Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
176/18.0Y3BRG.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
FASE CONTENCIOSA
FIXAÇÃO DA INCAPACIDADE PARA O TRABALHO
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – A fase contenciosa do processo emergente de acidente de trabalho inicia-se mediante a apresentação de requerimento, com pedido de junta médica, apenas nos casos em que a única questão controvertida que resultou da tentativa de conciliação diz respeito à fixação da incapacidade para o trabalho (n.º 2 do artigo 138.º do CPT) em todas as restantes situações a fase contenciosa inicia-se mediante a apresentação de petição inicial, e caso esta não seja apresentada no prazo de 20 dias, que poderá ser prorrogado, suspende-se a instância (n.º 1 e 4 do artigo 119.ºdo CPT.).
II - Se em sede de tentativa de conciliação a divergência entre as partes não se cinge apenas à incapacidade para o trabalho, mas também se verifica quanto às despesas de deslocação, fisioterapia, consultas, medicamentos e banda torácica, o julgador não pode, após o decurso do prazo de 20 dias sem que nada seja requerido, proferir sentença ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 138.º do CPT.
III – O indevido processamento dos autos traduz-se no erro na forma do processo que constitui uma nulidade principal que determina a anulação dos actos que não possam ser aproveitados (cfr. art.º 193.º do CPC.)

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I –RELATÓRIO

APELANTE: X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.
APELADO: B. B.
Tribunal da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho – Juiz 1

Na fase conciliatória dos presentes autos de acção especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado B. B. e responsável X - Companhia de Seguros, S.A., não obteve êxito a tentativa de conciliação que teve lugar no dia 30.09.2019, uma vez que a Seguradora responsável não aceitou o resultado do exame médico realizado pelo G.M.L., porque entende que o sinistrado está curado sem desvalorização, não aceitando assim nem a IPP, nem os períodos de ITs e respectiva data da alta, atribuídos pelo INML. Por fim, a Seguradora também não aceitou pagar nem a pensão anual proposta, nem as diferenças de ITs, nem a importância €380,01 relativa a despesas de deslocações a fisioterapia e consultas, medicamentos e banda torácica, uma vez que efectuadas depois da data da alta da seguradora, tal como melhor resulta do respectivo auto de tentativa de conciliação que passamos a transcrever:

“AUTO DE TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO
165114313
Em Braga, 30-09-2019, pelas 11H00, no gabinete da Ex.ma Procuradora da República deste Tribunal, Dra. M. L., comigo, oficial de justiça A.P., nos autos de Acidente de Trabalho (F. Conciliatória), Processo: 176/18.0Y3BRG, em que são partes:
Sinistrado: B. B.
Entidade responsável: X - Companhia de Seguros, S.A.
Entidade Patronal: Serralharia Y, Lda.
PRESENTES
Sinistrado: B. B., filho de … e de …, casado, nascido em 25-12-1964, concelho de Braga, freguesia de … […], NIF - …, BI - …, Endereço: Rua … Braga
Entidade Responsável :X - Companhia de Seguros, S.A., NIF - …, Endereço: Largo do … Lisboa
Legal Representante da entidade Responsável: Senhora M. N., com procuração arquivada neste Juízo de Trabalho.
Iniciada a diligência, pelos intervenientes foi dito, respectivamente:
SINISTRADO:
No dia 19/02/2018, pelas 06H50 horas, ao serviço da entidade empregadora, na freguesia de …, em Braga, sofreu o acidente dos autos, quando se deslocava de bicicleta para o trabalho, desequilibrou-se e caiu, do do qual resultou traumatismo do ombro esquerdo (luxação glenoumeral)
À data do acidente trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da entidade empregadora supra referenciada, com a categoria profissional de motorista de pesados, mediante a remuneração anual de € 17.074,84, correspondente ao, salário base de € 990,00 x 14 meses, subsidio de refeição de € 5,00 x 242 dias, acrescido de prémio de produção de € 167,07 x 12 meses.
O acidente acima descrito provocou-lhe as lesões descritas no auto de exame do G.M.L. antecedente, as quais lhe determinaram as ITS a fls. 150 v/ e 163, tendo sido considerado pelo perito médico afectado de uma IPP de 3,0000%, a partir de 17/12/2018, data da cura clínica, o que aceita.
Recebeu da seguradora € 1.313,80, de indemnização pelas ITS.
Gastou € 25,00, de transportes.
Reclama ainda da seguradora, conforme consta a fls. 117, € 298,48, (2296 Km x 0,13) custos de deslocação na sua viatura da sua residência para o Hospital de Braga, despesas com medicamentos no valor de € 5,77; € 30,00 de suporte de braquial com banda toraxica, prescrito pela médica; € 45,76 (352 Km x 0,13) de despesas de deslocação para a realização de 20 sessões de fisioterapia na Clinica de ..., também prescrito pela médica do Hospital no montante de O sinistrado.
Indica o IBAN PT50……….
Não está a receber qualquer valor a título de pensão provisória.
Concorda com os cálculos que foram efectuados, agora exibidos e que constituem a Proposta a apresentar pela Exma. Magistrada do Ministério Público.
Atenta a concordância do sinistrado, de seguida pela Exma. Procuradora da República, foi feita a seguinte:

De seguida pela Exma. Procuradora da República, foi feita a seguinte:
PROPOSTA
De acordo com os elementos constantes dos autos, designadamente dos documentos juntos quer pela seguradora, quer pela entidade patronal, das declarações do sinistrado e face ao teor do relatório médico-legal, cujo resultado o sinistrado concordou, reclamo para o sinistrado as seguintes prestações, sendo a pensão e a indemnização calculadas com base no valor anual de € 17.074,84 e sendo a indeminização calculada com base na retribuição líquida integral, correspondente a 81,3% da retribuição ilíquida, de acordo com as condições da apólice dos autos.
a) – Indemnização pelas ITS de a fls. 150 v/ e 163, no valor global de € 11.209,43, calculada com base na retribuição liquida integral, correspondente a 81,3% da retribuição ilíquida, de acordo com as condições da apólice, faltando ainda a seguradora pagar o valor de € 9.895,63.
b) - O capital de remição correspondente à pensão anual de € 358,57 com início em 18/12/2018, calculada com base na retribuição supra referenciada e na IPP de 3,0000%, da responsabilidade da seguradora, acrescidas de juros de mora, a calcular à taxa legal supletiva desde o dia seguinte ao da alta.
c) Reclama ainda da seguradora, conforme consta a fls. 117, € 298,48, (2296 Km x 0,13) de custos de deslocação na sua viatura, da sua residência para o Hospital de Braga, para tratamentos de fisioterapia e consultas no posto médico; € 5,77 de medicação prescrita pelo médico do hospital; € 30,00 de suporte de braquial com banda toraxica, prescrito pela médica; € 45,76 correspondente a 352 Km (352 Km x 0,13), para a realização de 20 sessões de fisioterapia na Clinica de ..., também prescrito pela médica do Hospital;
d) - A quantia de € 25,00, de transportes, acrescidas de juros de mora, a calcular à taxa legal supletiva desde o dia da Tentativa de Conciliação.
REPRESENTANTE DA SEGURADORA:
A sua representada aceita a existência do acidente e a sua caracterização como acidente de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente e a responsabilidade pelo acidente com base na retribuição de € 990,00 x 14 meses, acrescido de € 110,00 x 11 meses e outros € 167,07 x 12 meses, o que perfaz a retribuição anual de € 17.074,84.
Não aceita o resultado do exame médico atribuído pelo G.M.L. porque entende que o sinistrado está curado sem desvalorização e apenas aceita as sequelas constantes do boletim de alta da seguradora, não aceitando quer a IPP atribuída pelo INML, quer os períodos de Its e respetiva data da alta.
Não aceita pagar a pensão anual de € 358,57 com início em 18/12/2018, calculada com base na retribuição supra referenciada e na IPP 3,0000%.
Não aceita pagar € 9.895,63 de diferenças de ITs, uma vez que não concorda com os períodos atribuídos pelo G.M.L..
Aceita pagar a quantia de € 25,00 de transportes.
Não aceita pagar, € 380,01, relativo a despesas de deslocação a fisioterapia e consultas, medicamentos e banda toraxica, uma vez que efetuadas depois da data da alta da seguradora e o sinistrado ficou curado sem desvalorização. (negrito nosso)

Seguidamente pela Exma. Procuradora da República foi proferido o seguinte
DESPACHO:
Sendo as partes capazes e legal o acordo dou as partes por não conciliadas e este acto por findo.
Organize P.A. para os efeitos previstos no art.º 119, n.º 1 do C.P.T. (negrito nosso)
Declarações ao sinistrado para declarações no dia 8.10.2019, pelas 11H00, devendo fazer-se acompanhar da declaração de I.R.S. de 2018 e indicar testemunhas.
Notifique-o também que mesmo estando isento do pagamento de custas, mas caso não beneficie de apoio judiciário, devendo-o requerer impreterivelmente em 20 dias, ou seja, até à propositura da acção, no caso de esta ser improcedente poderá ser condenado no pagamento de custas de parte, caso venham ser reclamadas pela Ré.
E ainda, de que deverá, caso os tenha, fazer-se acompanhar de outros elementos clínicos e/ou exames complementares de diagnóstico que não constem do processo no dia da Junta Médica, tendo o sinistrado sido esclarecido.
Do presente despacho foi notificado o sinistrado que disse ficar ciente”
Em 9/10/2019 veio o Ministério Público requerer a junção aos autos do requerimento de apoio judiciário, apresentado pelo sinistrado, no âmbito do qual solicitava a nomeação de patrono, requerendo por isso que se declarasse a interrupção do prazo em curso para apresentação da petição inicial.
Por despacho proferido a 10/10/2019 foi deferido tal requerimento, declarando-se interrompido o prazo em curso, o qual se iniciaria novamente, a partir da notificação ao patrono da nomeação ou da notificação de decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.
Em 25/11/2019 a patrona nomeada ao sinistrado veio requerer prorrogação do prazo por 15 dias para reunir todos os documentos necessários, o que foi deferido por despacho proferido em 26/11/2019.
Em 15/01/2020, o Mmº Juiz a quo proferiu sentença, a qual culminou com a seguinte decisão:
“Pelo exposto, decido:
1. Condenar a seguradora a pagar ao autor a pensão anual e vitalícia de € 358,57, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o dia seguinte ao da alta até integral pagamento;
2. Esta quantia é devida desde o dia seguinte ao da alta e obrigatoriamente remida no correspondente capital de remição;
3. Condenar a seguradora a pagar ao autor as quantias de € 9.895,63, € 25,00 e € 380,01, acrescidas de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a tentativa de conciliação até integral pagamento e podendo estas quantias serem pagas juntamente com o capital de remição.
*
Nos termos do art. 120º nº1 do Cód. de Processo do Trabalho, fixo à causa o valor de € 14.865,95.
*
Custas a cargo da seguradora.
Registe e notifique.”

Inconformada com esta sentença veio a Seguradora responsável, requerer a sua reforma (sustentando que foi proferida por manifesto lapso e em violação da tramitação adjectiva laboral) e interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes conclusões:

“1 – Os autos estão a aguardar a apresentação da p.i. por parte do sinistrado nos termos do disposto no art.º 119º, nº 1, do CPT – como resulta de fls. dos autos e do auto de tentativa de conciliação de 30/09/2019.
2 – Contudo, certamente por lapso, o Meritíssimo Juiz a quo proferiu sentença como se as partes se tivessem conciliado – algo que, manifestamente, não aconteceu.
3 – Aliás, o prazo para a apresentação da referida p.i. está interrompido para que seja nomeado patrono ao sinistrado – como resulta de fls. dos autos e do despacho datado de 10/10/2019 (ref. ª 165295041).
4 – Assim, a sentença em crise resulta de lapso manifesto, é nula [artigo 615º, nº 1, alíneas c) e d) do CPC] e viola a tramitação processual laboral estabelecida no CPT, nomeadamente no que tange ao início da fase contenciosa do processo emergente de acidente de trabalho.
5 – Tal decisão deve, pois, ser dada sem efeito e/ou objeto de reforma.
Termos em que revogando a decisão recorrida, V. Exas. farão JUSTIÇA!”
O Apelado não apresentou resposta ao recurso.
A reforma da sentença foi indeferida e foi admitido o recurso na espécie própria e com adequado regime de subida e efeito suspensivo, uma vez que a recorrente prestou validamente caução.
Por fim, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87º n.º 3 do CPT. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso, não tendo tal parecer sido objecto de qualquer resposta.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da Recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), a questão a apreciar consiste em saber se o tribunal a quo podia proferir a decisão recorrida sem que o sinistrado tivesse apresentado petição inicial, ou seja consiste em saber se ocorreu erro na forma do processo.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes são os que constam do relatório que antecede..

IV – DA APRECIAÇÃO DO RECURSO

Insurge-se a Recorrente quanto ao facto do Tribunal a quo ter proferido sentença, numa altura em que os autos estavam a aguardar a apresentação de petição inicial por parte do sinistrado, de harmonia com o previsto no n.º 1 do art.º 119.º do CPT, sendo por isso nula a sentença nos termos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC e viola a tramitação processual laboral estabelecida no CPT, no que respeita ao início da fase contenciosa.
Se bem resulta da alegação de recurso da recorrente, esta pretende arguir a nulidade da sentença, fundamentando-se no facto da decisão ter sido proferida, sem que tivessem reunidas as condições para o efeito, designadamente por ter sido proferida em violação do previsto na al. a) n.º 1 do art.º 117.º e n.º 1 do art.º 119.º, ambos do CPT, já que a fase contenciosa se deveria ter iniciado com a petição inicial e não com requerimento por junta médica, não estando por isso reunidas as condições para que fosse proferida sentença ao abrigo do disposto no art.º 138.º n.º 2 do CPT.
Ora, salvo o devido respeito por opinião em contrário, a situação relatada não configura qualquer uma das nulidades de sentença, que constam taxativamente enumeradas no n.º 1 do art.º 615.º do CPC., designadamente as enumeradas nas als. c) e d). A recorrente ao defender que no caso a fase contenciosa se deveria iniciar com a apresentação da petição inicial e não com o requerimento para junta médica, suscita a eventual ocorrência de uma nulidade processual (erro na forma do processo), nulidade esta alheia à própria sentença e que no caso se configura como a prática de um acto processual desconforme à lei, por ter sido praticado um acto por ela proibido ou por ter sido omitido um outro que a mesma impunha fosse praticado.
Na verdade, resulta da resenha factual acima relatada que o Tribunal a quo ao concluir que no caso apenas estava em causa a fixação da incapacidade e tendo já decorrido o prazo para que fosse apresentado o requerimento a que alude o art.º 138.º do CPT., mais não restava do que proferir decisão sobre o mérito, tal como se sucedeu.
E assim sendo, a sentença não pode ser considerada de nula, pois o que pode ter ocorrido é um erro na forma do processo, por a fase contenciosa se dever iniciar mediante a apresentação da petição inicial (por o litígio não se cingir apenas à questão da incapacidade), com a consequente anulação de todo o processado que teve lugar a partir do despacho de 5-02-2019 (com a referência eletrónica nº9467545), onde se decidiu que, face à nomeação de patrona ao sinistrado no âmbito do benefício de apoio judiciário, cessou a representação do sinistrado pelo Ministério Público.
Neste sentido se tem vindo a pronunciar a jurisprudência em situações idênticas, designadamente o Tribunal da Relação do Porto, Acórdão de 17-02-2014, Proc. n.º 447/12.0TTBRG.P1, Tribunal da Relação de Lisboa, Acórdão de 11-10-2017, Proc. n.º 3189/13.5TTLSB.L1 e o Tribunal da Relação de Évora, Acórdão de 04-04-2018, Proc. n.º 1713/15.8T8STR.E1, disponíveis em www.dgsi.pt.
Em resumo, o indevido processamento dos autos traduz-se no erro na forma do processo que constitui uma nulidade principal que determina a anulação dos actos que não possam ser aproveitados (cfr. art.º 193.º do CPC.)
Improcede a arguida nulidade.
Cabe agora apreciar se o Mmº Juiz a quo seguiu uma forma de processo quando a adequada seria outra.
Vejamos o que resulta das disposições do Código do Processo de Trabalho relevantes para a apreciação da questão suscitada.

Artigo 109.º
Acordo
Na tentativa de conciliação, o Ministério Público promove o acordo de harmonia com os direitos consignados na lei, tomando por base os elementos fornecidos pelo processo, designadamente o resultado da perícia médica e a circunstâncias que possam influir na capacidade geral de ganho do sinistrado.

Artigo 111.º
Conteúdo dos autos de acordo
Dos autos de acordo constam, além da identificação completa dos intervenientes, a indicação precisa dos direitos e obrigações que lhes são atribuídos e ainda descrição pormenorizada do acidente e dos factos que servem de fundamento aos referidos direitos e obrigações.

Artigo 112.º
Conteúdo dos autos na falta de acordo
1 – Se se frustrar a tentativa de conciliação, no respectivo auto são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída.
2 - (…)

Artigo 117.º
Início da fase contenciosa
1 - A fase contenciosa tem por base:
a) Petição inicial, em que o sinistrado, doente ou respectivos beneficiários formulam o pedido, expondo os seus fundamentos;
b) Requerimento, a que se refere o n.º 2 do artigo 138.º, do interessado que se não conformar com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho.
(…)

Artigo 119.º
Petição inicial
1 - Não se tendo realizado o acordo ou não tendo este sido homologado e não se verificando a hipótese prevista no artigo 116.º, o Ministério Público, sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, quanto ao dever de recusa, e no artigo 9.º, assume o patrocínio do sinistrado ou dos beneficiários legais, apresentando, no prazo de 20 dias, a petição inicial ou o requerimento a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º
(…)
4 – Findo o prazo referido no n.º 1 ou da sua prorrogação nos termos do n.º 2, o processo é concluso ao juiz, que declara suspensa a instância, sem prejuízo de o Ministério Público dever apresentar a petição inicial logo que tenha reunido os elementos necessários.

Artigo 138.º
Requerimento de junta médica
1 – Quando não se conformar com o resultado da perícia realizada na fase conciliatória do processo, a parte requer, na petição inicial ou na contestação, perícia por junta médica.
2 – Se na tentativa de conciliação apenas tiver havido discordância quanto à questão da incapacidade, o pedido de junta médica é deduzida em requerimento a apresentar no prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 119.º, se não for apresentado, o juiz profere decisão sobre o mérito, fixando a natureza e grau de incapacidade e o valor da causa, observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.º.

Resulta do regime processual da acção emergente de acidente de trabalho, designadamente das disposições legais transcritas, que realizada a tentativa de conciliação, caso não haja acordo entre as partes relativamente a todas as questões, do auto de não conciliação terão necessariamente de constar os factos sobre os quais tenha havido acordo e os factos sobre os quais não tenha havido acordo, neles se incluindo a existência e caracterização do acidente; o nexo causal entre a lesão e o acidente, a retribuição do sinistrado; a entidade responsável; a natureza e grau de incapacidade atribuída; e as despesas efectuadas pelo sinistrado em consequência do acidente, quando estejam em causa, por não se mostrarem em liquidadas pelo responsável pela reparação do acidente, uma vez que a ele incumbe tal reparação (cfr. arts.º 23.º, 25.º 39.º e 40.º da NLAT).
Com efeito, a fase contenciosa do litígio circunscreve-se apenas às questões acerca das quais não foi possível obter acordo, por isso se impõe às partes que tomem posição concreta e definida sobre cada um dos pontos acima mencionados.

Assim, o início a fase contenciosa do processo terá por base a petição inicial (em que o sinistrado expõe os seus fundamentos e formula o pedido), a que se seguem outros articulados, o saneamento, a instrução e o julgamento, ou terá por base o requerimento, a que se refere o n.º 2 do artigo 138.ºdo CPT (interessado requer junta médica fundamentando o seu pedido ou formula quesitos), consoante a discordância das partes se circunscreva ou não à questão da incapacidade.

Como recentemente e a este propósito se sumariou no acórdão deste Tribunal de 25/06/2020, proc. n.º 339/18.9YBRG.G1 relatora Maria Leonor Barroso

I- No processo de acidente de trabalho, a redução da fase contenciosa à sua tramitação mais simples, com mera realização de perícia por junta médica, seguida de decisão sintética, só tem lugar quando a única questão controvertida seja a fixação da incapacidade para o trabalho.
Em suma, a fase contenciosa do processo inicia-se mediante a apresentação de requerimento, com pedido de junta médica, apenas nos casos em que a única questão controvertida que resultou da tentativa de conciliação diz respeito à fixação da incapacidade para o trabalho (n.º 2 do artigo 138.ºdo CPT.), em todas as restantes situações a fase contenciosa inicia-se mediante a apresentação de petição inicial, e caso esta não seja apresentada no prazo de 20 dias, que poderá ser prorrogado, suspende-se a instância (n.º 1 e 4 do artigo 119.º do CPT).
Retornando ao caso dos autos, teremos de dizer que resulta manifesto do Auto de Tentativa de Conciliação que a divergência entre as partes não respeita apenas à questão da incapacidade que foi fixada em sede de exame singular, mas respeita também às despesas de deslocação a fisioterapia e consultas, medicamentos e banda torácica, cujo pagamento o sinistrado reclama à Seguradora. E assim sendo, o julgador não pode, após o decurso do prazo de 20 dias sem que nada tenha sido requerido, proferir sentença ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 138.º do CPT.
Assim sendo, não poderia a ação ser tramitada, tal como o foi, da forma simplificada a que se reportam os arts. 117.º, nº 1, al. b), e 138.º, n.º 2, do CPT., sendo que a forma correta e adequada seria a prevista no art.º 117.º, nº 1, al. a) do CPT, qual seja, com a apresentação de petição inicial.
Daqui resulta que ao sinistrado se impunha que apresentasse uma petição inicial com vista a reclamar além do mais as mencionadas despesas, podendo e devendo requerer o exame por junta médica a fim de apurar quer a data da alta, quer os períodos de ITs por si sofridos, quer ainda a IPP de que ficou portador. Por seu turno, seria em sede de contestação que a Ré Seguradora, caso persistisse na sua oposição quanto à desvalorização atribuída ao sinistrado no exame singular, deveria requer a realização do exame por junta médica – cfr. artigos 118.º, 129.º, 131.º e 132.º do CPT.
Tal não tendo sucedido e ao considerar-se que a fase contenciosa se iniciava por simples requerimento a solicitar a realização de junta médica teremos de concluir que foi cometido erro na forma de processo, tal como resulta do previsto nos artigos 193.º e 196.º, do CPC., que não é possível superar sem a anulação de todo o processado que teve lugar a partir do despacho de 5-02-2019 (com a referência eletrónica n.º 9467545), nele se incluindo a sentença, de forma a possibilitar ao sinistrado a apresentação da petição inicial, na qual alegue para que possa vir a provar os factos necessários à satisfação da sua pretensão, sendo o caso, a Ré os possa contraditar para que o tribunal os venha a julgar.
Em face do exposto, mais não resta do que determinar a revogação da decisão recorrida, dando assim provimento ao recurso.

V– DECISÃO:

Pelo exposto e nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente o recurso de apelação e em anular todo o processado que teve lugar a partir do despacho de 5-02-2019 (com a referência eletrónica nº 9467545), nele se incluindo a sentença, procedendo-se de seguida à tramitação processual legalmente prevista, nomeadamente tendo em atenção o n.º 4 do art.º 119.º do CPT.
Sem custas.
Notifique.
Guimarães, 10 de Setembro de 2020

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga