Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1358/16.5T8BRG.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
RELAÇÃO JURÍDICA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - A competência do tribunal em razão da matéria afere-se de harmonia com a relação jurídica controvertida, tal como definida pelo autor no que se refere aos termos em que propõe a resolução do litígio, a natureza dos sujeitos processuais, a causa de pedir e o pedido.
2 – A regra básica da atribuição de competência aos tribunais administrativos é a da apreciação de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas.
3 – Sendo o Fundo de Resolução, detentor do capital do N, uma pessoa coletiva de direito público, cuja atividade se encontra regulada no RGICSF e seus regulamentos (normas de direito administrativo), onde se estabelece a disciplina de relações jurídicas administrativas, a sua eventual responsabilidade é competência exclusiva dos tribunais administrativos.
4 – Tendo sido formulado um pedido de condenação solidária, todos os demais réus terão que ser absolvidos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I.RELATÓRIO
A e mulher F deduziram ação declarativa contra “Banco E, SA”, “N, SA”, agência sita em Amares e Fundo de Resolução pedindo que os réus sejam condenados, solidariamente, a pagar aos autores a quantia de € 124.000,00, referentes aos investimentos em “Poupança Plus 1 XS0140592451”, “Euro Aforro 10 10/12 24RE02” e “Top Renda 5 GB0033383992”, acrescido dos juros contratualizados, bem como juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento e, ainda, o valor global de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Alegaram em síntese que:
Em 16/07/1997 abriram uma conta junto do balcão de Amares do B e que, sendo emigrantes, foram contactados pelo gestor do B em Lausanne, Suiça que lhes recomendou investirem parte das suas poupanças tendo investido em 30/07/2002 €11.500,00 num produto denominado Poupança Plus e desde então investiram em diversos produtos.
Que em 25/03/2013 por aconselhamento da gestora de conta do B investiram €27.000,00 num alegado depósito a prazo denominado Euro Aforro, em 26/07/2013 foram novamente aconselhados e investiram €30.000,00 num alegado depósito a prazo denominado por Poupança Plus e em 20/09/2013 investiram €67.000,00 num alegado depósito a prazo denominado Top Renda.
Mais alegaram que nunca lhes foi explicado que este tipo de investimento tivesse qualquer risco associado e que se tivessem sido esclarecidos nunca teriam investido o seu dinheiro, tendo sido enganados.
Que no dia 3 de Agosto de 2014 foi anunciada a medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal (doravante “BdP”) ao B e os investimentos dos Autores passaram a figurar na conta que lhes foi aberta no N, que é controlado pelo BdP e de que é único accionista o Fundo de Resolução.
Que o N propôs um acordo para ressarcir os clientes (“emigrantes”) de molde a recuperarem os montantes investidos nos produtos denominados Poupança Plus, Euro Aforro e EG Premium e que se traduz numa assunção de divida por parte do N, sendo o Fundo de Resolução, como seu único acionista, o responsável máximo pelas relações jurídicas confiscadas e pelos prejuízos derivados dessa “cessão de créditos”.
Ainda assim, sublinharam ter celebrado com o B um contrato de depósito bancário e não qualquer contrato de intermediação financeira, que só seria válido se tivesse forma escrita.
Entendem os Autores que o Be o N são responsáveis pelos prejuízos causados aos Autores quer pela sua actuação na formação do contrato quer na celebração e execução do mesmo e por isso obrigados à devolução do capital e juros de mora.
Que de todo o modo sempre os Réus B e N seriam responsáveis por força da medida de resolução, sendo que a partir de 11/08/2014 o BdP tornou evidente que imputava ao N todas as obrigações de indemnização como a dos Autores.
Alegam por fim que os Autores sofreram danos não patrimoniais e que têm direito a exigir do N uma indemnização pelos prejuízos emergentes do incumprimento seja de natureza contratual ou extracontratual.
Os três réus contestaram, sendo que, para o que aqui importa, o Fundo de Resolução invocou a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria.
Foi dada oportunidade aos autores de se pronunciarem, tendo estes pugnado pela improcedência da exceção de incompetência absoluta.
Dispensada a audiência prévia, foi proferida sentença que, julgando a exceção procedente, decretou a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, absolvendo os réus da instância.
Discordando da sentença, dela interpuseram recurso os autores, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
A- Em 21 de março de 2016, os recorrentes intentaram contra “Banco E, S.A.”, “Agência do N, S.A.” e “Fundo de Resolução” ação declarativa comum em que peticionaram a condenação dos réus no pagamento da quantia de €124.000,00, referente aos investimentos em “Poupança Plus 1 XS0140592451” com o ISIN nº 1446 SCBES0AE0279, “Euro Aforro 10 10/12 24RE02” com o ISIN SCBES0AE0230 e “Top Renda 5 GB0033383992” com o ISIN SCBES0AE0284, acrescida dos juros contratualizados, bem como juros de mora vencidos e 1450 vincendos até efectivo e integral pagamento, e, ainda, o valor global de €10.000,00 a título de danos não patrimoniais.
B- Por força daquela medida de resolução decretada por deliberação do BdP, em 3 de agosto de 2014, a relação jurídica contratual entre o recorrente e o B foi transferida para o N, a par de um conjunto de ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais, operando uma verdadeira sucessão de direitos e obrigações.
C- O R. Fundo de Resolução é o único accionista do R. N.
D- Vem o presente recurso de apelação interposto da decisão proferida pelo tribunal a quo que declarou verificada a exceção de incompetência material deste tribunal e a consequente absolvição dos réus da instância, nos termos do n.º 1 do art. 99.º; al. a) do n.º 1 do art. 278.º; nºs 1 e 2 do art. 576.º; al. a) do art. 577 e 578.º, todos do Código de Processo Civil.
E- À exceção da incompetência material encontra-se subjacente a tese da incompetência material do tribunal a quo para conhecer do mérito da causa, porquanto o R. Fundo de Resolução (doravante “FdR”) é pessoa colectiva de direito público e que, por esse motivo, estaria sujeito à jurisdição administrativa.
F- Pese embora a natureza do Réu na ação, enquanto pessoa coletiva de direito público, tal não impede que a mesma pratique ou desenvolva relações jurídicas no âmbito do direito privado.
G- Os RR. nas respetivas contestações efetuaram uma interpretação relativamente correta da causa de pedir, no sentido de que os AA. pretendem que, no quadro de uma relação contratual (contrato de depósito irregular celebrado com o R. B transmitido para o R. N) seja declarada a nulidade dos seus investimentos, por estarem convictos de que esses mesmos investimentos reuniam e assentavam em determinadas características (segurança, isenção de risco e serem equivalentes a depósitos a prazo), quando, e na verdade, por culpa e responsabilidade que não lhes é imputável, investiram em ações preferenciais, comercialmente designadas por “Euro Aforro”.
H- É precisamente esta teorização que os AA., aqui recorrentes, propugna, quando verte na sua p.i. que o FdR, enquanto único acionista do R. N (doravante “N”) e responsável máximo pelas relações jurídicas e pelos prejuízos da sub-reptícia cessão de créditos, deve ser condenado, a título subsidiário, no pagamento dos depósitos que aquele tinha junto do B.
I- Contudo, o que consta dos autos e dos articulados dos AA., apontam clara e objetivamente para uma responsabilidade do R. B e R. N decorrente da violação das normas contratuais, nomeadamente, do contrato de depósito irregular. É com base nesta responsabilidade e com base nesta teorização que os AA. assacam aos RR. a respetiva responsabilidade.
J- Está jurisprudencialmente assente, que estribando-se a pretensão dos autores em duas normas, com a alegação de factos a elas subsumíveis, há pluralidade de causas de pedir, sendo que essa circunstância, todavia, não permite considerar que uma causa de pedir possa determinar a competência material de um tribunal, e a outra, a competência material de outro tribunal; só a causa de pedir considerada dominante poderá determinar essa competência.
K- O que os AA. pretendem com esta e nesta ação mais não é do que o reconhecimento de que celebraram um contrato de depósito irregular com o R. B, que investiram o dinheiro das suas poupanças em depósitos a prazo ou produtos com as mesmas garantias e em virtude de terem sido enganados e convencidos de que os produtos “Euro Aforro” (ações preferenciais) revestiam essas características, sejam tais negócios, contratos ou investimentos, declarados nulos e lhes seja devolvido o seu dinheiro para a sua conta bancária atualmente no R. N.
L- Em momento algum assacam ou fundam essa sua pretensão (mesmo que indemnizatória) noutro ato que não seja a violação do contrato de depósito irregular e dos contratos relativos a “operações financeiras”.
M- Não há, salvo devido respeito, qualquer imputação de responsabilidade extracontratual expressa na causa de pedir ou no pedido.
N- Em conclusão, De facto, sendo a estrutura da causa, tal como vem configurada pelos AA., aqui recorrentes, a determinar a competência material do tribunal, é irrelevante averiguar quais deviam ser os termos da pretensão - no fundo o que sucede com a competência do tribunal, sucede também com outros pressupostos processuais (legitimidade, forma do processo) -, ou seja, é a instância, no seu primeiro segmento consubstanciado no articulado inicial do demandante, que determina a resolução desses pressupostos.
O- Alegaram, em sede de p.i., os AA. que o FdR, enquanto único acionista do R. N e responsável máximo pelas relações jurídicas e pelos prejuízos da sub-reptícia cessão de créditos, deve ser condenado, a título subsidiário, no pagamento dos depósitos que aquele tinha junto do B.
P- Sendo o FdR o seu único acionista e não podendo aquele (N) assumir a responsabilidade pelo ressarcimento dos valores reclamados pelo recorrente, em virtude da deliberação do Banco de Portugal datada de 29/12/2015, em última ratio seria o seu único acionista (FdR) a assumir essa responsabilidade, à luz do que sucede no Código das Sociedades Comerciais.
Q- A causa de pedir, consubstanciada em factos suscetíveis de produzirem o efeito jurídico que este pretende, i.e. que sejam admitidos e considerados como depósitos dinheiro que tinha junto do B, não se mostra afetada pelo teor das deliberações, enquanto limitação na transmissibilidade de responsabilidades do B para o N, pelo que a responsabilidade do B transmitiu-se, por esta via, para o 2.ª Réu, N, S.A., nada obstando, portanto, à legitimidade passiva tanto do B como do N.
R- O Tribunal a quo assenta, outrossim, a sua decisão de se julgar materialmente incompetente no facto de o pedido dirigido ao Fundo de Resolução (doravante “FdR”) não estar autonomizado dos demais.
S- A este propósito afirma o aresto que “(…), caso o autor tivesse optado por dirigir um pedido autónomo ao Fundo de Resolução, coligado com o B e o N, sempre haveria de ter-se por ilegal a coligação – nº 1 do art. 37º do CPC - , cabendo-lhe optar pelo(s) pedido(s) que pretendesse ver apreciado(s) nestes autos, sob pena de absolvição da instância de todos os réus – nº 1 do art. 38º do CPC.
Tendo, contudo, formulado um pedido apenas contra todos os réus, em regime de solidariedade, incontornável se torna a contaminação da incompetência deste tribunal quanto ao pedido dirigido ao B e ao N, já que nos termos do nº 2 do referido art. 4º do ETAF «[p]ertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos».Ora, sendo embora muito questionável esta solidariedade (já que o Fundo apenas responderá pelo maior prejuízo causado), o certo é que o autor configurou a acção desse modo, não deixando grandes opções ao tribunal na apreciação da competência material.”
T- A competência tem de se aferir pelos termos da relação jurídico-processual tal como foi apresentada em juízo, havendo que atender ao pedido e especialmente à causa de pedir, tal como o autor (aqui recorrente) o formula.
U- O fundamento dessa responsabilidade advém do facto de o FdR, enquanto entidade de direito público, ser a detentora do capital social de um banco, pelo que atua no âmbito das suas atribuições como acionista e não enquanto atribuição de direito público, que lhe estão legalmente cometidas.
V- Com efeito, o recorrente, ao invés do que o Tribunal a quo defende não foi afectado nos seus direitos pelo FdR, mas sim por decisões ou atos do Banco de Portugal.
W- Não estamos no âmbito de um litígio emergente de relações jurídico-administrativas (art. 1º do ETAF) e decorrentes das mesmas, pelo que não tem aplicação o critério disposto no art.º 4 do mesmo corpo de normas (ETAF).
X- O recorrente não assaca responsabilidade ao R. FdR, em primeira linha, pelas deliberações de 3 de agosto de 2014 e de 29 de dezembro de 2015, nem lhe imputa responsabilidade pela “cessão de créditos” operada por via da resolução do B. Imputa-lhe sim responsabilidade por devolver os investimentos do A., aqui recorrente, enquanto parte do acervo patrimonial, decorrente da cessão de créditos, do qual pode, subsidiariamente ser responsável (quando o R. N não o for) pelo simples facto de ser seu único acionista.
Y- O aqui recorrente apresentou, juntamente com outros credores, uma ação administrativa comum pedindo a declaração de nulidade da deliberação do Banco de Portugal proferida em 29/12/2015, processo que corre termos na 3ª Unidade Orgânica, do Tribunal Administrativo de Círculo, sob o nº 883/16.2BELSB.
Z- Concluiu, erradamente no nosso entendimento, que a decisão aqui em análise estando a natureza da presente causa atribuída, por disposição legal, a tribunal de outra ordem jurisdicional, designadamente aos tribunais administrativos, o Tribunal a quo é materialmente incompetente para conhecer a presente ação.
AA- O tribunal a quo poderia, sem qualquer desrespeito pelo regime da solidariedade, julgar procedente a exceção de incompetência material do tribunal, o que implicaria, nos termos do art. 99º, n.º 1 do CPC, - somente - a absolvição do réu FdR da instância (no mesmo sentido, vide o art. 577º, al. a) e 576º, n.º 2 do CPC) .
BB- A responsabilização do FdR pelas dívidas do banco diretamente perante os credores só poderia ocorrer dentro de pressupostos muito precisos (que salvo melhor entendimento não estão sequer alegados – vide pontos 1.28 e 1.29 da petição.
CC- A responsabilização de acionistas ou de administradores (não sendo o FdR administrador pelos atos das sociedades de que são acionistas ou administradores estão sujeitas a pressupostos legais não alegados (vide, no âmbito do Código das Sociedades Comerciais, o disposto no art. 78º - responsabilização direta dos administradores perante os credores sociais).
DD- Ainda que se demonstrasse a factualidade alegada a respeito do FdR, a mesma não permite a condenação do aqui recorrido em causa.
EE- A causa de pedir tem natureza fundamental no âmbito de uma ação declarativa, na medida em que a mesma delimita o objecto da causa – por referência ao pedido formulado –, a iniciativa processual e a própria conformação do processo.
FF- Para se estar perante ineptidão por falta de causa de pedir é necessário uma total ausência dos factos que servem de base, de fundamento à pretensão ou uma total omissão de factos susceptíveis de preencherem a previsão do facto jurídico de que procede a pretensão do autor. In casu, e salvo devido respeito por opinião contrária, existe essa ausência de factos.
GG- Apesar da contestação do réu FdR, não estamos perante um caso que seja integrável no art. 186º, n.º 3 do CPC, porque entendemos que a ausência de factos principais é tal que não é suprível.
HH- Assim, não tendo sido invocados factos que fundamentem o pedido tal como foi formulado, temos de concluir que a petição é, nesta parte, inepta. Ineptidão que constitui excepção dilatória que impede, nesta parte, o conhecimento do mérito da causa, conduzindo à absolvição da instância do réu em causa (arts. 1º, n.º 1, al. a), 576º, n.º 2 e 577º, al. b), todos do CPC).
II- O Tribunal a quo considerou que da factualidade que supra se expôs e que resulta tão só dos artigos 1.28 e 1.29 da petição inicial – para efeitos de responsabilização do Fundo de Resolução - , “Seria este o enquadramento possível para a pretensão do ora autor quanto ao Fundo de Resolução: a entender-se que o seu crédito não estava transferido para o N, teria o mesmo, sobre o Fundo de Resolução, uma pretensão indemnizatória pelo maior prejuízo criado com a medida de resolução (sendo que, não sabendo da existência desse maior prejuízo, sempre teria que pedi-lo condicionalmente).”
JJ- O A., aqui recorrente, - mau grado aqui ter de o reconhecer - não alegou ou aduziu factualidade suficiente e idónea a produzir os efeitos jurídicos pretendidos, i.e. que o FdR fosse, em última análise, responsabilizado pela “cessão de créditos” operada por via das deliberações de uma entidade terceira, ou seja, o Banco de Portugal, que pudesse levar o tribunal a considerar que o FdR pudesse ser condenado (na parte que lhe competia) pelos maiores prejuízos decorrentes da resolução face àqueles em que o A. e todos os credores poderiam ter de suportar perante um cenário de liquidação.
KK- Salvo melhor entendimento, esta conclusão que o Tribunal a quo extraiu e na qual, outrossim, fundamentou o seu juízo para determinar a incompetência material do Tribunal, por referência quer à causa de pedir quer ao pedido, é claramente violadora do princípio do dispositivo, enquanto princípio basilar relativo à prossecução processual que faz recair sobre as partes o dever de formularem o pedido e de alegarem os factos que lhe servem de fundamento – artº 5º do CPC.
LL- Deve, por conseguinte, considerar-se que o Tribunal a quo violou, com a sua decisão, o princípio do inquisitório, consagrado no art. 5º do CPC, o que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos.
NESTES TERMOS, e nos melhores de direito deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão da qual se recorre substituindo-se por uma outra que declare o Tribunal a quo materialmente competente para conhecer do pedido formulado pelo A., em conformidade com o supra exposto, assim V.ª Ex.ª fazendo a,Justa e CostumadaJustiça.

Os réus “N, SA” e Fundo de Resolução contra alegaram, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

A única questão a resolver traduz-se em saber se o tribunal é competente em razão da matéria para apreciar a questão dos autos.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença recorrida analisou-se detalhadamente a natureza do réu Fundo de Resolução, para se concluir que se trata de uma pessoa coletiva de direito público, criada para prosseguir atribuições públicas e sujeita, por isso, ao contencioso administrativo – artigo 153.º-B, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ‘RGICSF’ (DL n.º 298/92, de 31 de dezembro) – e que veio a ser criado pelo DL n.º 31-A/2012 de 10 de fevereiro, no âmbito da revisão do regime de saneamento e liquidação das instituições de crédito e sociedades financeiras, tendo o respetivo regulamento vindo a ser aprovado pela Portaria n.º 420/2012, de 21 de dezembro que, no artigo 2.º prevê expressamente que o Fundo é uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira, tendo por objeto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adotadas pelo Banco de Portugal e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas.
Aí se considerou que, quer se analise a ação do ponto de vista da responsabilidade extracontratual – alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF – quer se analise do ponto de vista da responsabilidade contratual – a responsabilidade que imputam ao réu decorre exclusivamente das deliberações tomadas pelo Banco de Portugal e do facto de o réu ser o único acionista do N – sempre o tribunal judicial comum seria absolutamente incompetente, mais se acrescentando que, em função da forma como foi criado, dos objectivos que visa alcançar e do modo como atua, nunca se poderia dizer que estaria a agir numa esfera de direito privado.
Considerando que inexiste uma relação contratual entre os autores e o Fundo de Resolução e que os autores invocam apenas a medida de resolução do Banco de Portugal e o facto de o Fundo ser o único acionista do N, haverá que concluir pela competência dos tribunais administrativos para apreciar tal pretensão.
E tendo formulado um pedido de condenação solidária de todos os réus, tem de se considerar verificada a incompetência absoluta do tribunal judicial comum quanto ao pedido dirigido aos demais réus, nos termos do n.º 2 do referido artigo 4.º do ETAF.
Alegam os recorrentes que a sua ação está baseada na responsabilidade dos réus B e N decorrente da violação de normas contratuais, designadamente do contrato de depósito irregular.
Contudo, não sofre dúvida que a responsabilidade que imputam ao Fundo de Resolução não decorre de qualquer violação contratual, uma vez que nenhum vínculo obrigacional foi estabelecido entre este Fundo e os autores
Como é sabido, constitui entendimento jurisprudencial e doutrinário consensual que a competência do tribunal em razão da matéria se afere de harmonia com a relação jurídica controvertida, em princípio, tal como definida pelo autor no que se refere aos termos em que propõe a resolução do litígio, a natureza dos sujeitos processuais, a causa de pedir e o pedido – por todos AC Tribunal de Conflitos de 02.07.2002, 01/02; AC Tribunal de Conflitos de 05.02.2003, 06/02; AC Tribunal de Conflitos de 23.09.04, 05/05; AC Tribunal de Conflitos 04.10.2006, 03/06; AC Tribunal de Conflitos de 17.05.2007, 05/07; AC Tribunal de Conflitos de 29.03.2011, 025/10, acórdãos do STJ de 9.12.99, CJ, Acórdãos do STJ, ano VII, tomo 3º, pág. 283 e de 18.06.2015, (processo nº 13857/14.9T8PRT.P1.S1), in www.dgsi.pt. e, na doutrina, Teixeira de Sousa, A competência declarativa dos tribunais comuns, pág. 36 e seguintes; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 88 e seguinte; Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 129.
Em nada releva, para a questão, saber se a pretensão formulada é ou não procedente, se as partes são ou não legítimas ou se a forma processual é a idónea. E aqui estamos já a rejeitar os argumentos aduzidos pelos apelantes nas conclusões EE) a KK) do recurso, pois a competência material tem que ser apreciada de acordo com a relação jurídica controvertida, tal como a mesma vem definida pelo autor na petição inicial, não relevando vir agora concluir que, tal como os factos estão alegados, eventualmente, a petição seria inepta e não conduziria à condenação do réu Fundo de Resolução.
Em suma, para decidir qual das diversas normas definidoras dos critérios que presidem à distribuição do poder de julgar entre os diferentes tribunais, deve olhar-se aos termos em que a ação foi posta – seja quanto aos seus elementos objetivos seja quanto aos seus elementos subjetivos. A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da ação. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do autor (compreendidos aí os respetivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão.
O que terá de ser feito em função do modo como a causa é delineada na petição inicial, e não pela controvérsia que venha a resultar da ação e da defesa.
Afastado este argumento, retomemos o raciocínio inicial.
Entre os autores e o Fundo de Resolução não existe qualquer relação contratual, pelo que a responsabilidade que se lhe imputa só pode ser uma responsabilidade civil extracontratual.
Tratando-se de uma pessoa coletiva de direito público, como vimos, a competência exclusiva dos tribunais administrativos para apreciar litígios que tenham por objeto questões relativas à responsabilidade civil extracontratual deste tipo de pessoas, é determinada pelo artigo 4.º, n.º 1, alínea f) do ETAF.
Não importa aqui averiguar se o acto foi praticado no domínio da gestão pública ou no âmbito da gestão privada, uma vez que se trata de norma imperativa, aplicável quer se trate de um domínio ou de outro – Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição, Almedina, 2010, página 22, nota 12.
A regra básica sobre a delimitação da competência jurisdicional dos tribunais administrativos com os demais tribunais é uma cláusula geral positiva de atribuição de competência aos tribunais administrativos para apreciação de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, ou seja, relações jurídicas de direito administrativo, reguladas por normas de Direito Administrativo, em que, “pelo menos um dos sujeitos seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, atuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido” Cfr., sobre a questão, VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 4ª edição, págs. 59 e seguintes.
No âmbito das relações contratuais, operaram-se com o novo ETAF, alguns desvios a este critério tendo-se procedido a um alargamento do âmbito da jurisdição da Administração em matéria contratual, passando os tribunais administrativos a ter competência para apreciar os litígios emergentes de todos os contratos públicos, ultrapassando a tradicional dicotomia entre contrato administrativo e contrato de direito privado da Administração Pública, passando todos os contratos da Administração a estar sujeitos aos tribunais administrativos. Veja-se, a este propósito, a exposição de motivos da Proposta de Lei que deu origem ao ETAF, onde se afirmava que “a jurisdição administrativa passa, também, a ser competente para a apreciação de todas as questões relativas a contratos celebrados por pessoas coletivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais contratos se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado (…)”.
No que aqui nos interessa, particularmente, convém verificar que o Fundo de Resolução é o acionista único do N, não com base em actos ou normas de direito civil ou comercial, mas sim, enquanto pessoa coletiva de direito público, com base em actos de direito administrativo – cfr. normas citadas na sentença recorrida e a que já supra fizemos referência, quanto à sua criação e normas que o regem, designadamente os artigos 153.º e 154.º do RGICSF, bem como as deliberações do Banco de Portugal que o sustentam, todas elas tipicamente de direito administrativo, estabelecendo-se nelas a disciplina de relações jurídicas administrativas, das quais são sujeitos obrigatórios o Fundo de Resolução e o Banco de Portugal.
E voltamos, assim, à pedra de toque da atribuição de competência aos tribunais administrativos - apreciação de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas.
Daí que a eventual responsabilidade do Fundo de Resolução só possa aferir-se com base nas relações jurídico-administrativas existentes entre ele e o N, porque foi ao abrigo daqueles citados artigos do RGICSF que essa relação se estabeleceu e é regulada.
Não há, portanto, como discordar da sentença recorrida, nesta parte.
De igual modo, bem andou a Sra. Juíza quando absolveu todos os réus e não apenas o Fundo de Resolução, o que deriva diretamente do disposto no n.º 2 do artigo 4.º do ETAF, ao dispor que “pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos”. Daí que, atendendo à forma como os autores configuraram a presente ação, formulando um pedido de condenação solidária de todos os réus, será o tribunal judicial incompetente em razão da matéria, com a absolvição de todos eles.
Improcede, assim, a apelação, sendo de confirmar a sentença recorrida.

Sumário:
1 - A competência do tribunal em razão da matéria afere-se de harmonia com a relação jurídica controvertida, tal como definida pelo autor no que se refere aos termos em que propõe a resolução do litígio, a natureza dos sujeitos processuais, a causa de pedir e o pedido.
2 – A regra básica da atribuição de competência aos tribunais administrativos é a da apreciação de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas.
3 – Sendo o Fundo de Resolução, detentor do capital do Novo Banco, uma pessoa coletiva de direito público, cuja atividade se encontra regulada no RGICSF e seus regulamentos (normas de direito administrativo), onde se estabelece a disciplina de relações jurídicas administrativas, a sua eventual responsabilidade é competência exclusiva dos tribunais administrativos.
4 – Tendo sido formulado um pedido de condenação solidária, todos os demais réus terão que ser absolvidos.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
***
Guimarães, 26 de janeiro de 2017