Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6064/18.3T8BRG.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: DECLARAÇÕES DE PARTE
FALTA JUSTIFICADA DA PARTE
ADIAMENTO DO JULGAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- À prova por declarações de parte são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras respeitantes à prova por confissão (art. 466º, n.º 2 do CPC).
II- Justificada a ausência da parte à audiência por motivo de doença, mediante certificado de incapacidade temporária para o trabalho, que atesta que a doença perdurará por doze dias, e alegando estar impossibilitado de prestar declarações em virtude do seu estado de saúde, deve o Tribunal abster-se de reagendar a continuação da audiência unicamente para prestação desse meio de prova para um dia compreendido no previsível período da baixa médica, salvo se, lançando mão do mecanismo de verificação previsto no art. 457º “ex vi” do art. 466º, n.º 2, do CPC, lograr comprovar nos autos que, apesar da doença, o declarante possui condições, físicas e psíquicas, para prestar declarações, ainda que através dos meios previstos no art. 520ºº do C. P. Civil
III- De outro modo, esse reagendamento, sem observar o período previsível da doença, acabaria por redundar numa efetiva frustração da possibilidade de o declarante prestar declarações de parte, postergando o direito à prova.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

M. M. intentou no Juízo Central Cível de Braga - Juiz 5 – do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra A. B., peticionando o pagamento da quantia global de € 109.900,00, acrescida de juros de mora desde a data da citação e até integral pagamento.
Para tanto alegou, em resumo, que o réu não cumpriu o acordado em sede de partilha dos bens comuns do casal constituído por ambos, na sequência da dissolução do respetivo casamento por divórcio, no que se refere ao pagamento de uma prestação mensal e sucessiva no valor de € 500,00 e uma última de € 36.000,00 atinentes ao preço da fração AA do prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ..., objeto do contrato promessa celebrado por ambos na qualidade de promitentes compradores cuja cópia consta a fls. 8/9 dos autos.
Mais invocou que, por força daquele incumprimento por parte do réu ocorrido a partir de julho de 2017 e da impossibilidade de poder assegurar o pagamento do remanescente do referido preço, entregou o imóvel ao promitente vendedor em outubro daquele ano, tendo ficado privada da propriedade deste bem, o que lhe causou um prejuízo de € 65.000,00.
Acrescentou, ainda, que aquele prejuízo deverá ser atualizado em conformidade com o valor comercial que o prédio teria na presente data, ou seja, € 89.900,00.
Por fim, alegou que a conduta do réu lhe provocou enorme desgosto, transtorno e constante sofrimento psicológico, danos de natureza não patrimonial que deverão ser cifrados em € 20.000,00.
*
Citado, o Réu deduziu contestação, na qual pugnou pela improcedência da ação e a consequente absolvição do pedido, tendo peticionado a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de € 5.000,00 como litigante de má fé (cfr. fls. 33 a 40).
Alegou, em síntese, que cumpriu o acordo da partilha celebrado com a autora, designadamente no que se refere à entrega da totalidade da quantia relativa ao pagamento do preço da fração AA do prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ..., objeto do contrato promessa cuja cópia consta a fls. 8/9.
Mais invocou que o imóvel foi entregue pela autora, sem o seu conhecimento e consentimento, ao promitente vendedor porque esta perdeu interesse no mesmo, sendo que este nunca deu cumprimento à obrigação assumida no âmbito do contrato promessa quanto à notificação para marcação da celebração da escritura pública destinada a titular o contrato definitivo de compra e venda.
No final da contestação, em sede de requerimento de meios de prova, o réu requereu, entre o mais, a prestação de declarações do R., a toda a matéria, nos termos e para os efeitos do art. 466º.
*
Realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova, bem como admitidos os meios de prova, designadamente, ao abrigo do disposto no art. 466º do CPC, a audição do réu em declarações de parte, conforme requerido a fls. 40 (cfr. fls. 81, 82, 119 e 120).
*
Procedeu-se a audiência de julgamento.
*
Na sessão da audiência final de 1 de julho de 2020 (cfr. fls. 215 a 217), o Il. mandatário do réu informou que o réu não iria comparecer à audiência por se encontrar doente, motivo pelo qual se tinha deslocado nesse dia ao Hospital de Barcelos.
Após inquirição de testemunhas arroladas pela A. e pelo R., o Mmº Juiz designou data para continuação da audiência de discussão e julgamento (06.07.2020) e determinou a notificação do réu para, em 5 dias, juntar aos autos justificação da falta à referida audiência final.
*
Em 3/07/2020, o réu apresentou requerimento, no qual, além de, requerer a justificação da sua falta na audiência de julgamento, referiu não prescindir das suas declarações de parte, pelo que requereu o adiamento da audiência de julgamento agendada para o próximo dia 6 de Julho, de modo a que se torne possível a produção do referido meio de prova (cfr. fls. 218 e 219).
Juntou, entre o mais, declaração médica para justificar a sua ausência na audiência e Certificado de incapacidade temporária para o trabalho.
*
Na sessão da audiência final de 6 de julho de 2020 (cfr. fls. 224 e 225), o Mm.º Juiz, na sequência das diligências ordenadas à Secção no sentido de o Ilustre Mandatário do réu ser contactado com vista a este poder prestar as declarações a partir da sua residência pelos meios previstos no art. 520º, n.º 1, do C.P.C, questionou este mandatário sobre os resultados obtidos junto do seu constituinte, tendo o mesmo informado que não o conseguiu contactar.
De seguida, o Mm.º Juiz deu a palavra à Ilustre Mandatária da autora para se pronunciar, querendo, sobre o último requerimento apresentado pelo réu, tendo a mesma declarado nada ter a dizer.
Posteriormente, o Mm.º Juiz proferiu o seguinte despacho
«Relativamente ao requerimento apresentado pelo réu na passada sexta-feira, dia 03.07.2020, o Tribunal entende que o certificado/documentação médica junta, para fundamentar o pedido formulado nesse mesmo requerimento, não consubstancia um atestado médico que certifique a impossibilidade do réu em prestar as declarações de parte na presente diligência.
Trata-se de um atestado de incapacidade temporária para o trabalho, o qual não configura e não certifica qualquer impossibilidade do réu em prestar as declarações de parte que pretende nos presentes autos.
Nesta conformidade, o réu foi contactado telefonicamente esta manhã, com vista a poder tomar providências e a requerer que fossem prestadas as suas declarações por qualquer meio previsto no artigo 520.º, do CPC, designadamente por telefone ou por skype, sendo que a informação que é prestada pelo seu Ilustre Mandatário é que se logrou o seu contacto.
Assim sendo, o Tribunal dá mais uma oportunidade ao réu para que possa prestar as suas declarações na próxima quarta-feira, dia 08.07.2020, às 13:30 horas, sendo essa a última possibilidade que tem para o efeito, por qualquer um dos meios previstos no art. 520º, n.º 1, do C.P.C.
Notifique».
*
Em 7/07/2020, o réu apresentou requerimento, no qual requereu o adiamento da continuação da audiência de julgamento para uma data posterior, atento o estado de saúde do Réu e por não se prescindir das suas declarações de parte (cfr. fls. 226 e 227).
*
Datado de 8/07/2020 (cfr. fls. 228), foi proferido o seguinte despacho:

«Ref. 10252818:
O réu não juntou aos autos nenhum atestado médico que certifique a sua impossibilidade de prestar as declarações de parte.
Juntou apenas um certificado de incapacidade temporária para o trabalho com início no dia 02 de julho de 2020 e termo no dia 13 de julho de 2020, no qual se consigna não estar autorizado a sair de casa.
Por outro lado, o Tribunal não pode concluir pela impossibilidade da prestação das declarações em causa a partir do teor de guias de tratamento, faturas de farmácia, análises clinicas, informações clinicas ou faturas/recibos que foram juntas pelo réu a fls. 220v/223.
É, assim, evidente, que a alegada falta de destreza mental e capacidade de raciocínio não se encontra demonstrada nos autos e não inviabiliza a prestação das declarações nos termos do art. 520º, n.º 1, do C.P.C.
Face ao exposto, indefere-se o requerido adiamento da diligência da audiência de discussão e julgamento para hoje agendada.
Notifique».
*
Na sessão de audiência final de 8 julho de 2020 e face à não presença do réu A. B. foi exarado em ata (cfr. fls. 229 e 230):
«(…)
Declarada reaberta a audiência, o Meritíssimo Juiz deu a palavra ao Ilustre Mandatário do réu para informar o que tiver por conveniente relativamente à ausência daquele.
*
No uso da palavra concedida, pelo Ilustre Mandatário foi informado que diligenciou pela obtenção de informações acerca do estado de saúde do réu A. B., através da companheira deste, e que o que ela lhe transmitiu é que réu não está mesmo em boas condições de saúde, dado que não tem equilíbrio, está com náuseas, e que tem um histórico de arritmias, isto mesmo antes da data do divórcio; informando ainda que o réu não tem condições nenhumas de prestar depoimento, mesmo através de meios tecnológico como whatsApp.
Apelando, portanto, à sensibilidade do tribunal para esta questão.
(…)
*
Seguidamente, pelo Meritíssimo Juiz foi proferido o seguinte:

Despacho

A questão em apreço, com toda a compreensão que o Tribunal possa ter, deve ser resolvida nos termos definidos por lei.
Uma coisa é a impossibilidade de comparecer em tribunal, que poderá decorrer do atestado de incapacidade para o trabalho que foi junto, na medida em que lá se diz que não se autoriza a saída do réu de casa.
Tal como consta do despacho proferido no dia de hoje, não decorre desse certificado, nem de qualquer outro elemento, nem o Tribunal tem a capacidade e ou a competência para retirar daqueles elementos que foram juntos, qualquer indício, qualquer prova que ateste a incapacidade do réu prestar as declarações de parte. E, portanto, nesse sentido o Tribunal diligenciou, já desde segunda-feira (06.07.2020) para que se pudesse prestar as suas declarações por telefone ou qualquer outro meio tecnológico de comunicação.
Portanto, basicamente e objetivamente, o Tribunal, neste momento, não tem prova daquilo que são as alegações de que o réu não pode prestar declarações, não se comprovando, em termos documentais, como impõe a lei, que efetivamente esteja incapacitado de prestar as suas declarações de parte em audiência, até porque a indicação/informação clínica que o Tribunal tem relativamente à maleita de que aquele padece, aparentemente, é um síndrome vertiginoso, cujo quadro clinico depende muito de pessoa para pessoa, podendo os seus sintomas manifestarem-se em segundos, minutos, horas ou dias.
Portanto, o Tribunal não pode efetivamente dizer e dar como assente que o réu está impossibilitado de prestar depoimento.
Por isso, já houve dois adiamentos, com a possibilidade dada ao réu para que tomasse as devidas providências, designadamente para obter atestado médico que provasse toda esta situação.
O Tribunal entende que nestas situações tem que se aplicar, obviamente, o mesmo regime que se aplica às testemunhas, no sentido de o segundo adiamento da inquirição só ser possível mediante a concordância da parte contrária – art. 509º, do C.P.C.
Portanto, cabe inquirir a autora, no sentido de se pronunciar se está ou não na disponibilidade a que haja um novo adiamento, sendo certo que esse novo adiamento observará sempre o termo que está consignado na incapacidade atestada no certificado junto, que é o dia 12.07.2020; sendo certo que a audiência de julgamento poderá realizar-se nos dias 13, 14 e 15 de julho, ainda antes das férias judiciais, privilegiando-se sempre a continuidade e a inadiabilidade da audiência de julgamento, já que a produção de prova tem toda a pertinência que seja produzida e apreciada em tempo muito próximo.
(…)
***
Dada a palavra à Ilustre Mandatária da autora para, querendo, se pronunciar, pela mesma foi dito o seguinte: A autora entende que foi dado tempo suficiente e mais que suficiente ao réu para juntar aos autos o atestado que viesse a comprovar, efetivamente, o que foi alegado pelo mesmo no seu requerimento apresentado no final do dia de ontem (07.07.2020).
Portanto, como foi referido pelo tribunal, e bem, não estamos aqui a falar de uma testemunha fulcral neste processo, é no fundo as declarações de parte do réu, que mais não é, presumimos nós, e assim será, do que reiterar tudo o quanto alegou na contestação.
Somos levados até a crer que isto não passará de algumas manobras dilatórias para protelar este julgamento por mais tempo.
Assim sendo, e tendo em atenção as vezes que cá viemos, a autora não está na disposição de adiar mais uma vez o julgamento.
(…)
*
Após, pelo Meritíssimo Juiz foi proferido o seguinte:

Despacho
Considerando então que foram dadas todas as possibilidades ao réu para juntar aos autos o atestado que comprovasse a impossibilidade de prestação das declarações de parte que pretende e designadamente que encetasse todas as diligências necessárias com vista à prestação das mesmas, através dos mecanismos previstos no artigo 520.º, n.º1, do CPC, sendo certo que de todas os elementos juntos aos autos não está demonstrada a impossibilidade de prestação destas declarações; considerando ainda que o tribunal entende que às declarações de parte se aplica a disposição legal relativa ao adiamento das audiências a propósito dos impedimentos das testemunhas previsto no artigo 509.º, do CPC; e tomando em consideração a posição manifestada hoje pela autora, o tribunal não adiará a presente diligência, passando-se, assim, de imediato, à produção das alegações finais.
Notifique.
(…)».
De seguida, e finda a produção de prova o Meritíssimo Juiz declarou aberto os debates sobre a matéria de facto e de direito pertinente à causa, dando a palavra, separadamente, à Ilustre Mandatária da autora e ao Ilustre Mandatário do réu, que fizeram as suas alegações (…)
Findas as alegações, o Meritíssimo Juiz proferiu despacho a ordenar que os autos lhe sejam conclusos com vista à prolação da sentença (artigo 607.º, n.º 1, do CPC).
(…)».
*
Posteriormente, o Mm.º Julgador “a quo” proferiu sentença, nos termos da qual decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou o Réu A. B. a pagar à A. M. M. a quantia global de € 93.500,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data da citação e até integral e efetivo pagamento sobre o montante de € 86.000,00, e desde a data dessa decisão e até integral pagamento sobre o valor de € 7.500,00 (cfr. fls. 231 a 240).
*
Não se conformando com o despacho proferido na sessão da audiência final de 8 de julho de 2020, o Réu dele interpôs recurso em 8/09/2020 (cfr. fls. 241 a 255), rematando as suas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«a) Na presente ação, a Recorrida pede a condenação do Recorrente no pagamento do valor total da venda do imóvel, de uma indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, e de uma compensação por danos não patrimoniais, em virtude de aquela alegar que o Recorrido não cumpriu com o disposto no contrato de partilha por divórcio entre ambos, no qual a Recorrente assumiu a posição no contrato-promessa de compra e venda do imóvel e ao Recorrido caberia liquidar o valor do mesmo.
b) A questão do presente recurso, incide sobre a legitimidade da decisão de não adiamento da audiência de julgamento para produção do meio de prova por declarações de parte, em virtude da não comparência do Réu à mesma por motivo de doença, discutindo-se a aplicação do regime da prova testemunhal.
c) O Recorrente no articulado que apresentou requereu, ao abrigo do artigo 466.º do Código de Processo Civil (C.P.C.), a prestação de declarações de parte, meio de prova que, por despacho datado de 26 de Fevereiro de 2019, foi pelo tribunal a quo admitido.
d) Sucede porém que, por motivo de doença, o Recorrente viu-se impossibilitado de comparecer à primeira sessão de audiência de discussão e julgamento, tendo permanecido no serviço de urgência do Hospital Particular de Barcelos e uma vez consultado, foi-lhe atestado o Certificado de incapacidade temporária para o trabalho, com repouso e permanência total e absoluta no domicílio, além de lhe terem sido prescritos diversos exames médicos, análises clínicas e medicação que demonstram a melindre de que se revestia o estado de saúde do Recorrente, mormente, devido à síndrome vertiginosa.
e) De tudo o anteriormente descrito deu o Recorrente conhecimento ao tribunal a quo logo nos dias que se seguiram.
f) Todavia, insensível e irrazoavelmente entendeu o tribunal que tal atestado de incapacidade temporária para o trabalho não certificava qualquer impossibilidade do Recorrente em prestar as declarações de parte que pretende nos presentes autos, não adiando a próxima a sessão.
g) Como era expectável, já que outra alternativa não restava ao Recorrente, dado o seu estado de fraqueza e debilidade, voltou a não comparecer às duas sessões de julgamento marcadas nos dias imediatamente a seguir, já que foi sem qualquer complacência que o Mm.º Juiz do tribunal a quo, desatendendo ao atestado de incapacidade que, previsivelmente, apenas terminaria no dia 12 de Julho, marcou as audiências para produção de tal meio de prova para os dias 06 e 08 do mesmo mês.
h) Por forma a justificar tal posição serviu-se ainda da exigência de aplicabilidade do regime da prova testemunhal à prova por declarações de parte que impede o segundo adiamento sem a concordância da parte contrária, que no caso dos autos, se opôs.
i) Pugnando o tribunal a quo pela aplicação do artigo 509.º do C.P.C. à prova por declarações de parte, olvidou-se contudo, da regra segundo a qual a interpretação e aplicação da lei deve ser feita olhando para o sistema jurídico como um todo, o que sempre exigiria que igualmente se atendesse aos preceitos que antecedem a norma invocada.
j) Impunha-se assim a aplicação efetiva e correta do artigo 508.º n.º3 do mesmo diploma que -porque o Recorrente jamais prescindiu da prestação de declarações de parte outrora admitidas, porque a sua impossibilidade era meramente temporária e tinha na sua base um motivo mais do que legítimo e porque desde o início da primeira sessão de julgamento que o Recorrente requereu o adiamento da produção do meio de prova de declarações de parte pelo prazo que se afigure indispensável à sua recuperação que jamais excedia 30 dias, o que significava que disponíveis estavam ainda os três dias que mediavam entre o fim do atestado de incapacidade do Recorrente e o início das férias judiciais ou ainda depois destas no limite até ao dia 23 de Setembro - facilmente permitia ao tribunal a quo aplicar o regime da prova testemunhal, se fosse esse o seu entendimento, mas de forma legal e não meramente arbitrária.
k) Conduta discricionária esta que o tribunal acabou por adotar, tendo resultando numa atitude absolutamente insensível à crise vertiginosa e necessidade de convalescença que a mesma acarreta e, sobretudo, desconforme com o Direito porque marcada pela parcialidade.
l) Nem sequer poderá valer como tentativa de justificação da decisão de preterição de tal meio de prova, o respeito pelo princípio da continuidade da audiência.
m) Pois que este, jamais admitirá, tal como interpretou o tribunal a quo, a exigência de prestação de declarações de parte num estado marcado pela profunda debilidade, desorientação e fraqueza.
n) Levou-nos o tribunal a quo a crer que, na sua interpretação completamente incongruente, imporia a lei que o Recorrente apresentasse um atestado médico que ditasse que o mesmo, além de não poder trabalhar nem sequer ausentar-se de casa, expressa e especificamente contemplasse que o Recorrente não reunia as condições para prestar declarações de parte, o que, bem se sabe não existe.
o) Um quadro marcado por vertigens muito intensas com alucinação de movimento, náuseas, vómitos, hiperidrose, taquicardia, hipoacusia ou zumbidos e tendência à queda, foi considerado pelo tribunal a quo como insuficiente para demonstrar a incapacidade de prestar declarações de forma racional e consciente.
p) De igual forma, ilógico será equacionar sequer que estaria o Recorrente a furtar-se à prestação de declarações de parte já que além daquelas resultarem da iniciativa da própria parte que as presta, aproveitarão sobretudo a essa parte que poderá levar ao conhecimento do juiz certos factos que, de outro modo, só o poderiam fazer através do depoimento de testemunhas que não tiveram conhecimento direto dos mesmos.
q) Tal atitude do tribunal a quo foi é assim exemplo de uma clara e manifesta violação de vários princípios do direito processual civil como o é o princípio da proibição das decisões-surpresa (artigo 3.º n.º 3), o princípio do dever de gestão processual (artigo 6.º), o princípio da cooperação (artigo 7.º), o princípio do inquisitório (artigo 411.º), o princípio da aquisição processual (artigo 413.º) e ainda o princípio da adequação formal (artigo 547.º).
r) Assim, não estivemos senão perante uma mera aparência de julgamento o que, em rigor, configura a prática pelo tribunal a quo de uma irregularidade que, porquanto tem evidente influência no exame e decisão da causa, consubstancia o cometimento de uma nulidade de acordo com o artigo 195.º n.º1 do C.P.C.
s) E tudo o exposto não nos permite concluir senão com uma questão: Prender-se-á o Direito com a realização de uma justiça rápida e parcial ou com a concretização de uma justiça efetiva e isenta? Questão à qual, até então, pensávamos saber a resposta.
(…)
NESTES TERMOS, e nos melhores de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, impondo-se a revogação da sentença apelada, e, consequentemente, a obrigatoriedade de o tribunal a quo reabrir a audiência de julgamento, em nova data a designar, de forma a possibilitar a produção de meio de prova por declarações de parte.
ASSIM SE FAZENDO A HABITUAL JUSTIÇA!».
*

E, inconformado com a sentença, o Réu dela interpôs recurso em 6/10/2020 (cfr. fls. 252 a 286), formulando, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«a) Na presente ação, a Recorrida pede a condenação do Recorrente no pagamento do valor total da venda do imóvel, de uma indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, e de uma compensação por danos não patrimoniais, em virtude de aquela alegar que o Recorrido não cumpriu com o disposto no contrato de partilha por divórcio entre ambos, no qual a Recorrente assumiu a posição no contrato-promessa de compra e venda do imóvel e ao Recorrido caberia liquidar o valor do mesmo.
b) O objeto do presente recurso, prende-se com a aferição da responsabilidade do Recorrente no incumprimento das prestações mensais derivadas do contrato-promessa.
c) O Tribunal a quo decidiu pela improcedência parcial da presente ação, tendo considerado que o Réu não logrou provar que cumpriu o pagamento das prestações referentes ao preço da fração objeto do contrato promessa a partir de julho de 2017, conduta esta que causou prejuízo à Autora consubstanciado na privação da titularidade do direito de propriedade sobre a fração, o que foi fonte de sofrimento psicológico, com base nas declarações de parte da Autora e no depoimento das testemunhas por esta arroladas.
d) Em sede de motivação de sentença refere que a Autora “Confirmou que o réu deixou de pagar as prestações a que se obrigou no acordo da partilha conjugal referente ao preço da fração objeto do contrato promessa de compra e venda a partir de julho de 2017, dizendo que aquele alegava não reunir condições para fazê-lo.”, o que, como é evidente, não é o mesmo que dizer que a sua falta de pagamento fosse definitiva, como se veio a verificar.
e) Até porque foi a própria Recorrida que acabou por assumir que o Recorrente jamais lhe havia comunicado que nunca mais pagaria as prestações, isto é, de modo definitivo.
f) Conclusão que o meritíssimo Juiz adulterou com base na especulação que não se coibiu em expressar “Pois está-se mesmo a ver… era o companheiro que tinha que pagar as prestações que ele assumia…”.
g) E apartando-se do dever de imparcialidade e neutralidade do poder judicial, sem mais produção de prova o Meritíssimo Juiz giza já o desfecho da lide dizendo que “As histórias são sempre iguais.”
h) Obviamente que, o Meritíssimo Juiz tinha já delineado o fim da lide, sendo através de uma jogada de inquirição tendenciosa que procurou conduzir os depoimentos e assim obter as respostas que para o efeito pretendia.
i) Contudo, frisado ficou pelo promitente-vendedor que, não só o Recorrente nunca lhe havia dito que nunca mais efetuaria os pagamentos mas que apenas se encontrava em situação de dificuldade económica, e que ainda assim a Recorrida decidiu por fim ao contrato-promessa por falta de interesse pese embora este nunca lhe ter feito qualquer ultimato para abandonar a fração já que, não se opunha a que o montante das prestações mensais fosse liquidado apenas aquando da celebração da escritura definitiva.
j) O mesmo facilitismo foi igualmente frisado pela filha das partes, testemunha arrolada pela Recorrida que facilmente deu a entender que a versão de que o Recorrente incumpriu o seu dever de pagamento de prestações devido ao novo relacionamento da Recorrida, versão da história esta criada e defendida pelo Meritíssimo Juiz ao longo de todo o julgamento, acabou fragilizada senão mesmo anulada, uma vez que assumiu que já antes da Recorrida assumir uma relação com um novo companheiro, o Recorrente por dificuldades económicas, por vezes, embora acabasse por solver as prestações, fazia-o com alguns atrasos.
k) No que concerne à falta de interesse da Recorrida, motivo que a levou à assinatura do Distrato, ficou tal razão bastante explícita pelo depoimento prestado pelo Sr. J. P., atual companheiro da mesma, já que, o mesmo retorquiu por diversas vezes que, pese embora fosse seu intento e da Recorrida fazerem vida juntos, tal objetivo sempre seria concretizado noutra casa que não a que se discute nos presentes autos, já que o mesmo não se sentia à vontade em pernoitar na mesma, vendo-se a Recorrida obrigada ao incómodo de se deslocar quase diariamente à casa daquele para pernoitar.
l) No que às declarações de quitação diz respeito, por nenhuma das testemunhas arroladas pela Recorrida foi negado o recebimento por esta das mesmas, de forma tão convicta quanto a necessária, na medida em que, como é normal, careciam de conhecimento direto, que a Recorrida nada recebeu.
m) Outrossim, é a própria filha da Recorrida e do Recorrente que diz que não tem qualquer conhecimento sobre isso, o que, como bem se sabe, não é o mesmo que dizer que são falsas.
n) Pelo que em aberto ficou a possibilidade, que não corresponde senão à verdade, de a Recorrida ter efetivamente recebido tais montantes pelos quais logrou dar quitação.
o) Aliás, pese embora completamente olvidados pelo tribunal a quo, os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Recorrente vieram de encontro à existência de real intenção de pagamento por aquele à Recorrida e ainda que tal pagamento veio efetivamente a ocorrer.
p) Assim, se o Recorrente nunca afirmou nunca mais pagar as prestações a que estava adstrito mas tão só que no momento estava numa situação transitória de dificuldades para cumprir as mesmas.
q) Se não houve ultimato por parte do promitente-vendedor para que, se a Recorrida não pagasse abandonar a referida fração, tendo sempre adotado perante esta uma atitude de completo facilitismo no pagamento.
r) Se na verdade, nem era a Recorrida que, por contrato de partilha, ficou responsável pelo pagamento das quantias, facto do qual o promitente-vendedor estava ciente e portanto, querendo assacar de alguém a responsabilidade pelo pagamento, sempre seria do Recorrente.
s) Se o companheiro da Recorrida se recusava a pernoitar no dito apartamento pois que não se sentia à vontade para tal.
t) Se ambos tinham ideia de fazer a vida juntos numa habitação que não o referido apartamento.
u) Não pode deixar de se concluir que a aqui Recorrida não assinou senão aquilo que consubstanciava a explanação da sua real vontade, isto é, embora pudesse ter dificuldades económicas tal situação nenhuma implicação teve na entrega do imóvel, tendo-o feito tão só por livre e espontânea vontade, pelo facto de já não servir os seus interesses.
v) Em consequência, isto é, se a escritura definitiva não foi celebrada e portanto, ficou a dever-se apenas e tão só por ato alheio ao Recorrente, nomeadamente a assinatura somente pela Recorrida do Distrato e a consequente falta de notificação do Recorrente pelo promitente-vendedor da data da escritura definitiva.
w) Em termos jurídicos, tal “Distrato” viola a segunda parte do artigo 406.º n.º1 do Código Civil quando giza que “O contrato (…) só pode (…) extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes.”
x) Todavia, tendo sido atribuída eficácia ao “Distrato”, na medida em que o promitente-vendedor e a Recorrida deram como extinto o contrato-promessa, tendo aquele procedido à venda do apartamento a terceiro, tais efeitos de rescisão desse negócio apenas podem ter consequências para quem manifestou a sua vontade de acordar na rescisão, ou seja, somente para quem o assinou.
y) Destarte, a entender-se que o Réu não cumpriu com as prestações mensais a que estava adstrito, o que jamais se concebe.
z) E determinando o artigo 790.º do Código Civil que “A obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.”
aa) Face ao exposto, a assinatura do Distrato somente pela Recorrida, sem a concordância e portanto, sem a assinatura do Recorrente, torna este irresponsável por qualquer prejuízo que aquela alegue ter tido com a sua decisão de rescisão contratual.
bb) Além do mais, a obrigação de marcação da escritura pública do contrato de compra e venda prometido estava atribuída ao promitente-vendedor.
cc) Pelo que, não tendo realizado a prestação a que se vinculara, foi o promitente-vendedor que incorreu no incumprimento da sua obrigação contratual.
dd) Destarte, também por este motivo, nunca poderia o tribunal a quo imputar qualquer incumprimento na esfera jurídica do Recorrente.
ee) Em suma, patente fica que jamais procurou o tribunal a quo saber se, na verdade, o Recorrente incumpriu ou não as prestações já que, pese embora seja esse um dos temas de prova, acabou por dá-lo como provado desde início e em consequência, a aplicação imparcial do direito saiu postergada.
ff) Se, tal como dito pelo tribunal a quo, antes ainda da produção de prova, que “As histórias são sempre iguais”, resta deixar em aberto a questão de saber se valerá ainda o princípio da verdade material e da justa composição do litígio… ÁLVARO MATOS MARTINS

NESTES TERMOS, e nos melhores de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e, em consequência, julgando-se a ação totalmente improcedente por não provada.
ASSIM SE FAZENDO A HABITUAL JUSTIÇA!».
*
Contra-alegou a autora quanto ao recurso interposta da sentença, pugnando pelo seu não provimento e manutenção da sentença recorrida.
*
Os recursos foram admitidos como de apelação (1), a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 301).
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].
No caso, por ordem lógica da sua apreciação, apresentam-se as seguintes questões a decidir:

Quanto ao 1º recurso de apelação (interposto em 8/09/2020):

i) – Da (i)licitude do despacho que determinou o prosseguimento da audiência de discussão e julgamento;

Quanto ao 2º recurso de apelação (interposto em 6/10/2020):

ii) - Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
iii) - Da reapreciação do julgamento da matéria de direito.
*
III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

a. - A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1. A autora e o réu contraíram casamento entre si, a 16 de novembro de 1990, sem convenção antenupcial, vigorando o regime supletivo da comunhão de adquiridos.
2. Ainda na pendência do casamento, a autora, face a uma série de problemas conjugais e já não sendo possível a convivência com o réu, decidiu que viria viver para Braga, ficando o réu a residir na casa de morada de família, em Barcelos.
3. A autora pretendia arrendar casa para o efeito, tendo o réu entendido que seria preferível efetuarem a compra de imóvel, de forma a garantir a habitação da autora e dos filhos.
4. No dia 22 de janeiro de 2014, a autora e o réu celebraram com A. J., contrato promessa de compra e venda para aquisição da fração autónoma designada pela letra “AA”, correspondente ao terceiro andar centro, duplex, tipo T2 com dependência do segundo andar, com entrada pelo n.º …, destinado a habitação, na rua …, n.º …, freguesia de Braga (…), concelho de Braga, do prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ... e inscrito na matriz urbana sob o artigo nº ….
5. O imóvel seria vendido pela quantia de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), sendo a quantia de € 5.000 (cinco mil euros), a título de sinal, liquidada através de dois cheques no valor de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros) à data de assinatura do contrato promessa; a quantia de € 24.000 (vinte e quatro mil euros) liquidada em 48 prestações de € 500,00 (quinhentos euros) desde 1 de fevereiro de 2014 a 1 janeiro de 2018; e a quantia de € 36.000,00 (trinta e seis mil euros) a liquidar no ato da outorga da escritura definitiva de compra e venda do imóvel.
6. Nos termos da cláusula 3ª do contrato promessa, foi acordado que caberia ao primeiro outorgante - promitente vendedor, A. J.-, designar o dia e a hora para celebração da escritura pública, no prazo máximo de 30 dias, a contar de 01 de janeiro de 2018, que seriam comunicados aos segundos outorgantes - autora e réu- por carta registada expedida para o seu domicílio, com a antecedência mínima de 15 dias sobre a data pretendida, e que a escritura seria celebrada em nome da autora.
7. A autora passou a residir no imóvel em finais de fevereiro de 2014, desde logo com a filha menor A. C. e passados poucos meses com o outro filho menor, H. M..
8. O casamento da autora e do réu foi dissolvido por divórcio declarado por decisão de 13 de março de 2014.
9. No dia 01 de outubro de 2015, a autora e o réu efetuaram a partilha do património conjugal, através de escritura pública exarada de fls. 79 a 82 do livro de notas para escrituras diversas número vinte e um –A, outorgada no cartório notarial de L. B..
10. No âmbito daquela partilha foi adjudicada à autora a posição contratual no contrato promessa identificado em 4 relativamente à fração autónoma designada pelas letras “AA” do prédio descrito na 2ª CRP de … sob o n-º .../freguesia Braga (…) descrita na verba três do ativo.
11. E o réu, ao ser-lhe adjudicada a verba seis do passivo, ficou responsável pelo “pagamento de uma prestação mensal e sucessiva, no montante de quinhentos euros cada, até um de janeiro de dois mil e dezoito, a favor de A. J., e última prestação final no montante de trinta e seis mil euros, todas resultantes do contrato promessa de compra e venda, outorgado em Braga em vinte e dois de janeiro de dois mil e catorze, sendo que tais prestações são parte do preço da fração autónoma referida na verba TRÊS”.
12. O réu efetuou o pagamento do sinal e das prestações mensais até junho de 2017 cumprindo o estipulado em sede de contrato promessa de compra e venda e acordo da partilha.
13. A partir de julho de 2017, o réu deixou de pagar a prestação mensal acordada de € 500,00.
14. Por mensagens de correio eletrónico datadas de 5 e 6 de julho de 2017, a autora solicitou ao réu o pagamento da prestação de julho, pedindo que este efetuasse a transferência respetiva diretamente para o promitente vendedor.
15. O réu recusou-se a efetuar o pagamento dizendo à autora para pedir ao seu companheiro para a ajudar a pagar a prestação.
16. O réu nada mais pagou a título de prestações devidas.
17. A autora, com sérias dificuldades económicas, efetuou o pagamento da prestação de julho de 2017 ao promitente vendedor.
18. E solicitou empréstimo bancário de forma a poder saldar a dívida – o remanescente do preço acordado em sede de contrato promessa- junto do promitente vendedor.
19. O crédito imobiliário foi recusado.
20. Em finais de outubro de 2017, a A., entregou o imóvel ao promitente vendedor, por não ter possibilidade de suportar o pagamento das prestações referentes ao remanescente do preço em dívida.
21. A autora subscreveu um documento denominado “Distrato” com a data aposta de 15 de novembro de 2017, que teve por objeto “rescindir o contrato promessa de compra e venda, realizado no dia 22 de janeiro de 2014” que versou sobre a fração identificada em 4 no qual foi consignado na cláusula 4ª que “A promitente compradora entregará o imóvel porque perdeu interesse na sua aquisição”.
22. E arrendou um apartamento, cuja renda, atendendo às suas dificuldades económicas, é suportada pelo seu companheiro.
23. O incumprimento do réu da obrigação decorrente da partilha quanto ao pagamento do preço da fração objeto do contrato promessa causaram à autora um prejuízo patrimonial correspondente ao valor do imóvel.
24. A conduta do réu descrita em 23 causou à autora desgosto, transtorno e sofrimento psicológico.
25. No ano de 2018, o imóvel objeto do contrato promessa identificado em 4, situado no centro da cidade de Braga, tinha o valor comercial de € 86.000,00.
26. O promitente vendedor A. J. não notificou a autora e o réu da data da celebração da escritura pública referente ao contrato definitivo de compra e venda.
*
b. - E deu como não provados os seguintes factos:

27. O réu entregou à autora a quantia de € 26.190,75 correspondente ao remanescente do preço da fração identificada em 4 a 29 de julho de 2017.
28. E entregou à autora a quantia de € 1.500,00 no dia 09 de junho de 2018 para acertos finais por conta de mobiliário e quadros que ficaram para o réu.
29. O réu não teve conhecimento que a autora pretendia entregar a fração objeto do contrato promessa ao promitente vendedor.
30. A autora entregou a fração objeto do contrato promessa sem o conhecimento do réu.
31. O réu só tomou conhecimento da entrega da fração objeto do contrato promessa de compra e venda ao promitente vendedor na data em que foi citado para a presente ação.
*
V. Fundamentação de direito.

1. – Da apelação interposta em 8/09/2020.
1.1. – Da (i)licitude do despacho que, indeferindo o adiamento da audiência para produção do meio de prova por declarações de parte, em virtude da não comparência do Réu à mesma por motivo de doença, determinou o prosseguimento da audiência de discussão e julgamento.

O despacho recorrido assenta, resumidamente, nos seguintes pressupostos:

- foram dadas todas as possibilidades ao réu para juntar aos autos o atestado que comprovasse a impossibilidade de prestação das declarações de parte que pretende e designadamente que encetasse todas as diligências necessárias com vista à prestação das mesmas, através dos mecanismos previstos no art. 520.º, n.º 1, do CPC;
- não está demonstrada a impossibilidade da prestação destas declarações;
- às declarações de parte aplica-se a disposição legal relativa ao adiamento das audiências a propósito dos impedimentos das testemunhas previsto no artigo 509.º, do CPC; e
- tomando em consideração a posição manifestada pela autora (de oposição ao adiamento das declarações de parte), é de indeferir o adiamento da diligência, determinando a passagem, de imediato, à produção das alegações finais.
Insurge-se o recorrente contra o teor desse despacho, porquanto, tendo comprovado mediante certificado de incapacidade temporária para o trabalho encontrar-se impossibilitado de comparecer à primeira audiência de julgamento por motivo de doença, o Mm.º Juiz “a quo”, desatendendo ao atestado de incapacidade, que, previsivelmente, apenas terminaria no dia 12/07/2020, marcou as audiências para produção de tal meio de prova para os dias 06 e 08 do mesmo mês.
E a fim de justificar tal posição serviu-se (o Tribunal) ainda da exigência de aplicabilidade do regime da prova testemunhal à prova por declarações de parte, em concreto do disposto no art. 509.º do CPC, que impede o segundo adiamento sem a concordância da parte contrária, sem cuidar, contudo, da aplicação do estabelecido no art. 508º, n.º 3 do CPC – porque o recorrente jamais prescindiu da prestação de declarações de parte anteriormente admitidas, porque a sua impossibilidade era meramente temporária e tinha na sua base um motivo legítimo e porque desde o início da primeira sessão de julgamento requereu o adiamento da produção do meio de prova de declarações de parte pelo prazo que se afigure indispensável à sua recuperação que jamais excedia 30 dias, o que significava que disponíveis estavam ainda os três dias que mediavam entre o fim do atestado de incapacidade do Recorrente e o início das férias judiciais ou ainda depois destas no limite até ao dia 23 de Setembro –, o que permitia ao tribunal “a quo” aplicar o regime da prova testemunhal, mas de forma legal e não meramente arbitrária.
Mais refere (o recorrente) que tão pouco poderá valer como tentativa de justificação da decisão de preterição de tal meio de prova o respeito pelo princípio da continuidade da audiência, pois este jamais admitirá a exigência da prestação de declarações de parte num estado marcado pela profunda debilidade, desorientação e fraqueza do declarante.

Vejamos como decidir.

Sob a epígrafe de “Realização da audiência”, prescreve o art. 603º do CPC que:

«1 - Verificada a presença das pessoas que tenham sido convocadas, realiza-se a audiência, salvo se houver impedimento do tribunal, faltar algum dos advogados sem que o juiz tenha providenciado pela marcação mediante acordo prévio ou ocorrer motivo que constitua justo impedimento.
2 - Se a audiência for adiada por impedimento do tribunal, deve ficar consignado nos autos o respetivo fundamento; quando o adiamento se dever à realização de outra diligência, deve ainda ser identificado o processo a que respeita.
3 - A falta de qualquer pessoa que deva comparecer é justificada na própria audiência ou nos cinco dias imediatos, salvo tratando-se de pessoa de cuja audição prescinda a parte que a indicou».
«Não havendo razões de adiamento, realiza-se a audiência final» (art. 604º, n.º 1 do CPC).
Segundo o n.º 2 do art. 606º do CPC [cujo normativo tem a epígrafe de “Publicidade e continuidade da audiência”], “[a] audiência é contínua, só podendo ser interrompida por motivos de força maior ou absoluta necessidade ou nos casos previstos no n.º 1 do artigo anterior”.

E os n.ºs 3 e 4 do mesmo dispositivo acrescentam:

«3 - Se não for possível concluir a audiência num dia, esta é suspensa e o juiz, mediante acordo das partes, marca a continuação para a data mais próxima; se a continuação não ocorrer dentro dos 30 dias imediatos, por impedimento do tribunal ou por impedimento dos mandatários em consequência de outro serviço judicial já marcado, deve o respetivo motivo ficar consignado em ata, identificando-se expressamente a diligência e o processo a que respeita.
4 - Para efeitos do disposto no número anterior, não é considerado o período das férias judiciais, nem o período em que, por motivo estranho ao tribunal, os autos aguardem a realização de diligências de prova».
Da conjugação das disposições legais acima indicadas, é de concluir que o CPC, no que concerne à audiência de discussão e julgamento, estabelece, por um lado, uma regra geral, qual seja a da respectiva continuidade, mas, excepcionalmente, admite, em concretas e típicas situações, a possibilidade, quer da respectiva interrupção, quer do seu adiamento (2).
Diversas são as situações conjecturáveis que podem provocar a interrupção da audiência, tais como a junção de documento e existindo grave inconveniente no prosseguimento da audiência nos termos do art. 424º do CPC, a falta de testemunha não prescindida e que não tenha comparecido por impedimento legítimo (art. 508º, n.º 3, al. b), do CPC) e também a apresentação de um novo articulado (superveniente) e não prescindindo a parte contrária do prazo de 10 dias para a resposta (art. 589º, n.º 2, al. b), do CPC).
Entende-se que também a falta, justificada, da parte que haja requerido a prestação de declarações sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo, deve consubstanciar fundamento para a interrupção da audiência, pois que, estando impossibilitada de comparecer, e, consequentemente de exercer um direito que lhe assiste (art. 466º, n.º 1 do CPC), não se descortina existir fundamento pertinente que obste à interrupção da audiência tendo em vista possibilitar-lhe a prestação de declarações de parte já requeridas e deferidas (3).

Neste concreto ponto inexiste qualquer dissenso, posto que, tendo o réu requerido na contestação a prestação de declarações de parte nos termos do disposto no art. 466º do CPC, meio de prova que foi admitido na audiência prévia, na sequência da sua falta de comparência à primeira sessão da audiência de julgamento, sob a alegação de estar impossibilitado de comparecer por doença, o Mm.º Julgador, depois da produção da demais prova, designou data para continuação da audiência (06.07.2020) e determinou a notificação do réu para comprovar a justificação da falta à referida audiência final.
Acontece que, na nova data designada para continuação da audiência (06.07.2020), e face ao requerimento anteriormente formulado pelo réu, no qual dava conta de, atento o seu débil estado de saúde, estar impossibilitado de comparecer à audiência, requerendo o adiamento da continuação da audiência para uma data posterior, e face à não oposição da parte contrária, o Tribunal entendeu que o certificado/documentação médica junta, para fundamentar o pedido formulado nesse mesmo requerimento, não consubstanciava um atestado médico que certificasse a impossibilidade do réu em prestar as declarações de parte na aludida diligência, pelo que consignou dar-lhe mais uma oportunidade para que pudesse prestar as suas declarações no dia 08.07.2020, «sendo essa a última possibilidade que tem para o efeito, por qualquer um dos meios previstos no art. 520º, n.º 1, do C.P.C.»
Fundamentos estes que reiterou no despacho avulso datado de 8/07/2020, na sequência de novo requerimento apresentado pelo réu/recorrente em que este mais uma vez requereu o adiamento da continuação da audiência de julgamento para uma data posterior, atento o seu estado de saúde e por não prescindir das suas declarações de parte, explicitando o Tribunal que «o réu não juntou aos autos nenhum atestado médico que certifique a sua impossibilidade de prestar as declarações de parte», mas tão só «certificado de incapacidade temporária para o trabalho com início no dia 02 de julho de 2020 e termo no dia 13 de julho de 2020, no qual se consigna não estar autorizado a sair de casa», pelo que, concluindo não estar demonstrada nos autos “a alegada falta de destreza mental e capacidade de raciocínio” e não se mostrando inviabilizada “a prestação das declarações nos termos do art. 520º, n.º 1, do C.P.C”, indeferiu o requerido adiamento da diligência da audiência de discussão e julgamento agendada para esse dia (08.07.2020).
Na sessão da audiência de 08.07.2020, face à não comparência do réu e não obstante a alegação pelo seu mandatário de que o seu constituinte não estava em boas condições de saúde – por não ter equilíbrio, estar com náuseas e ter um histórico de arritmias –, mais informando que o réu não tinha condições nenhumas de prestar depoimento, mesmo através de meios tecnológico como WhatsApp, o Tribunal, depois de reafirmar que dos elementos carreados aos autos não constava qualquer indício ou prova que atestasse a incapacidade do réu prestar as declarações de parte, o que inviabilizava que pudesse dar como assente que o réu estava impossibilitado de prestar depoimento, e tendo já havido dois adiamentos, com a possibilidade dada ao réu para que tomasse as devidas providências, designadamente para obter atestado médico que provasse toda esta situação, entendeu que seria de aplicar o mesmo regime que se aplica às testemunhas, no sentido de o segundo adiamento da inquirição só ser possível mediante a concordância da parte contrária (art. 509º do C.P.C.). E, face à oposição a novo adiamento da audiência então manifestada pela recorrida, o Tribunal, pelo fundamentos já supra explicitados, indeferiu o adiamento da audiência e determinou que se passasse de imediato à produção das alegações finais, ficando assim inviabilizada a prestação de declarações de parte pelo réu.

Estando em causa a prestação de declarações de parte importa ter presente o estatuído no art. 466º CPC:

«1 - As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto.
2 - Às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417.º e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior.
3 - O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão»

Como tem sido salientado, a introdução no nosso ordenamento jurídico-processual das declarações de parte como meio de prova autónomo traduz o acolhimento do entendimento, que já se vinha afirmando no seio da doutrina e da jurisprudência (4), no sentido de considerar e valorar o depoimento de parte, ainda que sem carácter confessório, desde que este viesse a revelar um efeito útil para a descoberta da verdade material (5). O mesmo é dizer que este novo e autónomo meio probatório corresponde ao acolhimento da “possibilidade de a parte se pronunciar, a requerimento próprio, sobre factos que lhe são favoráveis, com intencionalidade probatória, restrita porém a factos de direta e pessoal intervenção da parte ou do seu direto conhecimento” (6).
A sua consagração na lei adjetiva constitui um reforço da tutela do direito à prova, enquanto manifestação do direito geral à proteção jurídica e de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20º da Constituição da República Portuguesa – pois que, em muitos casos, pode ser difícil ou mesmo impossível demonstrar certos factos por via diversa da do próprio relato das partes –, e à finalidade da descoberta da verdade material – porque as partes terão, muitas das vezes, conhecimento privilegiado dos factos que alegam, já que os praticaram ou presenciaram (7).
Esse novo meio de prova ganha particular interesse em matérias do foro íntimo ou pessoal dos litigantes, não presenciadas por terceiros e, nessa medida, de mais difícil demonstração. Contudo, a lei não restringe a admissão deste meio de prova a estes casos, antes estabelecendo como requisito de admissibilidade, no que respeita à incidência, apenas que as declarações da parte respeitem a factos em que o litigante interveio pessoalmente ou de que teve conhecimento directo.

Decorre, assim, do n.º 1 do citado art. 466º do CPC que são pressupostos legais da admissibilidade da prestação de declarações de parte:
a) Requerimento formulado pela própria parte que irá prestar as declarações (8) (e não pela parte contrária ou por um comparte do depoente).
b) Formulado até ao início da fase das alegações orais na audiência de discussão e julgamento em 1ª. instância; e
c) Que as declarações se reportem a factos em que a parte tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto.

A densificação legal deste meio de prova, para lá da legitimidade e da definição do respetivo objeto (a prestação de declarações de parte tem por objeto factos em que a parte tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto - art. 466º, nº 1 do CPC), é estabelecida pelas duas remissões efetuadas pelo n.º 2 do art. 466º do CPC: uma remissão solitária para o disposto no art. 417º do CPC e uma remissão colectiva, com as necessárias adaptações, para a prova por confissão (9).
Esta segunda remissão permite desenhar o procedimento das declarações de parte sobre o procedimento do depoimento de parte, com exclusão de preceitos para os quais haja regulação privativa no art. 466º (como seja, quanto à legitimidade, objeto, e oportunidade da declaração) ou que contrariem a natureza de livre intervenção oral da parte, apenas sujeita ao art. 417º do CPC (10).
Nas palavras de Isabel Alexandre (11), a remissão do n.º 2 do art. 466º do CPC para o regime da prova por confissão das partes significará que à prova por declaração de parte são aplicáveis as regras respeitantes à produção da prova por confissão das partes (por ex. a que estabelece a prestação de depoimento em audiência final, a que exige a prestação de juramento ou a que determina que a parte seja interrogada pelo juiz e não pelos mandatários das partes), mas já não aquelas regras que digam respeito aos requisitos de admissibilidade do depoimento de parte (por ex., a regra que estabelece a possibilidade de requerer o depoimento de compartes ou os factos sobre os quais o depoimento pode recair).
Entre outros normativos previstos para o procedimento do depoimento de parte importa destacar o art. 457º, que rege sobre a impossibilidade de comparência (do depoente) no tribunal.

Aí se dispõe que:

«1 - Atestando-se que a parte está impossibilitada de comparecer no tribunal por motivo de doença, o juiz pode fazer verificar por médico de sua confiança a veracidade da alegação e, em caso afirmativo, a possibilidade de a parte depor.
2 - Havendo impossibilidade de comparência, mas não de prestação de depoimento, este realiza-se no dia, hora e local que o juiz designar, ouvido o médico assistente, se for necessário, sempre que não seja possível a sua prestação ao abrigo do disposto nos artigos 518.º e 520.º».

De salientar que esse procedimento de aferição da impossibilidade de comparência no tribunal por doença é, igualmente, aplicável, à prova testemunhal, como resulta da remissão feita no art. 506º do CPC, aí se estabelecendo:
«Quando se mostre que a testemunha está impossibilitada de comparecer no tribunal por motivo de doença, observa-se o disposto no artigo 457.º e o juiz faz o interrogatório, bem como as instâncias».

Ora, afigura-se-nos não existirem razões, de índole formal ou material, que excluam a aplicação do regime previsto no citado art. 457º ao procedimento de declarações de parte, mormente quanto este meio de prova foi requerido nos articulados, a sua admissão foi deferida (em sede de audiência prévia) e o declarante justificou atempadamente a sua falta nos autos, comprovando por certificado de incapacidade temporária (CTI) para o trabalho estar impossibilitado de comparecer por doença.
Com efeito, no caso, o réu juntou aos autos CTI [através do requerimento subscrito pelo seu mandatário, enviado/remetido, via Citius, em 3/07/2020 (ref.ª 35970971)], assinado e datado de 2/07/2020, passado pelo ACESBARCEL/Esp – USF BARCL SAUDE, no qual o médico aí identificado atesta que, por doença natural, aquele se encontra em estado “incapacitante para a sua atividade profissional”, pelo período de 12 dias, com início a 2/07 e termo a 13/07/2020, sem autorização para se ausentar do domicílio (cfr. 220).
Extrai-se, assim, do aludido CTI, também vulgarmente denominado de “baixa médica”, que o réu foi acometido por doença (cuja natureza se ignora (12)), que o impossibilitava de trabalhar durante o período de 12 dias, no período compreendido entre 2 a 13/07/2020.
Perante a junção do referido CTI e da alegação de o réu estar impossibilitado de prestar depoimento em virtude do seu estado de saúde, se o julgador entendia que, apesar da impossibilidade de comparecer no tribunal, o declarante não estava impossibilitado de prestar depoimento, competia-lhe acionar o mecanismo de verificação previsto no art. 457º “ex vi” do art. 466º, n.º 2, do CPC.
Através deste meio, poderia o Mm.º Juiz mandar verificar, “por médico de sua confiança”, se, não obstante a atestada doença, esta não impedia a parte de prestar as declarações.
Veja-se que o CTI não se limita a atestar que o beneficiário não se encontra autorizado a sair de casa, posto também atestar que em virtude de doença natural está o mesmo incapacitado de executar a sua atividade profissional durante o período de 12 dias.
Sem aquela concreta verificação, estava vedado ao Mmº Julgador imputar ao declarante o ónus da demostração da impossibilidade de depor, já que era ao tribunal que cabia demonstrar que, malgrado a doença do declarante, este estava em condições de poder prestar depoimento.
Serve isto para concluir que não acompanhamos o despacho recorrido quando, numa situação de comprovada incapacidade temporária para o trabalho por doença, faz impender sobre o réu o ónus probatório de se encontrar impedido de prestar depoimento.
Por outro lado, propugnando o Tribunal recorrido pela aplicação ao caso sub júdice do regime previsto para a prova testemunhal, julgamos pertinentes as considerações explicitadas pelo recorrente no sentido de que, nessa hipótese, não se poderá atender sem mais e unicamente ao regime previsto no art. 509º do CPC, sem que se faça a sua necessária articulação com o disposto no antecedente art. 508º do mesmo diploma legal.

A al. b) do n.º 3 do citado art. 508º prescreve:

«3 - No caso de a parte não prescindir de alguma testemunha faltosa, observa-se o seguinte:
(…)
b) Se a impossibilidade for meramente temporária ou a testemunha tiver mudado de residência depois de oferecida, bem como se não tiver sido notificada, devendo tê-lo sido, ou se deixar de comparecer por outro impedimento legítimo, a parte pode substituí-la ou requerer o adiamento da inquirição pelo prazo que se afigure indispensável, nunca excedente a 30 dias».

Efetuadas as necessárias adaptações à prova por declarações de parte, e não prescindido a parte da prestação das suas próprias declarações – relembre-se, requeridas no articulado da contestação e deferidas no despacho subsequente à elaboração do despacho saneador, tendo o declarante atempadamente justificado a sua ausência na primeira sessão da audiência de julgamento, por motivo de doença –, afigura-se-nos que, face às razões invocadas no requerimento de adiamento da nova data designada para continuação da audiência (6/07/2020), deveria o tribunal ter diligenciado pelo deferimento do adiamento da prestação das declarações de parte para data posterior ao termo da incapacidade temporária para o trabalho (13/07/2020), contanto que entre a anterior e a data da continuação da audiência não excedesse o prazo de 30 dias.
Com efeito, no circunstancialismo dos autos, em que o réu comprovou estar impossibilitado, por doença, de trabalhar durante o período de 12 dias e sem que o tribunal tenha verificado a sua possibilidade efetiva para prestar depoimento, não é curial que o Tribunal reagende a continuação da audiência para um dia ainda compreendido no período da “baixa médica” do declarante (8/07/2020).
Este reagendamento da continuação da audiência de 6/07 para 8/07 só formal e aparentemente dá cumprimento ao disposto no art. 508º, n.º 3, al. b) do CPC, visto que, no plano material, estando provado que nesse período o réu estava impossibilitado de comparecer em tribunal por motivo de doença e não se mostrando evidenciado que o mesmo possuía condições, físicas e psíquicas, para prestar depoimento – ainda que através dos meios previstos no art. 520ºº do CPC –, tal circunstancialismo acaba por redundar numa efetiva frustração (ou mesmo negação) da possibilidade de o mesmo prestar declarações de parte, postergando o seu direito à produção de prova.
Poder-se-á contrapor à conclusão antecedente dizendo que, mesmo que agendada a continuação da audiência para período posterior ao da vigência do certificado de incapacidade temporária (13/07), não seria de excluir que o réu pudesse ver-lhe prorrogado o período de incapacidade temporária por doença, o que poderia eternizar (ou, melhor, diferir) a prestação das suas declarações. Contudo, nessa hipótese, cremos que nada haveria a opor à solução acolhida na decisão recorrida no sentido de, por argumento de analogia derivado do art. 509º do CPC, desatender o adiamento da prova por declarações de parte (pois o segundo adiamento da inquirição do declarante faltoso pressuporia o acordo da parte contrária e na marcação da continuação da audiência o Tribunal teria respeitado o primitivo previsível período de baixa médica). Por outro lado, sempre teria o Tribunal fundamento legal para impedir o protelamento do adiamento da referida inquirição dada a imperiosa necessidade de observância da imposição legal do não excedimento do prazo de 30 dias.
Sendo assim, ao não interromper a audiência de modo a possibilitar a sua continuação em nova data (posterior a 13/07) de forma a efetivamente possibilitar a prestação do meio de prova requerida pelo réu (prova por declarações de parte), incorreu o tribunal “a quo” na prática de irregularidade que, porque tem evidente influência no exame e decisão da causa, consubstancia o cometimento de uma nulidade (cfr. art. 195º, n.º 1 do CPC).
Em suma, a apelação procede, impondo-se a revogação do despacho recorrido – bem como a anulação dos termos processuais subsequentes e que dele dependam absolutamente, incluindo a sentença final (art. 195º, n.º 2 do CPC) –, e a sua substituição por outro que, consequentemente, determine a obrigatoriedade de o tribunal “a quo” reabrir a audiência de julgamento, em nova data a designar, de forma a possibilitar a prestação do meio de prova [pela parte requerido, e deferido pelo tribunal, não tendo porém sido possível ter sido prestado por impedimento/falta justificada da própria parte] a que alude o art. 466º do CPC.
*
2. Da apelação da sentença final (interposta em 6/10/2020).

Considerando a procedência da apelação interposta da decisão interlocutória que, revogando o despacho impugnado, ordenou o prosseguimento da audiência nos termos e para os fins supra explicitados, com a consequente anulação dos termos processuais subsequentes, nos termos do art. 608º, n.º 2 do CPC “ex vi” do art. 663º, n.º 2, in fine, do mesmo diploma, mostra-se prejudicada a apreciação do recurso interposto da sentença final objeto dos autos, porquanto a procedência daqueloutro determina, necessariamente, a reformulação da decisão recorrida nestes (13).
Face ao exposto, e nos termos do art. 652º, n.º 1, al. b), do CPC, considero verificada uma circunstância que obsta ao conhecimento do presente recurso, com a consequente extinção, nessa parte, da instância recursiva.
*
Custas

De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito., acrescentando o n.º 2 que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
E, segundo o n.º 3 art. 536º do CPC, nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide não previstos nas als. d) e e) do n.º 2, «a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas».
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
Assim, relativamente à apelação interposta da decisão interlocutória, as custas, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade da recorrida/Autora (art. 527º do CPC).
E, quanto à apelação interposta da sentença final, as custas são também a cargo da recorrida/Autora, por força do disposto no art. 536º, n.º 3, parte final, do CPC.
*
Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7, do CPC):

I - À prova por declarações de parte são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras respeitantes à prova por confissão (art. 466º, n.º 2 do CPC).
II - Justificada a ausência da parte à audiência por motivo de doença, mediante certificado de incapacidade temporária para o trabalho, que atesta que a doença perdurará por doze dias, e alegando estar impossibilitado de prestar declarações em virtude do seu estado de saúde, deve o Tribunal abster-se de reagendar a continuação da audiência unicamente para prestação desse meio de prova para um dia compreendido no previsível período da baixa médica, salvo se, lançando mão do mecanismo de verificação previsto no art. 457º “ex vi” do art. 466º, n.º 2, do CPC, lograr comprovar nos autos que, apesar da doença, o declarante possui condições, físicas e psíquicas, para prestar declarações, ainda que através dos meios previstos no art. 520ºº do CPC
III - De outro modo, esse reagendamento, sem observar o período previsível da doença, acabaria por redundar numa efetiva frustração da possibilidade de o declarante prestar declarações de parte, postergando o direito à prova.
*
VI. Decisão

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:

i) - Procedente a apelação da decisão interlocutória interposto a 8/09/2020 e, em consequência, revogam o despacho impugnado e anulam o processado a partir desse despacho, inclusive (incluindo a sentença final proferida nos autos), determinando-se que o tribunal “a quo” designe uma data para a continuação da audiência de julgamento, a fim de possibilitar ao réu a prestação de declarações de parte, nos termos requeridos e pelo tribunal deferidos, prosseguindo doravante a ação os respetivos e normais trâmites legais, nos termos da alínea e), do nº 3, do art 604º e nº 1,do art. 607º, ambos do CPC.
ii) – Em consequência da procedência da apelação aludida em i), julgar prejudicada a apreciação da apelação da sentença final interposta a 6/10/2020.
*
Custas de ambas as apelações a cargo da apelada/autora (arts. 527.º e 536º, n.º 3, parte final, ambos do CPC), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.
*
Guimarães, 11 de fevereiro de 2021

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)


1. No despacho de admissão dos recursos, entendeu o Tribunal recorrido que o recurso que recaiu sobre o despacho identificado a fls. 299/300 não consubstanciava um recurso que verse sobre despacho que tenha rejeitado qualquer meio de prova, mas antes sobre um despacho que ordenou o prosseguimento da realização da audiência de discussão e julgamento, pelo que decidiu que o mesmo seria tramitado de acordo com o disposto no art. 644º, n.º 3, do C.P.C, ou seja, conjuntamente com o recurso interposto sobre a sentença proferida nos autos (cfr. fls. 301).
2. Cfr., Ac. da RL de 22/02/2018 (relator António Fernandes dos Santos), in www.dgsi.pt., cuja fundamentação, nesta parte, seguiremos de parte.
3. Porém, sendo a prova por declarações de parte requerida em sede de audiência final e não estando presente o declarante perfilam-se três posições quanto à questão de saber se tribunal deve determinar, ou não, a suspensão da audiência final ou o seu adiamento por forma a permitir sua presença, para esse efeito, na audiência. i) Uma delas, defendida por João Correia, Paulo Pimenta e Sérgio Castanheira, considera que «o direito à prova e o interesse da descoberta da verdade material impõem que a única condição seja a formulação do requerimento antes do início das alegações orais e já não que a parte esteja em condições de depor de imediato» (cfr. Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013, 2013, pp. 57-58); na jurisprudência, Ac. da RL de 08.02.2018 (relator Nuno Sampaio), in www.dgsi.pt. Segundo Elizabeth Fernandez, na medida em que a lei continua a não prever o ónus de comparência pessoal das partes na audiência, o exercício por parte destas da faculdade prevista no art. 666º, n.º 1, pode determinar a interrupção da audiência, quando a parte que requer a prodição das suas declarações, não estiver presente (cfr. “Um Novo Código de Processo Civil? - Em busca das diferenças”, Vida Económica, 2014, p. 35). ii) Uma segunda corrente, advogada por Ruy Drummond Smith, defende o adiamento da audiência, para efeito de prestação de declarações de parte, apenas se a ausência da parte requerente for devidamente justificada (art. 140º. do CPC), sustentando que, nas demais situações, a ausência da parte na audiência final (art. 456º, n.º 1, do CPC) importa na renúncia tácita a tal prerrogativa, devendo o requerimento para prestação de declarações de parte, apresentado pelo respetivo mandatário, ser indeferido (cfr. A prova por declarações da parte”, Universidade Autónoma de Lisboa, 2017, pp.49-50, acessível in https://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/3416/1/171009%20Dissertac%cc%a7a%cc%83o%20A%20Prova%20por%20Declarac%cc%a7o%cc%83es%20da%20Parte). iii) Uma terceira corrente, que se apresenta como maioritária, tem como defensores Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, que entendem que a prova por declarações de parte «é um meio a apresentar pela requerente, pelo que, sendo requerido no decurso da audiência final, deve a parte estar em condições de o produzir de imediato. Não pode o mandatário requerer a prestação de declarações do seu constituinte, não presente, solicitando a suspensão dos trabalhados e a designação de nova sessão da audiência final, para assim conseguir a sua comparência» [cfr. Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª edição, 2014, Almedina, p. 363]. Neste mesmo sentido, Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª edição revista e ampliada, Ediforum, Lisboa, 2017, p. 646 e António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, p. 530; Ac. do STJ de 21/05/2020 (relatora Rosa Tching), in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:9046.16.6T8LSB.A.L1.S1/ e o Ac. RP de 25.03.2019 (relator Rui Penha), in www.dgsi.pt.
4. Ver, por todos, o Ac. da RG de 19/05.2011 (relator Raquel Rego), in www.dgsi.pt, bem como a doutrina e jurisprudência no mesmo citadas; ver, ainda, o estudo de João Paulo Remédio Marques, “A Aquisição e a Valoração Probatória de Factos (Des)favoráveis ao Depoente ou à Parte Chamada a Prestar Informações ou Esclarecimentos”, Revista Julgar, n.º 16, janeiro-abril/2012, pp. 137/172.
5. Cfr. Ac. da RL de 29/04/2014 (relatora Maria da Conceição Saavedra), in www.dgsi.pt..
6. Cfr. Estrela Chaby, O Depoimento de Parte em Processo Civil, Coimbra Editora, 2014, p. 49. A autora esclarece (a p. 46) que as declarações de parte “claramente não estão intencionadas à obtenção da confissão”.
7. Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil, Anotado, Vol. 2º, Almedina, 3ª ed., p. 307.
8. Cfr., Luís Filipe Pires de Sousa refere “assistir à parte o direito potestativo processual de requerer a própria prestação de declarações de parte” (cfr. As Declarações de Parte. Uma Síntese, p. 4, (no sítio www.trl.mj.pt.).
9. Cfr. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, p. 675 e o Ac. da RG de 23/04/2020 (relator João Ramos), in www.dgsi.pt..
10. Cfr. Rui Pinto, obra citada, p. 676.
11. Cfr. A fase da instrução e os novos meios de prova no Código de Processo Civil, Revista do Ministério Público, n.º 134/2013, p. 31.
12. Embora não estando em causa, sempre se dirá que o atestado médico ou o certificado de incapacidade temporária para o trabalho não têm de indicar a doença concreta da pessoa em menção, até porque se o fizesse sem autorização expressa do doente, o médico estaria a violar deveres deontológicos de reserva e sigilo profissional que se lhe impõem. Basta assim que o médico especifique de forma suficiente as limitações à capacidade de trabalho. Sendo que, salvo se for invocada a falsidade do atestado ou das declarações dele constantes, se um médico atesta por sua honra que determinada pessoa está doente e não pode por isso cumprir com as suas obrigações profissionais, é porque por razões de saúde ela não o pode efetivamente fazer [cfr. Ac. da RL de 06/12/2017 (relator Carlos Oliveira), in www.dgsi.pt.]
13. Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, p. 235.