Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
141/15.0T8VFL.G1
Relator: MANUELA PAUPÉRIO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
OBJECTO DO RECURSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/04/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: O objecto do recurso jurisdicional não está limitado pelo conteúdo da decisão recorrida, podendo ser conhecidas questões que não foram apreciadas na decisão impugnada, com o limite previsto no artº 72º-A do RGCO.
Decisão Texto Integral: Processo número 141/15.0T8VFL.G1

Acordam em conferência na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I) Relatório
Por decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária proferida em 23.10.2013, foi o arguido António C. condenado, pela prática de uma contraordenação p. e p. pelos artigos 28º números 1 alínea b) e 5, 27º nº 2 alínea a), 138º e 145º alínea b), todos do Código da Estrada - com a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 (sessenta) dias.
Inconformado o arguido impugnou judicialmente a decisão.
Admitido o recurso foi realizada audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial
Inconformado ainda com esta decisão, dela veio o arguido intentar o presente recurso, fazendo-o nos termos e com os fundamentos que constam de folhas 85 a 95 dos autos, que ora aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos, os quais sintetiza nas conclusões seguintes:
1) A decisão judicial, na medida em que não atribui qualquer relevância às garantias de defesa do Recorrente, como seja a consulta do processo, está ferida de inconstitucionalidade atendendo ao disposto no artigo 32º/10 da CRP.
2) A sentença condenatória é violadora do disposto no artigo 50º do RGCO e do artigo 120º/2/d) do CPP, aplicável ex vie do artigo 41º/1 RGCO, pois recaia sobre o Tribunal o dever de considerar nula a decisão administrativa e
3) a determinação de um prazo para o Recorrente consultar o processo, tendo em conta que o artigo 50º RGCO é o preceito que assegura, por excelência, as garantias de defesa do Recorrente.
4) A douta senntença viola o princípio da presunção da inocência do arguido, aqui Recorrente, plasmado no artigo 32º/2 da CRP, considerando a valoração que atribui ao artigo 171º/2 do CdE.
5) O Recorrente fez prova e procedeu à identificação de um terceiro, este sim praticante da contra ordenação que aqui se discute.
6) O entendimento do Tribunal a quo quanto à prática do acto é, nos termos do artigo 410º/2/c) do CPP revelador de um manifesto erro na apreciação da prova, pois que o Tribunal ignora a correcta identificação do condutor do veículo.
7) Pelo que, nesta matéria, a sentença condenatória é também violadora do disposto no artigo 30º/3 da Constituição da República Portuguesa.
8) Dada a natureza penal-acusatória que sustenta a actividade judicial, dúvidas houvesse quanto à existência ou identidade de um terceiro condutor, ao tribunal impunha-se a prática diligências necessárias para a descoberta da verdade material, tendo sido violado o disposto no artigo 340º/1 do CPP.
9) sentença do tribunal a quo está ferida de nulidade na medida em que não se pronuncia sobre a consulta do processo requerida e sobre o envio dos elementos probatórios que estão na base do processo em causa, na medida em que a tal deveria ter procedido atendendo ao disposto no artigo 379º1/c) do CPP.
10) As funções de elevada responsabilidade que o Recorrente desempenha no exercício da sua actividade profissional sairão extremamente prejudicadas atendendo à sanção inibitória que lhe é imposta, devendo ser a mesma suspensa na sua execução.
11) A decisão judicial, na medida em que não atribui qualquer relevância às garantias de defesa do Recorrente, como seja a consulta do processo, está ferida de inconstitucionalidade atendendo ao disposto no artigo 32º/10 da CRP.
12) A sentença condenatória é violadora do disposto no artigo 50º do RGCO e do artigo 120º/2/d) do CPP, aplicável ex vie do artigo 41º/1 RGCO, pois recaia sobre o Tribunal o dever de considerar nula a decisão administrativa e
13) a determinação de um prazo para o Recorrente consultar o processo, tendo em conta que o artigo 50º RGCO é o preceito que assegura, por excelência, as garantias de defesa do Recorrente.
14) A douta sentença viola o princípio da presunção da inocência do arguido, aqui Recorrente, plasmado no artigo 32º/2 da CRP, considerando a valoração que atribui ao artigo 171º/2 do CdE.
15) O Recorrente fez prova e procedeu à identificação de um terceiro, este sim praticante da contra ordenação que aqui se discute.
16) O entendimento do Tribunal a quo quanto à prática do acto é, nos termos do artigo 410º/2/c) do CPP revelador de um manifesto erro na apreciação da prova, pois que o Tribunal ignora a correcta identificação do condutor do veículo.
17) Pelo que, nesta matéria, a sentença condenatória é também violadora do disposto no artigo 30º/3 da Constituição da República Portuguesa.
18) Dada a natureza penal-acusatória que sustenta a actividade judicial, dúvidas houvesse quanto à existência ou identidade de um terceiro condutor, ao tribunal impunha-se a prática diligências necessárias para a descoberta da verdade material, tendo sido violado o disposto no artigo 340º/1 do CPP.
19) A sentença do tribunal a quo está ferida de nulidade na medida em que não se pronuncia sobre a consulta do processo requerida e sobre o envio dos elementos probatórios que estão na base do processo em causa, na medida em que a tal deveria ter procedido atendendo ao disposto no artigo 379º1/c) do CPP.
20) As funções de elevada responsabilidade que o Recorrente desempenha no exercício da sua actividade profissional sairão extremamente prejudicadas atendendo à sanção inibitória que lhe é imposta, devendo ser a mesma suspensa na sua execução.»

A este recurso respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido nos termos que constam de folhas 101 a 105 que aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos, concluindo pela improcedência do recurso.

A mesma posição é sufragada pela Digna Procuradora Geral Adjunta neste Tribunal da Relação, no parecer que emitiu e que se encontra a folhas 112 a 114 dos autos.

Cumprido o preceituado no artigo 417º nº 2 do Código de Processo Penal o recorrente veio responder ao parecer emitido fazendo-o conforme consta de folhas 128 a 131, reiterando os argumentos por ele anteriormente expendidos e que, em seu entendimento, teriam de conduzir à procedência do recurso.
Tem o seguinte teor a decisão de que se recorre: (transcrição)

«Questões prévias suscitadas no recurso
Nas conclusões do seu recurso, através das quais verdadeiramente delimita o âmbito do nosso conhecimento, veio o Arguido invocar questões que, a serem procedentes, obstam ao conhecimento do mérito da causa, designadamente as supra identificadas a (ii), (iii) e (iv):
Alega o Arguido que a decisão administrativa é nula, porquanto não lhe foi permitida a consulta do processo.
Cumpre apreciar.
Sem embargo de as normas ditas de mera ordenação social não respeitarem à tutela de bens jurídicos ético-penalmente relevantes, as mesmas têm a sua tutela assegurada através da descrição legal de ilícitos que tomam o nome de contra-ordenações, cuja violação é punível com a aplicação de coimas, a que podem, em determinados casos, acrescer sanções acessórias.
Sendo assim, a execução da vertente sancionatória pressupõe um processo previamente determinado, de pendor não tão marcadamente garantístico como o processo penal, mas que assegure, ainda assim, os direitos de audiência e de defesa.
Nesse sentido, estatui o artigo 32º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa que “nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e de defesa”.
Também o direito de defesa do arguido se encontra previsto no artigo 61º, n.º 1, al. f) do Código de Processo Penal – quando lhe é conferido o direito de intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurem necessárias -, aplicável ao processo contra-ordenacional ex vi do artigo 41º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO).
E, preceitua o citado artigo 50.º que “não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”.
De todo o modo, o legislador adoptou um procedimento consideravelmente mais simplificado e menos formal do que o processo penal, cujo quadro geral consta do artigo 33.º e seguintes do RGCO.
Recordemos que se trata de um processo de cariz administrativo e que só se torna judicial se o arguido pretender impugnar a decisão proferida pela autoridade administrativa.
Posto isto, sustenta o recorrente a nulidade da decisão administrativa por, nas suas palavras, o arguido ter solicitado a consulta dos autos, não tendo a autoridade administrativa comunicado ao mesmo que o podia fazer.
Contudo, entendemos que não lhe assiste razão.
Com efeito, é certo que o arguido requereu a consulta dos autos, tendo a Autoridade Administrativa respondido que “oportunamente e tão breve quanto possível será facultadodo local onde o processo se encontra disponível”, sem ter, todavia, informado o Arguido da efectiva possibilidade de consulta.
Todavia, e analisando o recurso interposto pelo Recorrente, constata-se que o mesmo não foi prejudicado pela não consulta dos autos. Na verdade, na peça processual recursiva o Arguido descreveu os factos que lhe eram imputados, impugnando a prática dos mesmos por si, e atribuindo-os a terceiro. Recorde-se que no seu recurso o Arguido, reconhecendo a propriedade da viatura em causa, afirma peremptoriamente que quem praticou os mesmos foi Jorge Guerreiro.
Assim, temos que o Arguido demonstrou ser conhecedor da factualidade que lhe era imputada e pronunciou-se sobre a mesma de forma completa e esclarecida.
Relativamente a questão conexa com o direito de audição e defesa do arguido veio a ser proferido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2003 (Publicado no Diário da República, n.º 21, Série I - A, de 25 de Janeiro de 2003), do qual se retira (com interesse para o caso sub judice) o seguinte: "se o impugnante se prevalecer na impugnação judicial do direito preterido (abarcando, na sua defesa, os aspectos de facto ou de direito omissos na notificação mas presentes na decisão/acusação), a nulidade considerar-se-á sanada [artigos 121º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal e 41º, nº 1, do regime geral das contra-ordenações]. (…)”.
Tal é o caso da impugnação judicial deduzida pelo arguido, em que este não se limitou a arguir a, aludida, nulidade cometida na fase administrativa, mas aproveitou a oportunidade para discutir a relevância da sua conduta.
Como se escreve no Acórdão da Relação do Porto de 21-11-2007 (in www.dgsi.pt), “ao fazê-lo, aproveitou a impugnação para exercer o seu direito de defesa, dele se prevalecendo, enjeitando a prática dolosa da contra-ordenação, sanando, com essa actuação, o vício de que padeciam a notificação e a decisão administrativa, ao abrigo do disposto no art. 121º, nº 1, c), do CPP, ex vi art. 41º, nº 1, do RGCO”.
“A arguida ao impugnar judicialmente a decisão (…) não se limitou a invocar a nulidade por violação do artigo 50.º do RGCO, pronunciou-se também sobre o mérito da decisão recorrida (…). Assim, ainda que porventura fosse de admitir que tivesse sido violado o artigo 50.º do RGCO, a nulidade em causa teria de considerar-se sanada, nos termos do artigo 121.º n.º 1 alínea c) do CPP por a arguida se ter prevalecido da faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia, ou seja, por ter afinal acabado por exercer o direito de defesa quanto à contra-ordenação e sanção” – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10-1-2007.
Também o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 13-06-2005 (in www.dgsi.pt), afirma que, não obstante se constatar a existência de uma ofensa ao direito de audição ou defesa previsto no artigo 50.º do RGCO, se a mesma não se revelar “determinante para a decisão da causa” atentaria “contra o princípio da economia processual anular todo o processado”.
Ou seja e em conclusão, no que a este particular aspecto concerne, a nulidade invocada pelo Recorrente, ainda que verificada, deve considerar-se sanada.
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Argumenta o Recorrente que são ilícitos os meios de prova recolhidos já que o aparelho utilizado não foi notificado à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD).
Cumpre apreciar.
A utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum foi regulada pela Lei n.º 1/2005, de 10 de Janeiro, que foi objecto de alterações pontuais pela Lei n.º 39-A/2005, de 29 de Julho.
O Decreto-Lei n.º 207/2005 de 29 de Novembro “visa regular o regime especial autorizado pelo artigo 13.º da Lei n.º 1/2005, de 10 de Janeiro, na redacção decorrente da Lei n.º 39-A/2005, de 29 de Julho” – cfr. artigo 1º.
Como refere o Decreto-Lei n.º 207/2005 no respectivo preâmbulo, a utilização dos radares constitui um importante instrumento no quadro das políticas de prevenção e de segurança rodoviárias, bem como na detecção de infracções estradais, no sentido de inverter as estatísticas relativas ao número de acidentes nas estradas portuguesas, com índices dos mais elevados a nível europeu, ainda que com alguma tendência decrescente. Com efeito tais meios constituem um instrumento de dissuasão de comportamentos de risco, bem como de melhoramento (e de controlo) da acção das forças de segurança que têm por missão salvaguardar a segurança de pessoas e bens.
Daí a validade constitucional do seu uso depois de ponderado o potencial lesivo dos direitos liberdades e garantias dos cidadãos que a sua utilização pode representar - artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.
Da legislação supra citada não decorre a necessidade de obtenção de qualquer autorização para a instalação de sistemas de vigilância electrónica, mediante câmaras digitais, de vídeo ou fotográficas para controlo e sancionamento de infracções rodoviárias, já que essa autorização resulta directamente da lei ( mais concretamente do disposto no artigo 13.º da Lei n.º 1/2005, de 10 de Janeiro).
Acresce que se afigura irrelevante apurar se a entidade administrativa deu ou não cumprimento ao preceituado no artigo 5.º do Decreto n.º 207/2005, de 29 de Novembro, pois que a eventual falta de comunicação, não autoriza a concluir que com esse meio de prova haja sido utilizado um método proibido de prova, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 126.º do Código de Processo Penal.
Com efeito, não existe qualquer previsão legal, quer nesta sede, quer no diploma que criou e regulamenta a actividade da CNPD, que fixe a consequência da ausência desta notificação como implicando a ilegalidade ou impossibilidade de “utilização” dos mesmos para efeito do controlo da velocidade dos veículos automóveis na via pública. Muito menos que comine a nulidade da prova por falta da referida notificação.
Na verdade, por um lado a lei não comina com a proibição e, por outro, os interesses materialmente pressupostos pela proibição dos meios de prova (protecção da intimidade/reserva dos dados pessoais) não se inscreverem no âmbito da protecção da norma violada (mero inventário/notificação) – ver neste sentido Acórdão da Relação de Coimbra de 11-06-2008, disponível em www.dgsi.pt.
Acresce que o acto omitido (notificação) se esgota na simples comunicação, não exigindo “aprovação”, “homologação” ou “autorização” por parte da CNPD, não resultando da ausência dessa notificação, só por si, que tenha sido violada qualquer disposição imperativa de natureza material ou substantiva quer sobre a fiabilidade técnica e certificação do equipamento quer relativa à sua aprovação pelas entidades competentes, após certificação do IPQ.
Por outro lado, também não houve qualquer intromissão no âmbito da intimidade ou da vida privada que a proibição de prova visa garantir.
Realce-se que a imagem recolhida foi dirigida ao veículo, mais detalhadamente à sua matrícula. Não se identificando sequer, minimamente, a pessoa do condutor. O único dado obtido foi a identificação do veículo e a sua velocidade. A identificação do titular do direito de propriedade apenas foi obtida, a posteriori, a partir do registo correspondente à matrícula da viatura.
O mesmo é dizer, a imagem obtida pelo radar foi utilizada dentro do estritamente necessário para a finalidade pretendida e legalmente admitida: fiscalização da circulação rodoviária para detecção, no caso, da velocidade do veículo, em espaço público, com a finalidade de acautelar o superior interesse público (também do Recorrente) na segurança da circulação rodoviária.
Nessa medida, e conforme se salienta no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-09-2015, “tem sido uniforme e reiteradamente decidido pela jurisprudência das Relações, a notificação à CNPD em nada contende com os requisitos da aprovação e homologação do aparelho, e não há disposição legal que determine que é um método proibido de prova a obtenção de registo através de aparelho aprovado e homologado, mas sem comunicação do mesmo à CNPD nos termos do art.5.º do DL n.º 207/2005, de 29 de Novembro – assim, por todos, os acórdãos da Relação de Coimbra, de 26-4-2007, de 19-09-2007 e de 11.06.2008 (citado no despacho recorrido) e da Relação de Lisboa, de 11-10-2007, todos disponíveis em in www.dgsi.pt”.
Pelo que cumpre concluir pela admissibilidade legal e, consequentemente, pela validade da prova obtida pela entidade administrativa na fase instrutória do procedimento, inexistindo qualquer nulidade que cumpra, nesta sede, conhecer e declarar.
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Por último, alega ainda o Arguido que “não consta da decisão proferida pela autoridade administrativa em que período é que foi efectuado a última verificação periódica ao aparelho de controlo de velocidade”
Cumpre apreciar.
O regime legal do controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, visando garantir o rigor das medições efectuadas com os instrumentos de medição e assegurando a fiabilidade desses mesmos instrumentos, encontra-se estabelecido no Decreto-Lei nº 291/90, de 20/9, e ainda às disposições constantes das portarias específicas de cada instrumento de medição, no caso a Portaria n.º 1542/2007 de 6 de Dezembro.
Nos termos do artigo 1.º n.º 3 do Decreto-Lei nº 291/90, “o controlo metrológico dos instrumentos de medição compreende uma ou mais das seguintes operações: a) Aprovação de modelo; b) Primeira verificação; c) Verificação periódica; d) Verificação extraordinária”.
Por outro lado, segundo o artigo 2.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 291/90, a “aprovação do modelo é o acto que atesta a conformidade de um instrumento de medição ou de um dispositivo complementar com as especificações aplicáveis à sua categoria…”, sendo válida por 10 anos (n.º 2). Preceitua o n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 291/90 que “a primeira verificação é o exame e o conjunto de operações destinados a constatar a conformidade de qualidade metrológica dos instrumentos de medição, novos ou reparados, com a dos respectivos modelos aprovados e com as disposições regulamentares aplicáveis…”.
A verificação inicial consiste “no conjunto de operações destinadas a constatar a qualidade metrológica dos instrumentos de medição” (artigo 3.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 291/90) e a verificação periódica envolve necessariamente “o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respetivo”, mantendo-se válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário (artigo 4.º n.º 1 e n.º 5 do Decreto-Lei n.º 291/90).
Saliente-se ainda o comando ínsito no n.º 1 artigo 8.º do referido Decreto-Lei, segundo o qual “compete ao Instituto Português de Qualidade (…) assegurar o controlo metrológico estabelecido no presente diploma (…) e à aprovação e verificação dos meios de medição”.
Por sua vez, a Portaria 1542/2007 mantém, no essencial, o disposto no aludido Decreto-Lei n.º 291/90, designadamente quanto à aprovação (e sua validade), e às posteriores verificações, fazendo referência especial aos valores dos erros máximos admissíveis no seu artigo 8.º.
No caso dos autos, a decisão administrativa faz referência ao aparelho utilizado para medir a velocidade do veículo em contra-ordenação, isto é: “radar Multanova 6F MUVR 6FD n.º 12-94-1158, aprovado pelo IPQ através do despacho n.º 111.20.06.3.43 de 18JUN07 e aprovado para uso por despacho ANSR n.º 15919/11 de 12/8/11 e verificação periódica em 28-06-2012”.
Constata-se, desta forma, que o referido modelo se encontra aprovado pelo Instituto Português de Qualidade (IPQ) e verificado por esta entidade, tendo tal verificação validade até 31 de Dezembro do ano seguinte.
Por outro lado, o referido aparelho ainda se encontra dentro do período de 10 anos da validade da aprovação quando foi fiscalizada a velocidade da arguida.
Como se escreve no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-10-2007 (processo 0713682) “seria uma redundância exigir que, relativamente aos modelos de instrumentos de medição aprovados, fosse concomitantemente exigível uma primeira verificação, já que esta se destina - precisamente - a verificar a conformidade de qualidade metrológica do instrumento com o modelo aprovado. Ou seja, se o modelo está aprovado, é manifesto que a sua qualidade metrológica está conforme … ao mesmo instrumento…! Pelo que desnecessária seria uma primeira verificação. Ou seja, relativamente aos aparelhos metrológicos de modelo aprovado, não é necessária a sua primeira verificação”.
Entendemos, desse modo, que não se verifica qualquer invalidade relativamente ao aparelho de fiscalização e à medição (de velocidade) por este efectuado, motivo pelo qual se indefere a pretensão do Arguido.
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Inexistem outras exceções ou questões prévias que importa analisar, nada obstando ao conhecimento do mérito da causa.
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II – FUNDAMENTAÇÃO:
A) Factos Provados:
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 2013-04-25, pelas 17:37, no local IC 5, Km 65.2 – Carvalho de Egas, Comarca de Vila Flôr, o veículo ligeiro de passageiros, com matrícula ….., circulava pelo menos à velocidade de 132 km/h;
2. O Arguido é proprietário do veículo …..;
3. A velocidade máxima permitida no local era de 90 km/h;
4. O Arguido actuou com manifesta falta de cuidado e prudência, agindo de forma livre e consciente, bem sabendo que a conduta descrita nos autos é proibida e sancionada pela lei contra-ordenacional;
5. No dia 20-05-2013 foi o Arguido notificado pela entidade administrativa para apresentar a sua defesa;
Mais se provou que,
6. O Arguido é gerente de sociedade, necessitando de se deslocar diariamente no exercício das suas funções;
7. Do registo individual do condutor consta a prática de duas contra-ordenações graves em 28-03-2008 e 09-06-2008.

B) Factos Não Provados:
Com relevo para a decisão de mérito nos presentes autos não se provou que conduzia o veículo de matrícula …, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1. dos factos provados era Jorge G..

C) Motivação de facto:
O Tribunal formou a sua convicção, quanto aos factos dados como provados, no auto de notícia de fls. 1 que, nos termos do artigo 170.º, n.º 3 do Código da Estrada, faz fé em juízo, nos registos fotográficos de fls. 2, na consulta ao registo automóvel de fls. 3, aviso de recepção de fls. 4 e no registo de individual do condutor de fls. 5.
Por outro lado, o Arguido relatou ao Tribunal, de forma objectiva e credível, não se recordar se, na data e local em causa, era o condutor da sua viatura. Com efeito, e apesar de afirmar que nessa ocasião terá emprestado o seu carro a um amigo da sua esposa, tendo em conta o decurso do tempo, o Arguido não conseguiu precisar qual a data concreta em que tal empréstimo terá ocorrido.
Da tomada de declarações ao Arguido decorreu ainda a confirmação dos factos mencionados de 2., 5. e 6..
Acresce que tais factos resultam confirmados pelo depoimento prestado por Fernando J., militar da Guarda Nacional Republicana e que, com objectividade e credibilidade confirmou o vertido no auto de notícia e os procedimentos usados no tratamento do processo contra-ordenacional.
Por outro lado, quanto ao facto descrito em 4., a sua prova resulta da conjugação dos restantes factos dados como provados. Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-02-93, in BMJ 324/620 os elementos subjectivos são insusceptíveis de “directa apreensão. Só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge com maior representação o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou das regras da experiência”.


Atento o disposto no número 1 do artigo 75º do RGCO, os poderes de cognição deste tribunal abrangem apenas a matéria de direito.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação.
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões submetidas à nossa apreciação são as seguintes:
- inconstitucionalidade da decisão proferida por violação do disposto no artigo 32º número 10 da Constituição da República Portuguesa;
- nulidade da sentença por violação do preceituado no artigo 50º do RGCO e artigo 120º nº 2 alínea d) do Código de Processo Penal, ex vi artigo 41º do RGCO;
- erro notório na apreciação da prova
- violação do princípio da presunção da inocência;
Impetra ainda, caso as questões suscitadas não mereçam acolhimento, a suspensão da execução da pena acessória que lhe foi imposta.

Comecemos pela primeira das questões suscitadas: será que a decisão proferida viola as garantias de defesa do arguido e portanto contende com o princípio constitucional constante do artigo 32º que sob a epígrafe de “garantias do processo criminal” refere que: «nos processo de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e de defesa » ?
Ora a alegação feita erra, a nosso ver e salvo melhor opinião, o alvo, porquanto não corresponde à verdade que dela se retire a irrelevância das garantias de defesa; o que ela concluiu, e bem segundo o nosso entendimento, é que essas garantias não foram postergadas ao arguido e que este se defendeu devidamente.
Atenhamo-nos ao preceituado no artigo 50º do RGCO: «Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.
Este preceito legal consagra o princípio de que ninguém pode ser sancionado sem que previamente lhe tenham sido asseguradas garantias de defesa. No entanto a lei não estabelece uma forma especial e vinculada para a efetivação do princípio consagrado neste preceito.
Ora, no caso em apreço, o arguido foi notificado para se pronunciar relativamente aos factos que lhe eram imputados e para, no caso de não ter sido ele o autor da contraordenação, indicar, querendo, a pessoa que a praticou. Cremos que desta feita se preenche a exigência deste comando legal.
Após essa notificação e no prazo que para tal a lei lhe concede é que ao arguido assiste o direito de declarar e de requerer o que entender.
No entanto compete sempre, à entidade que dirige o processo de contraordenação, deferir ou não a realização das diligências requeridas, devendo abster-se de realizar as que se lhe não afigurem de utilidade para a descoberta da verdade.
Ou seja não será pelo simples facto de o arguido requerer determinada diligência e esta não ter sido deferida que ispo facto o processo passará a estar ferido de nulidade.
Esta conclusão impõe-se por similitude com o que se passa no âmbito do processo criminal; na fase de investigação e de instrução, vigora o princípio do inquisitório, sendo à autoridade que o dirige que cabe decidir oficiosamente quais as diligências que devem ou não ser realizadas, como se extrai do preceituado nos artigos 267º e 289º nº 1 do Código de Processo Penal. Cfr. anotação ao artigo 50º do RGCO de Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa
Mas atentemos no seguinte; estamos sempre a falar de diligências requeridas no seu tempo próprio. Como bem refere a Digna Procuradora Geral Adjunta o requerimento apresentado pelo arguido para que lhe fosse facultada a consulta do processo foi-o já após lhe ter sido notificada a decisão da autoridade judiciária, momento que equivale à dedução da acusação, ou seja terminada a fase de instrução do processo.
Acresce ao que se acaba de dizer o facto, lapidarmente demonstrado pelo procedimento processual tido pelo recorrente, que este pôde defender-se com toda a liberdade dos factos que lhe eram imputados.
O arguido defendeu-se total e completamente dos factos que lhe eram imputados, impugnando judicialmente a decisão administrativa proferida, sem que em nenhum momento tivesse dito que mais teria para alegar caso lhe tivesse sido dado acesso ao processo.
Inexiste assim qualquer nulidade que afete a decisão proferida nem foi violando qualquer preceito constitucional.
Alega ainda o recorrente que a decisão recorrida enferma de erro notório na apreciação da prova.
Existirá erro notório na apreciação da prova, sempre que do texto da decisão proferida se evidencie uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal, conclusão que se há de impor como evidente quer da mera leitura da decisão que se aprecia, quer da conjugação do que nela se refere com as regras da experiência comum. Exige-se, assim, que da leitura da decisão, se evidencie um engano percetível ao comum dos leitores e que se traduza numa conclusão contrária àquela que os factos relevantes impõem.
Ou seja, que perante os factos provados e a motivação explanada, se torne evidente, para todos, que a conclusão da decisão recorrida é ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum. Cfr. Ac. do STJ de 22/10/99 in BMJ 490, 200
Nada disto emerge da decisão proferida. Esta mostra-se perfeitamente inteligível, lógica e coerente, devidamente fundamentada, pelo que sem necessidade de outras considerações importa a conclusão de que, também aqui, soçobra a argumentação do recorrente.
Vem ainda alegar que a decisão violou o princípio da presunção de inocência. Salvo o devido respeito, que é muito, mal se compreende tal alegação. O recorrente afirma-o porque refere ter indicado ser um outro a conduzir a viatura que foi intercetada em excesso de velocidade, ter sido outra pessoa a cometer a contraordenação.
No entanto este facto resultou não provado e a matéria fixada não pode ser objeto de apreciação nesta sede mas, mesmo que o fosse, não bastaria dizer que a decisão do tribunal, quando não coincidente com a defesa apresentada pelo arguido, é violadora do princípio da presunção de inocência...
Ademais não padece a decisão proferida de qualquer nulidade resultante da falta de pronúncia sobre questões que lhe tenham sido colocadas, ao invés, de modo cuidado, aprecia e dirime, com acerto, todas as questões que lhe foram suscitadas no recurso, razão pela qual neste aspeto não merece qualquer censura.
Vem ainda aqui o recorrente suscitar uma questão que não foi colocada na impugnação judicial e que portanto não se encontra decidida na sentença agora em crise; o arguido vem requerer a suspensão da execução da sanção acessória.
Como é pacificamente aceite, os recursos destinam-se a apurar da correção e da legalidade das decisões que lhe são colocadas à sua consideração, constituindo assim remédios jurídicos. Nessa medida, entende a generalidade da jurisprudência dos tribunais superiores que – exceção feita às questões de conhecimento oficioso - se destinam única e exclusivamente a reapreciar questões que já hajam sido submetidas à apreciação do tribunal recorrido, e não a conhecer de questões novas.
Cremos, no entanto, que este entendimento sendo válido em matéria de processo penal já não o é no âmbito do processo contraordenacional, atendendo ao que se encontra expressamente prevenido na alínea a) do número 2 do artigo 75 do RGCO, que permite que a decisão do recurso altere a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido desta, com o único limite decorrente da proibição da reformatio in pejus, tal como consagrada no artigo 72º-A do mesmo diploma.
De facto, perante aquela norma, “parece não se poder defender que o objeto do recurso é apenas a decisão recorrida, pois a decisão do recurso, quanto às questões cuja apreciação lhe seja pedida, é independente do conteúdo daquela decisão” cfr. Simas Santos e Lopes de Sousa, “Contra-ordenações, anotações ao regime geral”, 6ª ed., págs. 580-581, que, no entanto, alertam para o facto de “esta possibilidade de intervenção do tribunal superior (…) reporta-se apenas à alteração da decisão recorrida e não à apreciação da sua validade. Sendo assim, não poderá o tribunal de recurso tomar conhecimento de nulidades que não sejam de conhecimento oficioso, se não for feita a necessária arguição. (...). “Assim o objeto do recurso jurisdicional não está limitado pelo conteúdo da decisão recorrida, podendo ser conhecidas questões que não foram apreciadas na decisão recorrida, com o limite óbvio e já referido do art.º 72º-A do RGCO.” Em sentido contrário ver Ac da R.P de 12/09/2007 relatado pelo senhor Desembargador Joaquim Gomes de onde se respiga o seguinte:
« (…) A medida da sanção acessória.
Tal questão foi apenas suscitada no recurso interposto da decisão judicial, não o sendo aquando da impugnação da decisão administrativa.
Como se sabe, os recursos não se destinam a conhecer de questões novas não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim para apurar da adequação e legalidade das decisões impugnadas, despistando e corrigindo os erros “in judicando” ou “in procedendo”, relativamente às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa – neste sentido os Ac. do STJ de 2006/Jul./06 e 2006/Out./18.
Salvo se tratarem-se de questões cujo conhecimento se imponha, por terem carácter oficioso.
Tratando-se de uma questão nova esta Relação, enquanto segunda instância de recurso, não pode conhecer da mesma.».
Em face do entendimento expresso passamos então à apreciação desta questão.
A suspensão da execução da sanção acessória é possível relativamente a contraordenações graves, pressupondo o pagamento da coima e dependendo da verificação dos pressupostos contidos no nº 1 do artigo 50º do C. Penal, e apenas nos casos de o infrator não haver sofrido, nos últimos cinco anos, condenação pela prática de crime rodoviário ou de qualquer contraordenação grave ou muito grave, ou de ter praticado, em igual período temporal, apenas uma contraordenação grave.
Ora resulta assente que o recorrente tem averbadas, no seu registo individual de condutor, duas condenações pela prática em 28/03/2008 e em 09/06/2008 de duas contraordenações graves pelas quais foi sancionado também com a inibição de conduzir pelo período de 30 dias.
A condenação por essas duas contraordenações graves afasta liminarmente a possibilidade de suspensão da execução da sanção acessória. E, mesmo que assim não fosse, que não é, o facto uma delas ser igualmente por excesso de velocidade à semelhança do que sucede com a que está em discussão nestes autos, demonstra à evidência que a ameaça da sanção acessória não se mostra suficiente à satisfação das necessidades de prevenção, o que sempre inviabilizaria o juízo de prognose positiva indispensável para que pudesse beneficiar de nova suspensão, razão pela qual se desatende igualmente esta pretensão do recorrente.


2- Decisão:
Acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido António C., confirmando integralmente a decisão proferida.
Fixa-se em 3 UCs a taxa de justiça devida.
(elaborado pela relatora e revisto por ambas as subscritoras)




4 de Abril de 2016
Maria Manuela Paupério
Maria Isabel Cerqueira