Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
682/09.8TAVNF.G1
Relator: ISABEL CERQUEIRA
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CONDIÇÃO DE PAGAMENTO DA QUANTIA EM DÍVIDA
INCUMPRIMENTO NÃO CULPOSO
EXTINÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I) Se o incumprimento do dever de pagar imposto como condição de suspensão da execução da pena não é culposo por não resultar de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade, não pode o tribunal nem usar de qualquer das possibilidades previstas no artº 55, do CP, nem revogar a suspensão da execução, nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 56º, do mesmo diploma legal.
II) É o que sucede no caso dos autos face ao circunstancialismo apurado do qual resulta que os recorrentes não possuem bens ou rendimentos que lhe permitam satisfazer a quantia imposta como condição da suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada.
III) Daí que a única alternativa jurídica para o incumprimento em causa nos autos seja a extinção da pena, nos termos do nº 1 do artº 57º do CP.
Decisão Texto Integral: Processo n.º 682/09.8TAVNF-B.G1
Acordam, em conferência, na Secção Criminal deste Tribunal:
Relatório
Nos autos dos quais este constitui o apenso B, que correram termos pela Inst. Local de V.N. de Famalicão – Secção Criminal – J1, da Comarca de Braga, foi proferida, em 27/01/2016, a decisão de fls. 38 e seguinte (se nada for dito em contrário, será sempre a fls. desta certidão que nos referiremos), que, nos termos do art.º 50º alínea d) do Código Penal (a partir de agora apenas referido como CP), prorrogou por 13 meses a suspensão da execução da pena aplicada, por sentença transitada há cerca de 3 anos, de 26 meses de prisão suspensa por igual período, aos recorrentes P. H. e Graça H. (fls. 74 a 80), com a condição de pagarem também no mesmo prazo a quantia em dívida, bem como juros, à Segurança Social, pela prática de um crime de abuso de confiança à mesma instituição, na forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 105º n.º 1 e 107º do RGIT e 30º do CP.
A Meritíssima Juíza a quo fundamentou tal prorrogação do período de suspensão, no facto de os recorrentes ainda não terem pago aquela quantia, apesar de se mostrarem disponíveis para o fazer, tendo pago apenas de forma irregular uma parte da mesma.
Foi desta decisão que aqueles arguidos interpuseram o presente recurso (fls. 46 a 53), que fundamentam no facto de não terem sido trazidos aos autos principais factos dos quais se pudesse inferir que agiram culposamente ao deixar de pagar as quantias em que foram condenados, único aspecto que permite a aplicação do art.º 55º do CP. Acresce que, do relatório social efectuado resulta claramente que estão desempregados e se encontram numa débil situação financeira, que os impede de cumprir a condição de suspensão da execução das penas, por factos que não lhes são imputáveis, e apesar de terem exaustivamente procurado trabalho, além de que naqueles 13 meses não lhes será exigível pagar as quantias em falta, pelo que, deve ser revogada a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que determine a extinção da pena, nos termos do n.º 1 do art.º 57º do CP.
Mais alegam, ser nula a decisão recorrida, por falta de fundamentação, e não ter sido feito na decisão condenatória (confirmada por este Tribunal), o juízo de prognose de que lhes era possível cumprir a condição imposta para a suspensão da execução da pena, conforme jurisprudência posteriormente fixada, pelo que, ocorreu a nulidade de omissão de pronúncia naquela decisão, tendo, pois, agora os recorrentes direito a beneficiar de tal juízo.
O Magistrada do M.P. junto do tribunal recorrido respondeu, nos termos de fls. 58 a 62, pugnando pela total improcedência dos recursos.
O Ex.mº Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu o douto parecer que antecede, no qual se pronuncia no mesmo sentido.
Foi cumprido o n.º do art.º 417º do CPP, os recorrentes responderam nos termos de fls. 78 a 80, foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência, cumprindo decidir.
*****
É o seguinte o teor da decisão recorrida, que se transcreve na totalidade:
Nos presentes autos, P. H. e Graça H. foram condenados, por sentença já transitada em julgado, na pena de 26 (vinte e seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 26 meses, na condição de, no mesmo prazo, proceder ao pagamento da quantia em dívida à Fazenda Pública (capital e juros).
Decorridos 3 anos sobre o trânsito em julgado da decisão condenatória, os condenados procederam apenas, de forma irregular, ao pagamento parcial da quantia em dívida (cfr. fls.1275, 1276 e 1358).
Foi designada data para audição presencial dos condenados, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 495º, n.º 2 do C. P. Penal, sendo solicitados e elaborados relatórios sobre as condições pessoais e cumprimento da suspensão pelos condenados.
Dispõe o artigo 55º do Código Penal que, “Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:
a) Fazer uma solene advertência;
b] Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;
d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no nº 5 do artigo 50º “
Nesta decorrência, e atendendo que os condenados ainda não procederam ao pagamento da quantia em dívida, apesar de se mostrarem disponíveis para o fazer, nos termos do disposto no artigo 55º, al. d) do C. P. Penal, prorrogou a suspensão da execução da pena de prisão na qual foram condenados, pelo prazo de 13 (treze) meses, por forma a cumprirem a condição suspensiva da execução da pena aplicada.
*****
*****
Fundamentação de Direito
Dispõe a alínea d) do art.º 55º do CP que o período de suspensão da execução da pena pode ser prorrogado, se durante aquele período, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, como condição daquela suspensão (corpo do artigo).
No caso sub judice, cada um dos recorrentes foi condenado em 17/02/2012, por decisão há muito transitada em julgado, pela prática, em co-autoria de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos art.ºs, 105º n.º 1 do RGIT e 30º do CP, na pena de 26 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa por igual período, sob a condição de, no mesmo prazo, pagarem àquela instituição a quantia em dívida (50.347,72 euros), acrescida dos juros devidos (fls. 1 a 37).
Aquela suspensão da execução da pena foi fundamentada num juízo de prognose favorável aos arguidos, ou seja, na esperança de que eles assimilariam a advertência que a condenação implicava e que seriam desencorajados de cometer novos crimes (decisão condenatória, a fls. 30).
Entretanto, em 27/01/2016, quase 4 anos depois da aplicação daquelas penas, os ora recorrentes ainda não tinham cumprido a condição de suspensão da execução das mesmas, e tendo-se iniciado antes do decurso daquele prazo (o que não é irrelevante, pois, se aquele prazo já tivesse terminado, cumpria era declarar extinta a pena, nos termos do art.º 57º do CP, conforme refere muita Jurisprudência, nomeadamente do STJ, como os Acórdãos do Sr. Conselheiro Santos Carvalho de 29/04/2010 e 21/06/2012) o “incidente” para verificar o cumprimento ou incumprimento daquela condição, e no último caso se o mesmo era culposo ou não, foram os recorrentes ouvidos presencialmente e foram solicitados relatórios sociais dos mesmos (fls. 93 a 98).
Face a esses elementos e à promoção do M.P. nesse sentido, foi proferida a decisão agora em recurso, relativamente à qual os recorrentes se vieram insurgir, alegando estar aquela ferida da nulidade de falta de fundamentação, e estar destituída de base factual, para prorrogar o prazo de suspensão da execução da pena, por o incumprimento da condição não ser culposo, além de na sentença condenatória não ter sido feito o juízo de razoabilidade daquela condição, como hoje o impõe o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 8/2012, que tendo sido feito levaria inequivocamente à conclusão de que era impossível para os recorrentes o cumprimento daquela condição, e que tem que ser feito agora, com vista à extinção da pena, nos termos do n.º 1 do art.º 57º do CP.
Ora, e quanto à alegada falta de fundamentação, tratando-se de um despacho e não de uma sentença, ao qual se aplica o art.º 97º do CPP, a existir e porque constituía uma mera irregularidade há muito teria que ter sido arguida, encontrando-se precludido o direito dos recorrentes a argui-la aquando da interposição do recurso, por a mesma não afectar o valor do despacho proferido.
Já quanto à análise, neste momento, da razoabilidade da condição imposta como condição da suspensão da execução da pena, que implica nos termos do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ n.º 8/2012, de 12/09/2012, um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição por parte do condenado, juízo que não foi feito no caso concreto na decisão condenatória proferida antes da prolação daquele Acórdão, na verdade, impõe-se agora faze-lo, embora não como habitualmente para a escolha da pena a aplicar, mas, como já se disse, apenas para averiguar se há razões para a sua eventual extinção nos termos do n.º 1 do art.º 57º do CP.
Cumpre também apreciar a bondade da decisão recorrida em prorrogar o período da suspensão da execução da pena, nos termos do art.º 55º do mesmo diploma legal, sem esquecer que, como diz Figueiredo Dias em “As consequências Jurídicas do Crime”, as finalidades das penas de substituição, como é o caso da suspensão da execução da pena de prisão são exclusivamente preventivas, de prevenção geral e especial, e não de compensação da culpa, que apenas deve ser considerada em sede de determinação da medida da pena.
Ora, como resulta à saciedade dos relatórios sociais juntos aos autos, os recorrentes com 66 e 56 anos de idade, ou seja, “velhos” para o mercado de trabalho, encontram-se sem trabalhar e sem qualquer espécie de rendimentos, a viver na Alemanha, em casa de uma irmã do recorrente marido, vivendo o casal economicamente dependente da família deste, e não tendo património pessoal, que foi sendo aplicado nas sociedades comerciais das quais eram os únicos sócios, quando as mesmas começaram a apresentar dificuldades financeiras, como muitas das sociedades têxteis situadas no Vale do Ave.
Face a esta situação, é mais que evidente que para os recorrentes, mesmo salvo regresso de melhor fortuna, é pouquíssimo provável se não improvável virem a ter possibilidades de cumprir a condição imposta para a suspensão das execuções das penas aplicadas, não sendo razoável a imposição daquela condição.
Assim, e porque o incumprimento, face àquele circunstancialismo, do dever de pagar imposto como condição de suspensão da execução das penas, não é culposo (e só o incumprimento culposo releva para esses fins, como refere o próprio texto da lei e conforme expendido, entre outros, no douto Acórdão deste Tribunal relatado pelo Senhor Desembargador Fernando Monterroso, citado pelos recorrentes) não podia o tribunal a quo nem usar de qualquer das possibilidades previstas no art.º 55º do CP, nem revogar a suspensão da execução da pena, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 56º do mesmo diploma legal, por o incumprimento não resultar de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade (como refere, Paulo Pinto de Albuquerque em anotação àqueles artigos no seu Comentário do Código Penal), ou de os recorrentes se auto colocarem voluntariamente numa situação de não poderem cumprir a mesma condição (como refere, a Sr.ª Desembargadora Dr.ª Luísa Arantes, em acórdão proferido neste Tribunal) pelo que, a única alternativa jurídica para o incumprimento em causa nos autos era a extinção da pena, nos termos do n.º 1 do art.º 57º do mesmo CP.
Assim, tem o despacho proferido que ser revogado, e substituído por outro que declare extintas as penas de prisão suspensas na sua execução aplicadas aos recorrentes.
*****
Decisão
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso interposto pelos arguidos P. H. e Graça H., e revoga-se o despacho recorrido que terá que ser substituído por outro que declare extintas as penas aplicadas nos autos principais a estes recorrentes.
Sem custas.
Guimarães, 21 de Novembro de 2016







Processo n.º 682/09.8TAVNF-B.G1
Acordam, em conferência, na Secção Criminal deste Tribunal:
Relatório
Nos autos dos quais este constitui o apenso B, que correram termos pela Inst. Local de V.N. de Famalicão – Secção Criminal – J1, da Comarca de Braga, foi proferida, em 27/01/2016, a decisão de fls. 38 e seguinte (se nada for dito em contrário, será sempre a fls. desta certidão que nos referiremos), que, nos termos do art.º 50º alínea d) do Código Penal (a partir de agora apenas referido como CP), prorrogou por 13 meses a suspensão da execução da pena aplicada, por sentença transitada há cerca de 3 anos, de 26 meses de prisão suspensa por igual período, aos recorrentes Paul Hogemann e Graça Hogemann (fls. 74 a 80), com a condição de pagarem também no mesmo prazo a quantia em dívida, bem como juros, à Segurança Social, pela prática de um crime de abuso de confiança à mesma instituição, na forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 105º n.º 1 e 107º do RGIT e 30º do CP.
A Meritíssima Juíza a quo fundamentou tal prorrogação do período de suspensão, no facto de os recorrentes ainda não terem pago aquela quantia, apesar de se mostrarem disponíveis para o fazer, tendo pago apenas de forma irregular uma parte da mesma.
Foi desta decisão que aqueles arguidos interpuseram o presente recurso (fls. 46 a 53), que fundamentam no facto de não terem sido trazidos aos autos principais factos dos quais se pudesse inferir que agiram culposamente ao deixar de pagar as quantias em que foram condenados, único aspecto que permite a aplicação do art.º 55º do CP. Acresce que, do relatório social efectuado resulta claramente que estão desempregados e se encontram numa débil situação financeira, que os impede de cumprir a condição de suspensão da execução das penas, por factos que não lhes são imputáveis, e apesar de terem exaustivamente procurado trabalho, além de que naqueles 13 meses não lhes será exigível pagar as quantias em falta, pelo que, deve ser revogada a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que determine a extinção da pena, nos termos do n.º 1 do art.º 57º do CP.
Mais alegam, ser nula a decisão recorrida, por falta de fundamentação, e não ter sido feito na decisão condenatória (confirmada por este Tribunal), o juízo de prognose de que lhes era possível cumprir a condição imposta para a suspensão da execução da pena, conforme jurisprudência posteriormente fixada, pelo que, ocorreu a nulidade de omissão de pronúncia naquela decisão, tendo, pois, agora os recorrentes direito a beneficiar de tal juízo.
O Magistrada do M.P. junto do tribunal recorrido respondeu, nos termos de fls. 58 a 62, pugnando pela total improcedência dos recursos.
O Ex.mº Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu o douto parecer que antecede, no qual se pronuncia no mesmo sentido.
Foi cumprido o n.º do art.º 417º do CPP, os recorrentes responderam nos termos de fls. 78 a 80, foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência, cumprindo decidir.
*****
É o seguinte o teor da decisão recorrida, que se transcreve na totalidade:
Nos presentes autos, Paul Hogemann e Graça Hogemann foram condenados, por sentença já transitada em julgado, na pena de 26 (vinte e seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 26 meses, na condição de, no mesmo prazo, proceder ao pagamento da quantia em dívida à Fazenda Pública (capital e juros).
Decorridos 3 anos sobre o trânsito em julgado da decisão condenatória, os condenados procederam apenas, de forma irregular, ao pagamento parcial da quantia em dívida (cfr. fls.1275, 1276 e 1358).
Foi designada data para audição presencial dos condenados, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 495º, n.º 2 do C. P. Penal, sendo solicitados e elaborados relatórios sobre as condições pessoais e cumprimento da suspensão pelos condenados.
Dispõe o artigo 55º do Código Penal que, “Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:
a) Fazer uma solene advertência;
b] Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;
d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no nº 5 do artigo 50º “
Nesta decorrência, e atendendo que os condenados ainda não procederam ao pagamento da quantia em dívida, apesar de se mostrarem disponíveis para o fazer, nos termos do disposto no artigo 55º, al. d) do C. P. Penal, prorrogou a suspensão da execução da pena de prisão na qual foram condenados, pelo prazo de 13 (treze) meses, por forma a cumprirem a condição suspensiva da execução da pena aplicada.
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Fundamentação de Direito
Dispõe a alínea d) do art.º 55º do CP que o período de suspensão da execução da pena pode ser prorrogado, se durante aquele período, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, como condição daquela suspensão (corpo do artigo).
No caso sub judice, cada um dos recorrentes foi condenado em 17/02/2012, por decisão há muito transitada em julgado, pela prática, em co-autoria de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos art.ºs, 105º n.º 1 do RGIT e 30º do CP, na pena de 26 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa por igual período, sob a condição de, no mesmo prazo, pagarem àquela instituição a quantia em dívida (50.347,72 euros), acrescida dos juros devidos (fls. 1 a 37).
Aquela suspensão da execução da pena foi fundamentada num juízo de prognose favorável aos arguidos, ou seja, na esperança de que eles assimilariam a advertência que a condenação implicava e que seriam desencorajados de cometer novos crimes (decisão condenatória, a fls. 30).
Entretanto, em 27/01/2016, quase 4 anos depois da aplicação daquelas penas, os ora recorrentes ainda não tinham cumprido a condição de suspensão da execução das mesmas, e tendo-se iniciado antes do decurso daquele prazo (o que não é irrelevante, pois, se aquele prazo já tivesse terminado, cumpria era declarar extinta a pena, nos termos do art.º 57º do CP, conforme refere muita Jurisprudência, nomeadamente do STJ, como os Acórdãos do Sr. Conselheiro Santos Carvalho de 29/04/2010 e 21/06/2012) o “incidente” para verificar o cumprimento ou incumprimento daquela condição, e no último caso se o mesmo era culposo ou não, foram os recorrentes ouvidos presencialmente e foram solicitados relatórios sociais dos mesmos (fls. 93 a 98).
Face a esses elementos e à promoção do M.P. nesse sentido, foi proferida a decisão agora em recurso, relativamente à qual os recorrentes se vieram insurgir, alegando estar aquela ferida da nulidade de falta de fundamentação, e estar destituída de base factual, para prorrogar o prazo de suspensão da execução da pena, por o incumprimento da condição não ser culposo, além de na sentença condenatória não ter sido feito o juízo de razoabilidade daquela condição, como hoje o impõe o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 8/2012, que tendo sido feito levaria inequivocamente à conclusão de que era impossível para os recorrentes o cumprimento daquela condição, e que tem que ser feito agora, com vista à extinção da pena, nos termos do n.º 1 do art.º 57º do CP.
Ora, e quanto à alegada falta de fundamentação, tratando-se de um despacho e não de uma sentença, ao qual se aplica o art.º 97º do CPP, a existir e porque constituía uma mera irregularidade há muito teria que ter sido arguida, encontrando-se precludido o direito dos recorrentes a argui-la aquando da interposição do recurso, por a mesma não afectar o valor do despacho proferido.
Já quanto à análise, neste momento, da razoabilidade da condição imposta como condição da suspensão da execução da pena, que implica nos termos do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ n.º 8/2012, de 12/09/2012, um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição por parte do condenado, juízo que não foi feito no caso concreto na decisão condenatória proferida antes da prolação daquele Acórdão, na verdade, impõe-se agora faze-lo, embora não como habitualmente para a escolha da pena a aplicar, mas, como já se disse, apenas para averiguar se há razões para a sua eventual extinção nos termos do n.º 1 do art.º 57º do CP.
Cumpre também apreciar a bondade da decisão recorrida em prorrogar o período da suspensão da execução da pena, nos termos do art.º 55º do mesmo diploma legal, sem esquecer que, como diz Figueiredo Dias em “As consequências Jurídicas do Crime”, as finalidades das penas de substituição, como é o caso da suspensão da execução da pena de prisão são exclusivamente preventivas, de prevenção geral e especial, e não de compensação da culpa, que apenas deve ser considerada em sede de determinação da medida da pena.
Ora, como resulta à saciedade dos relatórios sociais juntos aos autos, os recorrentes com 66 e 56 anos de idade, ou seja, “velhos” para o mercado de trabalho, encontram-se sem trabalhar e sem qualquer espécie de rendimentos, a viver na Alemanha, em casa de uma irmã do recorrente marido, vivendo o casal economicamente dependente da família deste, e não tendo património pessoal, que foi sendo aplicado nas sociedades comerciais das quais eram os únicos sócios, quando as mesmas começaram a apresentar dificuldades financeiras, como muitas das sociedades têxteis situadas no Vale do Ave.
Face a esta situação, é mais que evidente que para os recorrentes, mesmo salvo regresso de melhor fortuna, é pouquíssimo provável se não improvável virem a ter possibilidades de cumprir a condição imposta para a suspensão das execuções das penas aplicadas, não sendo razoável a imposição daquela condição.
Assim, e porque o incumprimento, face àquele circunstancialismo, do dever de pagar imposto como condição de suspensão da execução das penas, não é culposo (e só o incumprimento culposo releva para esses fins, como refere o próprio texto da lei e conforme expendido, entre outros, no douto Acórdão deste Tribunal relatado pelo Senhor Desembargador Fernando Monterroso, citado pelos recorrentes) não podia o tribunal a quo nem usar de qualquer das possibilidades previstas no art.º 55º do CP, nem revogar a suspensão da execução da pena, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 56º do mesmo diploma legal, por o incumprimento não resultar de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade (como refere, Paulo Pinto de Albuquerque em anotação àqueles artigos no seu Comentário do Código Penal), ou de os recorrentes se auto colocarem voluntariamente numa situação de não poderem cumprir a mesma condição (como refere, a Sr.ª Desembargadora Dr.ª Luísa Arantes, em acórdão proferido neste Tribunal) pelo que, a única alternativa jurídica para o incumprimento em causa nos autos era a extinção da pena, nos termos do n.º 1 do art.º 57º do mesmo CP.
Assim, tem o despacho proferido que ser revogado, e substituído por outro que declare extintas as penas de prisão suspensas na sua execução aplicadas aos recorrentes.
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Decisão
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso interposto pelos arguidos Paul Albrecht Hogemann e Graça Maria Pereira Mendonça Hogemann, e revoga-se o despacho recorrido que terá que ser substituído por outro que declare extintas as penas aplicadas nos autos principais a estes recorrentes.
Sem custas.
Guimarães, 21 de Novembro de 2016