Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5403/18.1T8VNF.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Para se considerar a culpa da empregadora na ocorrência de um sinistro, por violação de regras de segurança é necessário que se verifique um nexo causal entre a(s) violação(ões) e o acidente. A prova de tal nexo de causalidade compete a quem invoca o direito.
Tendo o trabalhador, que não é operador da máquina, sofrido um sinistro quando procedia a limpeza desta, com ela ligada, à revelia de instruções no sentido de que a limpeza apenas poderia ser efetuada com a máquina desligada, a falta de proteção da lâmina e a natureza imprópria das luvas de trabalho não foram causa adequada do mesmo.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

J. P., propôs a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra;
Seguradoras ..., S.A. e Sociedade ... de Serração e Mobiliários, Lda.

Alega que sofreu um acidente no dia 5/5/2018, quando prestava serviço para a segunda ré, na sede desta, em ..., tendo perdido quatro dedos da mão direita. O acidente ocorreu no manuseamento de uma máquina, sem que lhe tivesse sido administrada qualquer formação acerca dos procedimentos de segurança. Não foi fornecido material de segurança propicio ao manuseamento da máquina.

Pede a condenação da seguradora:

a) a pagar ao Autor a pensão anual e vitalícia de 1.494,06 Euros desde o dia 09/05/2018, obrigatoriamente remível, a que corresponde o capital de remição de 21.908,90 Euros.
b) a pagar ao Autor, a título de It`s pelo tempo de baixa, o montante 2.098,03 Euros.
c) a 20,00 pelas deslocações ao Tribunal e ao G.M.L., tudo acrescido dos juros de mora à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos até integral pagamento;

E da Entidade Patronal:
a) a pagar ao Autor a pensão anual agravada no montante 21.908,90 Euros.
b) 75.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, tudo acrescido dos juros de mora à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos até integral pagamento;
A Ré Seguradora contestou invocando violação de regras de segurança por parte do sinistrado.
A patronal contestou referindo não ter ordenado ao autor o serviço que este invoca realizava no momento do acidente, referindo que este não tem habilitações para manusear máquinas. Como trabalhador indiferenciado, o A. tinha como função retirar a matéria prima (madeira) e as aparas no final da linha de produção, para acondicionar e arrumar o material, sem qualquer interferência no manuseamento ou funcionamento da máquina alinhadeira.

No apenso foi decidido que o sinistrado:
- Esteve afetado de incapacidade temporária absoluta entre 06/05/2018 e 04/09/2018;
- Está afetado de uma incapacidade permanente parcial de 22,994632% (0,22994632) desde o dia 04/09/2018.
*
Realizado o julgamento e respondida a matéria de facto foi proferida decisão julgando a ação nos seguintes termos:

“Assim, e nos termos expostos, julgo a ação procedente por provada e, consequentemente, condeno:
a. solidariamente as rés Sociedade ... de Serração e Mobiliários, Lda. e Seguradoras ..., S.A., sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho), no pagamento ao autor J. P. das seguintes quantias:
a) 2.997,19€ (dois mil, novecentos e noventa e sete euros e dezanove cêntimos) a título de indemnizações por incapacidades temporárias, da responsabilidade apenas da ré Sociedade ... de Serração e Mobiliários, Lda. (estado a responsabilidade da ré Seguradoras ..., S.A. limitada à quantia de 2.098,03€ e tendo direito de regresso sobre aquela ré caso a venha a pagar);
b) 20,00€ (vinte euros) a título de reembolso de despesas de transporte, tendo a ré Seguradoras ..., S.A. direito de regresso sobre a ré empregadora quanto a tal quantia, caso a venha a pagar;
c) o capital de remição da pensão anual e vitalícia, devida em 05/09/2018, no montante de 2.061,93€ (dois mil e sessenta e um euros e noventa e três cêntimos), sendo a ré Seguradoras ..., S.A. responsável apenas até ao limite do capital de remição da pensão anual e vitalícia no valor de 1.443,35€ (mil, quatrocentos e quarenta e três euros e trinta e cinco cêntimos) e tendo direito de regresso sobre a ré empregadora sobre a quantia que a esse título venha a pagar;
b. a ré Sociedade ... de Serração e Mobiliários, Lda., sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho), no pagamento ao autor J. P. da quantia de 20.000,00€ (vinte mil euros) para compensação dos danos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente de trabalho…”

Inconformada a ré patronal interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:

1. A recorrente, não pode conformar-se com a decisão proferida pelo douto tribunal “a quo”, por erro de julgamento da matéria de facto e de direito, porquanto para além de matéria de facto controvertida ter sido julgada erradamente como provada, a prova produzida impunha que fosse dado como provados factos que constam como não provados, o que também, só por si, compromete irremediavelmente a solução jurídica dada ao pleito, já de si deficientemente julgada.
2. O tribunal a quo deu erradamente como provado o facto contido na alínea H) da matéria de facto provada, porém, ao contrário do que refere a douta sentença, atento o alegado no item 13 da contestação, bem como o vertido no item 35 do mesmo articulado, que impugnou o item 17.º da petição inicial, jamais poderia ser considerado que a factualidade de que o acidente se deu por ter a luva do autor ficado presa, se mostra provada por acordo, nos termos do art.º 574º, n.º 2 do CPC. (aplicável ex vi art.º 1º do CPT).
3. Apenas o A., querendo, lograria esclarecer o que aconteceu, porém, optou por não prestar quaisquer declarações, restando apenas a versão por si trazida na petição inicial, e cujo ónus da prova lhe competia (art.º 342º, n.º 1 do Código Civil).
4. O tribunal valorou, quanto a esta matéria, os depoimentos das testemunhas A. D. e de S. L., dos quais resulta que se encontravam a trabalhar junto da máquina onde ocorreu o acidente, mas não presenciaram de que forma o mesmo ocorreu, nem tampouco qual foi o motivo para o mesmo acontecer e só se aperceberam do sucedido depois, quando o A. já estava com a mão magoada, nunca tendo feito qualquer referência ao facto da luva que o A. usava na mão direita ter ficado presa na lâmina de corte, pois que, naturalmente, como não viram o acidente, não o poderiam afirmar.
5. A prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente, os depoimentos supra indicados, impõem uma resposta restritiva, conducente a eliminar a expressão “… a luva que usava na mão direita ficou presa na lâmina de corte”, devendo a redação da alínea H) da matéria de facto provada ser alterada em conformidade, propondo-se a seguinte redação:
“O Autor cortou os dedos da mão direita, exceto o dedo polegar, na máquina alinhadeira”.
6. A decisão relativa à prova do facto contido na alínea J) dos factos provados encontra-se totalmente descontextualizado das circunstâncias do caso concreto, porquanto isso não é isso que resulta exatamente do depoimento de parte – abstraindo da vinculação da sociedade, para efeitos confessórios, obrigar a assinatura conjunta, com as consequências do n.º 2 do art.º 453º do CPC – e das testemunhas A. D. e S. L., meios de prova que o tribunal considerou na sua fundamentação.
7. Conforme consta da matéria de facto assente (alínea B) dos factos provados) o A. foi contratado para exercer a sua atividade na empresa de serração de madeira, com a categoria profissional de “Não diferenciado”, trabalhador não especializado ou qualificado, que não estava incumbido de operar ou manusear diretamente a máquina, tendo sido esclarecido pelas testemunhas que as suas funções específicas eram auxiliar na recolha da madeira, a fim de a acondicionar, no extremo da máquina alinhadeira.
8. Não é despiciendo o facto de o A. ter alegado na petição inicial que recebeu ordens da entidade patronal para retirar tábuas de madeira da máquina alinhadeira, embora soubesse que tal não correspondia à verdade, facto que não logrou provar e cuja alegação só se justifica pelo facto de o A. ter perfeito conhecimento que não podia manusear a máquina diretamente, que não a operava, nem estava autorizado para o efeito.
9. Atento o que resulta dos depoimentos das testemunhas A. S. e S. L., supra indicados, questiona-se, atenta a categoria profissional do A., qual o tipo de formação que era exigida para as concretas funções para que o A. foi contratado, para além das instruções e ensinamentos que lhe foram transmitidos pela entidade empregadora, bem como pelos seus colegas de trabalho, em especial o seu coordenador e chefe da máquina, S. L., e bem assim, que disposição legal relativa à formação a Ré empregadora terá violado.
10. Não estando o A. encarregado de trabalhar diretamente com a máquina alinhadeira, não era exigido que a recorrente lhe desse formação específica e certificada sobre a forma como se faz o corte da madeira e como operar a máquina, apenas se impondo como adequado que lhe fossem transmitidas instruções específicas para não manusear a máquina e, o mais importante, os procedimentos de segurança, que fosse advertido para nunca tocar em qualquer componente da mesma, em especial, junto ao disco de corte da madeira, sem desligar a máquina.
11. Com base nos concretos depoimentos melhor discriminados na conclusão 7, em conjugação com o facto resultante da alínea B) dos factos provados, resulta que foi incorretamente julgado o facto J) da matéria de facto provada, devendo o mesmo ser considerado como não provado.
12. A fundamentação dada pela douta sentença para considerar o facto da alínea K) como provado afigura-se insuficiente, não só porque é contraditório com a 1ª parte da alínea V) dos factos provados, que demonstram que o A. usava luvas de proteção, como também não pode ser dado como provado que a luva que o A. usava na mão direita ficou presa na lâmina de corte, conforme exposto nas conclusões 2 a 5.
13. Sem prescindir, a parte final da alínea K) “… que impedissem que as mãos ficassem presas na lâmina”, é matéria claramente conclusiva, afigurando-se necessário apurar factualmente, que tipo de luvas a entidade patronal era obrigada a fornecer, em que material (malha de aço?), para depois aferir, em função desse mesmo material, se o mesmo era ou não adequado a impedir que as mãos de qualquer trabalhador ficassem presas na lâmina, o que não resulta da matéria de facto apurada nos presentes autos, pelo que a alínea K) dos factos provados deve ser eliminada da matéria de facto provada, ou, não se entendendo assim, ser a mesma considerada como não provada, por resultar claramente da prova produzida, bem como da primeira parte da alínea V) dos factos provados, ter a entidade patronal fornecido ao A., luvas de proteção.
14. Nenhum elemento probatório carreado para os autos poderá conduzir à prova dos factos contidos nas alíneas L) e N) da matéria de facto provada pois, para além de se desconhecer, em concreto, como é a configuração específica da máquina alinhadeira, seu modo de funcionamento e dos seus componentes, nomeadamente disco de corte e lâmina – o que facilmente poderia ser apurado com recurso a prova pericial ou por inspeção, que nunca foi requerida ou determinada –, o certo é que não resulta dos depoimentos prestados que a lâmina estivesse totalmente desprotegida ou ao alcance direto de quem quer que por ali passasse ou entrasse em contacto com a mesma.
15. Pelo contrário, o que resulta do teor dos depoimentos que o tribunal “a quo” fundamentou para dar resposta a tal matéria, é que a lâmina ou o disco de corte só se encontra acessível caso seja introduzida, voluntariamente, a mão no local onde passa ou se encontra a madeira. –
16. A documentação junta aos autos, mormente Relatórios Técnicos de Higiene e Segurança de Trabalho, denominados “Fichas de Avaliação dos Riscos” ou “Visitas”, não fazem qualquer referência, muito menos à necessidade de colocação de proteções ou resguardos específicos nas máquinas, incluindo a alinhadeira, inexistindo qualquer sugestão de medidas preventivas e/ou corretivas sobre a máquina em causa; e também não aludem a qualquer anomalia ou desconformidade da dita máquina, por mínima que seja, até à data do acidente, ou mesmo depois deste ter ocorrido, situação que a aqui recorrente referenciou e salientou por requerimento junto aos autos e não mereceu qualquer tipo de referência, muito menos impugnação por parte do A. e da I Ré, seguradora, conformando-se, assim, com a leitura que deles fez do ponto de vista técnico, pois não pode haver outra.
17. Tendo em conta que o A., no momento em que ocorreu o acidente, estava a retirar um pedaço de madeira da máquina (cfr. alínea U) da matéria de facto provada), seria de toda a relevância alegar e provar que tipo de resguardo próprio se impunha colocar na lâmina da alinhadeira, em substituição do existente, que tipo de proteção do disco de corte seria de adotar no caso, bem como se a sua implementação não impedia o sinistrado de introduzir a mão para o interior da máquina, no específico local onde se encontra a serra circular, o que não ocorreu.
18. A matéria em causa nas alíneas ora em apreciação é tão só conclusiva, dado que contém conceitos abstratos e não se vislumbra que concreta medida de segurança se impunha e que não terá sido implementada, inexistindo concretização factual quanto ao tipo de “resguardo próprio” ou “proteção” apta a impedir que os trabalhadores neles fiquem presos ou impeçam qualquer contacto físico do trabalhador e a lâmina.
19. As alíneas L) e N) dos factos provados devem serem eliminadas da matéria de facto provada, por conterem matéria eminentemente conclusiva, ou, não se entendendo assim, conjugados os concretos meios probatórios supra indicados (depoimentos transcritos e melhor discriminados na conclusão 15 e prova documental referenciada na conclusão 16), serem as mesmas consideradas como não provadas.
20. A prova produzida nos autos é claramente insuficiente para considerar o facto da alínea M) como provado, com a redação que aí consta, pois que a expressão “com vista a evitar os perigos inerentes ao equipamento”, para além de abstrato e subjetivo, encerra um juízo eminentemente conclusivo, pois, tal como sucede com as alíneas K), L) e N), não resulta alegado e provado qualquer facto que permita apurar que tipo de sistema de paragem de emergência se impunha implementar, quais os específicos perigos que pretende afastar e, bem assim, se tal hipotético sistema evitaria o acidente.
21. A alínea M) dos factos provados deve ser eliminada da matéria de facto provada, por conter matéria eminentemente conclusiva, ou, não se entendendo assim, deve sofrer uma resposta restritiva, conducente a eliminar tal expressão, devendo a redação desta alínea ser somente “A máquina não estava munida de um sistema de paragem de emergência”.
22. Foram incorretamente julgados os factos constantes nas alíneas O), P) e Q) da matéria de facto provada, pois, embora se admita que a situação tenha causado sofrimento ao A., a única prova produzida e no qual o tribunal “a quo” se apoiou para o fundamentar, foi claramente inadequada e insuficiente para dar como provado que as dores sofridas pelo Autor eram atrozes, razão pela qual deve o facto provado na alínea O) dos factos provados sofrer uma resposta restritiva, conducente a eliminar tal expressão, devendo a redação desta alínea ser somente “As múltiplas e graves lesões sofridas, provocaram ao autor dores físicas intensas, tanto no momento do acidente, como no decurso dos tratamentos”; e, bem assim, serem consideradas não provada as alíneas P) e Q) pois que a única testemunha ouvida sobre essa matéria, nada referiu quanto à factualidade aí contida.
23. Atenta a impugnação que a recorrente fez na contestação (cfr. artigos 13 e 35 desse articulado), a prova produzida não permitiu concluir de que forma concreta se deu o acidente, mormente, se os rolos apanharam a luva da mão direita que puxaram em direção à lâmina de corte, ou se a luva da mão direita ficou presa na lâmina de corte (alínea H) da matéria de facto provada), pelo que, porque diretamente relacionado, dá por integralmente reproduzido tudo quanto expôs supra relativamente às razões de discordância do facto constante da alínea H), nas conclusões 2 a 5, pelo que, face aos meios probatórios aí referenciados –, deve o facto constante na alínea V) da matéria de facto provada ser julgado não provado.
24. O tribunal a quo deu erradamente como não provados os factos 3) e 4) do elenco dos factos não provados, porém, a conjugação dos diversos meios de prova produzidos nos autos, nomeadamente da análise da documentação junta, bem como das declarações e depoimentos prestados, não permitia concluir que o A. não sabia que deveria parar a máquina ao detetar madeira no disco de corte, abstraindo do facto de tal resultar do senso comum e da diligência que qualquer homem médio deve tomar numa situação semelhante, bem como que a ré empregadora não tivesse dado instruções ao A. para parar a máquina em situações como as dos autos (tirar madeira, em especial se estiver no seu interior).
25. Confrontados os depoimentos das testemunhas A. D. e S. L., bem como o perito da seguradora, P. M., conjugados com as declarações prestadas pelo representante legal da recorrente, resulta claramente que o Autor sabia que tinha que desligar a máquina antes de tomar qualquer iniciativa de introduzir as mãos em qualquer zona perigosa da máquina, por ter sido advertido para tal facto, quer pelos restantes trabalhadores, quer pela própria entidade patronal.
26. Do teor de tais depoimentos resulta inequívoco que, nas instalações da recorrente se encontra afixado, em local bem visível, nomeadamente no pavilhão onde os trabalhadores vão recolher o material, bem como no escritório, instruções de segurança para prevenção dos riscos a que se está exposto durante o trabalho com máquinas, bem como procedimentos de trabalho seguros, em particular, quanto à alinhadeira, o aviso constante do doc. n.º 7 junto com a contestação e exibido às testemunhas, do qual consta expressamente “Nunca introduziras mãos no interior da zona perigosa da máquina sem antes desligar a máquina, em particular nos casos em que a peça de madeira fique encravada/presa no seu interior”.
27. A própria sentença admite que que o A foi advertido pelo próprio S. L., que afirmou de forma veemente que os trabalhadores, entre os quais se inclui o A., “sabiam perfeitamente que não tinham nada que meter as mãos na máquina” e que a própria testemunha disse ao A. que deveria desligar a máquina se precisasse de retirar madeira, porém, desvalorizou completamente tais advertências e instruções expressas, como se estas nunca tivessem existido, justificando com o facto de o próprio S. L. ter admitido, no depoimento que prestou em sede de audiência e julgamento, que já tinha retirado madeira da máquina sem a desligar, para assim concluir não poder dar-se como provado que o A. soubesse que deveria parar a máquina para levar a cabo aquela operação.
28. Tal dedução é meramente especulativa e não encontra qualquer suporte factual, não resultando desse depoimento que a testemunha alguma vez tivesse retirado madeira perto da lâmina, como terá ocorrido no sinistro ora em causa, nem se pode concluir, sem mais, que tal tivesse alguma vez acontecido na presença do Autor, que trabalhava para a recorrida apenas há 4 meses, antes se impondo a demonstração da habitualidade de tal comportamento e ainda, que o mesmo foi presenciado pelo Autor para este ficar convencido que estava a atuar corretamente, o que manifestamente não ocorreu.
29. Tal não é suficiente para afastar a prova de que o A. sabia que deveria para a máquina numa situação como a dos autos e ainda que a ré deu instruções nesse sentido, pelo que devem ser reapreciados e modificados pelo Venerando Tribunal da Relação os pontos 3) e 4) da matéria de facto não provada, e como tal, incluir-se na matéria provada.
30. Sem prejuízo da impugnação da matéria de facto efetuada no presente recurso, a subsunção da factualidade adquirida nos autos ao direito aplicável, não permite concluir que o acidente decorreu da violação de normas de segurança por parte da ora recorrente, nos termos do art.º 18º da LAT.
31. A Jurisprudência do STJ, no que diz respeito às regras de segurança, tem sido no sentido de a responsabilização do empregador pressupor, para além da violação pelo mesmo dessas regras, a existência de nexo causal entre essa violação e o acidente (Cfr Acs STJ de 03.02.2010, CJ, tomo 1, página 237 e ss. e de 08.05.2012, processo n.º 908/08.5TTBRG.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt), não bastando a mera prova da existência de comportamento culposo do empregador na violação das regras de segurança, recaindo o ónus da prova sobre quem dela tirar proveito (sejam os beneficiários do direito à reparação, sejam as seguradoras que se pretendam desonerar de tal responsabilidade).
32. Assim, a responsabilidade, principal e agravada, do empregador pode ter por fundamento: a verificação de um comportamento culposo da sua parte ou a violação, pelo mesmo, de preceitos legais ou regulamentares ou de diretrizes sobre higiene e segurança no trabalho, exigindo-se a par, respetivamente, do comportamento culposo ou da violação normativa, a necessária prova do nexo causal entre o ato ou a omissão e o acidente que veio a ocorrer. – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16.11.2017, Proc. n.º 63/14.1TTGMR.G1, disponível em www.dgsi.pt; Acórdão do STJ de 25.11.2010.
33. A sentença recorrida considerou terem sido violadas pela Ré as normas de segurança que cita, o que a ora recorrente não aceita, pois trata-se apenas de regras genéricas de segurança, pois, para além de se desconhecer a forma concreta como se deu o acidente, deu-se como provado que o autor tomou a iniciativa de retirar uma tábua da lâmina alinhadeira, usando a mão direita, sem desligar previamente a máquina, ou seja, houve um comportamento do próprio sinistrado que contraria as mais elementares regras de segurança, que decorrem até do senso comum.
34. Dos autos também não se extrai, pois não foi sequer alegado e discriminado, qual a formação específica e certificada se impunha ministrar ao trabalhador, atentas as funções para o qual foi contratado; quais as medidas de segurança concretas deveriam ter sido aplicadas pela recorrente, para a concreta tarefa que o sinistrado executava, nomeadamente quanto ao tipo de material em que deveriam as luvas que fornece ao trabalhador; que tipo de resguardo se impunha colocar na lâmina da alinhadeira, para além do existente; que sistema de mecanismo de paragem de emergência se impunha implementar; que tipo de proteção do disco de corte seria adequado e/ou obrigatório colocar, para, em função disso, concluir pela eventual violação de qualquer prescrição legal em matéria de segurança.
35. Ainda que se admita que tivesse ocorrido a violação de qualquer norma de segurança, o que se concebe apenas por mera cautela, a matéria de facto assente nos autos é claramente insuficiente para fundamentar a existência de um nexo de causalidade entre a hipotética violação de normas de segurança por parte da entidade patronal e a produção do acidente, pois que inexiste factualidade que demonstre que o acidente só ocorreu por qualquer um dos seguintes fatores: - falta de formação dos procedimentos de segurança de tal máquina; - falta de fornecimento de luvas e em que material; - falta de proteção de resguardo próprio da lâmina da alinhadeira; - falta de botão de paragem de emergência; - falta de proteção do disco de corte.
36. Não é possível aferir se as referidas medidas de segurança ou outras que não teriam sido implementadas, mas cuja omissão não resultou sequer provada, seriam ou não adequadas a evitar o acidente e as consequências dele decorrentes, pois não basta afirmar que inexistia qualquer resguardo, proteção ou sistema.
37. Concretamente quanto à eventual proteção da lâmina de corte, não foi alegado ou provado qualquer facto relativo às características específicas e modo de funcionamento da máquina, nem se extrai do elenco dos factos provados qualquer facto que demonstre que o acidente só foi possível devido à falta de um eventual resguardo ou proteção, ou qualquer outra causa, não se vislumbrando como pode a douta sentença concluir, na fundamentação de direito, quanto ao nexo de causalidade que, caso a lâmina de corte estivesse protegida, nunca o acidente teria ocorrido porque a mão do autor não teria entrado em contacto com aquela (sem qualquer referência a qualquer outra situação).
38. Por outro lado, pergunta-se se, mesmo que a máquina tivesse uma proteção/resguardo no disco, o acidente teria sido evitado pois, sendo tal resguardo naturalmente idóneo a impedir a verificação de acidentes, podia efetivamente o disco de serra estar protegido por um resguardo e a mão do sinistrado ser atingida como foi e isto porque, para que a operação de corte pudesse ser realizada, necessariamente que entre a parte da máquina onde assentava/por onde deslizava a peça de madeira a cortar e o eventual resguardo, teria sempre que haver uma abertura que, afigura-se incontornável, sempre permitiria que a mão do sinistrado, tal como aconteceu (com a introdução da mão na zona da lâmina), entrasse em contacto com o disco de corte pois, tal como passava a peça de madeira a cortar, também podia passar a mão do sinistrado, sendo da experiência comum que, para que a tarefa seja praticável, a dita abertura junto da lâmina não pode limitar-se, ao milímetro, à espessura da peça da madeira a cortar.
39. Ainda que, no domínio teórico e especulativo, se pudesse concluir que, caso existisse um resguardo ou uma proteção, o acidente não teria ocorrido, os elementos carreados para os autos não demonstram o que, no concreto “iter” desde acidente impusesse que o mesmo não se verificava caso a mencionada proteção existisse.
40. Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 03-02-2020, Proc. n.º 1299/18.1T8VLG.P1, disponível em www.dgsi.pt “… pese embora o cumprimento das regras de segurança e a existência de dispositivos de segurança visem evitar, na medida do possível, os acidentes ou, pelo menos, minimizar os danos dele decorrentes, da sua violação não se pode concluir no sentido da verificação, no sentido naturalístico, de um nexo causal entre a violação e a ocorrência do acidente.”
41. Ao decidir como decidiu, a douta sentença violou o disposto no art.º 18º, n.º 1 da LAT, porquanto a matéria de facto provada não permite concluir, como fez erradamente a decisão recorrida, que, no sentido naturalístico, o acidente ocorreu porque a máquina alinhadeira não tinha resguardo no disco, ou a lâmina de corte não tinha proteção e/ou que, se o tivesse, o acidente não teria ocorrido.
42. Sem prescindir, atenta a insuficiência da prova para considerar demonstradas as alíneas O), P) e Q) da matéria de facto provada, o valor fixado a título de danos não patrimoniais encontra-se desconforme e manifestamente exagerado, devendo ser reduzido equitativamente, em montante não superior a € 10.000,00, em conformidade com os factos concretos e as circunstâncias que envolvem o caso, respeitando, assim, o disposto nos n.º 1 e n.º 4 do artigo 496.º do Código Civil, valor esse cuja responsabilidade, em termos de justiça, deveria igualmente estar a cargo das seguradoras, lamentando-se que a legislação apenas o preveja em caso de responsabilidade agravada da entidade patronal, situação que, como que impele, num impulso emotivo do magistrado perante as sequelas sofridas pelo sinistrado, a ir além da prova.
43. Tendo sido condenada solidariamente a seguradora e a entidade patronal, as custas deveriam ser repartidas e fixadas a cargo da seguradora, nos termos do art.º 527º, n.º 3 do CPC por se tratar de uma obrigação solidária, decorrente do regime obrigatório de transferência de responsabilidade pela reparação de acidentes de trabalho, sem prejuízo de um eventual direito de regresso.
44. A sentença recorrida violou as normas jurídicas contidas nos artigos 574º, n.º 2 do CPC, 18º, n.º 1 da LAT, 496º, n.º 1 e 4 do Código Civil e 527.º, n.º 3 do CPC.
***
O Ex.mo PGA deu parecer no sentido da improcedência.
Em contra-alegações sustenta-se o julgado.
***
FACTOS PROVADOS

A) O autor nasceu a -/07/1973;
B) O autor foi contratado pela ré Sociedade ... de Serração e Mobiliários, Lda. para exercer atividade de serração de madeira com a categorial profissional – “Não diferenciado” -, atividade que exercia nos locais designados por aquela;
C) O autor exercia a sua atividade mediante as ordens, a direção e fiscalização daquela sociedade;
D) O autor desempenhava as suas funções de segunda a sexta, nos locais que lhe eram indicados pela ré empregadora e no horário que esta lhe estipulava;
E) No dia 05/05/2018, na sede da ré empregadora, sita na Rua..., concelho de V. N. de Famalicão, enquanto trabalhava para tal ré, o autor sofreu um acidente;
F) Nessa data, o autor auferia um salário anual médio de 8.967,00€, assim divididos:
a. 580,00€ x 14 meses de retribuição, e
b. 77,00€ x 11 (meses), a título de subsídio de alimentação;
G) A ré empregadora transferiu a responsabilidade pelos riscos emergentes de um acidente de trabalho para a ré seguradora através da apólice n.º ……83, pela retribuição referida em F);
*
H) Alterada:
“Enquanto o autor retirava um detrito, uma tábua, da máquina alinhadeira, foi atingido nos dedos da mão direita, exceto o dedo polegar, seccionado quatro dedos da mão direita.
aditado:
H.1. Na ocasião o autor utilizava luvas de proteção de tecido ou pele, fornecidas pela empregadora.
I) Do evento resultou esfacelo com perda dos dedos da mão direita, com exceção do polegar, e sofreu as lesões descritas no boletim de exame e alta da ré seguradora e no relatório do GML, junto a fls. 33 a 35;
J) Alterado:
A ré empregadora não ministrou ao autor qualquer formação acerca dos procedimentos de segurança de tal máquina, tendo-o, no entanto, instruído no sentido de a desligar quando necessário para efeitos designadamente de limpeza.
K) Não foram fornecidas ao autor pela ré empregadora luvas que impedissem que as mãos ficassem presas na lâmina;
L) A lâmina da alinhadeira não estava protegida com um resguardo próprio, que impedisse que os trabalhadores neles ficassem presos, ou que houvesse qualquer contacto entre o físico do trabalhador e a lâmina;
M) Alterado:
A máquina não estava munida de um sistema de paragem de emergência.
N) A máquina não dispunha de proteção do disco de corte;
O)Alterado:

As múltiplas e graves lesões sofridas, provocaram ao autor dores físicas intensas, tanto no momento do acidente, como no decurso dos tratamentos;
P) O autor tinha dificuldades em dormir, dado que o mínimo contacto com a mão direita era doloroso;
Q) As dores, as dificuldades em dormir, o sono agitado, causaram no autor grave angústia, grande sofrimento, desespero e noites sem descanso;
R) Toda esta situação, para além das dores e incómodos, deixaram o autor melindrado e até vexado e humilhado por não ser autossuficiente e depender de terceiros para alguns dos mais primários atos da vida corrente, como por exemplo apertar os botões da camisa;
*
S) O autor encontrava-se a trabalhar na máquina alinhadora, no extremo após corte, de que retirava as tábuas já cortadas e que, por isso, já tinham passado na lâmina de corte;
T) O autor dirigiu-se à zona lateral da máquina, onde existe uma abertura de acesso à zona de corte, verificando que nessa zona tinha ficado um pedaço de madeira, na parte dos rolos;
U) O autor tomou a iniciativa de tentar tirar o pedaço de madeira usando a mão direita, sem desligar previamente a máquina;
V) eliminado.
W) O autor trabalhava com o equipamento em causa há cerca de 4 meses;
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a. esteve afetado de incapacidade temporária absoluta entre 06/05/2018 e 04/09/2018;
b. está afetado de uma incapacidade permanente parcial de 22,994632% (0,22994632) desde o dia 04/09/2018.
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b) Factos Não Provados

Não se provaram os seguintes factos:
1) Que durante o período de trabalho do autor, o responsável da ré empregadora tenha ordenado ao autor que retirasse umas tábuas de pinho de uma máquina designada alinhadeira, o que o autor fez;
2) Que depois do sinistro e da consumação das mazelas a ré empregadora tenha comunicado ao autor que este já não reunia condições para continuar a trabalhar, o que provou no autor uma sensação de improdutividade e inutilidade, que ainda hoje se mantém;
3) Que o autor tivesse formação e experiência para utilizar a máquina.
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Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Questões colocadas:
- Alteração de decisão relativa à matéria de facto relativamente aos factos H), J, K, L, N e M, a considerar não provados e pontos 3 e 4 dos não provados, a considerar provados.
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Vejamos os factos a que se pretende seja dada resposta diferente:

H) Enquanto o autor retirava uma tábua da máquina alinhadeira, a luva que usava na mão direita ficou presa na lâmina de corte, atingindo-lhe de imediato os dedos da mão direita, exceto o dedo polegar;
Refere a recorrente que ao contrário do referido na sentença, jamais poderia ser considerado tal factualidade por acordo das partes nos termos do art.º 574º, n.º 2 do CPC. (aplicável ex vi art.º 1º do CPT).

Na fundamentação consta:
“ Quanto à forma como se deu o acidente (assente que estava entre as partes – cujas versões nessa parte coincidiam – que se deu por ter a luva do autor ficado presa), o tribunal valorou os depoimentos de A. D. e de S. L. (operários da empregadora que se encontravam a laborar na máquina naquele momento, o primeiro com o autor a recolher a madeira que saía cortada e o segundo o operador que introduzia a madeira na máquina para cortar) que, apesar de denotarem alguma proximidade com a ré empregadora fruto da relação laboral que mantêm há vários anos, explicaram que o autor, enquanto o mencionado S. L. se afastou para ir buscar mais madeira, procedeu a uma limpeza da máquina e área envolvente, tendo procurado retirar da máquina um pedaço de madeira que nela se encontrava, sem que a tenha previamente desligado”
O autor alegou em 17 que “enquanto retirava uma tábua da dita máquina a luva que usava na mão direita ficou presa na lâmina de corte”. O facto não foi aceite expressamente na contestação, referindo-se nesta, em 13, que se desconhece o modo como ocorreu o sinistro, impugnando-se o facto especificamente em 35. A empregadora ré não tomou posição sobre o facto no auto de tentativa de conciliação, onde não esteve, pelo que o facto não pode ser considerado por via de acordo. No entanto referem-se outras provas a sustentar o facto. Vejamos os depoimentos.
O depoente A. D. é colega do autor, e também ajudante. Referiu que o sinistrado estava ao seu lado. O trabalho dele era nesta máquina. Referiu que existe um botão para desligar na própria máquina, na parte de trás. Refere que para tirar a madeira, referindo-se aos restos, aos detritos, se deve desligar a máquina. Confirmou que as luvas são de pano, era as que o autor usava e eram fornecidas. O autor na ocasião estava a fazer limpeza. Não viu o que aconteceu, mas sabe que foi a tirar os paus que ficam, e que é normal ficarem. ficam quase junto à lamina, a quatro cinco dedos. O depoente quanto tira os paus desliga a máquina. O autor havia sido informado que deveria desligar a máquina. A função normal do autor era, na fase final do corte, receber a madeira. Disse que os trabalhadores foram avisados para desligar a máquina quando fosse para tirar paus, e que quando é necessário limpar desligam a máquina. Disse que ninguém viu o sinistro.
O depoente S. L. era o operador da máquina referindo que o autor era seu ajudante. Perguntado sobre a formação dada ao autor referiu que sobre tal matéria nada sabe. Explicou como se liga e desliga a máquina. A máquina liga-se num quadro, que se encontra a cerca de um metro dela, e referiu ainda o botão que existe na própria máquina e que fica do lado onde o depoente trabalha. Referiu que ele depoente usava luvas de couro. Referiu que chamou a atenção aos dois ajudantes para desligarem a máquina quando fosse para limpar. Ambos os depoimentos são no sentido de que era referido pela empregadora que a máquina devia ser desligada para limpezas.
Dos depoimentos e dos dados constantes do processo resulta sem margem para dúvida que o sinistro ocorreu no disco da máquina, mas não ficaram esclarecidas as concretas circunstancias do mesmo. Resulta ainda que a tábua a retirar constituía detrito, apara, e que o sinistrado aproveitou o tempo em que o operador da máquina se ausentou para proceder a limpeza. Neste sentido o depoimento de A. D., ajudante como o autor e do S. L..

Assim altera-se a resposta nos seguintes termos:
“ Enquanto o autor retirava um detrito (uma tábua) da máquina alinhadeira, foi atingido nos dedos da mão direita, exceto o dedo polegar, seccionado quatro dedos da mão direita.
E adita-se:
“ Na ocasião o autor utilizava luvas de proteção de tecido ou pele, fornecidas pela empregadora.
Em consequência desta alteração elimina-se o facto “V”.
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J) A ré empregadora não ministrou ao autor qualquer formação acerca dos procedimentos de segurança de tal máquina;
Refere a recorrente que a resposta se encontra descontextualizada, aludindo ainda ao facto de a sociedade para efeitos confessórios se obrigar com a assinatura conjunta dos sócios. Refere ainda os depoimentos de A. D. e S. L..
Na fundamentação refere-se a confissão em depoimento de parte, e os depoimentos das duas indicadas testemunhas. Dos depoimentos resulta que não foi ministrada qualquer formação, foi, contudo, referido terem sido dadas indicações para desligar a máquina aquando de operações de limpeza. No depoimento de parte a empregadora confirmou a falta de ministração de formação, com o esclarecimento de que foi dito ao autor para não manusear a máquina quando ligada, e que não competia ao autor trabalhar com aquela máquina. Resulta claro que o autor não era operador da máquina, competindo-lhe como ajudante receber a madeira que saía já transformada da máquina e seu acondicionamento/empenhamento. A limpeza deveria ser efetuada com a máquina desligada.

A resposta dada mostra-se correta, mas incompleta. Assim altera-se nos seguintes termos:
“A ré empregadora não ministrou ao autor qualquer formação acerca dos procedimentos de segurança de tal máquina, tendo-o, no entanto, instruído no sentido de a desligar quando necessário para efeitos designadamente de limpeza.”
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K) Não foram fornecidas ao autor pela ré empregadora luvas que impedissem que as mãos ficassem presas na lâmina.
Refere a recorrente a insuficiência da fundamentação por não se referir que tipo de luvas deveriam ser fornecidas, e contradição com o facto “V”, seja, com o facto de se referir que o trabalhador usava luvas de proteção. Refere ainda o caráter conclusivo na parte em que refere “… que impedissem que as mãos ficassem presas na lâmina”.
Quanto ao alegado caráter conclusivo, diga-se que a distinção entre facto e direito, ou conclusão, apresenta por vezes margens fluidas. Dependendo dos termos do caso concreto, pode aceitar-se que uma alegação utilizando termos jurídicos (ou algo conclusivos), que seja de uso comum na linguagem corrente, e seja usada nesse sentido, possa ser considerada em determinados casos, como naquele em que ocorre aceitação e não se inserem elas no que constitui o cerne da questão, não existindo disputa quanto a eles entre as partes, ou não se insiram no quadro de questões de facto que definem o objeto da ação.
Devem considerar-se conclusivas asserções que em si mesmo se reconduzem à formulação de um juízo de valor extraído de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no «thema decidendum».
A consideração deve, contudo, ter em atenção um critério são, pois, factos há que podem ser desmontados noutros factos, numa extensa cadeia. Assim, tratando-se de factos instrumentais, ou factos que não constituam o cerne da questão, nem resolvam por si a questão de direito, um critério menos exigente e mais “compreensivo”, mais conforme ao modo como a vida se expressa, aceitando termos que embora jurídicos têm ou adquiriram um sentido comum, e acolhidos neste sentido, aceitando asserções factuais que embora mais genéricas não deixem de ser factuais, conquanto constituam o apuro de um conjunto de elementos probatórios que poderiam desdobrar-se, são aceitáveis.
Tanto mais no novo CPC que avança no sentido de uma aproximação de uma justiça cada vez mais material, não se atribuindo o relevo que anteriormente se atribuía ao “conceito jurídico”, ou por analogia ao “facto com alguns laivos de conclusão”, se não constituírem matéria que se integre no thema decidendum.
Como refere Abrantes Geraldes, ressalta do novo código uma assunção mais clara no sentido de não atribuir excessivo relevo a argumentos formais, que levaram a alguns excessos, importando que, no que tange à matéria de facto, “que a realidade em causa possa ser compreendida, sem que restem dúvidas quanto ao sentido do que é afirmado ou negado. Por conseguinte, propugna-se uma verdadeira concentração naquilo que é essencial, depreciando o acessório, com prevalência de critérios que não sejam demasiado rigoristas, sendo importante que o juiz consiga traduzir em linguagem normal a realidade apreendida, explicitando depois os motivos que o determinaram, com destaque para os factos instrumentais de onde extraiu as ilações ou presunções judiciais.” - “Sentença Cível” – António Santos Abrantes Geraldes, “Jornadas de Processo Civil” organizadas pelo CEJ, em 23 e 24 de janeiro de 2014. Disponível na net.
Assim e no caso, estando demonstrado qual o tipo de luvas fornecido, e resultando do conhecimento geral percecionável por qualquer cidadão dotado dos normais conhecimentos e experiência no ramo, que o material de que as luvas fornecidas eram feitas, pelas suas caraterísticas, é facilmente “embaraçado” e puxado em contacto com disco em rotação elevada, é de aceitar a resposta dada. Não pode questionar-se que umas luvas metálicas (como malha de aço anti corte), forneceriam outro tipo de proteção ao órgão, conquanto pudessem também ser ensarilhadas.
É de manter a resposta.
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L) A lâmina da alinhadeira não estava protegida com um resguardo próprio, que impedisse que os trabalhadores neles ficassem presos, ou que houvesse qualquer contacto entre o físico do trabalhador e a lâmina;
N) A máquina não dispunha de proteção do disco de corte;
Refere a recorrente a falta de elementos probatórios, desconhecendo-se a concreta configuração da máquina. Refere que não resulta dos depoimentos prestados que a lâmina estivesse totalmente desprotegida ou ao alcance direto de quem quer que por ali passasse ou entrasse em contacto com a mesma. Refere os depoimentos de parte, A. D., S. L..
O legal representante referiu que o disco não está totalmente tapado, circunstância confirmada pelos restantes depoimentos, que aludiram a que a lâmina fica desviada da face de fora, trabalhando “para aí vinte centímetros dentro da máquina”. Resulta da prova que o disco não tem resguardo, trabalhando desviado da face de fora da máquina cerca de vinte centímetros. Resulta da prova, designadamente do depoimento de parte, que a máquina se encontra como quando foi adquirida, tendo cerca de trinta anos. Alude-se ao caráter conclusivo da expressão “resguardo próprio”. Remete-se para o aludido acima quanto à natureza conclusiva de uma resposta. O que se pretende significar com o teor do item, é a falta de resguardo, sendo admissível a resposta dada. É de manter as respostas.
***
M) A máquina não estava munida de um sistema de paragem de emergência com vista a evitar os perigos inerentes ao equipamento;
Refere a recorrente que a prova é insuficiente para o facto e para considerar a expressão “em vista a evitar os perigos inerentes ao equipamento”, invocando ainda o caráter conclusivo desta.
Pretende a eliminação da alínea ou, não se entendendo assim, uma resposta restritiva, conducente a eliminar tal expressão, devendo a redação desta alínea ser somente, “a máquina não estava munida de um sistema de paragem de emergência”. O facto é a existência ou não de sistema de paragem de emergência. A expressão referenciada é conclusiva, não se retirando dela quais os riscos demandam ou não um sistema de paragem de emergência, constituindo uma expressão da lei que impõe a obrigação de dispositivos de paragem de emergência. Quanto à inexistência de sistema de paragem de emergência, confirmaram-no os depoimentos, referindo que a máquina apenas possui no seu corpo o botão de ligar a que acima se aludiu.

Assim altera-se o facto nos seguintes termos:
“ A máquina não estava munida de um sistema de paragem de emergência “
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O) As múltiplas e graves lesões sofridas, provocaram ao autor dores físicas intensas e atrozes, tanto no momento do acidente, como no decurso dos tratamentos;
P) O autor tinha dificuldades em dormir, dado que o mínimo contacto com a mão direita era doloroso;
Q) As dores, as dificuldades em dormir, o sono agitado, causaram no autor grave angústia, grande sofrimento, desespero e noites sem descanso;
Refere o recorrente a insuficiência da prova no que respeita a as dores serem “atrozes”. Refere o depoimento de E. P..
Na fundamentação refere-se que “os padecimentos sofridos pelo autor em consequência das lesões sofridas deram-se como provados pela conjugação das regras da experiência comum (tendo em conta a gravidade da amputação sofrida) com o depoimento de E. P. (cunhada do autor), que depôs de modo aparentemente isento quanto a tal matéria.”
A E. P., cunhada do autor, referiu o sofrimento psicológico, aludiu a dificuldades em comer. Não resulta demostrado que as dores tenham sido atrozes. Assim altera-se o facto nos seguintes termos:
“As múltiplas e graves lesões sofridas, provocaram ao autor dores físicas intensas, tanto no momento do acidente, como no decurso dos tratamentos;
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3) Que o autor tivesse formação e experiência para utilizar a máquina, sabendo que deveria parar a máquina ao detetar madeira no disco de corte;
4) Que a ré empregadora tivesse dado instruções ao autor para parar a máquina em situações como a dos autos.
Refere o recorrente que a conjugação das provas, conjugadas com as regras da experiência comum, apontam no sentido da confirmação dos factos.
Refere os depoimentos de A. D. de S. L., do perito da seguradora P. M. e o depoimento de parte da ré.
Quanto a esta matéria remete-se para a apreciação acima efetuada. Resulta da apreciação supra que o autor foi instruído no sentido de desligar a máquina quando necessário para se proceder à limpeza. Assim, procede nesta parte a pretensão, mantendo-se como não provado que o autor tivesse formação e experiência para utilizar a máquina.
***
Quanto à culpa da empregadora:

Refere o artigo 18º da LAT (Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro):
Atuação culposa do empregador
1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.

4 - No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por atuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes:

O ónus de prova compete ao respetivo interessado, no caso à autora e a seguradora – artº 342 do CC.
Foi invocado pelo autor culpa da empregadora, com a invocação de que cumpriu ordens, que lhe foi ordenado o manuseamento da máquina sem que lhe tivesse sido ministrada formação sobre os procedimentos de segurança, por falta de fornecimento de material de segurança adequado a esse manuseamento, e por falta de proteção da lâmina da alinhadeira e falta de sistema de paragem de emergência.
Resulta da factualidade que o sinistro ocorreu quando o autor retirava um detrito da máquina alinhadeira, tento sido o autor a tomar a iniciativa de proceder a tal retirada sem desligar a máquina. em virtude de tal operação veio a ocorrer o sinistro, ignorando-se se efetivamente a mão foi puxada por força do enredamento da luva no disco, se foi a mão que foi de encontro ao disco, ou se tal ocorreu devido a outra circunstância. O trabalho normal do autor consistia em retirar as tábuas já cortadas, que já tinham passado pela lâmina, e seu empilhamento. Sendo certo que ao autor não foi ministrada formação sobre os procedimentos de segurança da máquina, foi o mesmo no entanto instruído no sentido de não proceder à sua limpeza sem a desligar. Não competia ao autor, que era ajudante, o manuseamento da máquina, o qual era efetuado pelo colega S. L..
A máquina necessita intervenção para sua adequação às obrigações legais relativas à sua segurança, designadamente falta-se um sistema de paragem de emergência – D.L. 50/2005 de 25/2, artigo 13º -, falta proteção adequada nos elementos de corte - artigos 56º da portaria 53/71 alterada pela 702/80 e 16º do D.L. 50/2005 -, e ainda as obrigações gerais que resultam dos artigos 3º, 5º, 8º, 13.º, 16.º e 19.º do DL n.º 50/2005.
No entanto, no concreto caso, importa verificar da existência de nexo causal entre a violação de tais regras e o sinistro.
Este ocorre porque o autor, a quem não competia o manuseamento da máquina, procedeu a limpeza da mesma, retirando uma apara de madeira que se encontrava perto dos elementos de corte, com a máquina em funcionamento, eventualmente por distração ou descuido momentâneo. Não se demonstrou, como o autor alegou, que lhe fora ordenada essa operação, e muito menos com a máquina em funcionamento, antes estando provado que os trabalhadores eram instruídos no sentido de não proceder a limpezas com a máquina em funcionamento.
Atente-se no teor do artigo 19.º do D.L. 50/2005, no qual se refere que as operações de manutenção devem ser efetuadas com o equipamento de trabalho parado ou, não sendo possível, devem ser tomadas medidas de proteção adequadas. Resulta do mesmo, seu nº 3, que na realização das operações de produção, regulação e manutenção dos equipamentos de trabalho, os trabalhadores devem poder ter acesso a todos os locais necessários e permanecer neles em segurança. Os elementos de proteção não visam em si mesmos impedir o acesso voluntário às zonas perigosas, designadamente para efeitos de limpeza e para intervenções necessárias – veja-se o teor do nº 3 do artigo 16º do D.L. 50/2005, no sentido de que “ os protetores e os dispositivos de proteção devem permitir, se possível sem a sua desmontagem, as intervenções necessárias à colocação ou substituição de elementos do equipamento, bem como à sua manutenção, possibilitando o acesso apenas ao sector em que esta deve ser realizada”.
Refere o artigo 563º do CC que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
De acordo com a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, que tem sido seguida maioritariamente, ocorre o necessário nexo causal quando o facto tenha atuado como condição da ocorrência de determinado dano, exigindo-se “que o facto não tenha sido, de todo em todo, indiferente para a produção do dano, dentro dos juízos de previsibilidade que decorrem das regras da experiência comum” – Ac desta relação de 2018-05-17, Processo nº 92/16.0T8BGC.G1. e de 4/10/2017, processo nº 1207/15.1T8BGC.G1, STJ de 21/6/2007, processo nº 534/2007. Vd acórdão do STJ, apreciado recurso interposto daquele primeiro acórdão, processo nº 92/16.0T8BGC.G1.S2 de 25-10-2018. Refere-se neste que “a teoria da causalidade adequada impõe, pois, num primeiro momento, a existência de um facto naturalístico concreto, condicionante de um dano sofrido, para que este seja reparado; e, num segundo momento, que o facto concreto apurado seja, em geral e abstrato, adequado e apropriado para provocar o dano. E assim sendo, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, excecionais, extraordinárias ou anómalas, que intervieram no caso concreto”.
Ora, num juízo de probabilidade ex post, não pode concluir-se que a violação daquelas regras foi no caso concreto adequada a produzir o acidente, já que a introdução da mão junto dos elementos perigosos da máquina foi voluntária, e seria de igual modo possível caso os elementos de segurança em falta estivessem colocados. O autor decidiu proceder à limpeza – retirada de pedaço de madeiro junto de elemento de corte -, sem desligar a máquina, como fora instruído. Pode admitir-se e poderá ser o caso, de o ter feito de forma irrefletida e descuidada, dadas as circunstâncias em que ocorre a intervenção, aproveitando uma paragem momentânea no tratamento das madeiras, quando o operador da máquina foi buscar mais serviço.
Consequentemente procede a apelação, sendo responsável apenas a seguradora por força do contrato de seguro.
***
DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso, absolvendo-se a ré entidade patronal, sendo a seguradora responsável, sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho), no pagamento devido ao autor J. P. das seguintes quantias:
a) 2.098,03 € (dois mil e noventa e oito euros e três cêntimos) a título de indemnizações por incapacidades temporárias;
b) 20,00€ (vinte euros) a título de reembolso de despesas de transporte;
c) o capital de remição da pensão anual e vitalícia, devida em 05/09/2018, no montante de 1.443,35€ (mil, quatrocentos e quarenta e três euros e trinta e cinco cêntimos).
*
Custas pelo recorrido sem prejuízo do apoio judiciário.
7.10.21

Antero Veiga
Alda Martins
Vera Sottomayor