da sua convicção (22).
Os poderes probatórios do juiz são-lhe conferidos pela lei processual tendo em vista uma finalidade concreta que o art. 411º do CPC refere expressamente: o apuramento da verdade e a justa composição do litígio. Por outras palavras, o juiz deverá providenciar pela obtenção da prova necessária à formação da sua convicção quanto aos factos que lhe é lícito conhecer e que possam ter utilidade para a solução da controvérsia suscitada no processo (23).
O mesmo é dizer que o princípio do inquisitório onera o juiz com um poder vinculado ou um poder-dever, que não um poder discricionário (24).
Por assim ser, a partir do momento em que se aperceba de que a realização de certa diligência probatória é necessária para o apuramento da verdade e a justa composição do litígio, o juiz não tem o poder discricionário de a ordenar ou não; está, sim, vinculado à prática do ato (25).
O referido princípio aponta para uma conceção do processo em que a investigação da verdade material é também da responsabilidade do juiz, constituindo, dessa forma, uma compressão ao princípio do dispositivo (26).
Com efeito, o art. 411º do CPC postula “um critério de plenitude do material probatório no sentido de que todas as provas relevantes devem ser carreadas para o processo, por iniciativa das partes ou, se necessário for, por iniciativa do juiz (…).
O objetivo final da atividade do juiz é, assim, a descoberta da realidade dos factos na medida em que tal seja possível” (27).
Assim, a lei processual atribui ao juiz poderes ao nível da determinação das diligências probatórias necessárias ao apuramento da verdade ou da junção ao processo de meios de prova não indicados pelas partes quanto aos factos que lhe é lícito conhecer (enunciados no art. 5º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Esta regra é transversal ao momento instrutório da ação e vale para qualquer um dos meios de prova que a lei enuncia (28).
O princípio do inquisitório, porém, coexiste com outros igualmente consagrados no nosso CPC, como sejam “os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, de modo que não poderá ser invocado, para de forma automática, superar eventuais falhas de instrução que sejam de imputar a alguma das partes, designadamente quando esteja precludida a apresentação de meios de prova” (29).
Considerando que sobre as partes continua a incumbir a iniciativa da prova, “o inquisitório deve orientar-se por um padrão mínimo de objetividade, condição para ser exigível que o juiz adopte certa conduta em matéria instrutória. Para isso muito contribuirá o zelo probatório das partes” (30).
O que significa que o princípio do inquisitório não afasta a auto-responsabilidade das partes quanto à obrigação de indicarem, tempestivamente nos momentos processuais próprios, os meios de prova (31).
Deste modo, caso a parte tenha omitido o cumprimento dos seus deveres processuais, concretamente na apresentação dos requerimentos probatórios no tempo adjetivamente oportuno, o juiz só deverá exercitar o poder-dever conferido pelo art. 411º do CPC quando resultar patentemente justificada pelos elementos constantes dos autos ou da produção de outras provas a necessidade da produção de um outro meio de prova (como sucede, no art. 526º do CPC, com a inquirição de pessoa não indicada como testemunha), manifestandose tal necessidade em termos tais que permitam concluir que a inevitabilidade da produção desse meio de prova ocorreria mesmo que a parte houvesse sido diligente na satisfação do seu ónus probatório. A não ser assim, perdia sentido a obrigação de apresentação da prova em momentos processuais específicos na medida em que a parte, subsidiariamente, poderia invocar o regime do art. 411º do CPC (e do art. 526º do CPC) (32).
Daí o requisito da relevância do meio de prova para o esclarecimento da verdade e a apreciação do tema da prova controvertido, não bastando a mera vontade da parte na sua produção.
A negligência das partes, só por si, não é suficiente para estreitar a margem de manobra do juiz que queira mais bem investigar os factos, determinado, por exemplo, a produção da prova no exercício de um poder-dever que a lei lhe atribui para satisfazer o interesse público da descoberta da verdade e da realização da justiça (33).
Em suma, como sublinha Paulo Pimenta (34), o “equilíbrio do nosso quadro legal resulta da intersecção de duas dimensões: por um lado, o ónus da iniciativa probatória das partes; por outro, o poder-dever do juiz em sede instrutória. Daqui resulta o seguinte: jamais as partes podem encontrar naquele poder-dever um pretexto para negligenciarem a sua iniciativa probatória; jamais o juiz pode ver naquela iniciativa probatória um alibi para a sua própria inércia. O critério firmado no art. 411º coloca a questão ao nível da necessidade das diligências probatórias para o apuramento da verdade e para a justa composição do litigo. Verificando-se o pressuposto da necessidade, o juiz tem um dever oficial de agir. Não se verificando o pressuposto, inexistirá aquele dever”.
À luz do aludido princípio, o tribunal tem “uma margem relativamente generosa de actuação, na busca da prova necessária ao alcance do conhecimento (prático) da verdade dos factos submetidos a juízo”. E se há, aqui, “uma certa assimetria entre as partes e o juiz, no sentido em que este pode, por regra, promover diligências instrutórias tendo por base, apenas, a conveniência das mesmas, enquanto que a parte não pode, sem mais, determinar o juiz a recorrer a elas”, “[t]al diferença na posição destes sujeitos processuais não deve surpreender e espelha, de certo modo, a (…) diferente natureza jurídica do direito da parte à prova e do poder-dever do juiz na investigação dos factos”, sublinhando-se, mais uma vez, que o essencial, no que toca ao último, é não esquecer que, “por força deste, o juiz deve diligenciar pela prova em função do seu juízo quanto à respectiva necessidade”, sendo o modo de surgimento mais natural do uso dos poderes instrutórios do juiz “desligado da vontade das partes, eventualmente até contra essa mesma vontade” (35).
*
1.4. Feitos estes considerandos teóricos, importa agora particularizar o caso objeto dos autos.

Deles se extrai que os apelados (AA.) intentaram ação declarativa contra os apelantes (A. F. e mulher C. F.) e contra P. V. e marido D. R., invocando, entre o mais, a simulação dos contratos de doação celebrados entre os RR. e, no requerimento probatório junto com a petição inicial, requereram o depoimento de parte de ambos os RR. aos factos que indicaram, designadamente os relativos à invocada simulação (arts. 43, 45 a 53, 62, 68 e 82 da p,.i.).
Os co-RR. P. V. e D. R. não contestaram a ação.
Por despacho proferido em sede de audiência prévia foi admitido o depoimento de parte dos RR. C. F. e A. F. e indeferido o requerido depoimento de parte dos co-RR. P. V. e D. R. porquanto “O depoimento de parte é um meio processual destinado a provocar a confissão judicial (…). Ora, não tendo os réus P. V. e D. R. contestado a acção, não assumiram posição contrária à dos autores. Por conseguinte, as declarações que eventualmente prestassem não lograriam atingir aquele desiderato”.
Subsequentemente, os ora apelados requereram a inquirição dos co-RR. P. V. e D. R. como testemunhas, o que veio a ser também indeferido por despacho de 18-02-2020, porquanto, “De acordo com o artigo 496º do Código de Processo Civil, estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes. (…) E se assim é, encontram-se impedidos de depor como testemunhas”.
Requereram, então, os apelados, ao abrigo do disposto nos arts. 411º e 452º, n.º 1, “ex vi” do art. 466º, n.º 2 do CPC, a tomada de declarações de parte dos identificados co-RR. aos factos dos arts 43º, 45º, 46º, 47º, 48º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º, 62º, 63º, 68º e 82º da p.i., o que foi deferido pelo despacho recorrido, aduzindo para o efeito a Mmª Juíza “a quo” na fundamentação dessa decisão que, “[n]ão obstante a divergência jurisprudencial existente sobre tal matéria, (…) poderá, todavia, justificar-se a prestação de declarações de parte por iniciativa do juiz, ainda que a requerimento de alguma das partes, quando existam motivos para tanto, no âmbito dos seus poderes inquisitórios (artigos 411º e 452º, nº 1, ex vi artigo 466º, nº 2, do CPC). Os motivos aduzidos pelos autores no seu requerimento (…) relacionados com a dificuldade da prova dos factos simulatórios por si alegados na ausência daquelas declarações, parecem-nos fundados”.
É contra esta decisão que os recorrentes se insurgem, pugnando, entre outros fundamentos, que a mesma viola o caso julgado e a autoridade do caso julgado.
Vejamos como decidir.
A decisão considera-se transitada em julgado, nos termos do art. 628º do CPC, «logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação».
Diz-se que a decisão – despacho, sentença ou acórdão – forma caso julgado quando a decisão nela contida se torna imodificável ou imutável por força do seu trânsito em julgado. A imodificabilidade da sentença é, assim, o núcleo essencial do caso julgado.
Tanto podem transitar em julgado as sentenças ou despachos recorríveis, relativos a questões de carácter processual, como a decisão referente ao mérito da causa, isto é, respeitante à concreta relação material controvertida.
No primeiro caso, forma-se o caso julgado formal ou processual; no segundo caso, forma-se o caso julgado material ou substancial.
O caso julgado formal (que é o único que aqui releva) só tem força obrigatória dentro do próprio processo em que a decisão é proferida (eficácia estritamente intraprocessual), obstando a que o juiz possa, na mesma ação, alterar a decisão proferida, mas não impedindo que, noutra ação, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes pelo mesmo tribunal, ou por outro, entretanto, chamado a apreciar a causa (art. 620º, n.º 1, do CPC).
O caso julgado tem uma função negativa e uma função positiva.
A função negativa encontra-se na finalidade de impedir que a questão que foi objeto da decisão proferida e inimpugnável possa voltar a ser, ela própria, na sua essencial identidade, recolocada à apreciação de qualquer tribunal (mesmo aquele que proferiu a decisão); se tal ocorrer, por força da figura da exceção dilatória de caso julgado, que visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (art. 580º, n.º 2, do CPC), deve o juiz abster-se de voltar a apreciar a matéria ou questão que se mostra já jurisdicionalmente decidida, em termos definitivos, como objeto de uma anterior ação (art. 576º, n.º 2 do CPC).
A função positiva, traduzindo essencialmente a autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais, corresponde à proibição de contradição da decisão e na imposição da decisão tomada (36).
A não observância de qualquer um dos aludidos dois efeitos processuais característicos do caso julgado dá origem à existência de casos julgados contraditórios (quer no mesmo processo, quer em processos distintos).
Nessa hipótese, o art. 625º, n.º 1, do CPC, estabelece que, havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.
Este princípio da prioridade do trânsito em julgado vale igualmente para as decisões que, dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual (art. 625º, n.º 2, do CPC).
Portanto, a oposição tanto pode verificar-se entre dois casos julgados materiais, como entre dois casos julgados formais.
Ora, salvo o devido respeito por entendimento contrário, no caso afigura-se-nos que a decisão recorrida não viola o caso julgado, nem a autoridade do caso julgado.
De facto, se bem atentarmos, o primeiro despacho versou sobre um requerimento probatório no qual foi requerida a inquirição dos co-RR. P. V. e D. R. por depoimento de parte, pretensão essa julgada inadmissível porque, não tendo contestado a acção, as suas declarações não poderiam conduzir à confissão judicial.
No segundo despacho, o Tribunal pronunciou-se sobre a requerida inquirição dos co-RR. P. V. e D. R. como testemunhas, decidindo que os mesmos estavam de impedidos de depor nessa qualidade, sem embargo de, na fundamentação, explicitar que “sempre poderão prestar, como parte, declarações não confessórias, em conformidade com o disposto no artigo 466.º do Código de Processo Civil”.
Por fim, no despacho recorrido, dando como válidos os motivos aduzidos pelos autores no seu requerimento “relacionados com a dificuldade da prova dos factos simulatórios por si alegados na ausência daquelas declarações” e alicerçando a sua decisão no âmbito dos seus poderes inquisitórios, o Tribunal “a quo” decidiu favoravelmente o requerimento formulado pelos AA./recorridos no sentido de serem tomadas declarações de parte aos identificados co-RR..
Significa isto que, contrariamente ao propugnado pelos recorrentes, o despacho recorrido, cingindo a sua apreciação à admissibilidade da prova por declarações de parte, não reproduz, nem contradiz, qualquer decisão anterior, visto que os anteriores despachos não se pronunciaram concretamente (nem sequer tabelarmente) sobre a (in)admissibilidade desse concreto meio de prova, versando sim sobre distintos e autónomos meios probatórios.
Ao determinar a prova por declarações de parte o Tribunal “a quo” não admitiu esse meio de prova com o intuito de provocar uma confissão – cujo meio processual adequado é o depoimento de parte –, mas antes tendo em vista a sua audição sobre factos em que os declarantes tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto e não sobre a generalidade dos temas da prova, declarações que ficarão sujeitas à livre apreciação do Tribunal, à exceção das que constituam confissão.
Deste modo, é indubitável que o despacho impugnado não consubstancia qualquer situação de violação de caso julgado formal por referência aos anteriores despachos em que o Tribunal se pronunciou sobre a (in)admissibilidade dos indicados meios de prova, tão pouco estando em causa a autoridade do caso julgado, pelo que improcede este fundamento da apelação,.
De seguida, e relativamente à apontada objeção quanto à legitimidade para requerer as declarações de parte – no sentido destas carecerem de ser requeridas pela própria parte e não poderem ser oficiosamente determinadas –, remete-se para a fundamentação supra explicitada, onde se tomou já posição – sobre a querela doutrinal e da jurisprudencial – no sentido de ser de admitir a determinação oficiosa desse meio de prova.
Na situação ajuizada, embora a iniciativa da produção desse meio probatório tenha partido da parte contrária (no caso dos recorridos/AA.), o que em princípio seria fundamento da sua rejeição, a verdade é que na decisão recorrida, como sustentáculo da sua admissibilidade, o Tribunal não deixou de invocar os poderes inquisitórios que a lei lhe confere, aludindo ao disposto nos arts 411º e 452º, nº 1, “ex vi” do art. 466º, nº 2 do CPC.
Sendo assim, a vontade que a parte manifestou no sentido da tomada de declarações de parte à parte contrária não deixa de ser meramente acidental, não revelando autonomamente, já que a derradeira responsabilidade pela admissibilidade desse meio de prova radicou nos poderes instrutório do juiz.
Questão diversa é a de saber se a Mmª Julgadora “a quo” não terá excedido tais poderes (o que adiante abordaremos).
Tendo presente a qualidade em que os 3ºs RR. irão ser inquiridos – como declarantes e não como depoentes –, e que a admissibilidade das suas declarações tem por objeto apenas os factos de direta e pessoal intervenção da parte ou do seu direto conhecimento, inexiste qualquer óbice a que essas declarações possam incidir sobre factos alegados na petição inicial. Não comungamos da perspetiva minimalista dos recorrentes, porquanto os pontos de facto sobre os quais incidirá esse meio de prova circunscrevem-se a factos pessoais ou de conhecimento direto dos declarantes, respeitando o âmbito legal. E, como já anteriormente referimos, essas declarações são finalisticamente diversas do depoimento de parte, posto não lograrem uma confissão.
Isto sem embargo de se reconhecer que, não sendo as declarações prestadas desfavoráveis ao próprio declarante e confessórias, estarão as mesmas sujeitas à livre apreciação, podendo, em particular quando corroboradas por outros meios de prova, constituir fundamento para a convicção do juiz, mesmo quanto a factos favoráveis ao declarante (37); versando as declarações de parte factos desfavoráveis ao declarante e importando a confissão dos mesmos deverão elas ser reduzidas a escrito em ata (art. 463º), passando a valer como prova plena contra o confitente (art. 358º, n.º 1 do Cód. Civil) (38).

Vejamos agora a atinência da decisão recorrida com o princípio do inquisitório.

No caso em apreço, a Mmª Juíza “a quo”, após julgar válidos os fundamentos invocados pelos recorridos – posto ter sido invocada a simulação dos contratos de doação celebrados entre os 1ºs e 3ºs RR. e mostrando-se alegados factos praticados exclusivamente entre eles, acerca dos quais os AA. poderão ter dificuldade de prova caso não lhes seja permitido o pleno esclarecimento da verdade material através das declarações dos (ou de alguns dos) intervenientes no negócio, sobre factos em que intervieram pessoalmente e de que têm conhecimento direto –, determinou a prestação de declarações de parte dos 3ª co-RR. ao abrigo dos poderes inquisitórios que lhe estão cometidos.
Segundo o n.º 1 do art. 240º do Código Civil (abreviadamente, designado por CC), “se, por acordo entre declarante e declaratário e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado”.
O negócio simulado, diz-nos o n.º 2 do art. 240º do CC, é nulo.
Nestes termos, a simulação é a divergência intencional entre o que se quer (a vontade) e o que se diz (a declaração), procedente de um acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros.
A simulação diz-se absoluta quando os simuladores fingem realizar um certo negócio jurídico e, na verdade, não querem realizar negócio jurídico algum. Será relativa quando as partes pretendem realizar, de facto, um negócio, mas para iludir terceiros encobrem-no com um outro negócio jurídico de tipo ou conteúdo diverso. Por outras palavras, os simuladores fingem celebrar um negócio jurídico diverso daquele que na realidade querem concluir (39).
Enquanto que na simulação absoluta há um só negócio jurídico, o negócio simulado, na simulação relativa, além do negócio simulado, também designado por aparente ou fictício, existe um negócio oculto ou real, o negócio dissimulado.
Esta distinção é muito importante, pois enquanto em caso de simulação absoluta o negócio é nulo (art. 240º, n.º 2 do CC), à simulação relativa aplica-se o princípio do aproveitamento do negócio jurídico: invalidado o negócio simulado, pode ser que fique a valer entre as partes o negócio dissimulado ou real (cfr. art. 241º, do CC).
O ónus da prova dos requisitos da simulação, porque constitutivos do respetivo direito, cabe, segundo as regras gerais nesta matéria, a quem invoca a simulação (art. 342.º, n.º 1, do Código Civil) (40).
Como é sabido, a prova do acordo simulatório (e do negócio dissimulado) por terceiros é livre, dado que a lei não admite qualquer restrição, podendo ser feita por qualquer dos meios normalmente admitidos na lei: confissão, documentos, testemunhas, presunções.
«Sendo a simulação um fingimento que visa criar a aparência de um negócio que não foi querido pelas partes (simulação absoluta), ou que foi celebrado para esconder um outro, esse sim querido pelas partes (negócio dissimulado), a prova destes requisitos pode ser feita de forma directa e expressa, mediante a quesitação da pertinente matéria de facto, ou de forma menos ostensiva com recurso a presunções judiciais.
Isto porque a prova da simulação é difícil. Provar-se o que reside no intelecto das pessoas é tarefa que exige grande esforço e minúcia. Por isso, muitas vezes, só é possível demonstrar que alguém desejou algo ou declarou coisa diversa, através da prova de factos indiciários, ou seja, de factos que se situam na periferia da própria alegação da simulação. É o campo ideal para o funcionamento das presunções naturais ou judiciais, as quais se inspiram nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana.
Este tipo de presunção não é um facto, mas um processo mental, uma forma de raciocinar, por meio da qual o juiz parte da prova de um facto indiciário para, por dedução, chegar a uma conclusão sobre o facto principal» (41).
Em regra, portanto, não há prova directa da simulação. A prova tem de ser feita, quase sempre, por meio de indícios ou presunções” (42).
Serve isto para concluir que não oferece dúvidas ser muito rara e difícil a prova directa da simulação, o que vai ao encontro da conclusão firmada na decisão recorrida e que serviu de justificação à admissibilidade da prova por declarações de parte.
Por outro lado, como já se disse, carecendo os AA. de legitimidade para requerer as declarações de parte da parte contrária – visto competir à própria parte requerer a prestação de declarações –, a verdade é que, no nosso entendimento, o nosso ordenamento jurídico processual não só não estabelece qualquer proibição direta de o tribunal poder determinar a realização de tal meio de prova oficiosamente, como, em contraponto, impõe ao juiz o poder/dever de realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer (art. 411º do CPC).
Para esse efeito, atentas as supra enunciadas dificuldades da prova do acordo simulatório, é lícito concluir que dos elementos constantes dos autos resulta indiciado o pressuposto da necessidade da prova por declarações de parte para o apuramento da verdade e para a justa composição do litígio.
Isto porque tal meio de prova, sujeito à livre apreciação, poderá relevar para a formação da convicção do julgador relativamente aos factos que careçam de prova.
E nos termos do poder-dever conferido/imposto ao Tribunal pelos arts. 411º do CPC, desde que esse concreto meio probatório satisfaça a condição de ser necessário, o tribunal pode (e deve) ordená-lo, não sendo este poder discricionário.

Ora, no caso sub júdice, o deferimento da prova por declarações de parte visa precisamente auxiliar o Tribunal “a quo” na averiguação e apuramento da real vontade das partes e dos contornos subjacentes à outorga dos negócios impugnados, sendo que o objeto das declarações a prestar se delimita a factos sobre os quais a parte tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto.
Deste modo, é inequívoco que a prova por declarações de parte, concatenada com a demais prova a produzir, é suscetível de revestir uma relevância essencial com vista à formação da convicção do julgador quanto à perceção, averiguação e apuramento do tema da prova atinente à «vontade real dos réus de celebrarem contratos de compra e venda, e não de doação» [simulação (relativa)], cuja prova, como se disse, se apresenta difícil.
Decisivo ao sucesso da pretensão probatória da parte é que o tribunal se convença fundadamente de que a diligência a promover é absolutamente necessária ao esclarecimento dos factos e que esta necessidade se impõe, por si, desligada da vontade que a parte manifestou na sua realização. Tal vontade é meramente acidental, pois que – tal como no caso dos autos – não revelou autonomamente para a decisão do juiz.
Acresce que, diversamente do aduzido pelos recorrentes, o exercício do poder-dever conferido ao juiz pelos arts. 411º, 452.º, n.º 1 do CPC no sentido de determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento ou declarações de parte (“ex vi” do art. 466, n.º 2 do CPC), “não pressupõe que que da sua parte tenha já havido no momento concreto uma ponderação da prova já produzida de tal modo que o juiz a considere insuficiente e por conseguinte, justifique, a realização de outra complementar”. A nosso ver, antes ainda da produção da prova não está vedado ao juiz efetuar esse juízo valorativo e exercitar desde logo o referido poder-dever, de modo a convocar atempadamente os intervenientes em causa, obstando assim ao protelamento da fase instrutória e ao indesejável retardamento do encerramento da audiência de julgamento.
Quer-nos parecer, por outro lado, que os recorrentes confundem indevidamente a alegada falta de sustentabilidade ou credibilidade probatória dos declarantes com a não admissibilidade da prova por declarações de parte.
Nesta fase a questão que nos ocupa não é a da apreciação do valor probatório das declarações de parte (ainda não prestadas), mas tão só da admissibilidade desse meio de prova.
A apreciação e valoração das respetivas alegações fácticas atinentes às dúvidas ou receios da aptidão probatória dos declarantes, designadamente aferir se existe um conluio entre os AA. e a Ré P. V., por forma a que esta, subvertendo a verdade e com o intuito de prejudicar os recorrentes, confirme em Tribunal que afinal não doou mas vendeu os imóveis, será uma questão que competirá ao Mm.º Julgador da 1ª instância fazer no momento processual próprio, aquando da elaboração da sentença, ao proceder à valoração e análise crítica dos meios de prova produzidos, apresentando-se como descabidas e prematuras tais considerações tecidas nesta fase atinente à admissibilidade desse concreto meio de prova.
Até porque a circunstância de uma pessoa ter interesse direto na causa – como sucede com o depoente ou o declarante – não configura um fundamento de impedimento ou de inabilidade para depor, sendo, sim, um elemento que o juiz atenderá para avaliar a força probatória do seu depoimento/declaração.
Além de que, em conformidade com o princípio da livre apreciação das provas (art. 607º, n.º 5 e 466º, n.º 3 do CPC), é ao juiz que deve competir apreciar a credibilidade dos meios de prova.
Por fim, também não se vislumbra em que termos a atividade oficiosa do tribunal possa destinar-se a suprir a falta de diligência das partes no tocante à indicação dos meios de prova.
Como já se disse, considerando que o meio de prova em causa depende da iniciativa da própria parte, na medida em que é esta que se oferece para depor, requerendo a prestação de declarações, o eventual requerimento da prestação de declarações de parte dos RR. formulado pelos AA. na petição inicial estaria inelutavelmente destinado ao insucesso, visto estar vedado pedir as declarações da parte contrária (43) .
E, em face da vicissitude processual gerada nos autos com o indeferimento da inquirição dos 3ºs co-RR., quer em sede de depoimento de parte (por não terem deduzido contestação), quer como testemunhas, bem como com a abertura manifestada pelo Tribunal na fundamentação do despacho datado de 18-02-2020 no sentido de ser admissível a prestação, como partes, de declarações não confessórias, em conformidade com o disposto no art. 466.º do CPC, limitaram-se os AA. a “sugerir” ao Tribunal que, face à materialidade controvertida, fizesse uso dos poderes inquisitórios que lhe estão adstritos – determinando oficiosamente as declarações de parte –, o que foi aceite pelo Tribunal.
Nada há de censurável nesta conduta processual, posto que a responsabilidade pela determinação da prova por declarações de parte não deixa de ser imputável ao Tribunal, decisão essa que, como vimos, tem guarida legal.
Em suma, é de concluir estarem demonstrados os requisitos do uso de poderes instrutórios, tais como: i) a admissibilidade do meio de prova; ii) a necessidade da diligência ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio; iii); a prova a produzir incidir sobre factos que é lícito ao juiz conhecer (44).
Assim, o indicado meio de prova é pertinente e indispensável à demonstração daquele enunciado tema da prova (45), sendo, por conseguinte, essencial ou imprescindível à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa no tocante ao apuramento da simulação dos negócios em apreço.
A decisão recorrida merece, assim, confirmação, improcedendo as conclusões dos apelantes.
*
As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade dos recorrentes, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
*
Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

1. O tribunal pode determinar oficiosamente a realização da prova por declarações de parte, com base no art. 411º do CPC e no disposto no art. 452º, n.º 1 “ex vi” do art. 466º, n.º 2, 2ª parte, ambos do CPC.
2. As declarações de parte apenas podem incidir sobre factos em que o declarante haja intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto.
*
VI. DECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo dos apelantes (art. 527.º do CPC).
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Guimarães, 11 de fevereiro de 2021

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)



1. Cfr. Ver, por todos, o Ac. da RG de 19/05.2011 (relator Raquel Rego), in www.dgsi.pt, bem como a doutrina e jurisprudência no mesmo citadas; ver, ainda, o estudo de João Paulo Remédio Marques, “A Aquisição e a Valoração Probatória de Factos (Des)favoráveis ao Depoente ou à Parte Chamada a Prestar Informações ou Esclarecimentos”, Revista Julgar, n.º 16, janeiro-abril/2012, pp. 137/172.
2. Cfr. Ac. da RL de 29/04/2014 (relatora Maria da Conceição Saavedra), in www.dgsi.pt..
3. Cfr. Estrela Chaby, O Depoimento de Parte em Processo Civil, Coimbra Editora, 2014, p. 49. A autora esclarece (a p. 46) que as declarações de parte “claramente não estão intencionadas à obtenção da confissão”.
4. Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil, Anotado, Vol. 2º, Almedina, 3ª ed., p. 307.
5. Dando conta dos constrangimentos do direito à prova e dos desequilíbrios entre as partes que o anterior regime processual civil era suscetível de causar, Paulo Pimenta dá, como exemplo, o caso de um acidente entre viaturas conduzidas pelos respetivos proprietários, em que sendo proposta ação para efetivação de responsabilidade civil por um dos condutores, o autor/condutor (parte) não poderia depor salvo com intuito confessório, enquanto o segurado (e também condutor) poderia depor como testemunha arrolada pela ré (seguradora). Outro exemplo, no domínio das relações negocias entre duas sociedades comerciais, intervindo, de um lado, o gerente ou administrador e, de outro, o diretor comercial, sendo que na respetiva ação judicial, o diretor comercial pode depor como testemunha arrolada pela entidade patronal, mas o gerente ou o administrador, porque legais representantes da sociedade, apenas poderão depor em sede de depoimento de parte. Outro exemplo retira-se das ações que tenham por objeto relações jurídicas indisponíveis, como a ação de divórcio, em que não é possível requerer o depoimento de parte do outro cônjuge com vista a produzir prova, por não ser admissível confissão (cfr. Processo Civil Declarativo, 2ª ed., Almedina, 2017, p. 385/386). Por sua vez, Luís Filipe Pires de Sousa, As Declarações de Parte, Uma Síntese, p. 3 (no sítio www.trl.mj.pt.) [citando Elizabeth Fernandez, in ‘Nemo Debet Essse Testis in Propria Causa? Sobre a (in)Coerência do Sistema Processual a Este Propósito’, in Julgar Especial, Prova Difícil, 2014, e Remédio Marques, ‘A Aquisição e a Valoração Probatória de Factos (Des) Favoráveis ao Depoente ou à Parte’, in Julgar, Jan-Abr. 2012, nº 16, p. 168], alude ainda aos factos por natureza revéis à prova documental, testemunhal e mesmo pericial, nomeadamente «factos de natureza estritamente doméstica e pessoal que habitualmente não são percecionados por terceiros de forma direta», aos factos respeitantes a «acontecimentos do foro privado, íntimo ou pessoal dos litigantes». Quanto a este tipo de factos demonstráveis por prova tendencialmente única, a recusa do tribunal em admitir e valorar livremente as declarações favoráveis do depoente poderia implicar «uma concreta e intolerável ofensa do direito à prova, no quadro da garantia de um processo equitativo e da tutela jurisdicional efetiva dos direitos subjetivos e das demais posições jurídicas subjetivas». A dificuldade que no pretérito regime processual obstava a que a parte pudesse requerer a inquirição do seu representante (por ex. o seu gerente) levava muitas vezes ao torneamento desse impedimento, através da renúncia à gerência, o que possibilitava a audição desse gerente uma vez que o impedimento para depor como testemunha se reportava ao momento da inquirição irrelevando a qualidade de parte detida, anteriormente, por quem vai depor [cfr. Ac. RP de 12/07/2007 (relator Mário Manuel Baptista Fernandes), in www.dgsi.pt.]
6. Cfr. Ac. da RL de 29/04/2014 (relatora Maria da Conceição Saavedra), in www.dgsi.pt., cuja fundamentação vimos seguindo de perto. No mesmo sentido, Acs. da RC de 5/06/2018 (relator Isaías Pádua) e de 05/11/2019 (relator António Carvalho Martins) e o Ac. da RL de 8/10/2020 (relator Carlos Castelo Branco), disponíveis in www.dgsi.pt..
7. Cfr., Luís Filipe Pires de Sousa refere “assistir à parte o direito potestativo processual de requerer a própria prestação de declarações de parte” (cfr. As Declarações (…), p. 4).
8. Ao contrário do que acontece com os restantes meios de prova, que, por regra, têm de ser deduzidos com os articulados (na petição inicial e na contestação, conforme o estipulado nos arts. 552.º, n.º 2 e 572.º, al. d), ambos do CPC), este meio de prova pode ser requerido pela parte, nos respetivos articulados ou até mesmo em sede de audiência de julgamento, depois de produzidos todos os meios de prova, mas sempre antes do início das alegações orais.
9. A razão de ser da admissibilidade deste meio de prova, após a produção dos restantes meios de prova, radica no facto de ter sido vontade do legislador, com vista ao apuramento da verdade, conceder às partes um último expediente de que as mesmas «se podem socorrer para tentar criar no juiz a convicção da realidade dos factos que lhes aproveitam» (cfr. Carolina Braga da Costa Henriques Martins, “Declarações de Parte”, Dissertação de Mestrado, Universidade de Coimbra, 2015, p. 14, acessível in https://eg.uc.pt/bitstream/10316/28630/1/Declaracoes%20de%20parte.pdf).
10. Por força da decorrência deste requisito, em conjugação com o n.º 2 do art. 466º e o 452º, n.º 2, ambos do CPC, o requerente deve indicar no seu respetivo requerimento os factos sobre os quais devem incidir as suas declarações; contudo, a falta de tal indicação não deve determinar, sem mais, o indeferimento liminar do requerimento, devendo antes o tribunal convidar a parte a suprir essa deficiência ou omissão [cfr., entre outros, o Ac. da RL de 8/10/2020 (relator Carlos Castelo Branco), in www.dgsi.pt., que contém uma exaustiva enunciação de diversos arestos que decidiram nesse sentido].
11.Cfr. Isabel Alexandre, A fase da instrução e os novos meios de prova no Código de Processo Civil, Revista do Ministério Público, n.º 134/2013, pp. 33/34; comentário de Miguel Teixeira de Sousa de 24/11/2017, Jurisprudência (736), https://blogippc.blogspot.com/2017/11/jurisprudencia-736.html.
12. Cfr. Elizabeth Fernandez, “Um Novo Código de Processo Civil? - Em busca das diferenças”, Vida Económica, 2014, p. 74.
13. Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, p. 307 e Isabel Alexandre, estudo citado, pp. 31/32.
14. Cfr. obra citada, p. 386 (nota 913).
15. Com idêntica posição, Lebre de Freitas, A Acção Declarativa à luz do Código de Processo Civil de 2013, 4.ª ed., Gestlegal, p. 321 e António Júlio Cunha, Direito Processual Civil Declarativo, 2ª ed., Quid Juris, p. 350; no mesmo sentido, embora referindo que a questão oferece “muitas dúvidas”, Isabel Alexandre, A fase da instrução (…), p. 31 (conclusão que retira da comparação entre o art. 466º, que apenas alude ao requerimento para prova por declarações de parte, e o art. 452º, que alude tanto ao requerimento como à determinação oficiosa do depoimento de parte); na jurisprudência, Ac. da RL de 10/04/2014 (relatora Ondina Alves), in www.dgsi.pt..
16. Cfr. Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2014 - 2ª ed., 2014, Almedina, p. 397.
17. Cfr. As Declarações (…), pp. 4/5, (no sítio www.trl.mj.pt.).
18. Defendendo também a admissibilidade do juiz ordenar oficiosamente a prestação de declarações de parte, Catarina Gomes Pedra, A Prova por Declaração das Partes no Novo Código de Processo Civil. Em Busca da Verdade Material no Processo, Escola de Direito, Universidade do Minho, 2014, pp. 133-134. Miguel Teixeira de Sousa, “Prova por declarações de parte; relações jurídicas indisponíveis”, de 23.4.2014, https://blogippc.blogspot.pt/2014/04/prova-por-declaracoes-da-parte-relacoes.html, “Prova por declarações de parte; iniciativa oficiosa”, de 21/10/2015, Jurisprudência (213) https://blogippc.blogspot.com/2015/10/jurisprudencia-213.html, Gabriela Cunha Rodrigues, “Poderes de Iniciativa do Juiz em Processo Civil e ónus da prova”, in Revista do CEJ, 1º Semestre de 2016, nº 1, p. 36; na jurisprudência, Ac. desta Relação de 17/09/2015 (relator António Figueiredo), in www.dgsi.pt..
19. Cfr. Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pp. 678/679).
20. Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ainda que estejam em causa direitos indisponíveis, não há impedimento a que seja deferida a tomada de declarações à parte. Não sendo admissível retirar de tais declarações uma declaração com valor confessório (art. 354º, al. b) do CC), sempre as mesmas poderão ser objeto de livre apreciação pelo tribunal (cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, p. 530); no mesmo sentido, o Ac. da RL de 10/04/2014 (relatora Ondina Alves), in www.dgsi.pt..
21. Cfr. Rita Lobo Xavier, Inês Folhadela e Gonçalo Andrade e Castro, Elementos de Direito Processual Civil - Teoria Geral – Princípios - Pressupostos, 2ª ed., 2018, UCEP, pp. 151.
22. Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, Almedina, p. 273.
23. Cfr. Nuno Lemos Jorge, Os problemas instrutórios do juiz: alguns problemas, Julgar, n.º 3, Setembro/dezembro 2007, Coimbra Editora, p. 65.
24. Cfr. Luís Lameiras, “O princípio do Inquisitório: um poder-dever ou um poder discricionário do juiz?”, II Colóquio de Processo Civil, 2016, Almedina, p. 30.
25. Cfr. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª edição, 2014, Almedina, p. 363 e Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª ed., Almedina, 2017, p. 32.
26. Cfr. Rita Lobo Xavier e Outros, obra citada, pp. 151.
27. Cfr., Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 3ª ed., 2017, Almedina, p. 154.
28. Cfr. Luís Lameiras, obra citada, p. 29.
29. Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, p. 484.
30. Cfr. Paulo Pimenta, obra citada, p. 372.
31. Cfr., sobre a articulação entre o princípio da autorresponsabilidade das partes e do inquisitório, Ac. da RC de 6/06/2017 (relator Arlindo Oliveira), Ac. da RG de 23/05/2019 (relatora Conceição Sampaio), Ac. da RG de 20/03/2018 (relator João Diogo Rodrigues), Ac. da RP de 09/02/2015 (relator João Nunes), Ac. da RL de 6/06/2019 (relatora Laurinda Gemas) e Ac. da RL de 11/07/2019 (relator Luís Filipe Sousa), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
32. Cfr., versando, em concreto, a prova testemunhal, Luís Filipe Sousa, Prova testemunhal, p. 275 e Ac. da RL de 21/02/2019 (relatora Gabriela Cunha Rodrigues), in www.dgsi.pt.
33. Cfr., Ac. da RP de 2/05/2013 (relator Araújo Barros) e Ac. da RL de 21/02/2019 (relatora Gabriela Cunha Rodrigues), in www.dgsi.pt.
34. Cfr. Paulo Pimenta, obra citada, pp. 372/373 (nota 871).
35. Cfr. Lemos Jorge, estudo citado, pp. 74 e 75 e o Ac. desta Relação de 12/11/2020 (relatora Margarida Sousa), in www.dgsi.pt..
36. Cfr., António Júlio Cunha, Direito Processual Civil Declarativo, 2ª ed., Quid Juris, p. 369.
37. Cfr. Acs. da RP de 23/03/2015, (relator José Eusébio de Almeida) e de 13/06/2018 (relator Jorge Seabra), in www.dgsi.pt.
38. Cfr. Paulo Pimenta, obra citada, p. 387, nota 915, Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, obra citada, p. 400.
39. Cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Almedina, 1987, p. 171 e Carlos Alberto da Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., Coimbra Editora, 1986, pp. 472/473.
40. Cfr., entre vários, os Acs. do STJ de 9/05/2002 (relator Araújo de Barros), de 14.02.2008 (relator Oliveira Rocha) e de 22.02.2011 (relator Fonseca Ramos), Ac. da RL de 8/07/2010 (relatora Carla Mendes) e Ac. da RC de 15.11.2016 (relator Fonte Ramos), todos disponíveis in www.dgsi.pt.; Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 3ª ed., 2017, Almedina, p. 264.
41. Cfr. Ac. da RP de 13/01/2015 (relator Fernando Samões), Ac. da RG de 31/03/2016 (relator António Santos) e Ac. do STJ de 22.02.2011 (relator Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt.; na doutrina, para uma abordagem exaustiva sobre o tema, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 3ª ed., 2017, Almedina, pp. 263 a 275.
42. Cfr., Manuel A. Domingues de Andrade, obra citada, p. 213.
43. Veja-se que, pressupondo que os RR. iriam deduzir contestação, os AA. logo na petição inicial cuidaram de requerer o depoimento de parte dos RR., em conformidade com o disposto no art. 552º, n.º 6 do CPC.
44. Cfr. Lemos Jorge, Estudo citado, pp. 74 e 75.
45. «A vontade real dos réus de celebrarem contratos de compra e venda, e não de doação».