Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
36/11.6TBSBR.G1
Relator: ANABELA TENREIRO
Descritores: REENVIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
INTERPRETAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REENVIO DO PROCESSO
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I-O juiz nacional está obrigado a reenviar ao Tribunal de Justiça da União Europeia qualquer questão pertinente de interpretação/validade de normas do Direito da União Europeia desde que, segundo as regras processuais nacionais, a sua decisão seja insusceptível de recurso, ou seja, quando decide em última instância.
II-A inobservância do cumprimento do dever de reenvio poderá configurar uma situação de incumprimento do Estado, podendo este ser demandado, na ordem jurisdicional interna, pelo particular lesado e/ou desencadear uma acção de incumprimento prevista nos arts. 258.º a 260.º do TFUE (Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia).
III-Os veículos, de natureza mista, utilizados simultaneamente como meio de transporte e como máquina, nas mais diversas áreas de actividade (agrícola, construção civil, industrial) poderão causar danos a terceiros, decorrentes dessa utilização, não só quando circulam mas também em resultado da sua função regular de máquina, estando imobilizados.
IV-Atendendo às preocupações reveladas pelo legislador europeu sobre a protecção das vítimas e à imperiosa necessidade de uma aplicação uniforme do Direito da União, nesta relevante matéria, impõe-se solicitar ao TJUE a interpretação do conceito de “circulação de veículos” previsto no artigo 3.º, n.º 1 da Directiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de Abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil, nos casos em que um veículo, de natureza mista, é utilizado na sua função habitual de máquina, causando danos a terceiros, apesar de se encontrar imobilizado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I—RELATÓRIO
José M, viúvo, residente na Travessa de Santiago, 5, Fonteita, Vila Real, instaurou a presente acção de processo comum sob a forma ordinária contra:
– Isabel M e marido, Fausto S, residentes na Rua P, 247, 4400 – 579 - Vila Nova de Gaia;
– Jorge O e mulher, Nair M, residentes na Quinta L V, Gouvinhas, Sabrosa; e
–“R Seguros – Companhia de Seguros, SA” [actualmente “C Seguros – Companhia de Seguros, SA”], com sede na Rua do C, 233, Lisboa.
Alegou que, no dia 18.03.2006, pelas 15h00, na Quinta do Lindo Vale, Costa de Baixo, Gouvinhas, Sabrosa, a sua esposa, que aí trabalhava ao serviço dos primeiros réus, foi atingida por um tractor que entrou em capotamento, o que provocou o seu esmagamento e consequente morte.
Mais alegou que o dito tractor era, na altura, conduzido pelo filho dos segundos réus, sendo que o 2º réu, caseiro da propriedade, consentiu naquela condução, apesar da falta de experiência daquele.
Invocou diversos danos de natureza não patrimonial, por si sofridos, sendo certo que a responsabilidade civil emergente dos acidentes causados pela referida viatura se encontrava transferida para a 3ª ré Seguradora.
Peticionou, assim, a condenação solidária dos primeiros e segundos réus, ou da terceira ré, havendo contrato de seguro válido, ao pagamento:
a) Da quantia de € 15.000,00, a título de danos morais sofridos pela própria sinistrada;
b) Da quantia de € 50.000,00, a título de danos morais próprios;
c) Da quantia de € 70.000,00, a título de dano da morte; sendo tudo a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos e emergentes do relatado acidente, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
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Regularmente citados, os segundos réus contestaram, nos termos que melhor se alcançam a fls. 74 e seguintes, defendendo-se por excepção dilatória (ilegitimidade activa e passiva) e peremptória (prescrição, falta de actuação culposa e causa de força maior), bem como por impugnação, pugnando a final pela procedência das excepções e improcedência da acção.
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Por sua vez, os primeiros réus contestaram conforme decorre de fls. 74, defendendo-se por excepção peremptória (prescrição) e dilatória (ilegitimidade), bem como por impugnação, pugnando a final pela procedência das excepções e improcedência da acção.
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A fls. 196 e seguintes, a terceira ré apresentou a sua contestação, defendendo-se igualmente por excepção (falta de cobertura do seguro) e por impugnação, pugnando a final pela improcedência da acção.
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Replicou o autor conforme decorre de fls. 239 e seguintes, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas, suscitando incidente de intervenção principal provocada e concluindo como na petição inicial.
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A fls. 272 e seguintes, foi proferido despacho, no âmbito do qual, ademais, foi admitida a intervenção principal provocada de Liliana F e Marco A, filhos do autor.
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Devidamente citados, os chamados apresentaram o requerimento de fls. 284, no âmbito do qual, e nos termos do disposto no artigo 327º, nº3, do CPC, aderiram aos articulados apresentados pelo autor.
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Foi proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente, e em consequência, decidiu:
- Condenar solidariamente os réus Jorge O, Isabel M e Fausto S a pagarem:
a) A quantia de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros) à herança deixada por óbito de Maria L;
b) A quantia de € 8.000,00 (oito mil euros) ao autor José M;
c) A quantia de € 16.000,00 (dezasseis mil euros) à interveniente Liliana F;
d) A quantia de € 16.000,00 (dezasseis mil euros) ao interveniente Marco A;
e) As quantias respeitantes aos juros de mora, contados sobre os valores fixados de a) a d), à taxa de 4%, desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento, sem prejuízo de outras taxas que, eventualmente, venham a vigorar.
- Absolver os réus Jorge O, Isabel M e Fausto S do demais peticionado.
- Absolver a ré Nair M e, bem assim, a ré “C Seguros – Companhia de Seguros, SA” [anterior “R Seguros–Companhia de Seguros, SA”] da totalidade dos pedidos formulados na acção.
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Inconformados com a sentença, os Réus Isabel M e Fausto S interpuseram recurso, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
1 - A verdadeira questão aqui submetida à apreciação do Venerando Tribunal da Relação do Porto é saber se a douta sentença recorrida andou bem ao absolver (como absolveu) do pedido a 3ª ré e ao condenar (como condenou) os aqui recorrentes.
2 - Face à alteração da matéria de facto nos termos aqui expostos, a decisão a proferir a final terá de ser (quanto ao mérito da acção) necessariamente outra.
3 - Estamos perante um acidente provocado por um tractor que estava no caminho de terra da "Quinta do Lindo Vale" com o motor a trabalhar para accionar a bomba pulverizadora do herbicida que então estava ser deitado na vinha dessa quinta.
4 - No decorrer desses trabalhos, o tractor tombou pelos bardos abaixo da "Quinta do Lindo Vaie", provocando o esmagamento da Maria Laurinda Alves, que determinou a sua morte, quando esta estava a trabalhar nessa mesma quinta.
5 - Os herdeiros da falecida Maria L [herança ilíquida da Maria L, José M (viúvo), Liliana F (filha) e Marco A (filho)] vieram pedir nesta acção a indemnização pelos danos não patrimoniais a que se arrogam ter direito.
6 - A sentença proferida na 1 ª instância e aqui recorrida condenou os aqui recorrentes (solidariamente com o co-réu Jorge O) nas indemnizações que constam na 2ª página desta peça processual e que aqui se dá, para todos os efeitos por integrada e reproduzida.
7 - A sentença proferida em 1 ª instância absolveu a 2ª ré, Nair M (mulher do 2º réu) e a 3ª ré, "CA Seguros, S.A." (ex "R Seguros-Companhia de Seguros, S.A.") de todos os pedidos formulados na acção.
8 - Para decidir, como decidiu, a douta sentença recorrida louvou-se (além do mais), que o contrato de seguro apenas cobria a responsabilidade civil na via pública e que excluía, expressamente, as coberturas de "responsabilidade civil em laboração", "danos à máquina na via pública/danos à máquina em laboração" e "incêndio, raio e explosão em laboração".
9 - Quanto à questão "responsabilidade civil da via pública" (sendo que é hoje pacífica a indiferença entre ser na "via pública" ou ser em "caminho particular"), não pode descurar-se que o tractor foi retirado no dia anterior ao acidente do armazém da "Quinta do Lindo Vale" (local onde habitualmente é guardado) e foi levado para o citado caminho de terra desta quinta onde viria a dar-se o acidente dos presentes autos - o tractor circulou do citado armazém para o referido caminho.
10 - E (contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida) a questão do tractor estar (antes do acidente) "parado" ou "estacionado" não releva para a matéria decidenda.
11 - Entendem os recorrentes que o que consta na proposta de seguro, nas condições gerais, nas condições especiais, nas condições particulares e na própria apólice, que titula o contrato de seguro em apreço (cfr., matéria esta já desenvolvida nas alegações e que aqui se dá por reproduzida) não permite que a "C.A. Seguros, S.A." (ex "R Seguros- Companhia de Seguros, S.A.") tenha sido seja absolvida de todos os pedidos formulados na acção.
12 - Estando o tractor com o motor a trabalhar para accionar a bomba pulverizadora do herbicida que estava ser deitada na vinha da quinta, não pode deixar de considerar-se que este mesmo tractor estava a funcionar em plena "faina agrícola" (expressão utilizada pelo Exmo Senhor Relator Dr. António Valente no citado acórdão TRL de 23.09.2010).
13 - E "o risco da utilização de tractor, veículo de circulação terrestre e destinado predominantemente a trabalhos agrícolas, não fica excluído do contrato de seguro, desde que seja verificado o nexo de causalidade entre o acidente e o risco próprio do mesmo veículo" - Acórdão TRG de 15.03.2011, com o registo 3700/09.6TBBRG.G1 - Rel. Augusto Carvalho, www.dgsi.pt.
14 -Constando - como efectivamente consta - das condições particulares da apólice que o veículo seguro é um "tractor estreito (pomareiro/vinhateiro)", então terá de considerar-se que "tal seguro cobre os acidentes ocorridos por força do funcionamento do tractor numa faina agrícola" - Acórdão TRL de 23.09.2010, com o registo 1138/04.0TBBNV-L 1-8 - Rel. António Valente, www.dgsi.pt.
15 - E estando o tractor a trabalhar e a funcionar na citada "faina agrícola" (como efectivamente estava) têm de estar cobertos pelo contrato de seguro (titulado pela apólice nº 0030015) todos os danos resultantes do risco da utilização desse mesmo tractor (independentemente dele estar parado/estacionado ou em circulação no caminho de terra da "Quinta do Lindo Vale"), como resulta do citado Acórdão TRG de 15.03.2011.
16 - Dado que o seguro contratado tem cobertura para o sinistro em análise e dado que os aqui recorrentes estão plenamente convencidos que essa cobertura vai ser reconhecida no douto acórdão que vier a ser lavrado nos presentes autos, ficam prejudicadas (sem conceder) todas as demais questões suscitadas na presente peça processual (nomeadamente, a problemática da relação comitente/comissário desenvolvida na sentença recorrida - já tratada e desenvolvida nas alegações deste recurso).
17 - Deste modo, entendem os recorrentes que a 3ª ré ("C.A. Seguros, S.A.") não deveria ter sido absolvida (como foi decidido na douta sentença recorrida) e deveria (isso sim) ter sido aí condenada a pagar todos os danos provocados pelo tractor, no âmbito do contrato de seguro celebrado e titulado pela apólice nº 0030015.
18 - E se assim vier a acontecer, os aqui recorrentes pedem que o Venerando Tribunal da Relação do Porto altere, por um lado, a factualidade vertida nos factos dados com provados nos números 29º a 31º, 35º, 36º e 48º e, por outro lado, altere a factualidade dada como não provada nos números XXVI e XXVII, bem como pedem também que altere a fundamentação em que se louva a douta sentença recorrida na sua apreciação dessa mesma factualidade.
19 - E se assim não vier acontecer (o que aqui apenas se admite por mero dever de patrocínio), deve considerar-se que a tempestade imprevista e imprevisível (tromba de água), que ocorreu no decurso dos trabalhos, integra o conceito de força maior (nº 2 do artigo 509º do Código Civil), que conduz à inexistência de qualquer responsabilidade dos aqui recorrentes, com todas as consequências daí decorrentes.
20 - A douta sentença recorrida violou o disposto nas alíneas b), c) e d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
21- Posteriormente à recepção da notificação da douta sentença aqui recorrida, foram os aqui recorrentes confrontados com as notificações de penhoras dos créditos "vencidos/vincendos", no montante de € 63.000,00, que o aqui autor/recorrido tenha no âmbito desta acção.
22 -Essas penhoras foram promovidas no processo executivo, que corre seus termos sob o registo 660/14.5T8CHV da Secção de Execução de Chaves - J 1 - da Instância Central de Chaves da Comarca de Vila Real, em que é exequente Jorge O (2º Réu dos presentes autos) e em que são executados José M (autor dos presentes autos) e a Herança Aberta por Óbito de Maria L.
23 - Essas penhoras foram requeridas pelo 2º réu dos presentes autos.
24 - Os aqui recorrentes desconheciam tal execução e ela não foi referida nos presentes autos (não foi referida nos articulados do autor e do 2º réu, nem foi tão pouco referida na própria audiência de julgamento) - o que é, no mínimo, muito estranho!. ..
25 - E por não se compreender este silêncio do autor e, principalmente, do 2º réu, não poderia deixar-se de dar conhecimento a V.Exas da citada acção executiva e do aí requerido pelo caseiro dos aqui recorrentes.
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O Réu Jorge O também não se conformou com a condenação e recorreu formulando as seguintes
Conclusões
1a Não assiste razão ao ilustre Juiz do Tribunal recorrido, porquanto se considera que ocorreu incorrecto julgamento da matéria de facto, assim como fez o Tribunal recorrido uma menos correcta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.
2a A factualidade inserta no facto provado 36° nas partes "Em virtude do peso de trator, da trepidação provocada pelo motor e pela bomba de saída do herbicida... " e " ... e com a circunstância de não se ter cessado os trabalhos em curso ... " não foram alegadas pelas partes como factos essenciais que constituíssem a causa de pedir dos AA., nem em que se baseassem as exceções invocadas pelos RR., não sendo factos instrumentais que tenham resultado da instrução da causa, nem não são complemento, nem concretização dos que as partes alegaram e que resultaram da instrução da causa, nunca sobre eles o recorrente teve oportunidade de se pronunciar, nem são factos notórios, nem o Tribunal os conheceu no exercício da sua função.
3a Por todo o exposto, o Tribunal recorrido conheceu de questões que não podia tomar conhecimento, o que origina a nulidade da sentença, por violação do disposto no artigo 615°, n.º 1, d), 2.ª parte do C.P.C., que se argui com as devidas e legais consequências.
4a Por outro lado, não se provou qualquer facto concreto referente à "mera culpa", num quadro de negligência, atribuída ao 2° R ..
5a Por conseguinte, nesta parte, o Tribunal recorrido conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, o que origina a nulidade da sentença, por violação do disposto no artigo 615°, n.º 1, d), 2a parte do C.P.C., a qual se argui com as devidas e legais consequências.
6a Os intervenientes chamados Liliana F e Marco A não alegaram qualquer factualidade integrante de causa de pedir, nem formularam gualquer pedido indemnizatório, por danos morais próprios, mas o Tribunal recorrido, sem causa de pedir, nem pedido, formulado pelos intervenientes chamados arbitrou a favor destes as quantias supra expostas a título de danos morais próprios.
7a Por conseguinte, nesta parte, o Tribunal recorrido conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, o que origina a nulidade da sentença, por violação do disposto no artigo 615°, n° 1, d), 2a parte do C.P.C. ou, caso assim não se entenda, o Tribunal recorrido condenou em quantidade superior e em objeto diverso do pedido, o que origina a nulidade da sentença, por violação do disposto no artigo 615°, na 2, e) do C.P.C., que se argui com as devidas e legais consequências.
8a Os factos provados 29° na parte "conforme apólice de fls. 202 - 203 ... ", 30° e 31°; 36° - nas partes "Em virtude do peso de trator, da trepidação provocada pelo motor e pela bomba de saída do herbicida... " e " ... e com a circunstância de não se ter cessado os trabalhos em curso ... ";47° - "O filho do 2° Réu, Jorge F é o habitual condutor do trator referido em JO"; 48° - na parte " ... referido em 47°" foram incorretamente julgados, dado que a prova produzida nos autos impunha decisão diversa da recorrida.
9a Os factos não provados xxiv), xxv), xxvi) e xxvii) foram incorretamente julgados, dado que a prova produzida nos autos impunha decisão diversa da recorrida.
10a Desde logo, com base nas DECLARAÇÕES DE PARTE do 2° R. Jorge O, as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 11 de Novembro de 2015, com início a 10:01:29 e fim a 10:58:04, com duração de 00:56:34, com relevo para o presente recurso de 06:47 a 19:12 e de 22:42 a24:15.
11a Mas também com fundamento na PROVA TESTEMUNHAL: Declarações da testemunha Maria C, as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, dispoIlÍvel na aplicação informática em uso no Tribunal, em 3 de Setembro de 2015, com inicio em 15:27:28 e fim em 16:03:05, duração de 00:35:36, com relevo para o presente recurso de 20:39 a 21 :59; Declarações da testemunha Ilídio S, as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 3 de Setembro de 2015, com início em 16:03:56 e fim em 16:26:27, com duração de 00:12:40 0:08:27, com relevo para o presente recurso de 8:28 a 9:05 e de. 9:22 a 9:33; Declarações da testemunha António C, as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 3 de Setembro de 2015, com início em 16:09:02 e fim em 16:37:26, com duração de 00:18:23, com relevo para o presente recurso de 1:58 a 3:37, de 9:45 a 10:14 ede 11:30 a 12:04; Declarações da testemunha Carla J, as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 3 de Setembro de 2015, com início em 16:42:22 e fim em 16:55:11, com duração de 00:12:49, com relevo para o presente recurso de 02:53 a 02:59 e de 08:35 a 08:42; Declarações da testemunha David V, as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em usono Tribunal, em 3 de Setembro de 2015, com inicio em 17:01:33 a 17:07:58, com duração de 06:24, com relevo para o presente recurso de 01:13 a 02:23; Declarações da testemunha Maria O, as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informáticaeIn uso no Tribunal, em 11 de Novembro de 2015, com início em 11:28:55 e fim em 11:51:51, com duração de 00:22:57, com relevo para o presente recurso de 02:55 a 03:22, de 04:10 a 04:33 e de 16:15 a 15:35; Declarações da testemunha Jorge F, as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 11 de Novembro de2015, com início em 11:52:57e fim em 12:39: 12, com duração de 00:46:15 e com relevo para o presente recurso de 27:53 a 29:52 e de 31:25 a 37:20; Declarações da testemunha Alberto A, as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 11 de Novembro de 2015, com início em 14:30:32 e fim em 14:54:19, com relevo para o presente recurso nas passagens de 04:43 a 14:47 e 15:27 a 16:18, com outro inicio em 15:03:38 e fim em 15:14:15, com relevo para o presente recurso nas passagens de 00:50 a 00:56, com outro início em 15:14:20 e fim em 15:16:22, com relevo para o presente recurso nas passagens de 00:50 a 01:25.
12a E ainda atenta a PROVA DOCUMENTAL: 1) Cópia do auto de conciliação no processo de acidente de trabalho junto como Documento 3 da pi.; 2) Certidão do processo de inquérito que correu termos nos Serviços do Ministério Público de Sabrosa sob o Processo 26/06.0GASBR íunto aos autos por requerimento dos lºs R. em 1 de Março de 2012 com a REF8: 9522448; 3) Contrato de Seguro titulado pela apólice 0030015, bem como asrespetivas Condições Gerais e Especiais junto pela R. Crédito Seguros - Companhia de Seguros, S.A. aos autos via email em 9 de Outubro de 2014, em virtude da aplicação Citius se encontrar indisponível; 4) Relatório de Averiguação realizado pela Testemunha Alberto A para a R Seguros por referência ao sinistro dos autos e junto oficiosamente pelo Tribunal em audiência de julgamento de 11 de Novembro de 2015.
13a Em função do supra exposto, resulta que se impunha decisão da matéria de facto diversa da proferida, no sentido de:
a) Se dar como não provado o facto provado constante da sentença em 29° na parte "...conforme apólice de fls. 202-203 ...", cujo teor nesta parte deve ser alterado para se dar como provado com a seguinte redação "... conforme Contrato de Seguro titulado pela apólice 0030015, bem como as respetivas Condições Gerais e Especiais juntos pela R. C Seguros - Companhia de Seguros, S.A. aos autos via email em 9 de Outubro de 2014, em virtude da aplicação Citius se encontrar indisponível ... ";
b) Se dar como não provado o facto provado constante da sentença em 30°, cujo teor deve ser alterado para se dar como provado com a seguinte redação:"A apólice em apreço contempla a responsabilidade civil pelos danos decorrentes do veículo seguro, em quaisquer locais do concelho de Sabrosa";
c) Se dar como não provado o facto provado constante da sentença em 31.º, cujo teor deve ser alterado para se dar como provado com a seguinte redação: " Incluindo os decorrentes das alfaias agricolas acopladas ao veiculo garantido e os decorrentes de laboração, danos à máquina em laboração";
d) Se dar como não provado o facto constante da sentença em 36.º nas seguintes partes: "Em virtude do peso de trator, da trepidação provocada pelo motor e pela bomba de saída do herbicida ... " e “…e com a circunstância de não se ter cessado os trabalhos em curso ... ", cujo teor deve ser alterado para se dar como provado com a seguinte redação: "Em virtude da forte chuva que naquela tarde se fez sentir ocorreu um deslizamento de terras do caminho e do socalco, o que fez com que o tractor tombasse pelos bardos abaixo, tendo o mesmo entrado em capotamento e indo apanhar os quatro funcionários que se encontravam a trabalhar nos bardos / socalcos inferiores";
Ou, caso assim não se entenda, o seu teor deve ser alterado para se dar como provado com a seguinte redação: "Em virtude do peso do tractor, da trepidação provocada pelo motor e pela bomba de saída do herbicida, conjugada com a forte chuva que naquela tarde se fez sentir, ocorreu um deslizamento de terras do caminho e do socalco, o que fez com que o tractor tombasse pelos bardos abaixo, tendo o mesmo entrado em capotamento e indo apanhar os quatro funcionários que se encontravam a trabalhar nos bardos / socalcos inferiores";
e) Se dar como não provado o facto provado constante em 47.º da sentença;
f) Se dar como não provado o facto provado constante em 48.º da sentença na parte « … referido em 47°.";
g) Se darem como provados os factos ídentificados como não provados na sentença em xxiv; xxv; xxvi; xxvii.
14a O acidente dos autos ficou a dever-se a caso ou motivo de força maior.
15a O acidente proveniente de caso de força maior não dá direito a reparação - artigo 7°, n" 1, d) e 2 da Lei n" 100/97 de 13 de Setembro, de tal modo que o empregador não tem de proceder à indemnização do acidente que provier de motivo de força maior - artigo 291.º do Código do Trabalho na versão da Lei 99/2003 de 27.08, sendo a responsabilidade excluída quando o acidente resulte de caso de força maior estranha ao funcionamento do veículo - artigo 505° do C.C.
16a Pelo que deve o 2° R. ser absolvido dos pedidos em que foi condenado.
17a O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 7°, n° 1, d) e 2 da Lei n.º 100/97 de 13 de Setembro, 2910 do Código do Trabalho na versão da Lei 99/2003 de 27.08. e artigo 5050 do C.C.
Sem prescindir, caso assim não se entenda:
18a À data do sinistro o tractor agrícola de matrícula 53-56-TR era do domínio e posse da 2a R. mulher e existia contrato de seguro válido e eficaz cobrindo a responsabilidade civil pelos danos decorrente de acidente causado por tal viatura, através do qual se transferiu para a 3a R. a dita responsabilidade, titulado pela apólice de seguro com o n° 00300015, com início em 03/09/2005, Conforme Contrato de Seguro titulado pela apólice 0030015, bem como as respetivas Condições Gerais e Especiais juntos pela R. C Seguros - Companhia de Seguros, S.A. aos autos via email em 9 de Outubro de 2014, em virtude da aplicação Citius se encontrar indisponível.
19a Pelo que se deve considerar que a apólice de seguro na R. seguradora contempla a responsabilidade civil pelos danos decorrentes do veículo seguro, em quaisquer locais do concelho de Sabrosa, incluindo os decorrentes das alfaias agrícolas acopladas ao veículo garantido e os decorrentes de laboração, danos à máquina em laboração.
20a Pelo exposto, a responsabilidade civil dele emergente está a coberto do contrato de seguro celebrado com a R. seguradora, daí a legitimidade da R. seguradora para reparação dos danos sofridos com a eclosão do sinistro.
21a Pelo que deve o 2° R. ser absolvido dos pedidos em que foi condenado, donde o Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no artigo 503°, n° 1 do C.C.
Sem prescindir, caso assim não se entenda:
22a O acidente não foi provocado pelo representante do empregador ou entidade por aquele contratada, nem resultou de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, isto é, não existiu qualquer atuação culposa do 2° R..
23a Tal retira aos demandantes qualquer direito a indemnização, o que se invoca com as devidas consequências, pelo que deve o 2° R. ser absolvido dos pedidos em que foi condenado.
24a O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 483°, n° 1, 487°, n° 2 do C.C ..
Sem prescindir, caso assim não se entenda:
25aAquando da prolação dos despachos judicias a que aludem os artigos 593°, 595° e 596° do C.P.C, o Tribunal de la instância considerou que: i) em abstrato, foi alegada factualidade suscetível de preencher o tipo legal de criem de homicídio por negligência, previsto e punível pelo artigo 137°, n.º 1 do Código Penal; ii) tal ilícito é punível, em abstrato, com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, o que significa que, nos termos do disposto no artigo 118°, c) do mesmo Código, tem com prazo prescricional o período de 5 anos sobre a prática do crime; iii) em face do expendido, entendeu o Tribunal que o caso dos autos se integra no artigo 498°, n° 3 do C.C. e que o prazo prescricional aplicável é o de 5 anos; iv) quando a presente ação deu entrada em juízo, o prazo prescricional de 5 anos ainda não tinha decorrido, o que só viria a acontecer em 19 de março de 2011.
26a O 2° R. não se conforma com a decisão do Tribunal de primeira instância supra descrita, por ter feito errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, pelo que a impugna por esta via e ao abrigo do disposto no artigo 644°, n.º 3 do C.P.C., para o que está em tempo e tem legitimidade.
27a Na verdade, contrariamente ao decidido em primeira instância, o 2° R. invoca que ao presente caso aplica-se o prazo consignado no n.º 1 do artigo 498.º do C.C,
28a Em primeiro lugar, por que tal resulta claro da Certidão do processo de inquérito que correu termos nos Serviços do Ministério Público de Sabrosa sob o Processo 26/06.0GASBR junto aos autos por requerimento dos lºs R. em 1 de Março de 2012 com a REFa: 9522448, do qual resulta que não existiu desrespeito pelas necessárias medidas de prevenção, nem qualquer omissão, pois não era de todo previsível a ocorrência do facto danoso, não se impondo, designadamente ao 2° R., a adoção de medidas aptas a evitar o resultado.
29a Em segundo lugar, como supra se alegou, não ocorreu atuação culposa do 2° R.:
30a De modo que na situação concreta dos presentes autos não há qualquer factualidade típica de crime, designadamente, factualidade suscetível de preencher o tipo legal de crime de homicídio por negligência, previsto e punível pelo artigo 137.º, n.º 1 do Código Penal.
31a Na verdade, o direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete - artigo 498°, n° 1 do CC.
32a O sinistro ocorreu em 18 de Março de 2006, sendo que sinistrada faleceu nesse mesmo dia 18 de Março de 2006, mas a presente ação judicial só foi interposta em juízo em 8 de Fevereiro de 2011, em que os RR. apenas foram citados para os seus termos, pelo menos, a 10 de Fevereiro de 2011, ou seja, mais de 3 anos após o acidente e o conhecimento pelo demandante dos danos reclamados.
33a Pelo que o direito de indemnização peticionado nos autos prescreveu, donde o Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 498°, n.º1 e 3 do C.C .
Sem prescindir, caso assim não se entenda:
34a Acresce que mesmo que se entenda que ao caso se aplica o disposto no artigo 498°, n° 3 do C.C., ou seja, o prazo prescricional de 5 anos, então a obrigação de indemnização sempre prescreveu em relação aos demandantes Liliana F e Marco A.
35a Por esta via, o prazo prescricíonal de 5 anos só viria a acontecer em 19 de março de 2011, sendo que o sinistro ocorreu em 18 de Março de 2006, tendo a sinistrada falecido nesse mesmo dia 18 de Março de 2006, porém, a presente ação judicial só foi interposta em juízo pelo 1 ° A. em 8 de Fevereiro de 2011 e os intervenientes chamados só foram admitidos nos presentes autos por despacho judicial de 10 de Abril de 2012.
36a Os Intervenientes Chamados só em 27 de Abril de 2012 vieram aos autos juntar procuração a favor da sua Ilustre Mandatária e aderindo aos articulados apresentados pelo A., nos termos do artigo 327°, nº 3 do C.P.C ..
37a Do que o 2° R. só foi notificado em 30 de Abril de 2012, ou seja, mais de 3 e 5 anos após o acidente e o conhecimento pelos demandantes intervenientes chamados dos danos reclamados.
38a Pelo que o direito de indemnização peticionado nos autos pelos intervenientes chamados prescreveu, donde o Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 498°, n.º1 e 3 do C.C., 483°, n.º 1,487°, n.º 2 do C.C .
Sem prescindir, caso assim não se entenda:
39a A quantia fixada pelo Tribunal a título de compensação pela perda do direito da vida da falecida Maria L na quantia de 55 000,00 € peca por excesso, devendo ser reduzida para montantes mais razoáveis, situados na ordem nunca superior aos mencionados 35000,00 € para a Herança da falecida Maria L.
40a As quantias fixadas pelo Tribunal pelo sofrimento do A. José M na quantia de 8 000,00 € peca por excesso, devendo ser reduzida para montantes mais razoáveis, situados na ordem nunca superior aos mencionados 4 000,00 €.
41a As quantias fixadas pelo Tribunal pelo sofrimento dos filhos da vítima Liliana F e Marco A de 16 000,00 € para cada um deles, num total de 32 000,00 € pecam por excesso, devendo ser reduzidas para montantes mais razoáveis, situados na ordem nunca superior aos 8 000,00 € para cada um dos demandantes, num total de 16000,00 €.
42a Isto porque para além do que ficou provado, não se provaram quaisquer outros danos suscetíveis de inflacionar tais quantias indemnizatórias.
43a Ao julgar de modo diferente daquele que é defendido neste recurso e fixando as quantias indemnizatórias aqui impugnadas, fez o Tribunal recorrido uma menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, com violação dos artigos 483°, 494°, 496°, 562° e 566.º do Código Civil.
44a Estamos perante, uma situação em que o evento danoso se ficou a dever causas complementares, ou, caso assim não se entenda, cumulativas ou, caso assim não se entenda, coincidentes ou simultâneas de responsabilidade.
45a De tal maneira, que a parte da responsabilidade atribuída ao 2° R. na produção do evento danos se reporta apenas a 1/5 dos danos causados.
46a Mas nunca à totalidade da responsabilidade pelos danos decorrentes do sinistro fixados pelo Tribunal e pela forma como foi atribuída na sentença recorrida.
47a Por conseguinte, deve por esta via subsidiária, a responsabilidade atribuída ao 2° R. na produção do evento danoso ser limita à parte de 1/5 dos danos arbitrados.
48a O Tribunal recorrido violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 4830, n° 1,5620 e 5630 do C.C.
49a Mas, caso assim não se entenda, para além da causa real considerada pelo Tribunal, estamos perante, uma situação em que o evento danoso se ficou a dever a outras causas virtuais com relevância negativa na obrigação de indemnizar.
50a De tal maneira, que a parte da responsabilidade atribuída ao 2° R. na produção do evento danos se reporta apenas a 1/5 dos danos causados.
51a Mas nunca à totalidade da responsabilidade pelos danos decorrentes do sinistro fixados pelo Tribunal e pela forma como foi atribuída na sentença recorrida.
52a Por conseguinte, deve por esta via subsidiária, a responsabilidade atribuída ao 2° R. na produção do evento danoso ser limita à parte de 1/5 dos danos arbitrados.
53a O Tribunal recorrido violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 483°, n° 1, 5620 e 5630 do C.C ..
Sem prescindir, caso assim não se entenda:
54a Atento o grau de culpabilidade do agente e as demais circunstância do caso, a indemnização deveria ter sido fixada no montante correspondente a 1/5 dos danos que o Tribunal entendeu que foram causados, o que se invoca com as legais consequências.
55a O Tribunal recorrido violou por erro de interpretação e aplicação o disposto no artigo 4940 do C.C .
56a Atento o facto provado em 43° resulta que os os 1.ºs RR. no dia do sinistro, nem nos dias em que se andou a aplicar o herbicida, não se deslocaram à Quinta.
57a Pelo que não se provou que, nesses dias, os lºs RR. tenham advertido o caseiro para ter o máximo cuidado consigo e com os trabalhadores que contratava para o desenvolvimento dos trabalhos, respeitando as regras de segurança no desenvolvimento dos trabalhos que mandava executar.
58a Também não se provou que os lºs RR. no dia do sinistro e nos dias em que se realizou o trabalho de deitar o herbicida nas vinhas, tenham fiscalizado, orientado e coordenado a atuação do 2° R.
59a Mais: não se provou que os Os RR. no dia do sinistro tenham praticado quaisquer atos ou precauções tendente à cessação dos trabalhos em curso ou ao reforço das condições de segurança dos trabalhadores, no contexto meteorológico de chuvas fortes que se fez sentir.
60a Nesse sentido, também os lºs RR. omitiram uma concreta ação cujo dever de levar a cabo sobre si também impendia, oor esse motivo, agiram pelo menos também com "mera culpa", isto é, num quadro de negligência que motiva a obrigação de indemnizar - artigos 483°, n° 1 e 487°, n° 2 do C.C.
61a Por conseguinte, não tem aplicação ao caso dos autos o disposto no artigo 500°, n° 3, 1.ª parte do C.C., uma vez que será de aplicar, antes, o disposto nesse artigo 500°, n° 3, 2a parte do C.C., cuja remissão para o artigo 497°, ° 2 do C.C. implica que sejam iguais as culpas do 2.º R. e dos lº.s RR., sem o direito dos lº.s RR. de exigir do 2° R. o reembolso de tudo quanto hajam pago para satisfazer a indemnização.
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O Autor e Chamados contra-alegaram, concluindo que
1 - Com o seu Recurso pretendem os Recorrentes que a decisão da Primeira Instância seja alterada.
2 - Pretendendo, nesta fase alterar a matéria fáctica provada em sede de audiência.
3 -Perante a matéria fáctica provada, a douta sentença recorrida é irrepreensível.
4 - O Meritíssimo Juiz decidiu, e bem, de acordo com os documentos juntos aos autos corroborados pela prova testemunhal.
5 - A Douta Sentença não merece qualquer reparo a não ser na parte em que não mereceu acolhimento o pedido de € 15.00,00 dos Recorridos, a título de danos morais sofridos pela própria sinistrada.
6 - Motivo pelo qual os Recorridos pugnam pela manutenção da decisão posta em crise apenas ressalvando que deverá ser ampliada a condenação com o montante peticionado pelo sofrimento da sinistrada até ao seu decesso.
7 - Não restam dúvidas que o acidente ocorreu no dia 18/03/2006 entre as 15 horas e as 16 horas.
Que a sinistrada faleceu a caminho do hospital na ambulância do INEM.
E que, tal como consta da certidão de óbito, este ocorreu pelas 18 horas.
8 - Ou seja, a vítima esteve pelo menos três horas em agonia, devendo pois ser arbitrada compensação devido ao sofrimento sentido pela vítima.
9 - De salientar que, quer o direito à vida, quer o direito à integridade física, são dos mais elevados direitos de personalidade, merecendo a tutela do direito, mormente no caso "sub Júdice".
10 - Tendo em conta a sua natureza irreparável, e face ao sofrimento da sinistrada só mediante a entrega da quantia peticionada se tornará possível minorar e compensar o dano sofrido pela morte da sinistrada, motivo pelo qual os Recorridos pugnam pela ampliação da condenação incluindo a mesma os € 15.000,00 peticionados pelo sofrimento da vitima.
11 - De não esquecer que está demonstrado e provado nos autos que a vítima tinha apenas trinta e sete anos de idade (37), era pessoa saudável, enérgica, trabalhadora e com vivacidade, centrada na sua vida familiar.
12 - Não é verdade como referem os Recorrentes que os intervenientes não alegaram qualquer factualidade integrante da causa de pedir pois, aderiram à factualidade e aos pedidos formulados na P. I.
13 - O Tribunal "a quo" tem por isso causa de pedir, pedido formulado pelos intervenientes chamados e por isso nenhum reparo há a fazer à indemnização que lhes foi arbitrada.
14 - Concordamos na íntegra com a Douta Sentença ao enquadrar o sinistro no âmbito da responsabilidade civil.
-... "De acordo com o art. 483°, n.º l, "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
15 - Encontram-se preenchidos os pressupostos a que alude o artigo 486° do Código Civil, de acordo com o qual "as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio juridico, o dever de praticar o acto omitido" ...
16 - O 2° réu omitiu uma concreta acção cujo dever de levar a cabo sobre si impendia em exclusivo. Por esse motivo, agiu pelo menos com "mera culpa", isto é, num quadro de negligência que motiva a obrigação de indemnizar (cf. artigo 483°, nºl, do CC).
17 - Nos termos do preceituado no artigo 500°, n.º1, do CC, "aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar".
18 - A fundamentação de direito da douta sentença não merece qualquer tipo de censura. Na verdade, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo aplicou bem o direito aos factos que constam nos presentes autos.
19 - Pelo que se transcreve, nada se poderá opôr à douta decisão, muito menos invocar falta de fundamentação ou pugnar pela alteração da matéria fáctica provada.
20 - A decisão proferida está completa e devidamente fundamentada e portanto é absolutamente válida, uma vez que está estribada na prova que se produziu em Audiência.
21 - Ao decidir como decidiu, o Douto Tribunal não violou qualquer preceito legal.
Termos em que, não deve ser concedido provimento ao recurso apresentado Confirmando-se na íntegra a douta sentença proferida.
*
A Ré “C Seguros—Companhia de Seguros, S.A.” defendeu a confirmação da sentença, resumindo que estamos verdadeiramente perante um típico sinistro de laboração e não em face de um sinistro de circulação ou de utilização típica do tractor, não se encontrando coberto nem pelo seguro de responsabilidade civil automóvel que o proprietário do tractor celebrara com a R., nem pelo regime de tal seguro constante do Dec. Lei n° 291/07, de 21-8.
Termos em que a decisão judicial sob recurso procedeu a uma correta e ponderada aplicação do direito aos factos provados e é, s.m.o., imerecedora de qualquer censura. Donde, afigura-se que a pretensão recursiva do recorrente deverá improceder.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II—Delimitação do Objecto do Recurso
As questões a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, consistem nas seguintes:
--nulidades da sentença;
--alteração da matéria de facto;
--qualificação do acidente;
--responsabilidade dos réus;
--compensação do dano vida e do sofrimento da vítima.
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Das Nulidades da Sentença
O Réu Jorge O invocou a nulidade da sentença, por violação do disposto no artigo 615°, n.º 1, d), 2.ª parte do C.P.Civil.
Defendeu, a este respeito, que a factualidade inserta no facto provado 36° "Em virtude do peso de trator, da trepidação provocada pelo motor e pela bomba de saída do herbicida..." e "... e com a circunstância de não se ter cessado os trabalhos em curso..." não foi alegada pelas partes como factos essenciais, e não sendo factos instrumentais, nunca sobre eles o recorrente teve oportunidade de se pronunciar, nem são factos notórios, nem o Tribunal os conheceu no exercício da sua função.
O Mmo. Juiz pronunciou-se declarando, em resumo, que tal factualidade corresponde ao esclarecimento das circunstâncias do acidente tal como resultaram da prova produzida, tendo sido alegadas e que contêm aspectos instrumentais, fundamentando-se no art. 5.º, n.º 2 do CPC.
O novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.06 é imediatamente aplicável às acções declarativas pendentes-v. art. 5.º, n.º 1.
Com a reforma do processo civil, o legislador teve principalmente como objectivo a concretização do princípio da prevalência do mérito sobre a forma, o que implica uma orientação de toda a actividade processual para a obtenção de decisões que garantam a justa composição do litígio, atenuando o anterior rígido sistema de preclusões processuais.
À luz deste espírito de desejada adequação da sentença à realidade extraprocessual eliminaram-se preclusões quanto à alegação de factos, o que decorre do preceituado no artigo 5.º, n.º 2, al. b) do C.P.Civil.
Com efeito, o legislador introduziu um desvio ao princípio do dispositivo ao estabelecer que, para além dos factos articulados pelas partes e dos factos instrumentais, são ainda considerados os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a oportunidade de se pronunciar.
A lei qualifica como complementares estes factos essenciais porque integram a causa de pedir complexa, sem os quais esta se mostra insuficiente, e concretizadores na medida em que pormenorizam, de forma relevante, o quadro factual.
Na perspectiva de Helena Cabrita , é necessário que exista pelo menos um mínimo para que algo possa ser complementado ou concretizado: nada havendo (ou seja, verificando-se uma total e absoluta falta de alegação), nada poderá ser complementado ou concretizado.
Diferentemente, continua esta autora, se a alegação é deficiente, por imprecisa ou conclusiva, poderá vir a ser concretizada ou clarificada, se tal resultar da instrução da causa.
Um dos temas da prova consistiu na averiguação da dinâmica do sinistro descrito na petição e causas da sua verificação.
A referida factualidade, como referiu o Mmo Juiz, resultou da discussão da causa, sempre acompanhada pelas partes, e deverá ser enquadrada na categoria dos factos essenciais que concretizam, esclarecendo, as causas que determinaram a queda do tractor, descritas, de forma mais pormenorizada pelos Réus.
No que respeita à imputação da negligência ao 2.º Réu, como igualmente sublinhou o Mmo. Juiz, a sentença baseou-se na factualidade inserta nos pontos 36.º, 44.º e 50.º.
Os Intervenientes, Liliana F e Marco A, filhos do Autor e da vítima, aderiram à petição, pelo que não se verifica a falta de alegação apontada.
Pelo exposto, conclui-se que a sentença não contém qualquer vício formal que determine a respectiva nulidade.
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Da modificabilidade da matéria de facto
Os 1.ºs Réus e o 2.º Réu não se conformaram com a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Pretendem os 1.ºs Réus, para além da rectificação dos pontos 20.º e 23.º, alterar a factualidade vertida nos factos dados com provados nos números 29º a 31º, 35º, 36º e 48º e dada como não provada nos números XXVI e XXVII.
A factualidade em causa é a seguinte:
29º - No âmbito da sua actividade, a 3ª ré celebrou com Nair M um contrato de seguro do ramo “Tractores e Máquinas Agrícolas”, titulado pela apólice n.º 00300015, em que esta transferiu para aquela a responsabilidade civil emergente da circulação do tractor com a matrícula 53-56-TR, conforme apólice de fls. 202-203, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
30º - A apólice em apreço contempla exclusivamente a cobertura de “responsabilidade civil na via pública”.
31º - Com efeito, no âmbito do contrato referido em 29º, não foram contratadas as seguintes coberturas: “responsabilidade civil em laboração”, “danos à máquina na via pública/danos à máquina em laboração”, “incêndio, raio e explosão em laboração”.
35º - O tractor encontrava-se estacionado, num caminho plano de terra, com o motor em funcionamento para accionar a bomba pulverizadora do herbicida.
36º - Em virtude do peso do tractor, da trepidação provocada pelo motor e pela bomba de saída do herbicida, conjugada com a forte chuva que, naquela tarde se fez sentir, e com a circunstância de não se ter cessado os trabalhos em curso, ocorreu um deslizamento de terras do caminho e do socalco, o que fez com que o tractor tombasse pelos bardos abaixo, tendo o mesmo entrado em capotamento e indo apanhar os quatro funcionários que se encontravam a trabalhar nos bardos/socalcos inferiores.
48º - O acidente em apreço não ficou a dever-se à condução do tractor ou a qualquer manobra realizada pelo seu habitual condutor, referido em 47º.

Sobre os factos (e prova) relacionados com o contrato de seguro bastará dar como provado o que consta do ponto 29.º até “apólice n.º 00300015”, reproduzindo-se o documento completo, junto pela Ré a fls. 380 a 401.
Na verdade, o âmbito específico de cobertura desse seguro constitui uma questão de direito, impondo-se, por esse motivo, a eliminação dos pontos 30.º e 31.º, como também o ponto 48.º, que consubstancia uma conclusão.
Os termos estacionamento ou paragem traduzem conceitos de direito (art. 48.º, n.º 1 e 2 do C. Estrada) pelo que, deverá ser empregue, em conformidade com a realidade histórica apurada, o termo imobilizado.
Da leitura das alegações recursórias parece resultar que os 1.ºs Réus entendem não revestir interesse a factualidade constante do ponto 36.º, na parte referente à paragem/estacionamento do veículo mas apenas saber, se anteriormente ao acidente, o veículo circulou desde o armazém até esse local, como consideram ter ficado provado.
Defendem ainda ter ficado demonstrado, a existência, no local, de uma pulverizadora, que não figura nos factos provados.
Relativamente à primeira observação, cumpre notar que, atendendo à problemática relacionada com o apuramento da responsabilidade da Ré Seguradora decorrente do contrato de seguro automóvel celebrado com a proprietária do tractor, aquela factualidade tem manifesto interesse, até porque fundamentou a absolvição da Seguradora.
De qualquer modo, a compreensão do caso implica naturalmente saber em que circunstâncias se encontrava o veículo antes de ter tombado na vinha, e neste particular, todas as partes estão de acordo sobre a imobilização do mesmo no caminho de terra da quinta.
No entanto, especialmente neste caso concreto, importa averiguar todas as circunstâncias nomeadamente as que antecederam o acidente, por forma a permitir uma correcta subsunção jurídica dos factos.
Assim, irá ser avaliada a prova no que respeita à demonstração desse facto instrumental, invocado pelos Réus, bem como à existência, ou não, da pulverizadora no local.

O 2.º Réu, Jorge O, não concorda com a decisão da matéria de facto dos pontos 29.º, na parte “conforme apólice de fls. 202-203…”, 30.º, 31.º, 36.º, 47.º e 48.º na parte “referido em 47.º”. e por ter dado como não provados os factos identificados em XXIV, XXV, XXVI, XXVII .
Os pontos 29.º, 30.º, 31.º e 48.º já foram anteriormente objecto de análise e decisão e os “factos” dos números XXIV e XXV são conclusivos.
Relativamente aos factos dados como não provados nos números xxvi e xxvii, cumpre esclarecer que o tribunal apenas concluiu, por falta de prova, que não ficou demonstrado que a pulverizadora (conjunto constituído por depósito/bidão, bomba, estrutura de encaixe e mangueiras—v. fotografia de fls. 525) estava bem amarrada e que o tractor estava bem parado e bem travado.
Para além de nenhuma testemunha ter mencionado essa situação, as referidas alegações encerram meras conclusões.
No que concerne à factualidade dada como provada no ponto 36.º, o 2.º Réu sustenta que não ficou provado que uma das causas do acidente resultou de não ter sido dado ordem de paragem dos trabalhos em curso mas sim da forte chuva que se fazia sentir, que provocou o deslizamento de terras e o capotamento do tractor ou da conjugação daqueles factores (peso do tractor, trepidação e forte chuva).
Resumindo os recursos, na parte referente à reapreciação da matéria de facto por este Tribunal da Relação, cumpre analisar as seguintes questões de facto:
--antecedentes do sinistro (nomeadamente percurso do tractor ao referido local);
--travagem do tractor;
--causas do deslizamento de terra e consequente queda do tractor.
Porém, as partes devem ter bem presente a delimitação legal dos poderes da Relação no que concerne à modificabilidade da decisão de facto.
Com efeito, nos termos do artº. 662º. do Código de Processo Civil a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. (negrito nosso)
A possibilidade que o legislador conferiu ao Tribunal da Relação de alterar a matéria de facto não é absoluta pois tal só é admissível quando os meios de prova revisitados não deixem outra alternativa, ou seja, em situações que, manifestamente, apontam em sentido contrário ao decidido pelo tribunal a quo.
Na reapreciação da prova, o Tribunal da Relação goza de ampla liberdade de movimentos para, em face do suporte magnético, modificar, sendo caso disso, a matéria provada em 1.ª instância, após ter ponderado casuisticamente o relevo do princípio da imediação. (negrito nosso)
Assim, sem prejuízo de uma valoração autónoma dos meios de prova utilizados pelo tribunal e ainda de outros que se mostrarem pertinentes, essa operação não pode nunca olvidar os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.

Com o objectivo de reavaliar, com todo o rigor, a prova produzida, o Tribunal procedeu à audição integral das declarações prestadas pelas partes (Autor e 1.º Réu) e de todos os depoimentos, nomeadamente das pessoas que chegaram posteriormente ao local (Bombeiros e GNR), conjugando-os com os documentos juntos aos autos, mais precisamente com o relatório de averiguação elaborado pela testemunha António Gonçalves e do qual constam documentos fotográficos muito elucidativos sobre o tractor, a pulverizadora, e as características do local onde aquele veículo se encontrava, antes de cair na vinha.
Perante as declarações prestadas pelo 2.º Réu Jorge O, caseiro dos 1.ºs Réus, conjugadas com os depoimentos das testemunhas Maria O e Jorge F, que se encontravam no local a executar, juntamente com a vítima, o mesmo trabalho de pulverização, não há dúvida de que o tractor já se encontrava naquele caminho de terra, travado, desde o dia anterior, por ter sido utilizado, na pulverização da vinha situada nos socalcos superiores.
Segundo o caseiro, 2.º Réu, este trabalho é realizado todos os anos da mesma forma, ou seja, o pulverizador, que contém 400/500 litros de herbicida, fica suspenso na parte traseira do tractor e a bomba é accionada através do motor do veículo em funcionamento, sendo que os trabalhadores seguram, puxam e manobram as mangueiras com vista à aplicação do herbicida na vinha.
Na fotografia acima referida de fls. 525, podemos visualizar e compreender que a pulverizadora é constituída por um depósito/bidão, bomba, estrutura de encaixe e mangueiras.
Portanto, quando o caseiro, de forma simples e espontânea, afirmou que fica a pulverizadora fica suspensa na traseira do tractor pretende referir-se à forma de encaixe daquele conjunto no veículo.
A testemunha Jorge F, filho do 1.º Réu, esclareceu que o tractor, pertencente a seus pais, ficava guardado na quinta, num armazém, e era usado nos trabalhos agrícolas realizados na quinta e circulava esporadicamente na estrada. No dia anterior ao acidente, o tractor foi conduzido (permaneceu a dúvida sobre a identificação do condutor) do referido armazém para o local onde ocorreu o acidente, ficando aí imobilizado e travado.
Relativamente às causas do acidente, importa relembrar que foi dado como provado que:
36º - Em virtude do peso do tractor, da trepidação provocada pelo motor e pela bomba de saída do herbicida, conjugada com a forte chuva que, naquela tarde se fez sentir, e com a circunstância de não se ter cessado os trabalhos em curso, ocorreu um deslizamento de terras do caminho e do socalco, o que fez com que o tractor tombasse pelos bardos abaixo, tendo o mesmo entrado em capotamento e indo apanhar os quatro funcionários que se encontravam a trabalhar nos bardos/socalcos inferiores.
A formação da convicção do julgador sobre esta relevante questão de facto baseou-se no depoimento do Perito Averiguador, Alberto A, considerado objectivo, expressivo e pormenorizado, o qual se deslocou ao local do acidente, por duas vezes.
Acompanhamos este entendimento propugnado pelo tribunal a quo.
O relatório elaborado pelo Sr. Perito, em consonância, aliás, com as suas declarações, é muito elucidativo e pormenorizado.
Afirmou que o tractor, antes de resvalar com a roda, tinha atrelado uma bomba pulverizadora, e foi muito seguro ao afirmar que a chuva e piso molhado, o peso do tractor com toda a sua estrutura composta pelo bidão, máquina e mangueiras e o funcionamento da mesma causaram o deslizamento porque apenas no local exacto onde se encontrava o veículo verificou a cedência de terra.
A referida testemunha, recorrendo às fotografias que tirou do local, em 31 de Março de 2006, juntas aos autos, declarou que as mesmas revelam ter sido apenas naquele local, onde o tractor se encontrava imobilizado, que ocorreu o deslizamento de terras.
Portanto, não temos igualmente qualquer dúvida que não foi apenas o factor chuva que provocou a cedência do terreno.
O mesmo não podemos afirmar quanto à eventual paragem dos trabalhos por parte do 2.º Réu.
Considerando que o deslizamento da terra teve como causa a conjugação de vários factores, nomeadamente a forte chuva e o peso da estrutura do veículo agrícola, que incluía a pulverizadora suspensa e acoplada/encaixada na parte traseira do veículo, e sem o apoio de meios de prova convicentes, não é possível assegurar que a paragem dos trabalhos era susceptível de ter impedido esse evento, devendo esse facto, por esse motivo, ser retirado do ponto 36.º.
Por outro lado, também nos parece manifesto que a pulverizadora estava encaixada e ligada ao tractor cujo motor accionava a bomba da pulverizadora por forma a permitir a aplicação do herbicida na vinha.
Em suma, para além da modificação e rectificação inicialmente assinaladas, cumpre alterar a matéria de facto, completando-a com os factos relativos à circulação do veículo na véspera para o dito local, onde ficou imobilizado, travado, à forma como a pulverizadora estava ligada/atrelada na traseira do mesmo e retirando o segmento com a circunstância de não se ter cessado os trabalhos em curso do ponto 36.º, mantendo-se os números contestados dos factos não provados.
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III—FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS (elencados na sentença, com as alterações acima determinadas e renumeração)
1º – O A. é viúvo de Maria L com quem foi casado em primeiras núpcias, conforme decorre do assento de casamento constante de fls. 16, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2º - Os primeiros RR. dedicam-se, para além do mais, à exploração de uma propriedade agrícola, denominada “Quinta do Lindo Vale”, sita na Costa de Baixo, freguesia de Gouvinhas, concelho de Sabrosa.
3º - A Maria L prestava a sua actividade de trabalhadora agrícola, a tempo parcial, sob as ordens, direcção e fiscalização dos primeiros RR. mediante uma retribuição no valor anual de € 4.380,00.
4º - No dia 18.03.2006, em hora não concretamente determinada, mas situada entre as 15h00 e as 16h09, na Quinta do Lindo Vale, sita na Costa de Baixo, freguesia de Gouvinhas, concelho de Sabrosa, ocorreu um acidente.
5º - Na altura, a sinistrada Maria L exercia a sua actividade de trabalhadora agrícola dependente para os primeiros RR, executando a tarefa de “deitar herbicida na vinha”, função do normal granjeio agrícola.
6º - Este trabalho foi efectuado numa zona de forte inclinação da referida propriedade dos primeiros RR.
7º - Enquanto a Maria L realizava os mencionados trabalhos foi atingida em diversas partes do corpo, designadamente cabeça e peito, por um tractor, de marca Same, modelo Solaris 45, do ano de 2002, com a matrícula 53-56-TR, que entrou em capotamento e que provocou o seu esmagamento, determinando-lhe a morte, conforme relatório de autópsia de fls. 90-94, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
8º - Aquando do acidente, o filho dos segundos réus, Jorge F, prestava serviço na propriedade dos primeiros réus.
9º - À data do acidente, o tractor referido em 7º encontrava-se registado em nome da segunda ré.
10º - A segunda ré é esposa do segundo réu, sendo este o caseiro dos primeiros réus e, como tal, responsável pela propriedade dos primeiros réus e superior hierárquico da sinistrada Maria L e dos demais trabalhadores.
11º - O acidente em referência foi expressamente aceite como acidente de trabalho entre os primeiros réus e a “Companhia de Seguros A”, conforme decorre do auto de conciliação datado de 27.04.2007, celebrado no Tribunal de Trabalho de Vila Real, constante de fls. 18-22, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
12º - À data do acidente, os primeiros RR. tinham a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho pela totalidade do salário auferido pela sinistrada, transferida para a citada “Companhia de Seguros A, S.A.” através de contrato de seguro.
13º - Do auto de conciliação referido em 11º resulta aceite pelos respectivos intervenientes que o “acidente consistiu em «esmagamento por queda de tractor, em consequência do que [Maria L] veio a falecer”.
14º - O A. foi já indemnizado pelos primeiros RR. e pela “Companhia de Seguros A” pelos danos patrimoniais decorrentes do acidente.
15º - Uma vez chegados ao local, os Bombeiros conduziram, pelo menos, as sinistradas, Maria O e Madalena M ao hospital.
16º - Entretanto, o caseiro, aqui 2º réu, crendo que a sinistrada ainda estaria viva, transportou-a do local do acidente, numa carrinha de marca “Nissan”, com tracção às quatro rodas e cobertura total metálica, até ao Alto de Andrães, onde se procedeu à transferência da mesma para uma ambulância do INEM.
17º - A primeira das duas ambulâncias que se dirigiram ao local do acidente ficou “atolada” na lama, devido à chuva que se fazia sentir na altura do acidente.
18º - À data do acidente, o autor era casado com a sinistrada e tinham em comum dois filhos, os chamados Liliana F e Marco A.
19º - À data do acidente a sinistrada tinha 37 anos de idade, conforme assento de óbito constante de fls. 17, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
20º - A sinistrada Maria L era uma empenhada trabalhadora agrícola que contribuía para as despesas do lar com todo o seu salário.
21º -À data do acidente, o autor trabalhava no estrangeiro, mais concretamente na Suíça.
22º - Não obstante o referido em 21º, o autor estava permanentemente em contacto com a sinistrada Maria L e os seus filhos.
23º - A sinistrada Maria L era saudável, enérgica e trabalhadora.
24º - A morte de Maria L ocorreu de forma imprevisível, tendo, por esse motivo, o autor, seu marido, e os chamados, seus filhos, sentido dor, sofrimento e angústia.
25º - A falecida Maria L era o elemento central da respectiva família, a quem estavam entregues os cuidados da casa, a educação e formação dos filhos do casal.
26º - Após o falecimento de Maria L, os filhos do casal passaram a estar a cargo do autor, que teve de abandonar o trabalho no estrangeiro.
27º-A falecida Maria L era pessoa com vivacidade, não dispensando o convívio com a família e filhos, a lide da casa e o trabalho.
28º - Enquanto se encontrava a trabalhar na Suíça, o autor apenas vinha a Portugal nas Férias de Verão e no Natal.
29º - No âmbito da sua actividade, a 3ª ré celebrou com Nair M um contrato de seguro do ramo “Tractores e Máquinas Agrícolas”, titulado pela apólice n.º 0030015, conforme documento, junto a fls. 380 a 401, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
30º - No momento do acidente, a falecida Maria L, acompanhada dos colegas referidos em 8º e 15º, encontrava-se a deitar herbicida nos pés das vinhas na Quinta do Lindo Vale.
31º - O herbicida estava num bidão pulverizador acoplado e suspenso na traseira do tractor, de onde saia uma mangueira com cerca de 40 metros, estando três funcionárias – uma delas a esposa do Autor – a segurar, desenrolar e puxar a mangueira, à medida que o colega, Jorge F, ia precisando dela para chegar aos bardos e videiras.
32º - E isto porque, nessa circunstância, o dito Jorge F segurava a extremidade da mangueira – com a pistola – estando a pulverizar as vinhas com o dito herbicida.
33º - O tractor encontrava-se imobilizado, num caminho plano de terra, com o motor em funcionamento para accionar a bomba pulverizadora do herbicida.
34º -Em virtude do peso do tractor, da trepidação provocada pelo respectivo motor e pela bomba de saída da pulverizadora, encaixada e suspensa na traseira do veículo, do manuseamento das mangueiras, conjugados com a forte chuva que, naquela tarde se fez sentir, ocorreu um deslizamento de terras do caminho e do socalco, o que fez com que o tractor tombasse pelos bardos abaixo, tendo o mesmo entrado em capotamento e indo apanhar os quatro funcionários que se encontravam a executar o trabalho de pulverização da vinha com herbicida, nos bardos/socalcos inferiores.
35º -O local onde o acidente ocorreu corresponde a uma vinha de cultivo do vinho do Porto, situada no interior de uma propriedade privada, com caminhos de terra batida por onde circulam veículos para acesso às vinhas.
36º-Contrariamente aos demais trabalhadores, a malograda Maria L não conseguiu desviar-se do percurso desgovernado do tractor.
37º -Imediatamente a seguir ao acidente, o 2º réu contactou o 112.
38º -As corporações de bombeiros que acorreram ao local foram as Corporações de Sabrosa e Provesende, com duas ambulâncias.
39º-Após o acidente, o corpo de L foi tapado com uns cobertores.
40º - O óbito de L foi verificado pelo INEM.
41º-Os primeiros réus residem em Valadares e só muito esporadicamente se deslocam à sua quinta, pois que só lá vão quando é necessário e têm disponibilidade de lá ir.
42º -Quando os 1ºs réus se deslocam à sua quinta, advertem sempre o seu caseiro, o 2º réu, para este ter o máximo cuidado consigo e com os trabalhadores que contrata para o desenvolvimento dos trabalhos, respeitando as regras de segurança no desenvolvimento dos trabalhos que manda executar.
43º -O caseiro, aqui 2º réu, é uma pessoa experiente no trabalho que desenvolve, sendo normalmente cuidadoso e zeloso no cumprimento das regras de segurança.
44º -O trabalho que estava a ser desenvolvido na altura do acidente repete-se todos os anos, sem nunca ter acontecido qualquer acidente.
45º -O terreno da quinta em apreço é inclinado, e em socalcos, sendo que, no dia do acidente, em virtude da chuva intensa que se fez sentir, o terreno ficou encharcado, designadamente o terreno do caminho onde o tractor se encontrava imobilizado.
46.º -Todos os trabalhos na quinta são organizados e orientados pelo 2º réu, o caseiro da quinta.
47º -O interveniente principal, Marco A, nasceu a 10.11.1988, é filho do autor e da falecida Maria L.
48º -A interveniente principal, Liliana F, nasceu a 5.07.1990, e é filha do autor e da falecida Maria L.
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IV—DIREITO
Uma das questões centrais suscitadas neste processo, como bem referem os recorrentes, prende-se com a qualificação deste acidente como acidente de viação, pressuposto da obrigatoriedade de seguro automóvel.
Para decidir essa questão, relevam as normas relativas à obrigatoriedade do seguro automóvel, das quais ressalta a Directiva 72/166/CEE do Conselho de 24.04.1972.
A interpretação do artigo 3.º, n.º 1 da referida Directiva, pelos motivos que adiante serão expendidos, não é isenta de dúvidas.
Portanto, em primeiro lugar, e tendo presente o artigo 94.º do Regulamento do Tribunal de Justiça sobre o conteúdo do pedido de reenvio, coloca-se a questão de saber se, perante as dúvidas de índole interpretativa de uma norma europeia, se justifica solicitar ao Tribunal de Justiça da União Europeia a respectiva intervenção neste domínio.
Nos termos do artigo 267.º, al. a) e b) do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir sobre a interpretação/validade dos Tratados e dos actos adoptados pelas Instituições, órgãos ou organismos da União .
E sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie. (sublinhado nosso)
No entanto, as decisões do órgão jurisdicional nacional que não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, é obrigado a submeter a questão ao Tribunal de Justiça.
Deste normativo resulta que o juiz nacional está obrigado a reenviar ao Tribunal de Justiça qualquer questão pertinente de interpretação/validade de normas do Direito da União Europeia desde que, segundo as regras processuais nacionais, a sua decisão seja insusceptível de recurso, ou seja, quando decide em última instância (teoria concreta ou do litígio).
Nesta conformidade, na nossa ordem jurídica não é apenas o Supremo Tribunal de Justiça que está sujeito ao dever de reenvio prejudicial mas sim todos os tribunais, de 1.ª instância e das Relações, desde que as respectivas decisões não admitam recurso, nos termos da lei processual civil.
A inobservância do cumprimento do dever de reenvio poderá configurar uma situação de incumprimento do Estado, podendo este ser demandado, na ordem jurisdicional interna, pelo particular lesado e/ou desencadear uma acção de incumprimento prevista nos arts. 258.º a 260.º do TFUE.
Sobre o princípio da responsabilidade do Estado (em especial do Estado-Juiz) por violação do Direito da União, Alessandra Silveira sublinha que, desde 2003, através dos Acórdãos Köbler , Comissão contra República Italiana e Traghetti del Mediterraneo o TJUE alargou este princípio explicitamente à actividade jurisdicional a fim de salvaguardar os direitos dos particulares decorrentes das obrigações que a ordem jurídica europeia impõe aos Estados-Membros.
Considerando que compete aos tribunais nacionais, como tribunais comuns do Direito da União Europeia, respeitar, aplicar e garantir a plena efectividade e uniformidade deste direito e que, actualmente, já são muito reduzidas as áreas não reguladas pelo DUE, o reenvio para o TJUE sobre questões de validade ou de interpretação de normas europeias, necessárias à resolução do litígio, assume uma importância fundamental crescente.
Essa importância tem sido proclamada, de forma reiterada, na jurisprudência evolutiva e dinâmica do TJUE, de tal forma que foi assumido, no referido Ac. Köbler, que o incumprimento da obrigação de reenvio integra uma violação manifesta do Direito da União susceptível de responsabilizar o Estado.
Neste particular, a jurisprudência Cilfit consagrou a doutrina do acto claro , ou seja, estabeleceu os pressupostos dos quais depende a dispensa do dever de reenvio.
Porém, esta jurisprudência também tem sido alvo de interpretações que prejudicam ou impedem a aplicação nomeadamente dos princípios da efectividade e da tutela jurisdicional efectiva .
Assim, como alerta Alessandra Silveira, o juiz que pretenda eximir-se da obrigação de reenvio, valendo-se da jurisprudência Cilfit, terá de fundamentar satisfatoriamente as razões que o levaram a fazê-lo, nomeadamente demonstrar que a resolução da questão de direito em causa:1) resulta de uma jurisprudência assente do TJUE; ou 2) não deixa margem para qualquer dúvida razoável - caso contrário incorre em responsabilidade.
Na prática, observa com pertinência Jónatas Machado, o reenvio será praticamente obrigatório, podendo mesmo ter lugar em casos em que o TJUE se tenha pronunciado e a jurisprudência não seja totalmente clara ou não traduza uma total identidade nas situações de facto do litígio em presença. (sublinhado nosso)
No recente Acórdão Ferreira da Silva e Brito do TJUE , de 09.09.2015, proferido em consequência do reenvio pelo tribunal nacional numa acção de responsabilidade extracontratual contra o Estado na qual era invocado o incumprimento do dever de reenvio do Supremo Tribunal de Justiça, aquele Tribunal esclareceu que o órgão jurisdicional, cuja decisão não seja susceptível de recurso interno, deve afastar o risco de interpretação errada do Direito da União, através do reenvio, quando existem correntes jurisprudenciais contraditórias a nível interno e dificuldades de interpretação nos Estados-Membros.
Na verdade, competindo ao TJUE a interpretação do DUE , ao juiz nacional está vedada, em caso de dúvida razoável, essa tarefa.
A não aplicação correcta do Direito da União Europeia, por falta de submissão de questões de interpretação/validade, implica para o julgador uma infracção do poder judicial à lei.
E a violação do dever de reenvio, para Jónatas Machado, tem refracções constitucionais, comunitárias e internacionais.
A interpretação da norma constitui uma actividade essencial da função jurisdicional, razão pela qual, uma interpretação incorrecta ou errada do DUE poderá comprometer a uniformidade de aplicação e constituir uma discriminação para os particulares, os quais, sobre a mesma questão jurídica, poderão ficar sujeitos a soluções divergentes, dependendo do Estado-Membro em que se encontrem.
Ora, é justamente esta situação que, face às diferentes versões linguísticas da directiva relativa ao seguro obrigatório de veículos automóveis e consequentes interpretações igualmente divergentes sobre o exacto sentido e alcance das respectivas normas, se tem verificado no seio da União.
No presente processo, o tribunal de 1.ª instância absolveu a Ré Seguradora por ter entendido que o acidente em que foi interveniente o tractor não pode qualificar-se como acidente de viação porque o sinistro em análise ficou a dever-se a factualidade completamente estranha à função do dito tractor enquanto meio de circulação, e o seguro contratado não cobria este risco (negrito nosso)
Esta decisão tem apoio maioritário da jurisprudência nacional.
Pese embora raras excepções, a jurisprudência tem interpretado a directiva e a legislação que procedeu à respectiva transposição no sentido de que se exige, para qualificar o acidente como de viação, a mobilidade do veículo, na altura em que ocorre o sinistro, e do qual resultam danos para terceiros.
Recentemente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2015 , fazendo apelo às directivas europeias sobre esta matéria e louvando-se no Acórdão Vnuk do TJUE de 04.09.2014 , num caso em que o tractor agrícola, antes do acidente mortal, se encontrava imobilizado e apenas tinha em funcionamento a picadora acoplada ao mesmo, parece ter confirmado a referida interpretação maioritária, ou seja, de que o acidente não pode ser qualificado como de viação, não estando, por isso, coberto pelo seguro automóvel, já que o veículo não estava a ser utilizado na sua função habitual (circulatória).
O referido Acórdão do STJ faz uma resenha da jurisprudência, para o qual, nesta parte, remetemos e, baseando-se na jurisprudência Vnuk do Tribunal de Justiça no sentido de que a noção de circulação de veículos abrange igualmente a utilização do veículo em conformidade com a sua função habitual, exclui, sob qualquer perspectiva, a qualificação de “acidente de viação” pois (o tractor) nem sequer estava a circular ou a ser utilizado como tal, ou seja, não estava a ser utilizado na sua função habitual. Acrescentando-se que o tractor cumpria a mera função de força motriz da picadora, sem que o acidente possa imputar-se aos riscos próprios do veículo como tal. (negrito nosso)
Ora, o Tribunal de Justiça salientou, no referido Acórdão Vnuk, que nenhuma das disposições das directivas relativas ao seguro automóvel remetem para o direito dos Estados-Membros no que respeita a esse conceito, razão pela qual a fixação do seu sentido e alcance não pode ser deixada à apreciação de cada Estado-Membro.
E, explicando melhor o que tal significa, declarou que, para assegurar a aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade, o sentido e alcance dos conceitos utilizados nessas disposições devem ser interpretados de modo autónomo e uniforme em toda a União Europeia.
Considerando que, face ao elemento literal das disposições europeias e da lei portuguesa e ainda da jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal de Justiça, é elevada a probabilidade da sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância ser confirmada, este Tribunal da Relação decide, na nossa perspectiva, em última instância atento o disposto no artigo 671.º, n.º 3 do C.P.Civil (regra da dupla conforme).
Mas, independentemente da obrigatoriedade do dever de reenvio, dada a clara pertinência e absoluta necessidade de se decidir o caso sub judice com o enquadramento do caso nos mencionados normativos, impõe-se, sem qualquer dúvida, suscitar a intervenção interpretativa do TJUE, a quem compete, como já se explicou, essa função.
Ora, as dúvidas que se suscitam, em relação a estes casos, resultam não só do elemento literal das normas aplicáveis mas também do Acórdão Vnuk do TJUE e do mencionado Acórdão do STJ, de 17.12.2015, que aduziu argumentos alicerçados naquela interpretação do TJUE, mais precisamente com a utilização, por aqueles Supremos Tribunais, da expressão “função habitual do veículo”.
Explicitando:
O artigo 3.º, n.º 1 da Directiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de Abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis estabelece que Cada Estado-Membro, sem prejuízo da aplicação do art. 4.º, adopta todas as medidas adequadas para que a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro.
A ideia inicial que sobressai deste diploma, cuja razão de ser se alicerçou na necessidade de facilitar a circulação de veículos e pessoas no mercado interno , sem descurar a protecção das vítimas, era a cobertura, através do seguro automóvel, dos riscos resultantes da circulação propriamente dita dos veículos.
No entanto, como reconheceu o TJUE, a evolução da regulamentação da União em matéria de seguro obrigatório evidencia que este objectivo de protecção das vítimas dos acidentes causados por veículos foi constantemente prosseguido e reforçado pelo legislador da união. (negrito nosso)
As versões linguísticas desta directiva, como já acima sublinhámos, não são uniformes, sendo que, como observa o Advogado-Geral Paolo Mengozzi, apenas sete das vinte e duas versões utilizam a palavra “circulação”, incluindo a portuguesa, a qual recorre, em simultâneo e indiferentemente, aos termos “circulação” e “utilização”.
Em resultado da não coincidência terminológica, os Estados-Membros tendem a interpretar diferentemente o âmbito da cobertura da obrigação de seguro.
A jurisprudência nacional, segundo o Advogado-Geral Paolo Mengozzi, também pode afastar-se da redacção da legislação, para ampliar ou restringir o âmbito de aplicação da obrigação de seguro, dando como exemplo daquela situação o caso decidido pela Cour de Cassation (Luxemburgo) no sentido de que se encontra abrangido por esta obrigação o veículo, em qualquer lugar em que se encontre, independentemente do dano ter sido causado, ou não, na sequência de um facto relacionado com a circulação. (sublinhado nosso)
A Comissão, nas suas observações, sustentou que a disposição prevista no art. 3.º, n.º 1 da Primeira Directiva aplica-se à utilização de veículos, seja como meio de transporte, ou como máquina, em qualquer lugar, público ou privado, onde possam ter lugar riscos inerentes à utilização de veículos, quer estes últimos se encontrem, ou não, em movimento.
O Tribunal de Justiça decidiu, no Acórdão Vnuk, que o artigo 3.º, n.º 1, da Diretiva 72/166/CEE, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de “circulação de veículos” nele previsto abrange qualquer utilização de um veículo em conformidade com a função habitual desse veículo. Pode ser assim ser abrangida pelo referido conceito a manobra de um trator com reboque no terreiro de uma quinta para colocar esse reboque num celeiro, como aconteceu no processo principal, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
Esta interpretação do TJUE estava, de certa forma, limitada ou balizada pelo quadro factual que o juiz nacional apurou no processo principal e que subsumiu na legislação aplicável.
Estava em causa, essencialmente, saber se aquela manobra de marcha-atrás do tractor, durante o acondicionamento de fardos na parte superior de um celeiro, para colocar o reboque no celeiro, por não poder ser enquadrada numa típica situação de “circulação rodoviária” e ter sido utilizado como máquina e não como meio de transporte, estava ou não abrangido pelo conceito de “circulação de veículos” previsto na Primeira Directiva.
A tónica predominante da actividade interpretativa do TJUE parece ter incidido na utilização do veículo, como máquina, em movimento (função habitual).
Não chegou a pronunciar-se, por desnecessidade, face àquela limitação factual e acolhendo a sugestão do Advogado-Geral , no sentido de saber se o conceito de “circulação de veículos” também abrange a utilização do veículo como máquina, sem locomoção.
Na verdade, existem veículos, de natureza mista, utilizados simultaneamente como meio de transporte e como máquina, nas mais diversas áreas de actividade (agrícola, construção civil, industrial) que causam danos a terceiros decorrentes dessa utilização, não só quando circulam mas também em resultado da sua função regular de máquina, podendo encontrar-se, aquando desta utilização, imobilizados.
Atendendo às preocupações reveladas pelo legislador europeu nas Directivas de protecção das vítimas e à necessidade de uma aplicação uniforme do Direito da União, nesta relevante matéria, justificar-se-á não integrar no conceito de “circulação de veículos” os casos em que um veículo desta natureza, se encontra imobilizado, e ao ser utilizado, na sua função habitual de máquina, causa danos, muitas vezes graves e até mortais, como sucedeu no presente caso, a terceiros?
Importa, por isso, esclarecer estas dúvidas, de índole interpretativa, absolutamente fundamentais para a resolução do presente litígio.

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal da Relação de Guimarães, Portugal, em suspender a instância ao abrigo dos artigos 269.º, n.º 1, al. c), 1.ª parte e 272.º, n.º 1 do C.P.Civil a fim de submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia as seguintes questões de interpretação do conceito de “circulação de veículos” à luz das finalidades prosseguidas pelas Directivas referentes ao seguro de responsabilidade civil automóvel previsto nomeadamente no artigo 3.º, n.º 1 da Directiva 72/166/CEE do Conselho de 24.04.1972:
1—A obrigação de seguro prevista no artigo 3.º, n.º 1 da Primeira Directiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de Abril de 1972, resultante da circulação de veículos com estacionamento habitual no território de cada Estado-Membro aplica-se à utilização de veículos, em qualquer lugar, público ou privado, apenas quando estejam em movimento ou também quando estejam imobilizados, desde que com o respectivo motor em funcionamento?
2—Está abrangido pelo referido conceito de circulação de veículos, na acepção do artigo 3.º, n.º 1 da mencionada Primeira Directiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de Abril de 1972, um tractor agrícola, imobilizado num caminho plano de terra, de uma quinta, que está a ser utilizado, como habitualmente, na execução de trabalhos agrícolas (pulverização de herbicida numa vinha), com o motor em funcionamento, para accionar a bomba do bidão que continha o herbicida e que, nessas circunstâncias, em resultado do deslizamento de terras causado, em conjugação, pelos seguintes factores:
- pelo peso do tractor,
-pela trepidação provocada pelo motor do tractor e pela bomba de saída da pulverizadora, encaixada na traseira daquele,
- e pela forte chuva que caíu,
originou a queda do referido tractor, o qual veio a atingir quatro trabalhadores que se encontravam a executar aquele trabalho nos socalcos inferiores, provocando a morte a uma trabalhadora que segurava a mangueira com a qual fazia a pulverização?
3—Sendo respondido afirmativamente às duas precedentes questões, essa interpretação do conceito de “circulação de veículos” do artigo 3.º, n.º 1 da Primeira Directiva 72/166/CEE do Conselho de 24.04.1972 opõe-se a uma legislação nacional (art. 4.º, n.º 4 do Dec.-Lei n.º 291/2007 de 21.08) que exclui a obrigação de seguro prevista no mencionado artigo 3.º, n.º 1 às situações em que os veículos são utilizados em funções meramente agrícolas ou industriais?
Notifique.

Oportunamente, remeta ao Tribunal de Justiça da União Europeia certidão deste Acórdão, da sentença, petição, contestação (fls. 181-192), contestação (fls. 430-447), contestação (fls. 196-203), réplica (fls. 239-243) documentos (fls. 85-125, 261-263, 284-286, 379-401, 477-529) recursos e contra-alegações (através de carta registada dirigida a “GREFFE DE LA COUR DE JUSTICE, Rue du Fort Niedergrünewald, L-2925, LUXEMBOURG.”

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)
Guimarães, 23 de Junho de 2016
(Anabela Andrade Miranda Tenreiro)
(Francisca Micaela Fonseca da Mota Vieira)
(Fernando Fernandes Freitas)
*
1 Cfr. Exposição de motivos da reforma.
2 Cfr. Exposição de motivos da reforma.
3 Sobre a distinção entre factos essenciais/instrumentais, complementares e concretizadores v. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I, pág. 64, Faria, Paulo Ramos de e Loureiro, Ana Luisa, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2.ª edição, vol. I, pág. 35-45 e Freitas, Lebre de, e Alexandre, Isabel, Código de Processo Civil Anotado, vol I, 3.º edição, pág. 14-17, Cabrita, Helena, A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, pág. 86 e segs.
4 Ob. cit., pág. 97.
5 O filho do 2º réu, Jorge Filipe Silva Pinto é o habitual condutor do tractor referido em 7º.
6 xxiv) O 2º réu é uma pessoa que não comete erros, com actos ou omissões, emergentes da habitualidade ao perigo no trabalho que executa e manda executar.
xxv) O filho do 2º réu, Jorge Filipe Silva Pinto, é considerado por todos os trabalhadores como sendo um condutor cauteloso e experiente na condução do tractor e nas manobras que faz com ele.
xxvi) Imediatamente antes do acidente acontecer, o tractor estava bem parado e bem travado.
xxvii) A pulverizadora também estava bem amarrada.
7 cfr. Acórdão do STJ de 29/01/2014 in www.dgsi.pt.
8 Cfr. Geraldes, António Santos Abrantes, Temas da Reforma do Processo Civil, II vol., pág. 256.
9 Previstos no art. 288.º do TFUE : regulamentos, directivas, decisões, recomendações e pareceres.
10 Neste sentido Ac. Costa c. Enel, proc. 6/64, Rec.1964, p.592,593, Ac. Hoffman Laroche de 24.05.1977, proc. 107/76, rec.1977,p.973, Ac. Cilfit de 06.10.1982 (C-283/81) disponíveis em http://eur-lex.europa.eu; na doutrina, v. entre outros Fausto de Quadros e Ana Maria Guerra Martins, Contencioso da União Europeia, Almedina, 2.ª edição, pág. 90 e sgs. e desta autora, Manual de Direito da União Europeia, 2012, p.552.
11 Exposto pelo TJUE no Acórdão Francovich de 19.11.1991 (C-6/90 e C-9/90) relativo ao incumprimento de transposição de uma directiva pelo Estado Italiano.
12 Princípios de Direito da União Europeia, Doutrina e jurisprudência, 2.ª edição, Quid Juris, pág. 177; sobre esta temática, consultar ainda a premiada dissertação de mestrado de Sophie Perez Fernandes, A Responsabilidade Civil do Estado-Legislador por Violação do Direito da União Europeia, Breves Notas sobre o caso Português, Principia, 2013, p. 161 e segs.
13 De 30.09.2003 (C-224/01).
14 De 09.12.2003 (C-129/00).
15 De 13.06.2006 (C-173/03).
16 A doutrina alerta para a quase impossibilidade de dispensa do dever de reenvio caso sejam cumpridas pelo órgão jurisdicional nacional as “cautelas” enunciadas no Ac. Cilfit, de 06.10.1982 : 1) estar convicto de que a mesma evidência se impõe aos órgãos jurisdicionais de outros Estados-Membros e ao TJUE; 2) compara todas as versões linguísticas da disposição normativa a fim de bem interpretá-la;3)considerar que cada disposição do direito da União deve ser contextualizada e interpretada à luz do conjunto das suas disposições, das suas finalidades e do seu grau de evolução-cfr. entre outros, Alessandra Silveira, ob. cit. e Jónatas Machado, Direito da União Europeia, 2010, Coimbra Editora, pág. 585, 586.
17 v. ob. cit. pág. 104.
18 v. ob. cit., pág. 193.
19 Direito da União Europeia, 2010, Coimbra Editora, pág. 586.
20 Processo C-160/14 disponível em curia.europa.eu.
21 Ac. STJ de 25.02.2009 sobre despedimento colectivo e o conceito de “transmissão de estabelecimento” disponível em www.dgsi.pt.
22 Direito da União Europeia.
23 Cfr. neste sentido, Fausto de Quadros, Direito da União Europeia, 2009, Almedina, pág. 544, ao pronunciar-se sobre o panorama (não brilhante) da aplicação do DUE pelos tribunais portugueses.
24 Ob. cit.,pág. 586, explicando este autor que “Do ponto de vista constitucional, ela configura uma violação do princípio do juiz legal. Do ponto de vista do direito da UE ela configura uma situação de incumprimento do direito da EU, podendo relevar para efeitos da acção prevista no artigo 258.º TFUE e da responsabilidade extracontratual dos Estados-Membros por violação do direito da EU. No plano do direito internacional dos direitos humanos ela representa uma violação ao direito a um julgamento justo e equitativo (due process), podendo a decisão do tribunal nacional ser contestada junto do TEDH por violação do art. 6.º CEDH”.
25 Esta realidade é descrita nas Conclusões do Advogado-Geral Paolo Mengozzi, apresentadas em 26/02/2014, no processo C-162/13 (Damijan Vnuk contra Zavarovalnica Triglav d.d.) disponível em Info-Curia-Jurisprudência do Tribunal de Justiça.
Disponível em www.dgsi.pt.
26 Disponível em www.dgsi.pt.
27 Processo C-162/13 disponível em curia.europa.eu.
28 Cfr. primeiro considerando.
29 Cfr. referido Acórdão Vnuk de 04.09.2014, C-162/13
30 Cfr. considerandos 27 e 40 das Conclusões do Advogado-Geral Paolo Mengozzi no processo C-162/13 (Ac. Vnuk) e artigo 4.º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 291/2007 de 21.08.
31 Cfr. considerandos 26 e 28 das Conclusões do Advogado-Geral Paolo Mengozzi no processo C-162/13.
32 Cfr. Considerando 44.