Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
44/08.4TAVN.G1
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
RESPONSABILIDADE CRIMINAL
EXTINÇÃO
FALTA DE REGISTO
ENCOBRIMENTO
LIQUIDAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I) Da conjugação do preceituado nos artºs 165º e 340º, ambos do CPP resulta que o limite temporal para junção de documentos (seja por iniciativa própria de quem os apresenta, seja na sequência de requerimento para que o tribunal diligencie pela sua junção) é o do encerramento da audiência. Depois de encerrada a audiência de julgamento já não possível a junção de documentos.
II) Não cumprindo, o recorrente, minimamente o ónus de impugnação especificada a que aludem as alíneas a) e b) do nº 3 do artº 412º, do CPP, não pode ser deferida a pretendida alteração da matéria de facto.
III) Todavia, mesmo que se admitisse como possível o pretendido aditamento ao quadro factual apurado, o mesmo seria totalmente inócuo para a desejada extinção da responsabilidade criminal.
IV) É que a dissolução de uma sociedade comercial, como é o caso da arguida recorrente, por virtude da declaração de insolvência (independentemente de ter sido proferida decisão do encerramento do processo com fundamento na insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente), não pode ser equiparada à morte de uma pessoa individual e, nessa medida, não pode igualmente determinar a extinção da sua responsabilidade criminal.
Decisão Texto Integral:




Tribunal da Relação de Guimarães
Secção Penal
Largo João Franco – 4810-269 Guimarães
Telef: 253439900 Fax: 253439999 Mail: guimarães.tr@tribunais.org.pt



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Processo nº 44/08.4TAVNC.G1
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO
1. No âmbito dos presentes autos de Processo Comum (Singular), em que são arguidos “C…Lda.” e Maria A. (devidamente identificadas nos autos), após a realização da audiência de discussão e julgamento, no dia 28.04.2015 foi proferida sentença, constante de fls. 434 a 442vº, onde se decidiu nos seguintes termos (transcrição parcial):
“Nos termos e pelos fundamentos expostos:
a) Condeno a arguida C... Lda, como autora de um crime de abuso de confiança na forma continuada contra a Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 7.º, 105.º e 107.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias e artigos 30.º, nº 2 e 79.º do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante global de € 900,00 (novecentos euros).
b) Condeno a arguida Maria A., como autora material de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 6.º, 105.º e 107.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias e artigos 30.º, nº 2 e 79.º do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 4,00 (quatro euros), o que perfaz o montante global de € 480,00 (quatrocentos e oitenta euros).
c) Condeno os arguidos no pagamento de custas criminais, que fixo, para cada um, em 3 (três) U.C., nos termos dos artigos 513.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, conjugado com a tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
d) Julgo o pedido de indemnização civil procedente e, em consequência, condeno os demandados no pagamento ao demandante da quantia de € 2.537,43 (dois mil, quinhentos e trinta e sete euros e quarenta e três cêntimos), acrescida dos respectivos juros de mora vencidos no valor de € 877,20 (oitocentos e setenta e sete euros e vinte cêntimos) e dos juros de mora vincendos, às taxas em cada momento em vigor, até efectivo e integral pagamento.
e) Condeno os demandados no pagamento das custas processuais cíveis, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 523.º do Código de Processo Penal.
(…)”

2. Inconformada com o quanto a si decidido, apenas a arguida …, Lda (a fls. 446 a 449vº - fax, o original consta a fls. 452 a 458) interpôs recurso, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1ª) A recorrente, com o devido respeito por opinião diversa, não concorda com a sua condenação nos presentes autos, tratando-se, como se trata, de pessoa colectiva relativamente à qual se verificou já a sua extinção.
2ª) Assim, defende a aqui recorrente que deveria, como deverá, ter-se em devida consideração no presente processo, e na sequência lógica do supra mencionado facto provado em 22., que, quanto à sociedade arguida, no referido processo de insolvência nº 463/05.8TBVNC foi em 15-01-2007 proferida decisão de encerramento do processo, transitada em julgado, com fundamento na insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente.
3ª) Isto porque, tendo-se por efectivamente assente ter ocorrido o encerramento daquele processo de insolvência, respeitante à sociedade arguida, nos termos acabados de descrever, com essa decisão de encerramento, operou-se a sua extinção, porquanto deixou a sociedade arguida de ter personalidade jurídica e judiciária: foi isto mesmo o que, devidamente fundamentado e explicitado, veio a ser decidido, em caso semelhante, no douto ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO DE 27-06-2007, proferido no proc. nº 0742535 - “a letra da lei, a natureza e especificidade da responsabilidade criminal das sociedades e a característica e fins das penas, reportadas à sua actuação, impõem como limite para a sua responsabilização penal, através da submissão a julgamento, o encerramento da liquidação, momento em que se opera a sua extinção, momento a partir do qual deixa de ter personalidade jurídica e judiciária.”
4ª) Ora, assim, aplicando-se ao caso dos autos, quanto à sociedade arguida, o regime de extinção da responsabilidade criminal previsto nos arts. 127º, nºs 1 e 2 e 128º, nº 1, ambos do Código Penal, terá, em conformidade, de ser declarada tal extinção no presente processo, o que, aliás, já deveria ter sido feito pelo tribunal a quo.
5ª) Posto o que, igualmente entende a recorrente que deverá ser levado à matéria de facto provada, em aditamento, o seguinte ponto ou matéria factual: «No referido processo nº 463/05.8TBVNC foi, em 15-01-2007, proferida decisão de encerramento do processo, transitada em julgado, com fundamento na insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente.”
6ª) A douta sentença recorrida violou, pois, no entender da recorrente, o disposto nos artigos 127º, nºs 1 e 2 e 128º, nº 1, ambos do Código Penal.
7ª) Nestes termos, deverá ser revogada a douta sentença proferida, sendo a mesma substituída por outra que, in casu, declare a extinção da responsabilidade criminal quanto à sociedade arguida, C…Ldª, com o que se fará JUSTIÇA!”
*
3. O recurso foi admitido por despacho de fls. 460.
4. A magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido (a fls. 473 a 478) respondeu ao recurso, concluindo do seguinte modo (transcrição):
“a) Nos termos do art° 141°, n° 1, al. e), Código das Sociedades Comerciais, a declaração de insolvência determina a dissolução da sociedade, contudo, a sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica, nos termos do disposto no art° 146°, n° 2, do mesmo diploma legal.
b) Nos termos do art° 160°, n° 2, do referido diploma legal, a sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios, pelo registo do encerramento da liquidação.
c) Conforme a nossa mais alta jurisprudência, a extinção da sociedade, da sua personalidade jurídica e judiciária, apenas se dá com o registo do encerramento da liquidação.
d) Além do mais, não cabe qualquer paralelismo entre a extinção da pessoa colectiva e a morte da pessoa singular, não tendo, pois, aplicação o preceituado nos arts. 127° e 128° do Código Penal.
e) No presente caso, a sociedade arguida foi declarada insolvente, contudo, inexiste registo do encerramento da respectiva liquidação, assim se mantendo a respectiva personalidade jurídica e judiciária e, como tal, a sua responsabilidade criminal.
f) Destarte, a douta sentença recorrida não violou qualquer preceito legal, nomeadamente os arts. 127° e 128° do Código Penal, pelo que não merece qualquer reparo.
Termos em que se conclui no sentido supra exposto, julgando-se o recurso interposto pela arguida “…, Lda.” improcedente, como é de toda a JUSTIÇA!”

5. O demandante …, I.P. não respondeu ao recurso.
6. Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto (a fls. 486 e 487), sufragando a posição evidenciada pela magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância, emitiu parecer no sentido de que “o recurso interposto pela arguida deve ser julgado totalmente improcedente”.
7. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, não foi apresentada resposta.
8. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
No caso vertente, vistas as conclusões do recurso, a questão suscitada pela recorrente consiste, essencialmente, em saber se, por força da declaração da sua insolvência, a arguida recorrente …, Lda já se encontrava extinta e, nessa medida, a decisão recorrida deve ser substituída por outra que declare extinta a sua responsabilidade criminal. E em sustentação dessa argumentação entende a recorrente que, na sequência do ponto 22 dos factos provados, deve ser aditado aos factos provados o seguinte ponto: “No referido processo nº ….8TBVNC foi, em 15-01-2007, proferida decisão do encerramento do processo, transitado em julgado, com fundamento na insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente.

Antes de mais, incumbe tomar posição quanto a duas questões prévias:
a) uma respeitante a um requerimento do recorrente para que este tribunal junte aos autos um documento;
b) outra respeitante a um documento junto pelo recorrente com o recurso.
Analisemos a primeira:
a) No final das conclusões do recurso, a arguida recorrente disse:
REQUER-SE:
Seja junto aos autos CERTIDÃO da decisão de encerramento do Processo de Insolvência nº 463/05.8TBVNC, proferida em 15-01-2007, o qual correu termos neste mesmo Tribunal, com a respectiva nota do trânsito em julgado de tal decisão.
Desde já adiantando, quanto a esta pretensão da recorrente, inexiste normativo legal que permita o seu deferimento no âmbito de um recurso ordinário, como é o caso presente.
Senão vejamos.
A propósito da oportunidade temporal para a junção de documentos, decorre do artigo 165º do Código de Processo Penal (diploma a que se reportarão as demais disposições citadas sem menção de origem) que o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência”.
Decorre ainda do artigo 340º que, no âmbito da produção de prova da audiência de julgamento, em vista da descoberta da verdade material, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal ordena a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia e da contestação, dando disso conhecimento aos sujeitos processuais e fá-lo constar em acta.
Da conjugação dos dois preceitos legais resulta que o limite temporal para junção dos documentos (seja por iniciativa própria de quem os apresenta, seja na sequência de requerimento para que o tribunal diligencie pela sua junção) é o do encerramento da audiência. Depois de encerrada a audiência de julgamento já não possível a junção de documentos. E compreende-se que assim seja, uma vez que a audiência de julgamento é o local ou base nuclear da produção dos meios de prova e do contraditório relativamente aos mesmos meios de prova. É com base na prova ali produzida e apreciada/discutida que o tribunal de primeira instância poderá e deverá proferir decisão em relação ao objecto do processo e é com base nessa mesma prova que o tribunal de recurso poderá sindicar a matéria de facto fixada pela primeira instância.
Ora, em conformidade com o que estabelece o artigo 361º do Código de Processo Penal, com as declarações finais da arguida, a audiência de discussão e julgamento foi encerrada no dia 21/04/2015 (cfr. acta de fls. 431 a 432vº), prosseguindo apenas para leitura de sentença que veio a ocorrer no dia 28/04/2015 (cfr. acta de fls. 434 e segs).
Por isso, a pretendida junção de documentos na presente fase processual de recurso é por demais extemporânea, desde logo face ao disposto nos artigos 165º nº 1, 360º e 361º do Código de Processo Penal.
Para além disso, ainda se dirá que a decisão de 2ª instância sobre a matéria de facto não significa um segundo julgamento no sentido de se deverem ou poderem apreciar novos elementos de prova. O juízo do tribunal de recurso tem por objecto a decisão de 1ª instância, com a possibilidade de reapreciação da prova gravada ou de renovação da prova (não de apresentação de novos elementos de prova – novas testemunhas, novos documentos), mas com os mesmos elementos probatórios que serviram de base à decisão recorrida.
Os recursos dirigidos a um tribunal hierarquicamente superior não se destinam a apreciar questões novas, não visam avaliar em primeira linha questões que não tenham sido suscitadas na 1ª instância.
Também se tem considerado que «o tribunal superior não pode, em recurso, conhecer de questão nova não conhecida na decisão recorrida, com base em documento junto posteriormente, uma vez que os recursos se destinam exclusivamente ao reexame das questões decididas na decisão recorrida» (a título de exemplo, cf. os Acórdãos do STJ de 11-04-2002, Proc. n.º 1073-02, da 5.ª Secção, Sumários dos Acórdãos das Secções Criminais, edição anual 2002, p. 134, e de 21-02-2006, Proc. n.º 260-06, da 5.ª Secção).
Ora, na sequência do que acabamos de dizer, se um recorrente (no âmbito de um recurso ordinário, como é o caso) não pode juntar documentos após o encerramento da audiência, não faria sentido – nem a lei o admite – que, na sequência de um seu requerimento, o tribunal superior se substituísse àquele para que tal documento, por vias travessas, fosse junto aos autos. Caso deferisse tal pretensão, estaria o tribunal superior, através de um novo meio de prova não conhecido por parte do tribunal recorrido, a tomar conhecimento de questões novas não permitidas no âmbito de um recurso. Fora dos casos dos recursos de revisão em que podem ser analisadas provas que não tenham sido apreciadas aquando da decisão revivenda, importa não esquecer que a nossa lei processual penal não permite um duplo grau de julgamento, mas tão só um segundo grau de jurisdição da matéria de facto com base nos meios de prova que serviram de base à decisão impugnada, e não com base em outros meios de prova a que o tribunal recorrido não teve acesso.
Por isso, encerrada há muito que está a audiência de discussão e julgamento, está a este tribunal vedada a possibilidade de diligenciar pela obtenção dos meios de prova documental requeridos pelo recorrente.
Daí que, e sem necessidade de mais considerações, a pretensão do requerente de obtenção do mencionado documento aqui vai indeferida.

b) A outra questão prévia respeita a um documento junto pelo recorrente com o recurso.
Com a motivação do recurso, a recorrente juntou um documento (que parece ter sido obtido através do site www.citius.mj.pt/Portal/co...) pretendendo com ele demonstrar que no referido processo de insolvência nº 463/05.8TBVNC foi em 15.01.2007 proferida decisão de encerramento do processo, transitada em julgado, com fundamento na “insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente”
Todavia, no seguimento do que já havíamos dito a propósito da pretensão em que o tribunal diligenciasse pela obtenção de documentos, importa referir que não podia juntar tal documento em sede de recurso por duas ordens de razões: a) por um lado, ao fazê-lo não observou a disciplina constante do artigo 165º nº 1 do CPP; b) por outro lado, o tribunal ad quem não pode apreciar elementos de prova que o tribunal recorrido não apreciou por aos mesmos não ter tido acesso.
É por demais consabido e pacífico na doutrina e na jurisprudência que os recursos estão configurados no nosso sistema processual penal como remédios jurídicos, visam apenas modificar as decisões recorridas e não criar novas decisões sobre matérias ou questões novas que não foram, nem podiam ter sido, suscitadas ou conhecidas pelo tribunal recorrido (cfr. Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal- Notas e Comentários, Coimbra, 2008, com várias referências doutrinais e jurisprudenciais, págs. 848-849).
Citando o referido no Ac do Tribunal da Relação do Porto de 09.12.2004 (Proc. 0415010, relator Fernando Monterroso):“É que os recursos visam apenas modificar as decisões recorridas e não criar novas decisões sobre matérias ou questões novas que não foram, nem podiam ter sido, suscitadas ou conhecidas pelo tribunal recorrido. É pacífica a jurisprudência no sentido de que "a missão do tribunal de recurso é a de apreciar se uma questão decidida pela tribunal de que se recorreu foi bem ou mal decidida e extrair daí as consequências atinentes; o tribunal de recurso não pode pronunciar-se sobre questão nova, salvo se isso for cometido oficiosamente pela lei" - por todos, acs. STJ de 6-2-87 e de 3-10-89, BMJs 364/714 e 390/408.
Se a Relação atendesse ao conteúdo dos documentos agora juntos, não formularia um juízo sobre a justeza da decisão recorrida, considerando os elementos ao dispor do tribunal a quo, mas estaria a proferir decisão nova sobre a questão.
Por isso, e porque no momento em que proferiu a decisão aqui recorrida a primeira instância não teve conhecimento de tal documento, não se atenderá ao conteúdo do documento junto com o presente recurso.


Resolvidas que foram estas questões prévias, vejamos desde já o que consta na sentença recorrida quanto aos factos provados e não provados (transcrição):
“II -1. Factos provados
1. A primeira arguida é uma pessoa colectiva, sociedade comercial por quotas que tem como objecto social actividade de prestação de serviços na área de viagens e turismo, com sede nesta comarca.
2. Por força da sua actividade, cujo início foi declarado à Administração Fiscal, foi-lhe atribuído o número … tendo igualmente ficado vinculada ao cumprimento das obrigações que, na qualidade de contribuinte, lhe cabem perante a Segurança Social, sendo-lhe atribuído por esta Instituição o nº ….
3. A sociedade arguida sempre pagou regularmente os salários dos trabalhadores e procedeu à entrega das correspondentes folhas de remuneração.
4. Porém, nos meses de Dezembro de 2001 a Dezembro de 2005, inclusive, apesar de ter descontado nos salários que pagou aos trabalhadores ao seu serviço, inscritos no regime geral dos trabalhadores por conta de outrem, as contribuições devidas por estes à Segurança Social, não efectuou a sua entrega à Segurança Social nem até ao dia 15 do mês seguinte a que respeitam nem nos 90 dias subsequentes.
5. O montante das contribuições retidas e não pagas à Segurança Social ascendeu, nos referidos períodos, a € 2.537,43.
6. Nas datas limites de pagamento das ditas contribuições à Segurança Social, bem como nos períodos mais próximos, a arguida possuía meios financeiros para satisfazer os seus pagamentos.
7. Não obstante, a sociedade arguida, por intermédio da ora arguida, única responsável pela gerência da sociedade, por quem passou todas as decisões de gestão corrente da mesma, desviou tal quantia para a satisfação de interesses próprios, utilizando-a, pois, em proveito próprio, nomeadamente destinando-a a despesas decorrentes da gestão da sua actividade comercial.
8. Actuou a arguida sempre em nome e por conta da sociedade arguida, com a intenção de integrar no seu património a quantia supra referida, sabendo que a mesma pertencia à Segurança social e a esta a devia fazer chegar nos prazos legais ao invés de a utilizar e gastar nas despesas da sua actividade comercial.
9. Mais sabia que ao utilizá-la para outros fins, mormente nos negócios que efectuou, causava prejuízos à Segurança Social, como efectivamente causou.
10. Os factos e condutas supra referidos desenrolaram-se num quadro temporal próximo, aproveitando os arguidos a circunstância de as contribuições à Segurança Social serem devidas mensalmente e sem que tivessem sido coagidos à sua entrega e pagamento, reiterando, por isso, a falta de entrega e pagamento, em cada mês, das prestações em causa.
11. A arguida sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei e que constituíam crimes.
12. Os montantes correspondentes às quotizações descritas em 4 foram utilizados para o pagamento de dívidas da sociedade arguida, de forma a garantir a manutenção da sua actividade.
13. As arguidas foram declaradas contumazes por despacho proferido em 25 de Maio de 2009.
14. A contumácia cessou após a apresentação a juízo em 11 de Fevereiro de 2015 da arguida Maria A..
15. A arguida Maria A. teve conhecimento da declaração de contumácia durante o ano de 2009.
16. No âmbito do processo n.º ….8TAVNC, que correu os seus termos no Tribunal Judicial de Vila Nova de Cerveira, as aqui arguidas foram ali condenadas pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, tendo sido dispensada a pena.
17. Naquele processo, ficou demonstrado ter sido efectuado em 17 de Junho de 2005 o pagamento de todas as quotizações, no valor de € 2.229,30, correspondente ao período entre Agosto de 2000 e Novembro de 2001.
18. A arguida Maria A. encontra-se desempregada.
19. Vive em casa de amigos.
20. A arguida Maria a.foi, em 29 de Setembro de 2010, declarada insolvente no âmbito do processo n.º 190/10.4TBCMN.
21. A sociedade arguida encontra-se inactiva.
22. A sociedade arguida foi declarada insolvente no âmbito do processo n.º ….8TBVNC.
23. Do certificado de registo criminal dos arguidos nada consta.

II - 2. Factos não provados
Para além dos factos supra indicados, não se provaram quaisquer outros relevantes para a decisão da causa que se encontrassem em contradição com os factos considerados provados. Nomeadamente, não se provaram os seguintes factos:
A. Quando pagou à Segurança Social o montante em causa no âmbito do processo comum n.º….8TAVNC, a arguida Maria A. acreditou haver liquidado todos os montantes em dívida à Segurança Social até 2005.
B. Durante o período indicado em 4, a arguida Maria a. não recebeu qualquer valor da sociedade a título de salário.”

Como abordámos no início, a questão suscitada pelo recorrente consiste em saber se, por força da declaração da sua insolvência, a arguida recorrente …, Lda já se encontrava extinta e, nessa medida, a decisão recorrida deve ser substituída por outra que declare extinta a sua responsabilidade criminal. E em sustentação dessa argumentação entende a recorrente que, na sequência do ponto 22 dos factos provados, deve ser aditado aos factos provados o seguinte ponto: “No referido processo nº ….8TBVNC foi, em 15-01-2007, proferida decisão do encerramento do processo, transitado em julgado, com fundamento na insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente.”

Analisemos, pois:
Em primeiro lugar, cumpre dizer que - para o pretendido aditamento, aos factos provados do que acabámos de deixar transcrito - era necessário que o recorrente tivesse impugnado a matéria de facto com estrito cumprimento do ónus de especificação a que aludem o artigo 412º nº 3 e 4 do CPP.
Com efeito, apesar de em sede de motivação de recurso dizer, algo laconicamente, que “desde já se impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, de acordo o previsto no artigo 412°, n° 3, als. a) e b) do Código de Processo Penal, relativamente a facto não provado, o qual, em seu entender deveria e deverá constar dos factos provados”, o certo é que o recorrente não indica concretamente que facto foi dado como não provado para que pudesse passar para o elenco dos factos provados. Por outro lado, também não indicou concretas provas que impusessem que esse facto (que nem sequer concretiza) não provado passasse para o elenco dos provados.
É por demais consabido que na denominada “impugnação ampla” da matéria de facto, a apreciação da matéria de facto alarga-se à prova produzia em audiência (se documentada), mas com os limites assinalados pelo recorrente em face do ónus de especificação que lhe é imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º, nos quais é expressamente estabelecido:
3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
São estes os passos a cumprir em caso de impugnação da decisão sobre matéria de facto quando esteja em causa um insinuado erro de julgamento. Na especificação dos factos o recorrente deverá indicar o concreto facto (ou factos ou segmentos dos factos) que consta(m) da sentença recorrida e que considere incorrectamente julgado(s). Quanto às provas, terá que especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (ex: quando o recorrente se socorra da prova documental tem que concretizar qual o concreto documento que demonstra o erro da decisão; quando se socorra de prova gravada tem que indicar o depoimento (ou depoimentos) em questão (por identificação da pessoa ou pessoas em causa), tem de mencionar a passagem ou passagens desse depoimento que demonstra erro em que incorreu a decisão e tem, conforme decorre no nº 4 atrás transcrito, que localizar esse excerto de depoimento no suporte que contém a gravação da prova, por referência ao tempo da gravação.
A exigência da lei ao estabelecer os requisitos da impugnação da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido deve-se à circunstância de o recurso sobre matéria de facto, apesar de incidir sobre a prova produzida e o seu reflexo na matéria assente, não configurar um novo julgamento. Se estivéssemos perante um novo julgamento as especificações/requisitos seriam, obviamente, destituídos de fundamento. Mas, sendo o recurso um remédio, então o que se pretende é corrigir concretos erros de julgamento respeitantes à matéria de facto. Por isso a lei impõe que os erros que o recorrente entende existirem estejam especificados e que as provas que demonstrem tais erros estejam também elas concretizadas e localizadas, tanto mais que segundo estabelece ainda o nº 6 de tal artigo 412º que “No caso previsto no nº 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
Ora, como vimos, para além de não ter indicado qual o concreto facto dado como não provado que deveria ascender à categoria de provado, da motivação e conclusões do recurso decorre que a recorrente não se alicerça em qualquer elemento de prova que tenha sido produzida em audiência, mas a elementos de prova (neste caso documental) que juntou com o recurso e com documentos que pretendia que fosse obtidos por este tribunal.
Ora, qualquer destes procedimentos que adoptou, não cumpre minimamente o referido ónus de impugnação especificada a que aludem as alíneas a) e b) do nº 3 do CPP.
Nessa decorrência, sem necessidade de mais considerações, improcede a pretendida alteração da matéria de facto, designadamente com pretendido aditamento daquele segmento fáctico já supra transcrito.

Todavia, mesmo que se admitisse como possível esse pretendido aditamento, o mesmo seria totalmente inócuo para a desejada extinção da responsabilidade criminal.
Existe uma corrente jurisprudencial, praticamente insignificante nos tribunais comuns, que aponta para que a declaração da extinção da responsabilidade criminal do ente colectivo basta a declaração judicial da sua insolvência.
Em sentido bem diverso, outra corrente aponta no sentido de que havendo processo de liquidação da respectiva massa da insolvente, se torna necessário aguardar pelo registo do encerramento dessa liquidação para que ocorra a extinção do ente colectivo e, nessa decorrência, da sua responsabilidade criminal.
A corrente largamente maioritária dos tribunais comuns envereda para esta segunda posição, a qual aliás, segue, de perto o que estabelece o nº 2 do artigo 160º do CSC, normativo esse, na parte que para aqui tem relevância, tem a seguinte redacção: “A sociedade considera-se extinta (…), pelo registo do encerramento da liquidação”.
Aderimos nós também àqueles que, tendo em conta esse mesmo preceito, consideram que a “morte” da pessoa colectiva só ocorre com o registo do encerramento da liquidação, não existindo, para efeitos do artigo 127º do Código Penal, qualquer analogia entre a morte de pessoa física e a declaração de insolvência de uma sociedade.
A extinção de uma sociedade comercial, que é a única realidade conceptual e normativa que pode ser equiparada àquela morte, não ocorre com a sua dissolução, mas sim com o registo do encerramento da respectiva liquidação (cfr. artigo 160.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais, doravante CSC) e, no caso de insolvência, com o registo do encerramento do processo após o rateio final, se e quando o mesmo tiver lugar (cfr. artigo 234.º n.º3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, doravante CIRE).
Antes de algum destes registos, a sociedade comercial, mesmo que dissolvida (por insolvência ou qualquer outro fundamento – cfr. artigo 141.º, n.º 1 do CSC), continua a ter personalidade jurídica, sendo-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas (cfr. artigo 146.º, n.º 2 do CSC).
Aliás, os efeitos da dissolução da sociedade na sequência da declaração de insolvência repercutem-se, essencialmente, sobre o funcionamento dos seus órgãos sociais, cujos poderes ficam limitados ou são transferidos para o administrador da insolvência (artigos 81º, 82º e 156º do CIRE), mas, a sociedade mantém, nos termos já referidos, a sua personalidade jurídica. Isto, note-se, ao contrário do que se passa com as pessoas singulares em que a morte das mesmas implica, sempre e necessariamente, a cessação da respectiva personalidade jurídica (cfr. artigo 68º, nº 1, do Código Civil.
Como refere Raul Ventura (in Dissolução e Liquidação de Sociedades, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, 4ª Reimpressão da 1ª edição, de 1987, Almedina, pág. 16), a dissolução de uma sociedade “é a modificação da relação jurídica constituída pelo contrato de sociedade, consistente em ela entrar na fase de liquidação”. Ou seja, com a dissolução a sociedade entra numa outra fase em que o seu objecto deixa de ser prosseguido para se predeterminar à liquidação e partilha do respectivo património ou, no caso da insolvência, embora possa manter-se em actividade, ainda que sob a supervisão do administrador judicial (artigo 226º do CIRE), só não entrará nessa fase se os respectivos credores optarem pela sua recuperação - artigo 234º, nº 1 e 2 do CIRE.
Assim, só a extinção das sociedades, que ocorre com o registo do encerramento da respectiva liquidação e, no caso de insolvência, com o registo do encerramento do processo após o rateio final (se e quando o mesmo tiver lugar), é equiparável à morte das pessoas singulares, e não a dissolução daquelas. E isso tem óbvios efeitos na manutenção da responsabilidade criminal pelos delitos anteriormente praticados, a qual não pode, por isso mesmo, ser declarada extinta antes de cessada a personalidade da entidade que praticou esses ilícitos.
Daí que a dissolução de uma sociedade comercial, como é o caso da arguida recorrente, por virtude da declaração de insolvência (independentemente de, como alega a recorrente, ter sido proferida decisão do encerramento do processo com fundamento na insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente), ao contrário do que defende a recorrente, não possa ser equiparada à morte de uma pessoa individual e, nessa medida, não possa igualmente determinar a extinção da sua responsabilidade criminal.
Esta, de resto, e reportada a casos em que pela 1ª instância tinha sido declarado extinto o procedimento criminal (mas em que os tribunais superiores revogaram essas decisões), tem sido a posição dominante da jurisprudência nos tribunais comuns (cfr. entre outros o que decorre dos seguintes acórdãos, todos acessíveis através do site www.dgsi.pt, com excepção do Ac. da Relação de Coimbra de 25.06.1996):
Ac. do STJ de 12-10-2006 (proc. n.º 0692930, Relator Pereira Madeira);
Da Relação de Coimbra:
Ac. de 25-6-1996, in Col. de Jur. Ano XXI, tomo 3, pág. 40;
Ac. de 06.03.2013, proc. nº 356/06.1TACNT.C1, rel. Brizida Martins;
Da Relação do Porto:
- Ac. de 05-03-2003, proc.º n.º 0210379, rel. Fernando Batista;
- Ac. de 28-05-2003, proc.º n.º 0310495, rel. Borges Martins;
- Ac. de 10-03-2004, proc.º n.º 0315960, rel. Borges Martins;
- Ac. de 08-07-2004, proc.º n.º 0441488, rel. Agostinho Freitas;
- Ac. de 06-10-2004, proc.º n.º 0413650, rel. André Silva;
- Ac. de 13-10-2004, proc.º n.º 0414013, rel. Fernando Monterroso;
- Ac. de 28-09-2005, proc.º n.º 0510726, rel. Alves Fernandes;
- Ac. de 21-12-2005, proc.º n.º 0416352, rel. Ângelo Morais;
- Ac. de 09-05-2007, proc.º n.º 0710903, rel. António Eleutério;
-- Ac. de 12-09-2007, proc.º n.º 0741140, rel. Pinto Monteiro;
- Ac de 06.06.2012, proc. 176/01.0TBVCD-B.P1, rel. Maria Leonor Esteves.
- Ac desta Relação de Guimarães, de 09.02.2009, proc. 2701/08.1, rel. Cruz Bucho.

Por outro lado, ao contrário de que parece dar a entender a recorrente, não se pode confundir o encerramento do processo de insolvência subsequente à apreensão do activo, liquidação do mesmo, distribuição do produto pelos credores mediante rateio final, com aqueloutro encerramento do processo de insolvência em virtude da constatação da insuficiência da massa para satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa.
No primeiro caso, a extinção do ente colectivo só ocorre com o registo do encerramento da liquidação, conforme determina o n.º 2 do art. 160º do CSC, ao dizer que «a sociedade considera-se extinta … pelo registo do encerramento da liquidação». A ocorrência desse registo - podendo, sim, ser equiparado à morte das pessoas singulares – é que extingue personalidade jurídica da pessoa colectiva e nessa medida também extingue a responsabilidade criminal da mesma.
É certo que o acórdão da Relação do Porto de 27.06.2007 trazido à colação pela recorrente veio a considerar que a falta desse registo do encerramento da liquidação não constituiria obstáculo à extinção da responsabilidade da pessoa colectiva que fora declarada falida. Todavia, a questão debatida naquele processo não tem qualquer semelhança com o nosso caso.
Naquele processo, o processo de liquidação do activo tinha corrido seus trâmites até ao rateio final e sido encerrado, faltando apenas o registo do encerramento da liquidação.
No processo de insolvência da aqui arguida/recorrente, nem sequer terá sido aberto processo de liquidação do activo por manifesta insuficiência de bens ou, se o foi, o mesmo foi encerrado sem se ter procedido a uma concreta liquidação do activo e rateio final do produto que possa ter sido obtido.

No segundo caso (o do encerramento do processo de insolvência em virtude da constatação da insuficiência da massa para satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa) como não haverá lugar á liquidação do que quer que seja, também não ocorre encerramento da liquidação porque nada foi alvo de liquidação. E não ocorrendo esse encerramento da liquidação também não é viável/possível o registo do mesmo. Daí que, sem esse registo, e apesar de inexistir património (ou de existir mas que seja manifestamente insuficiente sequer para satisfazer as custas do processo e as dívidas da massa insolvente), sempre a personalidade jurídica da pessoa colectiva se mantém. O encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente, nos termos dos arts 39º e 232º do CIRE, conduz a que a declaração de insolvência tenha apenas carácter limitado, cujos efeitos cessam com o próprio encerramento do processo (excepto se for requerido o complemento da sentença), não conduzindo, portanto, à extinção da pessoa colectiva insolvente.
Nessa decorrência, e transpondo para o caso dos autos, a aqui arguida insolvente, apesar de não ter património (ou do que tem ser insuficiente para as mencionadas custas do processo e as dívidas da massa) ainda não se encontra extinta.
Dessa forma, não sendo legalmente admissível considerar extinto o ente colectivo também não é possível considerar a extinção da sua responsabilidade criminal.

Daí que, e tal como tínhamos dito, mesmo que fosse aditado aos factos provados aquele acrescento fáctico que a recorrente pretendia, o mesmo seria totalmente inócuo para a pretendida extinção da responsabilidade criminal.
Com efeito, apesar de ter sido declarada insolvente e não obstante até possa ter sido proferida decisão de encerramento do processo com fundamento na insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente, a arguida recorrente, continuando a manter personalidade jurídica, continua a manter intacta a sua responsabilidade criminal. E não há conhecimento nos autos que se tenha verificado o registo do encerramento da sua liquidação, sendo ainda certo que em 01.09.2015, a própria conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Cerveira veio informar o tribunal recorrido que “a matrícula acima indicada [da arguida aqui recorrente] não está cancelada” (cfr. fls. 470).
Diga-se, também que, como é hoje praticamente assumido por toda a jurisprudência dos tribunais comuns, a declaração de insolvência não determina a extinção da responsabilidade penal própria das sociedades.
Naufragando, assim, toda a pretensão da recorrente, é de negar provimento ao recurso.

III. DISPOSITIVO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso, mantendo-se, na íntegra, a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC´s.
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(Elaborado em computador e revisto pelo relator, 1º signatário - art. 94º nº 2 do Código de Processo Penal)
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Guimarães, 16 de Novembro de 2015

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(Luís Coimbra)

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(Maria Manuela Paupério)