Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
44835/15.0YIPRT.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: MEDIAÇÃO MOBILIÁRIA
MANDATO
DEPÓSITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. O acordo pelo qual uma das partes se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra de uma embarcação de recreio propriedade da outra, sendo remunerada por essa angariação caso o negócio se concretize com o cliente por si angariado, deve ser qualificado como um contrato de mediação mobiliária.

II. O acordo pelo qual o mediador, depois de angariar um potencial comprador, fica encarregue pelo proprietário da embarcação de concretizar a sua venda (nomeadamente, emitindo a respectiva e conforme declaração, recebendo a recíproca declaração de compra, entregando ao comprador a factura emitida pelo proprietário, e recebendo o preço), deve ser qualificado como um contrato de mandato.

III. Os custos (em materiais e mão-de-obra) suportados directamente pelo mediador mandatário, exigidos para que a embarcação de recreio pudesse ser vendida em condições de navegar (como era pressuposto desse negócio), e por ele considerados indispensáveis para o efeito, devem ser-lhe reembolsados pelo comitente mandante; e representam uma efectiva diminuição do seu património, tal como se tivesse pago adiantadamente a um terceiro para que realizasse as operações em causa (cujo preço seria então obviamente qualificável como despesa sua).
Decisão Texto Integral:
I - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada

1.1.1. IM - Petróleos e Derivados, Limitada (aqui Recorrida), com sede na …, em Amares, propôs a presente acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (resultante de uns iniciais autos de injunção), contra L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada (aqui Recorrente), com sede na …, em Braga, pedindo que:

· a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 5.031,34 (sendo € 4.765,00 a título de capital, e € 266,34 a título de juros de mora vencidos, calculados à taxa supletiva aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, contados desde 07 de Junho de 2014 até 19 de Março de 2015), acrescida de juros de mora vincendos, calculados à mesma taxa supletiva aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, contados sobre a quantia de capital de € 4.765,00, desde 20 de Março de 2015 até integral pagamento.

Alegou para o efeito, em síntese, que, sendo dona e legítima possuidora de uma embarcação de recreio, acordou em 2013 com a Ré que a mesma diligenciasse por conseguir um interessado na sua aquisição, pelo preço de € 32.000,00, pagando-lhe por isso uma remuneração fixa no valor de € 1.500,00, já com I.V.A. incluído.
Mais alegou que, vindo a Ré a angariar um interessado, ela própria emitiu a factura pertinente à venda acordada, vindo porém aquela, sem estar mandatada para o efeito, a receber directamente o preço do comprador; e só lho entregou, faseada e incompletamente, após sucessivas insistências suas, tendo já recebido € 25.735,00, e estando por isso ainda credora do remanescente de € 6.265,00.

Alegou ainda a Autora que a Ré se recusa a pagar-lhe esta quantia, alegando que não só lhe é devida a quantia acordada de € 1.500,00, como invocando falsamente a realização de despesas em produtos e serviços que ela própria não lhe solicitou, e cujo preço não foi acordado entre ambas.

Defendeu, por isso, a Autora dever-lhe a Ré a quantia de € 4.765,00 (apurada depois dela própria subtrair à quantia de € 6.265,00 em falta, do preço indevidamente retido pela Ré, a comissão de € 1.5000,00 que lhe é devida, assim compensando parcialmente tais créditos), à qual acresceriam juros de mora, desde 07 de Junho de 2014, data em que a Ré recebeu do comprador o dito preço.

1.1.2. Regularmente citada, a Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) deduziu oposição, pedindo que a acção fosse julgada improcedente.
Alegou para o efeito, em síntese, ter-lhe a Autora inicialmente solicitado que fosse recolher a embarcação de recreio onde se encontrava e a depositasse nas suas próprias instalações, remunerando esse depósito com a quantia mensal de € 85,00, mais I.V.A.; e posteriormente solicitou-lhe que promovesse a respectiva venda, pelo preço de € 39.000,00, contra uma comissão de 5% sobre o respectivo valor, acrescido de I.V.A., concedendo desde então à Autora um desconto comercial de 20% sobre o valor mensal do aparcamento até à venda pretendida.

Mais alegou que, tendo encontrado um comprador interessado, mas apenas pelo preço de € 32.000,00, aceitou ela própria reduzir a comissão inicial para € 1.5000,00, mais I.V.A., a tudo dando a Autora o seu acordo.

Por fim, a Ré alegou que, tendo vendido a dita embarcação, foi também ela própria quem a preparou para entrega, assegurando todas as reparações e operações necessárias para o efeito (v.g. execução de chave, emissão de documentos, abastecimento de combustível, limpeza, realização de lettering próprio, carregamento de bateria, mudança de óleo, fornecimento de valvulina, reparação de cárter), tudo fazendo mediante prévio acordo com a Autora, a quem cabia suportar tais despesas, não só por não se incluírem na comissão que lhe era devida, como por serem inerentes à garantia prestada ao Comprador.

Defendeu, por isso, a Ré assistir-lhe o direito de reter a quantia de € 6.265,00, correspondentes ao montante da sua comissão, acrescido do montante das despesas por si suportadas com a reparação e preparação da embarcação.

1.1.3. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, na qual se julgou a acção parcialmente procedente e parcialmente improcedente, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Nestes termos, e pelo exposto, julgo a presente acção procedente e, em conformidade, condeno L. – Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Lda, a pagar a IM – Petróleos e Derivados, Lda, a quantia de 3.973,61€ (três mil novecentos e setenta e três euros e sessenta e um cêntimos), acrescida de juros às taxas legais, contados desde 07-06-2014 até efectivo e integral pagamento.
*
Custas por autora e ré, na proporção do decaimento.
(…)»
*
1.2. Recurso (fundamentos)

Inconformada com esta decisão, a (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que a decisão recorrida fosse revogada e substituída por outra, declarando totalmente improcedente a acção.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (sintetizadas inicialmente - sem repetições do processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais -, e depois reproduzidas conforme exaradas nos autos):

1ª - Ter o Tribunal a quo feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma não permitia que se desse como demonstrada a primeira parte do facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 8 («Sem estar mandatada para tal, a Requerida recebeu directamente do comprador da embarcação o preço de € 32.000,00»); e impunha que se dessem como demonstrados os factos não provados enunciados na sentença recorrida sob a alínea c) («Foi acordado, verbalmente, entre as partes que o aparcamento da dita embarcação custaria à Requerente a quantia mensal de € 85,00, mais IVA »), sob a alínea e) («Aquando da sua venda pela Requerida à DSP, aquela foi obrigada, naturalmente, a fazer uma chave para a embarcação, a meter-lhe gasolina para a testar em seco, a carregar-lhe a bateria, a mudar-lhe o óleo do “Trim”, a meter-lhe valvulina, a lavá-la, a limpá-la, e às respectivas coberturas, a poli-la, a aplicar-lhe uma pintura antivegetativa, a aplicar-lhe o respectivo “lettering”, a gastar mão-de-obra em tais serviços e a tratar de obter a documentação da embarcação e a transferir a propriedade da mesma para aquela compradora»), sob a alínea f) («O que a Requerida fez com o acordo verbal da Requerente e a expensas desta, quer porque não seria o comprador a suportar tais despesas, quer porque a comissão acordada pagar à Requerida também não incluía estas despesas necessárias para a celebração do negócio também do interesse da própria Requerente, quer, ainda, porque a garantia prestada pela Requerida ao comprador impunha que se repusesse, por intermédio da Requerida, a embarcação em perfeito estado de funcionamento»), sob a alínea g) («Foi a Requerida quem surgiu perante a DSP como vendedora e garante do bem vendido»), sob a alínea k) («Por demora da Capitania competente no registo da propriedade da embarcação a favor da DSP, a compra e venda da embarcação apenas ficou devidamente concluída em finais de Agosto de 2014»), e sob a alínea l) («Foi em inícios de Setembro de 2014 que a Requerida recebeu da Capitania a documentação relativa ao registo da propriedade da embarcação em nome da DSP»).

1ª - Os autos contêm os elementos de prova, gravada e documental, que impõe se revogue a decisão sobre parte da matéria de facto, provada e não provada, e, bem assim, a sentença recorrida.

2ª - Da reapreciação da prova gravada nos termos das alegações supra, as quais, por óbvias razões de brevidade, aqui se dão por reproduzidas, tem de concluir-se ser evidente que a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal “a quo” enferma de erro notório na apreciação e julgamento daquela prova, se analisada, apreciada e valorada por si só e/ou conjugada com os documentos juntos aos autos.

3ª - Ao invés, da fundamentação da matéria de facto que se deve alterar como proposto neste recurso, não é possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal “a quo”, sendo que o exame crítico das provas tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, o que, com o máximo respeito e a devida vénia, não sucede na sentença revidenda.

4ª - Pelo que, devidamente reapreciada a prova gravada, por si só e conjugada com os documentos dos autos, deve alterar-se a decisão sobre a matéria de facto proferida na sentença recorrida quanto aos seguintes e concreto pontos de facto, provados e não provados, dela constantes (artº 640º, nº 1, al. a), do NCPC):
Ponto 8, dos Factos Provados da sentença.
Alíneas c), e), f), g), k) e l), dos Factos Não Provados da sentença.

5ª - A alteração que se impõe àqueles concretos factos controvertidos conduz, inelutavelmente, à decisão sobre aquela matéria de facto tal qual alegado no ponto 81, das alegações supra, que, por iguais razões de brevidade destas conclusões, aqui se dá por integralmente reproduzido. (artº 640º, nº 1, al. c), do NCPC).

2ª - Ser a sentença recorrida nula, nos termos do art. 615º, nº 1, al. c), do C.P.C., por contradição entre factos dados como provados e a decisão proferida.

6ª - Assim alterada a decisão sobre aqueles concretos pontos de facto, tal qual elencado nas conclusões anteriores, tem de concluir-se que a sentença é também nula porquanto os fundamentos estão em oposição com a decisão. (artº 615º, nº 1, al. c), do NCPC).

3ª - Ter de ser alterada a decisão de mérito proferida (quer face à prévia alteração da matéria de facto que defendeu no seu recurso, quer de forma independente dela), sendo proferida uma nova, julgando a acção totalmente improcedente.

7ª - Se assim não se considerar, tem de considerar-se ter ocorrido erro notório no julgamento daquela mesma matéria de facto, que inquinou a decisão proferida na sentença, que assim também deve ser revogada.

8ª - A sentença recorrida errou, ainda, na aplicação do direito aos factos, nomeadamente na aplicação do regime jurídico do contrato de mandato, no que concerne à obrigação do mandante pagar ao mandatário os encargos havidos e suportados com despesas acessórias e necessárias à execução do contrato principal, do mandato.

9ª - As despesas de preparação da embarcação da recorrida para venda, as despesas de armazenamento da embarcação da recorrida durante todo o processo de venda, e as despesas de reparação da embarcação pós venda, são despesas acessórias e necessárias à execução do contrato principal, de mandato, conferido pela recorrida à recorrente, para venda da sua embarcação.

10ª - Mesmo que assim se não entenda, o que se concede por mera cautela, tem de se considerar que tais despesas feitas foram fundadamente tidas pelo mandatário como indispensáveis à execução do mandato, até porque, à luz da experiência e das regras comuns, bem como da lógica, tratam-se de despesas absolutamente normais e usuais, pelo que o mandante está obrigado a reembolsar o mandatário pelas mesmas.

11ª - A recorrente, mandatária, prestou contas finais à recorrida, mandante, e compensou o valor a que tinha direito por força do que despendeu nessas despesas.
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1.3. Contra-alegações

A Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) contra-alegou, pedindo que se mantivesse integralmente a sentença recorrida.

(…)
*

II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR
2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do C.P.C.), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, nº 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, ambos do C.P.C.).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, 03 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal:

- É a sentença recorrida nula, por os fundamentos estarem em oposição com a decisão (art. 615º, nº 1, al. c), I parte, do C.P.C.) ?

- Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma

. não permitia que se desse como demonstrada a primeira parte do facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 8 («Sem estar mandatada para tal, a Requerida recebeu directamente do comprador da embarcação o preço de € 32.000,00»);

. impunha que se dessem como demonstrados os factos não provados enunciados na sentença recorrida sob a alínea c) («Foi acordado, verbalmente, entre as partes que o aparcamento da dita embarcação custaria à Requerente a quantia mensal de € 85,00, mais IVA »), sob a alínea e) («Aquando da sua venda pela Requerida à DSP, aquela foi obrigada, naturalmente, a fazer uma chave para a embarcação, a meter-lhe gasolina para a testar em seco, a carregar-lhe a bateria, a mudar-lhe o óleo do “Trim”, a meter-lhe valvulina, a lavá-la, a limpá-la, e às respectivas coberturas, a poli-la, a aplicar-lhe uma pintura antivegetativa, a aplicar-lhe o respectivo “lettering”, a gastar mão-de-obra em tais serviços e a tratar de obter a documentação da embarcação e a transferir a propriedade da mesma para aquela compradora»), sob a alínea f) («O que a Requerida fez com o acordo verbal da Requerente e a expensas desta, quer porque não seria o comprador a suportar tais despesas, quer porque a comissão acordada pagar à Requerida também não incluía estas despesas necessárias para a celebração do negócio também do interesse da própria Requerente, quer, ainda, porque a garantia prestada pela Requerida ao comprador impunha que se repusesse, por intermédio da Requerida, a embarcação em perfeito estado de funcionamento»), sob a alínea g) («Foi a Requerida quem surgiu perante a DSP como vendedora e garante do bem vendido»), sob a alínea k) («Por demora da Capitania competente no registo da propriedade da embarcação a favor da DSP, a compra e venda da embarcação apenas ficou devidamente concluída em finais de Agosto de 2014»), e sob a alínea l) («Foi em inícios de Setembro de 2014 que a Requerida recebeu da Capitania a documentação relativa ao registo da propriedade da embarcação em nome da DSP»)?

- Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação das normas legais consideradas (face ao sucesso da prévia impugnação da matéria de facto feita, mas também de forma independente dele), devendo ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, julgando a acção totalmente improcedente) ?
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III - QUESTÃO PRÉVIA - Nulidades da sentença
3.1. Conhecimento de nulidades da sentença – Momento

3.1.1. Lê-se no art. 663º, nº 2 do C.P.C. que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607º a 612º».

Mais se lê, no art. 608º, nº 2 do C.P.C., que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
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3.1.2. Concretizando, tendo sido invocada pela Ré recorrente (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, deverá a mesma ser conhecida de imediato, e de forma prévia às restantes objecto da sua sindicância, já que, sendo reconhecida, poderá impedir o conhecimento das demais (neste sentido, Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo nº 161/09.3TCSNT.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, como todos os outros citados sem indicação de origem).
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3.2. Nulidades da sentença
3.2.1.1. Vícios da sentença - Nulidades versus Erro de julgamento

As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à sua eficácia ou validade): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do C.P.C. (neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo nº 00858/14).

Precisando, «os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença», já que «a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de dar lugar à actuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª instância (artº 662º, nº 2, c) e d) do nCPC)» (Ac. da RC, de 20.01.2015, Henrique Antunes, Processo nº 2996/12.0TBFIG.C1, com bold apócrifo).

Não obstante se estar perante realidades bem distintas, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades».
Sem prejuízo do exposto, e «ainda que nem sempre se consiga descortinar que interesses presidem à estratégia comum de introduzir as alegações de recurso com um rol de pretensas “nulidades” da sentença, sem qualquer consistência, quando tal ocorra (…), cumpre ao juiz pronunciar-se sobre tais questões (…)» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 132 e 133, com bold apócrifo).
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3.2.1.2. Contradição - Art. 615º, nº 1, al. c), I parte, do C.P.C.

Lê-se no art. 615º, nº 1, al. c), I parte, do C.P.C. (como já antes se lia no art. 668º, nº 1, al. c) do anterior C.P.C.), e no que ora nos interessa, que «é nula a sentença quando»:

. contradição - «Os fundamentos estejam em oposição com a decisão (…)».

Esta nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos arts. 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, ambos do C.P.C., e pelo art. 205º, nº 1 da C.R.P., do juiz fundamentar as suas decisões; e, por outro lado, com o facto de se exigir que a decisão judicial constitua um silogismo lógico-jurídico, em que o seu decisório final deverá ser a consequência ou conclusão lógica da conjugação da norma legal [premissa maior] com os factos [premissa menor].
Reconhece-se, deste modo, que é precisamente a fundamentação da decisão que assegurará ao cidadão o respectivo controlo; e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado.

Por outras palavras, «os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a sentença, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário». Logo, «constituirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença que os fundamentos da mesma conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada» (Ac. da RG, de 14.05.2015, Manuel Bargado, Processo nº 414/13.6TBVVD.G. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 11.01.1994, Cardoso Albuquerque, BMJ nº 433, pg. 633, onde se lê que «entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição». Ainda, Ac. do STJ, de 13.02.1997, Nascimento Costa, BMJ nº 464, pg. 524, e Ac. do STJ, de 22.06.1999, Ferreira Ramos, CJ, 1999, Tomo II, p. 160).

Realidade distinta desta, reitera-se, é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta: quando - embora mal - o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o que existe é erro de julgamento e não oposição nos termos aludidos (Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, Coimbra Editora, 2000, p. 298).
Por outras palavras, o erro de julgamento gerador da violação de lei substantiva decompõe-se numa das seguintes vertentes: erro de determinação da norma aplicável; erro de interpretação; ou erro de aplicação do direito, isto é, erro de subsunção dos factos e do direito, ou estender-se à sua própria qualificação (neste sentido, com maiores desenvolvimentos, Ac. do STJ, de 02.07.2015, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 5024/12.2TTLSB.L1-S1).
Logo, saber se a decisão (de facto ou de direito) está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma (conforme Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos Processo nº 00A3277).
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3.2.2. Concretizando, pese embora a Recorrente (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) haja alegado que, na sentença recorrida, «os fundamentos estão em oposição com a decisão», certo é que - e tal como o fez notar o Tribunal a quo, em posterior despacho - «inexiste a apontada nulidade uma vez que a decisão a que se chegou é a consequência lógica dos fundamentos de facto e de direito que se expuseram na sentença, discordando sim o recorrente daqueles fundamentos».

Ora, e tal como se detalhou supra, esse juízo, sendo idóneo para fundar o recurso de apelação que interpôs, com vista à alteração da decisão de facto proferida, já se torna inidóneo para fundar a arguição de nulidade feita.

Por outras palavras, compulsada a sentença recorrida, verifica-se que os seus fundamentos (de facto e de direito) se encontram em conformidade com a subsequente decisão (de parcial procedência, e parcial improcedência, da acção): tendo ficado provado que as partes acordaram no pagamento de uma comissão de € 1.500,00, acrescida de I.V.A., bem como na reparação pela Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) do cárter do motor da embarcação de recreio em causa, sendo o custo do material necessário suportado pela Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada), foi a mesma condenada a pagar esse quantitativo à Ré, excluindo-se porém daquela obrigação de pagamento as demais despesas invocadas por esta, não só por não se ter provado o respectivo montante, como também por não se ter provado que a Autora tivesse autorizado a sua realização.

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela inexistência da nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, consistente na oposição dos seus fundamentos com a respectiva decisão (independentemente da Ré recorrente discordar dela, nomeadamente por considerar a prova produzida idónea a sustentar a sua versão dos factos e, consequentemente, defender a improcedência total da acção).
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
4.1. Decisão de Facto do Tribunal de 1ª Instância
4.1.1. Factos Provados

Realizada a audiência de julgamento, resultaram provados os seguintes factos: (aqui reordenados - lógica e cronologicamente -, e renumerados):

1 - IM - Petróleos e Derivados, Limitada (aqui Autora) é uma sociedade comercial por quotas que exerce a actividade de «comércio por grosso e a retalho de combustíveis líquidos, gasosos, produtos derivados e lubrificantes, bem como o exercício de qualquer actividade industrial e ou comercial que directa ou indirectamente se relacione com aqueles, nomeadamente a exploração de lojas, restaurantes, snack-bar, mini-mercado, lojas de conveniência e estabelecimentos hoteleiros, no âmbito ou não dos seus postos de abastecimento e áreas de serviço».
(facto enunciado sob o número 1 na sentença recorrida)

2 - L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada (aqui Ré) é uma sociedade comercial que se dedica, com escopo lucrativo e entre outras, à actividade de comércio, compra e venda, de veículos e acessórios, equipamentos desportivos, mobiliário e material náutico, no qual se inclui a compra e venda dos denominados lanchas e barcos de recreio.
(facto enunciado sob o número 2 na sentença recorrida)

3 - A Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) era dona e legítima possuidora da embarcação de recreio com as referências Crow Line, modelo 275 CCR, denominada por «Blue Dream I», registada na titularidade daquela na Capitania do Porto de Cascais sob o n.º ….
(facto enunciado sob o número 3 na sentença recorrida)

4 - A embarcação descrita no requerimento injuntivo foi adquirida pela Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) no âmbito de processo executivo que moveu contra terceiro.
(facto enunciado sob o número 21 na sentença recorrida)

5 - No âmbito desse processo de execução - a que a Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) é alheia, por nele não ser parte -, a Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) penhorou a sobredita embarcação, que removeu pelos seus próprios meios para as suas próprias instalações em …, Braga, onde a Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada), a seu pedido e por sua encomenda, a foi buscar com os seus meios próprios.
(facto enunciado sob o número 22 na sentença recorrida)

6 - Tal embarcação esteve, pois, guardada nas instalações da Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada), a pedido e também no interesse da Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada).
(facto enunciado sob o número 24 na sentença recorrida)

7 - Quando a embarcação foi para as instalações da Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada), não tinha chave, nem documentos, não tinha gasolina, não estava reparada, estava suja, não tinha quaisquer letterings próprios.
(facto enunciado sob o número 28 na sentença recorrida)

8 - A Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) decidiu vender a dita embarcação, depois de a mesma lhe ter sido adjudicada.
(facto enunciado sob o número 24 na sentença recorrida)

9 - Durante o ano de 2013, a Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) e a Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) celebraram um acordo através do qual esta se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra da referida embarcação, pelo preço de € 39.000,00 (trinta e nove mil euros, e zero cêntimos), mediante o pagamento duma remuneração fixa do valor de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros, e zero cêntimos), acrescida de I.V.A..
(facto enunciado sob o número 4 na sentença recorrida)

10 - A Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) promoveu a venda da dita embarcação.
(facto enunciado sob o número 25 na sentença recorrida)

11 - Através das acções de promoção e divulgação da embarcação e do negócio que a Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) pretendia celebrar, em Junho de 2014 a Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) conseguiu angariar um interessado na aquisição da embarcação, pelo preço de € 32.000,00 (trinta e dois mil euros, e zero cêntimos).
(facto enunciado sob o número 5 na sentença recorrida)

12 - O interessado comprador angariado foi a sociedade comercial com a designação comercial DSP - Soluções de Sistemas de Tecnologia e Informação, S.A., sociedade anónima, com o NIPC ....
(facto enunciado sob o número 6 na sentença recorrida)

13 - A Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) encontrou um cliente interessado que aceitou adquirir-lhe a dita embarcação por € 32.000,00, acrescido das despesas do seu transporte para entrega no Porto, depois de se propor pagar apenas € 30.000,00.
(facto enunciado sob o número 26 na sentença recorrida)

14 - Para o que a Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) obteve a concordância expressa, verbal, da Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada).
(facto enunciado sob o número 27 na sentença recorrida)

15 - Angariado o comprador interessado, a Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) solicitou à Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) a emissão da respectiva factura relativa à compra e venda, o que esta emitiu, sendo a factura número 183/27/2014, de 05/06/2014, da qual se evidencia a designação comercial do comprador, a quantia de € 26.016,26 e o valor do I.V.A., à taxa de 23 %, de € 5.983,74, tudo o que perfaz o aludido montante de € 32.000,00.
(facto enunciado sob o número 7 na sentença recorrida)

16 - Entregue a dita embarcação pela Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) à Compradora identificada, verificou-se, então e já em água, mais propriamente na marina de Angra do Douro (Crestuma-Lever), que a mesma apresentou graves problemas de ordem mecânica, nomeadamente, o cárter furado (estava podre), com grave perda de óleo do motor, o que impedia a sua utilização/navegação, ou seja, impedia que a embarcação fosse utilizada para o fim para que tinha sido vendida.
(facto enunciado sob o número 29 na sentença recorrida)

17 - A Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) informou/avisou a Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) de tais anomalias e, bem assim, da necessidade/obrigação da sua reparação.
(facto enunciado sob o número 30 na sentença recorrida)

18 - Com o acordo verbal da Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada), a Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) procedeu à necessária reparação da embarcação que tinha vendido à DSP.
(facto enunciado sob o número 31 na sentença recorrida)

19 - Nessa reparação a Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) teve de substituir o cárter de óleo, cujo valor é de € 362,92 (trezentos e sessenta e dois euros, e noventa e dois cêntimos), acrescido de I.V.A..
(facto enunciado sob o número 32 na sentença recorrida)

20 - Sem estar mandatada para tal, a Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) recebeu directamente do comprador da embarcação o preço de € 32.000,00 (trinta e dois mil euros, e zero cêntimos).
(facto enunciado sob o número 8 na sentença recorrida)

21 - A Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) recebeu a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros, e zero cêntimos), respeitante ao início do pagamento do preço e, em 07 de Junho de 2014, recebeu o remanescente de € 30.000,00 (trinta mil euros, e zero cêntimos).
(facto enunciado sob o número 9 na sentença recorrida)

22 - Os € 30.000,00 (trinta e dois mil euros, e zero cêntimos) foram pagos pelo comprador através do cheque que foi sacado à ordem da Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada), do qual se extracta o seguinte: a ordem de pagamento à Ré; a designação comercial da compradora como sacadora do cheque; e a data de emissão do cheque (que foi a de 07 de Junho de 2014).
(facto enunciado sob o número 10 na sentença recorrida)

23 - A Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) depositou o cheque na sua própria conta bancária e, assim, fez seu a totalidade do preço de € 32.000,00 (trinta mil euros, e zero cêntimos), que sabia ser da Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada).
(facto enunciado sob o número 11 na sentença recorrida)

24 - A Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) não informou a Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) que já havia recebido a totalidade do preço.
(facto enunciado sob o número 12 na sentença recorrida)

25 - A Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) apenas soube deste facto através de insistências, não apenas perante a Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada), mas já também da Sociedade compradora de quem passou a reclamar o pagamento do preço.
(facto enunciado sob o número 13 na sentença recorrida)

26 - Foi assim que, confrontada a Compradora, esta acabou por enviar à Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) uma cópia do cheque que havia sacado, onde demonstrou que já tinha pago a totalidade do preço.
(facto enunciado sob o número 14 na sentença recorrida)

27 - A Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) passou a insistir agora junto da Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) para que esta pagasse o preço.
(facto enunciado sob o número 15 na sentença recorrida)

28 - O registo da propriedade da embarcação a favor da DSP, foi efectuado pela Capitania a 25 de Agosto de 2014.
(facto enunciado sob o número 33 na sentença recorrida)

29 - Em 02 de Setembro de 2014, a Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) transferiu o montante de € 10.000,00 (dez mil euros, e zero cêntimos) a favor da Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada).
(facto enunciado sob o número 16 na sentença recorrida)

30 - A Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada), por carta de 10 de Setembro de 2014, enviou à DSP os respectivos documentos, livrete e taxa de farolagem.
(facto enunciado sob o número 34 na sentença recorrida)

31 - Em 12 de Setembro de 2014, a Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) transferiu a favor da Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) mais € 15.735,00 (quinze mil, setecentos e trinta e cinco euros, e zero cêntimos).
(facto enunciado sob o número 17 na sentença recorrida)

32 - Em 12 de Setembro de 2014, através de um email que enviou à Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada), a Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) adicionou como anexo as facturas número 2014/69, número 2014/70, número 2014/71 e número 2014/72, que foram todas emitidas na mesma data de 12.09.2014, e que ascendem ao valor total de € 6.265,01 (seis mil, duzentos e sessenta e cinco euros, e um cêntimo).
(facto enunciado sob o número 18 na sentença recorrida)

33 - A factura número 2014/72 emitida pela Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada), respeita à sua comissão, pelo serviço de mediação na compra e venda da embarcação.
(facto enunciado sob o número 19 na sentença recorrida)

34 - A Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) devolveu as facturas à Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada).
(facto enunciado sob o número 20 na sentença recorrida)
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4.1.2. Factos não provados

Na mesma decisão do Tribunal de 1ª Instância, foram considerados como não provados os seguintes factos:

a) O valor da remuneração de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros, e zero cêntimos), referido em 9, já tinha o IVA incluído.

b) A Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) é nacionalmente conhecida e reconhecida, até internacionalmente, há mais de 30 anos no mercado das embarcações de recreio.

c) Foi acordado, verbalmente, entre as partes que o aparcamento da dita embarcação custaria à Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) a quantia mensal de € 85,00 (oitenta e cinco euros, zero cêntimos), mais I.V.A..

d) Mais acordaram as partes que haveria um desconto comercial de 20% sobre o valor mensal do aparcamento até à sua venda pela Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada).

e) Aquando da sua venda pela Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) à DSP, aquela foi obrigada, naturalmente, a fazer uma chave para a embarcação, a meter-lhe gasolina para a testar em seco, a carregar-lhe a bateria, a mudar-lhe o óleo do “Trim”, a meter-lhe valvulina, a lavá-la, a limpá-la, e às respectivas coberturas, a poli-la, a aplicar-lhe uma pintura antivegetativa, a aplicar-lhe o respectivo “lettering”, a gastar mão-de-obra em tais serviços e a tratar de obter a documentação da embarcação e a transferir a propriedade da mesma para aquela compradora.

f) A Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) fez o referido na alínea anterior com o acordo verbal da Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) e a expensas desta, quer porque não seria o comprador a suportar tais despesas, quer porque a comissão acordada pagar à Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) também não incluía estas despesas necessárias para a celebração do negócio também do interesse da própria Autora, quer, ainda, porque a garantia prestada pela Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) ao comprador impunha que se repusesse, por seu intermédio, a embarcação em perfeito estado de funcionamento.

g) Foi a Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) quem surgiu perante a DSP como vendedora e garante do bem vendido.

h) A Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) outorgou tudo quanto necessário foi para transmitir a propriedade da embarcação para aquele comprador.

i) A Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) informou e acordou com a Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) que esta teria de proceder ao pagamento das despesas a suportar quer com o armazenamento da embarcação até à sua venda, quer com a sua preparação para venda, quer, depois, com a sua reparação.

j) A Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) nunca esteve impedida de receber o preço da venda.

k) Por demora da Capitania competente no registo da propriedade da embarcação a favor da DSP, a compra e venda da embarcação apenas ficou devidamente concluída em finais de Agosto de 2014.

l) Foi em inícios de Setembro de 2014 que a Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) recebeu da Capitania a documentação relativa ao registo da propriedade da embarcação em nome da DSP.

m) A Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) promoveu a venda nas mesmas condições em que promoveu e promove sempre a venda de todas as suas embarcações, isto é, anunciou-a nas suas páginas da internet da especialidade e procedeu a vários contactos com potenciais clientes para a mesma.
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4.2. Modificabilidade da decisão de facto
4.2.1. Poder (oficioso) do Tribunal da Relação - Prova vinculada

Lê-se no art. 607º, nº 5, do C.P.C. que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no C.C., nos seus art. 389º do C.C. (para a prova pericial), art. 391º do C.C. (para a prova por inspecção) e art. 396º (para a prova testemunhal).
Contudo, a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do nº 5, do art. 607º do C.P.C. citado, com bold apócrifo).

Mais se lê, no art. 662º, nº 1, do C.P.C., que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art. 607º, nº 4 do C.P.C., aqui aplicável ex vi do art. 663º, nº 2 do mesmo diploma).

Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no C.C.), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspectos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.
Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (arts. 371º, nº 1e 376º, nº 1, ambos do C.P.C.), ou quando exista acordo das partes (art. 574º, nº 2 do C.P.C.), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art. 358º do C.C., e arts. 484º, nº 1 e 463º, ambos do C.P.C.), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos arts. 351º e 393º, ambos do C.P.C.).
Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).
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4.2.2. Âmbito da sindicância do Tribunal da Relação - Prova livre

Lê-se ainda, no nº 2, als. a) e b) do art. 662º citado, que a «Relação deve ainda, mesmo oficiosamente»: «Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de depoente ou sobre o sentido do seu depoimento» (al. a); «Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova» (al. b)».
«O actual art. 662º representa uma clara evolução [face ao art. 712º do anterior C.P.C.] no sentido que já antes se anunciava. Através dos nºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.

(…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores de imediação e da oralidade. Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607º, nº 5) ou da aquisição processual (art. 413º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 225-227).

É precisamente esta forma de proceder da Relação (apreciando as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, e indo à procura da sua própria convicção), que assegura a efectiva sindicância da matéria de facto julgada, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise (conforme Ac. do STJ, de 24.09.2013, Azevedo Ramos, comentado por Teixeira de Sousa, Cadernos de Direito Privado, nº 44, p. 29 e ss.).
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4.2.2.1.1. Ónus de impugnação

Contudo, reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», mas, tão-somente, «detectar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento» (preâmbulo do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido, quiçá com intuitos meramente dilatórios.

Com efeito, e desta feita, «à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recuso», conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 228, com bold apócrifo).

Lê-se, assim, no art. 640º, n 1 do C.P.C. que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».

Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (art. 640º, nº 2, al. a) citado).
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada; e esta última exigência (contida na al. c) do nº 1 do art. 640º citado), «vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 129, com bold apócrifo).

Dir-se-á mesmo que as exigências legais referidas têm uma dupla função: não só a de delimitar o âmbito do recurso, mas também a de conferir efectividade ao uso do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).

Por outras palavras, se o dever - constitucional e processual civil - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, in www.dgsi.pt, como todos os demais sem indicação de origem).

Com efeito, «livre apreciação da prova» não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 655).

«É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325).

«Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 591, com bold apócrifo).

Dir-se-á mesmo que, este esforço exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, p. 281).

É, pois, irrecusável e imperativo que, «tal como se impõe que o tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas)… também o Recorrente ao enunciar os concreto meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia», não bastando nomeadamente para o efeito «reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, p. 595, com bold apócrifo).

Ainda que com naturais oscilações - nomeadamente, entre a 2ª Instância e o Supremo Tribunal de Justiça - (muito bem sumariadas no Ac. do STJ, de 09.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo nº 6617/07.5TBCSC.L1.S1, e no Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo nº 157/12-8TVGMR.G1.S1) - , vêm sendo firmadas as seguintes orientações:

. os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (neste sentido, Ac. do STJ, de 28.04.2014, Abrantes Geraldes, Processo nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1);

. não cumprindo o recorrente os ónus impostos pelo art. 640º, nº 1 do C.P.C., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639º, nº 3 do C.P.C. (nesse sentido, Ac. da RG, de 19.06.2014, Manuel Bargado, Processo nº 1458/10.5TBEPS.G1);

. a cominação da rejeição do recurso, prevista para a falta das especificações quanto à matéria das alíneas a), b), e c) do n.º 1, ao contrário do que acontece quanto à matéria do n.º 2 do art. 640.º do CPC (a propósito da «exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso»), não funciona aqui, automaticamente, devendo o Tribunal convidar o recorrente, desde logo, a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação (neste sentido, Ac. do STJ, de 26.05.2015, Hélder Roque, Processo nº 1426/08.7CSNT.L1.S1);

. dever-se-á usar de maior rigor no apreciação cumprimento do ónus previsto no nº 1 do art. 640º (primário ou fundamental, de delimitação do objecto do recuso e de fundamentação concludente do mesmo, mantido inalterado), face ao ónus previsto no seu nº 2 (secundário, destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1);

. o ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicção com exactidão das passagens da gravação onde se funda o recurso só será idónea a fundamentar a rejeição liminar do mesmo se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (neste sentido, Ac. do STJ, de 26.05.2015, Hélder Roque, Processo nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, Ac. STJ de 22.09.2015, Pinto de Almeida, Processo nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1, e Ac. do STJ, de 19.01.2016, Sebastião Póvoas, Processo nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, onde se lê que o ónus em causa estará cumprido desde que o recorrente se reporte à fixação electrónica/digital e transcreva os excertos que entenda relevantes, de forma a permitir a reanálise dos factos e o contraditório);

. cumpre o ónus do art. 640º, nº 2 do C.P.C. quando não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento, como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso (neste sentido, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1); ou quando o recorrente identificou as testemunhas EE, FF e GG, assim como a matéria sobre a qual foram ouvidas, referenciou as datas em que tais depoimentos foram prestados e o CD onde se encontra a respectiva gravação, indicando o seu tempo de duração, e, para além disso, transcreveu e destacou a negrito as passagens da gravação tidas por relevantes e que, em seu entender, relevavam para a alteração do decidido (neste sentido, Ac. do STJ, de 18.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo nº 476/09.oTTVNG.P2.S1);

. a apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Maria dos Prazeres Beleza, Processo nº 405/09.1TMCBR.C1.S1); nem o faz o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem uma única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (neste sentido, Ac. do STJ, de 28.05.2015, Granja da Fonseca, Processo nº 460/11.4TVLSB.L1.S1);

. servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, mas bastando quanto aos demais requisitos desde que constem de forma explícita na motivação do recurso (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, Ac. do STJ, de 01.10.2015, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ac. do STJ, de 03.12.2015, Melo Lima, Processo nº 3217/12.1TTLSB.L1-S1, Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, Ac. do STJ, de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 861/13.3TTVIS.C1.S1, e Ac. do STJ, de 21.04.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 449/10.0TVVFR.P2.S1);

. não deve ser rejeitado o recurso se o recorrente seguiu uma determinada orientação jurisprudencial acerca do preenchimento do ónus de alegação quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos do art. 640º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ, de 09.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo nº 6617/07.5TBCSC.L1.S1);

. a insuficiência ou mediocridade da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1).

De todo o exposto resulta que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros: só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).

Importa, porém, não esquecer - porque (como se referiu supra) se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 609).
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4.2.2.1.2. Carácter instrumental da impugnação da decisão de facto

Veio, porém, a jurisprudência precisar ainda que a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma.
Com efeito, a «impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B [do anterior C.P.C.], visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efectivo objectivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo nº 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo).

Logo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto «quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente», convertendo-a numa «pura actividade gratuita ou diletante» (conforme Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12.0T2AVR.C1).

Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.

Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo nº 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10.3TBLRA.C1, onde se lê que, de «harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC)», pelo que se «o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância»; e isso «sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação»).
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4.2.2.2. Concretizando, considera-se que a Recorrente (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) cumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art. 640º, nº 1 do C.P.C. (conclusão distinta de saber se, tendo-o feito, existe fundamento para a pretendida alteração dos factos julgados como provados).
Com efeito, indicou nas suas conclusões de recurso: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente provados (o ter-se dado como provada a primeira parte do facto enunciado na sentença recorrida sob o número 8, e o terem-se dado como não provados os aí enunciados sob as alíneas c), e), f), g), k) e l); os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente (os depoimentos prestados pelos legais representantes das partes - respectivamente, Rui e Manuel -, e pelas testemunhas Paulo e Maria); e a decisão que, no seu entender, se impunha (o dar-se como não provada a primeira parte do facto enunciado na sentença recorrida sob o número 8, e o darem-se como provados os factos aí enunciados sob as alíneas as alíneas c), e), f), g), k) e l)).

Prosseguindo na verificação do cumprimento do ónus de impugnação a cargo da Ré recorrente (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada), e relativamente ao juízo crítico próprio, assentou o mesmo na denúncia de uma total ausência de prova quanto à primeira parte do facto provado enunciado sob o número 8, e numa diferente valoração feita dos depoimentos prestados pelos Legais Representantes das partes e pelas Testemunhas referidas, quanto as factos não provados enunciados sob as alíneas c), e), f), g), k) e l).

Por outras palavras, admitindo-se necessariamente que o Tribunal a quo ouviu integralmente os depoimentos que a Recorrente (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) seleccionou na sua impugnação, certo é que fez dos mesmos uma outra valoração, ajuizando todo o seu conjunto face às regras da experiência.
Assim, pretendendo a Recorrente sindicar este juízo, importaria que indicasse as razões pelas quais entende que àqueles depoimentos deveria ter sido dada outra relevância, o que de facto fez, apelando nomeadamente ao contexto em causa, de compra e venda de embarcações de recreio, e aos requisitos exigidos para a navegabilidade destas.
Está, assim, este Tribunal da Relação em condições de poder proceder (nos limites autorizados pelo art. 640º do C.P.C.) à reapreciação da matéria de facto pretendida pela Ré recorrente.
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4.3. Modificabilidade da decisão de facto - Caso concreto
4.3.1. Facto provado enunciado sob o número 8 (I parte)

(…)
Assim, e por existência de fundamento, procede o recurso de impugnação da matéria de facto, apresentado pela Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada), relativo à primeira parte do facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 8, que por isso passa a ter a seguinte redacção:

· «8. A Ré recebeu directamente da Compradora da embarcação o preço de € 32.000,00.»
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4.3.2. Facto não provado enunciado sob a alínea c)

(…)

Assim, e por existência de fundamento, procede o recurso de impugnação da matéria de facto, apresentado pela Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada), relativo ao facto não provado enunciado na sentença recorrida sob a alínea c), que por isso passa a integrar o elenco dos factos provados.
*
4.3.3. Factos não provados enunciados sob as alíneas e), f) e g)
(…)

Assim, e por parcial existência de fundamento, procede parcialmente o recurso de impugnação da matéria de facto, apresentado pela Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada), relativo aos factos não provados enunciados na sentença recorrida sob as alínea e), f) e g), que por isso passam a integrar o elenco dos factos provados, e a manter-se no elenco dos factos não provados, com a seguinte redacção:

Factos provados:

· «e) «Aquando da sua venda pela Ré à DSP, aquela foi obrigada, naturalmente, a fazer uma chave para a embarcação, a meter-lhe gasolina para a testar em seco, a carregar-lhe a bateria, a mudar-lhe o óleo do “Trim”, a meter-lhe valvulina, a lavá-la, a limpá-la, e às respectivas coberturas, a aplicar-lhe o respectivo “lettering”, a gastar mão-de-obra em tais serviços e a tratar de obter a documentação da embarcação e a transferir a propriedade da mesma para aquela compradora».

· «f) A comissão acordada pagar à Requerida não incluía estas despesas necessárias para a celebração do negócio, também do interesse da própria Requerente».

· «g) Foi a Requerida quem surgiu perante a DSP como vendedora».

Factos não provados:

· «c) «Aquando da venda da embarcação pela Ré à DSP, aquela foi obrigada, naturalmente, a poli-la, e a aplicar-lhe uma pintura antivegetativa».

· «f) O que a Requerida fez com o acordo verbal da Requerente e a expensas desta, quer porque não seria o comprador a suportar tais despesas, quer, ainda, porque a garantia prestada pela Requerida ao comprador impunha que se repusesse, por intermédio da Requerida, a embarcação em perfeito estado de funcionamento».

· «g) Foi a Requerida quem surgiu perante a DSP como garante do bem vendido».
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4.3.4. Factos não provados enunciados sob as alíneas k) e l)

Veio, por fim, a Recorrente (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) defender a alteração da decisão sobre a matéria de facto, de novo por entender que o Tribunal a quo teria feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma impunha que os factos não provados na sentença recorrida sob a alínea k) («Por demora da Capitania competente no registo da propriedade da embarcação a favor da DSP, a compra e venda da embarcação apenas ficou devidamente concluída em finais de Agosto de 2014») e sob a alínea l) («Foi em inícios de Setembro de 2014 que a Requerida recebeu da Capitania a documentação relativa ao registo da propriedade da embarcação em nome da DSP») tivessem ficado demonstrados.

Dir-se-á porém, e salvo o devido respeito por opinião contrária, serem os factos em causa totalmente irrelevantes para a decisão da causa, isto é, para o apuramento das despesas suportadas pela Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada), e para a determinação da eventual obrigação da Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) de a reembolsar pelas mesmas.

Com efeito, não se discutindo aqui a obrigação da Ré de devolver à Autora a quantia recebida a título de preço da Compradora, e pretendendo aquela ver reconhecida a compensação que alegadamente operou entre o crédito da Autora com o seu próprio crédito (resultante, precisamente daquelas despesas), por email de 12 de Setembro de 2014 (conforme a própria Autora reconhece na sua carta de 19 de Setembro de 2014, de fls. 46), cabe então apreciar se, factual e juridicamente, esta sua pretensão tem fundamento.
Ora, para este efeito, é absolutamente irrelevante o apuramento dos factos não provados enunciados sob as alíneas k) e l) da sentença recorrida.

Assim, e por falta de utilidade, não se conhece do recurso de impugnação da matéria de facto, apresentado pela Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada), relativo aos factos não provados enunciados na sentença recorrida sob as alíneas k) e l), que por isso permanecem no elenco dos factos carecidos de demonstração.
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Mantém-se, assim, definitivamente fixada a matéria de facto a considerar nos autos.
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V - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

5.1. Contratos celebrados entre as partes
5.1.1. Determinação do tipo contratual

A verificação de qual o acordo efectivamente celebrado pelas partes terá sempre de partir da interpretação das respectivas vontades, e não da denominação que - formal ou informalmente - tenham atribuído ao acordo invocado (atendendo-se, naquela operação, às circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas dele, às negociações respectivas, e à finalidade prática visada pelas partes).

Assim, a denominação final de um contrato (e a sua qualificação como pertencendo a um determinado tipo contratual, com relevância para determinar o respectivo o regime jurídico) é uma operação lógica subsequente àquela outra (de interpretação das declarações de vontade das partes): só uma vez realizada a dita interpretação se obterá a qualificação do contrato efectivamente celebrado (pela indagação, interpretação e aplicação das regras de direito), não estando o tribunal vinculado ao «nomen iuris» que os contraentes tenham adoptado.

Com efeito, se o juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes (nomeadamente, no apuramento das suas vontades) - por isso mesmo lhe ser imposto pelo princípio do dispositivo -, já a qualificação de um contrato é matéria de direito, sobre a qual o tribunal se pronuncia livremente, sem estar vinculado à denominação que os contraentes tenham adoptado (art. 5º, nº 2, do C.P.C.).
É, pois, relativamente frequente que a natureza ou a espécie de certo contrato não corresponda à designação que as partes lhe atribuíram e, portanto, à qualificação que dele fizeram. A «qualificação de um contrato é um juízo predicativo. O contrato é qualificado através do reconhecimento nele de uma qualidade que é a qualidade de corresponder a este ou àquele tipo, a este ou àquele modelo típico. A qualificação legal traz consigo, assim, sempre um processo de relacionação entre a regulação contratual subjectiva estipulada e o ordenamento legal objectivo, onde o catálogo dos tipos contratuais legais se contém» (Pedro Paes de Vasconcelos, Contratos Atípicos, Almedina, 1995, p. 164-5).

Esta «não adequação da designação adoptada pelas partes à real natureza do contrato pode resultar de circunstâncias várias, ou de equívoco ou ignorância ou do objecto de defraudar a lei, procurando enquadrar o negócio num modelo que não é o seu, para, através do uso da denominação específica de outro e a confusão assim estabelecida, tentar extrair daí consequências jurídicas favoráveis às partes ou a uma delas» (cfr. Prof. Galvão Telles, «Parecer», C.J., Ano XVII, Tomo II, p. 27). Para além destas (e doutras) concretas motivações, o que verdadeiramente relevará é que a actividade do julgador, na qualificação dos factos trazidos a juízo, não fique limitada ao nome/qualificação atribuído pelas partes.
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5.1.2. Contrato de depósito

Lê-se no art. 1185º do C.C. que o contrato de depósito é aquele «pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde, e a restitua quando for exigida».

Constituem, assim, obrigações principais do depositário, a guarda da coisa depositada e a sua restituição, no termo convencionado (arts. 1187º, als. a) e c), e 1194º, ambos do C.C.); e constituem obrigações principais do depositante o pagar ao depositário a retribuição devida - nomeadamente, quando acordada -, e o reembolso das despesas que ele fundadamente tenha considerado indispensáveis para a conservação da coisa, com juros legais desde que foram efectuadas, devendo satisfazer aquela primeira no termo do depósito, ou no fim de cada um dos períodos de tempo para o qual tenha sido convencionada (arts. 1199º, als. a) e b), e 1200º, nº 1, ambos do C.C.).
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5.1.3. Contrato de mediação

Na ausência de uma definição legal do contrato de mediação (que, não obstante ser socialmente típico, apenas se mostra regulado entre nós quando tenha por objecto um bem imóvel, inicialmente pelo Decreto-Lei nº 285/92, de 19 de Dezembro, e hoje pelo Decreto-Lei nº 211/2004, de 20 de Agosto), vem o mesmo sendo definido como o «contrato pelo qual uma pessoa se obriga a pagar a outra uma remuneração se estoutra lhe conseguir interessado para certo contrato e se a primeira vier a celebrar o desejado contrato como consequência da atividade da segunda» (Higina Maria Almeida Orvalho da Silva Castelo, Contrato de mediação. Estudo das Prestações Principais, Dissertação de Doutoramento em Direito Privado Apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Setembro de 2013, p. 15, in https://run.unl.pt/bitstream/10362/13121/1/Castelo_2013.pdf, consultada em Fevereiro de 2014).

Precisando um pouco mais, dir-se-á ser o acordo pelo qual uma das partes (o mediador) se obriga perante outra, que disse o incumbiu (o comitente), de conseguir interessado para certo negócio, bem como a aproximar o terceiro e o comitente, por forma a que o dito negócio se venha a realizar, concluindo-se o mesmo como consequência adequada dessa sua actividade de intermediário, sendo então remunerado pelo dador daquele encargo.
Logo, «a obrigação principal do mediador é conseguir interessado para certo negócio que, raramente, conclui, ele próprio. Limita-se a aproximar duas pessoas e a facilitar a celebração do contrato, podendo a sua remuneração caber a ambos os contraentes ou apenas àquele que recorreu aos seus serviços» (Pinto Monteiro, Estudos Sobre o Contrato de Agência, Anteprojecto, BMJ, 360).

Sendo «um modelo contratual ao qual as pessoas recorrem com frequência no comércio do nosso e de outros ordenamentos contemporâneos», é em geral (quando não sujeito a cláusula de exclusividade) dotado «das seguintes notas»: «possibilidade de o contrato não incluir uma vinculação do mediador a uma obrigação em sentido estrito; nascimento do direito à remuneração na dependência de um evento que não é controlável pelo mediador e que está dependente das vontades do cliente e de um terceiro; nexo causal entre a actividade de mediação e o evento de que depende o nascimento do direito à remuneração» (Higina Maria Almeida Orvalho da Silva Castel, Dissertação de Doutoramento citada, p. 16).
Precisando o traço do «direito à remuneração», como contrapartida da actividade desenvolvida com sucesso pelo mediador, ao angariar um interessado no negócio, dir-se-á que mediador só terá direito a ela quando haja desenvolvido uma actividade que haja influído na conclusão do negócio, sendo causa bastante da sua efectivação (Carlos Lacerda Barata, «Contrato de medição», in Estudos do Instituto de Direito do Consumo, I, 2003).
Contudo, a retribuição do mediador é devida logo que o contrato pretendido se conclua, sendo indiferente que o mesmo seja ou não cumprido, já que «a conclusão do negócio verifica-se quando as partes celebram o negócio jurídico, sendo indiferente a execução posterior» (Ac. do STJ, de 02.09.1994, JSTJ00025479/dgsi/net).

Por fim, dir-se-á que, vigorando na nossa lei o princípio consensualista, a validade do contrato de mediação mobiliária «não depende da observância de forma especial» (art. 219º do C.C.).
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5.1.4. Contrato de mandato

Lê-se no art. 1154º do C.C. que o contrato de prestação de serviço «é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição»; e o contrato de mandato é uma das suas modalidades, por isso se aplicando as disposições deste último aos contratos de prestação de serviço que a lei não regule especialmente (arts. 1155º e 1156º, do mesmo diploma).

Mais se lê, no art. 1157º do C.C., que o contrato de mandato é «pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra»; e o mesmo presume-se gratuito, excepto se tiver por objecto actos que o mandatário pratique por profissão, caso em que se presume oneroso, sendo qualquer destas presunções ilidível (art. 1158º do C.C.).
Logo, o mandato tem sempre por objecto a prática de um ou mais actos jurídicos, os quais serão na sua quase generalidade negócios jurídicos; e tais actos jurídicos deverão ser praticados por conta do mandante (mas já não necessariamente em nome dele, considerando mesmo alguma doutrina - v.g. Galvão Telles - ser esta não existência de ligação necessária entre o mandato e a representação, «a principal inovação a assinalar na orientação dada ao projecto»).

Quanto às principais obrigações que derivam do contrato de mandato, encontramos, para o mandatário, os deveres de praticar ao actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante, de prestar as informações que este lhe peça, relativamente ao estado da gestão, de lhe comunicar, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por que assim procedeu, de prestar contas, findo o contrato ou quando o mandante as exigir, e de lhe entregar o que recebeu em execução do acordo ou no exercício deste, se o não despendeu nomeadamente no cumprimento do contrato (art. 1161º do C.C.).
Já para o mandante, os principais deveres serão os de fornecer ao mandatário os meios necessários à execução do mandato, se outra coisa não foi convencionada, de lhe pagar a retribuição que ao caso competir, de lhe fazer provisão por conta dela segundo os usos, e de reembolsar o mandatário das despesas feitas que este fundadamente tenha considerado indispensáveis, com juros desde que foram efectuadas (art. 1167º do C.C.).

O mandato tanto pode ser celebrado conferindo poderes de representação ao mandatário, como não os conferindo, falando-se no primeiro caso de mandato com representação, e no segundo de mandato sem representação.
Naquela primeira hipótese, o mandatário é simultaneamente representante do mandante, por ter recebido poderes para agir em seu nome, passando a ter «o dever de agir não só por conta, mas em nome do mandante, a não ser que outra coisa tenha sido estipulado» (art. 1178º).
Assim, num contrato de mandato com representação, «o negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último» (art. 258º do C.C., aplicável ex vi do art. 1178º, nº 1, in fine, do mesmo diploma).
Já na hipótese de mandato sem representação, «o mandatário, se agir em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos que celebra, embora o mandato seja conhecido dos terceiros que participam nos actos ou sejam destinatários destes», ficando depois aquele «obrigado a transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato» (arts. 1180º e 1181º, ambos do C.C.).
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5.2. Caso concreto (subsunção ao direito aplicável)

5.2.1. Concretizando, verifica-se terem a Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) e a Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) celebrado sucessivamente três contratos ao longo da relação invocada nos autos, e sempre mercê de uma mesma embarcação de recreio, propriedade daquela primeira: um primeiro contrato, de depósito, por meio do qual a Autora entregou à Ré o seu barco, para que ela o guardasse nos respectivos armazéns, acordando a retribuição mensal de € 85,00, acrescidos de I.V.A.; um segundo contrato, de mediação mobiliária, por meio do qual a Autora encarregou a Ré de angariar um comprador para a dita embarcação, mediante o pagamento de uma comissão, tornada depois fixa, já que de € 1.500,00, acrescidos de I.V.A..; e um terceiro e último contrato, de mandato, já que, uma vez angariado pela Ré o dito potencial comprador, foi a mesma também encarregue pela Autora de realizar, por sua conta, a dita venda.

Com efeito, tendo sido apenas a Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) quem, por incumbência da Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada), contactou com a Compradora angariada, foi também aquela quem lhe emitiu a declaração de venda (verbal e escrita), assim como foi ela quem lhe entregou a factura emitida para o efeito pela Autora, e recebeu o preço pago, tudo fazendo com o conhecimento da Proprietária: e sem prejuízo da mesma jamais a ter autorizado a fazer seu o dito preço, ainda que temporariamente (nomeadamente, por meio do respectivo depósito na sua conta bancária).
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5.2.2. Concretizando novamente, e tendo deixado de estar em causa nos autos o pagamento da comissão (melhor dizendo, o seu montante) devida pela Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) à Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada), no âmbito do contrato de mediação imobiliária celebrado entre ambas, resta-nos o preço do depósito acordado, bem como o reembolso das despesas suportadas pela Ré com a preparação e reparação do barco daquela, antes da respectiva venda e como forma de viabilizar a mesma.

Ora, e relativamente ao contrato de depósito, discutia-se apenas nos autos se tinha, ou não, sido efectivamente acordada a remuneração mensal de € 85,00, acrescidos de I.V.A., invocada pela Ré (já que a entrega do barco nas suas instalações, a pedido e no interesse da Autora, para que o guardasse, estava assente).
Verifica-se que, nesta parte, a Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) logrou sucesso na impugnação de facto que realizou ao decidido a propósito na sentença recorrida, pelo que a Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) está, de facto, obrigada a pagar-lhe a quantia que lhe exigiu a este respeito, de € 340,00, acrescidos de I.V.A..

Por fim, e relativamente às despesas realizadas pela Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) no âmbito do contrato de mandato para venda da embarcação, discutia-se nos autos, não apenas a sua realização e o respectivo montante, mas também se as mesmas teriam sido, ou não, aprovadas pela Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada).
Verifica-se que, nesta parte, a Ré logrou igualmente sucesso na impugnação de facto que realizou ao decidido a propósito na sentença recorrida, ficando assente, quer a realização de todas as despesas invocadas, quer o seu montante.
Contudo, não logrou a mesma demonstrar a aprovação (prévia ou posterior) pela Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) da sua realização, sendo que, porém, se considera que esse insucesso não implica automaticamente o fracasso da sua pretensão.
Com efeito, a Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) conseguiu provar que a totalidade dessas despesas foi por si considerada indispensável à execução do mandato; e este Tribunal da Relação considerou esse seu juízo generalizadamente fundado, dele apenas excluindo o custo do polimento do barco e da aplicação da pintura antivegetativa.
Recorda-se que se lê no art. 1167º, al. c), do C.C. que o «mandante é obrigado a reembolsar o mandatário das despesas feitas que este fundadamente tenha considerado indispensáveis, com juros legais desde que foram efectuadas».
Esta «obrigação de reembolso de despesas compreende-se, dado que o mandatário actua por conta do mandante devendo portanto compensá-lo pelo que ele tenha tido que adiantar para efeitos de execução do mandato» (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume III, 6ª edição, Almedina, Abril de 2009, p. 445, com bold apócrifo).

O «critério de apreciação [das despesas reembolsáveis] é simultaneamente subjectivo e objectivo, pois não só se exige a convicção por parte do mandatário de que a despesa era necessária, como a razoabilidade dessa convicção. É um critério análogo ao consignado no artigo 468º, nº 1, para o caso paralelo da gestão dos negócios», já que vem de «muito longe a reacção contra as despesas supérfluas e as despesas excessivas» (Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 3ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1986, p. 726, com bold apócrifo).
Claro está que, por «vezes o mandante contestará não a feitura das despesas mas o seu montante: terá então de demonstrar que o mandatário podia ter conseguido o mesmo efeito com uma despesa menor, competindo a este aduzir elementos que demonstrem a sua actuação diligente, como bom gestor» (Manuel Januário da Costa Gomes, Contrato de Mandato, A.A.F.D.L.,1990, p. 110 e 111).
Ora, tendo precisamente a Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) agido deste modo, contestando a razoabilidade das despesas invocadas pela Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada), certo é que (e conforme se deixou exarado supra) o fez conclusivamente, sem a posterior demonstração factual do excesso invocado.

Mostra-se, assim, fundada a pretensão da Ré, de que a Autora lhe pague a totalidade dos montantes suportados como custos próprios, à excepção dos € 200,00 reclamados a título de polimento, e dos € 400,00 reclamados a título de pintura antivegativa, acrescidos de I.V.A. (isto é, € 738,00).

Por fim, dir-se-á que, salvo o devido respeito por opinião contrária, considera-se especiosa a distinção defendida pela Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada), entre despesas feitas (expressão legal) e custos suportados (pela Ré): os materiais aplicados na embarcação vendida, bem como o valor da mão-de-obra exigida para o efeito, não deixaram de ser suportados pela Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada), quer por previamente ter adquirido os primeiros, quer por ter tido que remunerar a segunda; e essa acção traduziu-se num inequívoco sacrifício patrimonial seu, equivalente ao pagamento que ela própria tivesse feito a um Terceiro para o mesmo fim.
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5.2.3. Concretizando, uma derradeira vez, verifica-se que, tendo a Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) operado a compensação do seu crédito, resultante das despesas por si realizadas e do preço do depósito assegurado, com o crédito da Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada), resultante do preço indevidamente retido por si, comunicou-lha por e-mail de 12 de Setembro e 2014, quando lhe enviou igualmente as facturas que a sustentariam (conforme a Autora reconheceu na carta que é fls. 46 dos autos, de 19 de Setembro de 2014).

Com efeito, «quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor», desde que o seu crédito seja exigível judicialmente e não proceda contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material, e desde que as duas obrigações tenham por objecto coisas fungíveis ou da mesma espécie e qualidade (art. 847º, nº 1 do C.C.).
Verificados estes requisitos, a compensação tornar-se-á efectiva mediante declaração de uma parte à outra, a ela não obstando o eventual diferente montante das dívidas, restringindo-se a compensação à parte correspondente (ainda arts. 848º, nº 1 e 847º, nº 2, ambos do C.P.C.).
Uma vez feita «a declaração de compensação, os créditos consideram-se extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis» (art. 854º do C.C.), isto é, a compensação opera retroactivamente.

Como consequência desta retroactividade, «nenhum dos créditos compensados vence juros durante o estado de pendência.(…) Não pode (…) verificar-se, em relação a qualquer dos créditos, mora do devedor ou do credor (…). Os factos constitutivos da mora deixam, pela declaração de compensação, de ter relevância jurídica, a não ser que se tenham verificado antes de os créditos serem compensáveis.
“A retroactividade da declaração de compensação, escreve Vaz Serra (…), tem o objectivo de assegurar às partes a protecção da confiança derivada da situação de compensação, já que esta (compensabilidade dos créditos) faz com que o devedor que sabe poder compensar se não julga já devedor e o credor que sabe poder ser compensado pelo seu crédito se não sente já credor» (Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, op. cit., Vol. II, Coimbra Editora, Limitada, 1986, p. 147).
Logo, tendo a Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) um crédito sobre a Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) - o mesmo que invocou nestes autos, à excepção dos € 738,00 excluídos supra -, e tendo-o compensado com aquele outro que esta reclamou aqui, o que fez em 12 de Setembro de 2014, só a partir de então está obrigada a pagar-lhe juros legais, sobre a remanescente quantia relativamente à qual permanece obrigada perante ela.
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela parcial procedência, e parcial improcedência, do recurso de apelação interposto pela Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada), alterando-se em conformidade a sentença recorrida.
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VI - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente, e parcialmente improcedente, o recurso de apelação interposto pela Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada), e, em consequência, em alterar parcialmente a sentença recorrida:

· condenando agora a Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) a pagar à Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada) a quantia de € 738,00 (setecentos e trinta e oito euros, e zero cêntimos), acrescida de juros legais, contados desde 13 de Setembro de 2014 até integral pagamento;

· e absolvendo agora a Ré (L. - Sociedade Comercial de Veículos e Equipamentos, Limitada) do demais peticionado contra si pela Autora (IM - Petróleos e Derivados, Limitada).
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Custas da apelação pela Autora e pela Ré, na proporção dos respectivos decaimentos (art. 527º, nº 1 e nº 2 do CPC).
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Guimarães, 15 de Fevereiro de 2018.


(Maria João Marques Pinto de Matos)
(José Alberto Martins Moreira Dias)
(António José Saúde Barroca Penha)