Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2567/19.0T8VCT.G1
Relator: ALEXANDRA VIANA LOPES
Descritores: SEGURO AUTOMÓVEL
DIREITO DE REGRESSO
PROJEÇÃO DE CARGA POR VEÍCULO EM CIRCULAÇÃO
ACONDICIONAMENTO DA CARGA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário da relatora:

1. As previsões normativas das situações em que existe direito de regresso de uma seguradora contra o responsável civil, previstas no art.27º do DL nº291/2007, de 21 de agosto, são excecionais e taxativas.
2. Nos termos e para os efeitos do art.27º/1-e) do DL nº291/2007, de 21 de agosto:
2.1. A projeção de um ramo de uma carga de madeira transportada, que “vai na direção” de um transeunte que circulava na mesma via e o atinge no rosto, deve ser interpretada como uma deslocação do ramo no espaço, seguida de uma presumível queda de carga.
2.2. A aferição da adequação ou da desadequação e da deficiência de acondicionamento de carga deve ser feita face às características do veículo, da carga, do pavimento, das condições climatéricas e com a finalidade de prevenção do perigo de lesão de direitos fundamentais de terceiros. Neste âmbito, é deficiente o acondicionamento de madeira de eucalipto entre os fueiros de um reboque com plataforma aberta, apenas retida por uma cinta colocada a meio da carga, quando desta foi projetado um ramo de eucalipto que atingiu um peão que circulava na mesma estrada, tendo em conta: que é previsível para um madeireiro, quando transporta madeira com ramos passíveis de se quebrarem, de se desprenderem ou de se soltarem, que este evento pode acontecer e que algum ramo pode sair do veículo e atingir alguma pessoa que circule na via; que, quando há risco de uma cinta de retenção não prender todos os ramos ou de algum destes se partir de ramo ou tronco a que esteja preso e quando há risco de um dos ramos saltar do reboque, é exigível ao madeireiro eliminar a totalidade desses ramos e/ou reforçar a forma de acondicionamento da carga de forma a evitar a saída de qualquer um dos ramos do reboque.
2.3. Pode presumir-se judicialmente: que a projeção de um ramo para fora de um veículo que transportava carga de madeira em plataforma aberta, ladeada por fueiros, e presa a meio e transversalmente com uma cinta de retenção fechada com um roquete, decorreu causalmente da falta de retenção desse ramo pela cinta ou do desprendimento desse ramo doutro, ainda que estivesse preso; que o ramo não teria sido projetado se estivesse preso por uma cinta ou se a carga cintada estivesse coberta com lona ou qualquer outra cobertura.
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I. Relatório:

1. Na presente ação declarativa sob a forma de processo comum, movida por X- Companhia Portuguesa de Seguros, SA, contra J. M.:

1. A autora:
1.1. Pediu que o tribunal condenasse o réu no pagamento do valor de € 35 116,38, acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos, desde a citação até efetivo e integral pagamento, custas judiciais e custas de parte.
1.2. Defendeu, como fundamento, o benefício de direito de regresso, nos termos do art. 27º/1- e) do D.L. nº 291/2007, de 21/8, alegando: que o veículo seguro, conduzido pelo seu proprietário e tomador do seguro/ aqui réu, carregava no atrelado madeira de eucalipto apenas sustentada e segura pela estrutura metálica do próprio veículo, sem cintas ou lonas a proteger e a acondicionar a carga; que, quando o veículo sofreu um ligeiro solavanco, por a estrada ser em terra batida e irregular, deu-se a projeção de um ramo de eucalipto para fora do atrelado, que atingiu P. B. na face, peão que circulava na mesma estrada; que, em consequência, resultaram para P. B. lesões graves ao nível do olho direito, que lhe determinaram 29 dias de incapacidade temporária e uma IPG de 29 pontos, quantum doloris de 5/7, dano estético de 3/7 e necessidade de ajuda medicamentosa para o futuro; que a autora acordou com o sinistrado o valor indemnizatório de €35 116,38, que lhe pagou.
2. O réu contestou, defendendo-se por exceção, arguindo a prescrição do direito de regresso, e por impugnação da matéria de facto alegada.
3. Realizou-se a audiência prévia, na qual foi proferido: despacho saneador, que julgou improcedente a exceção de prescrição; despacho de fixação do objeto do litígio («Verificação dos pressupostos de que depende o direito de regresso conferido à autora pela alínea e) do n.º 1 do art. 27.º do DL n.º 291/2007, de 21-08.») e de definição dos temas de prova («II.1 Apurar se o réu transportava a carga apenas sustentada e segura pela estrutura metálica do próprio atrelado, sem cintas ou lonas a proteger e a acondicionar a mesma (arts. 12º e 13º da p.i.). II.2 Se a autora procedeu ao pagamento e quando das quantias alegadas no artigo 50º da p.i.»).
4. Realizou-se a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal.
5. Proferiu-se sentença, na qual se decidiu:
«Termos em que se decide julgar a presente acção totalmente procedente e, em consonância, condenar o réu J. M. a pagar à autora X – Companhia de Seguros, S.A. a quantia de €35.116,38 (trinta e cinco mil, cento e dezasseis euros e trinta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.».
6. O réu interpôs recurso de apelação, no qual:
6.1. Apresentou as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente recurso da douta sentença que julgou a presente acção totalmente procedente e, em consonância, condenou o R. a pagar à A. a quantia de € 35.116,38 (trinta e cinco mil, cento e dezasseis euros e trinta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação até integral pagamento.
2. Entende o recorrente que a decisão proferida não traduz uma correcta e integral valoração das provas apresentadas e produzidas nos autos, com influência na aplicação do direito e no desfecho da acção, e numa correcta interpretação e aplicação da lei.
3. Com este recurso impugna o recorrente, igualmente, a decisão proferida sobre a matéria de facto, visando obter a modificabilidade da decisão recorrida, por reapreciação da prova testemunhal, gravada em sede de audiência de discussão e julgamento.
a) A A./recorrida não fez prova da queda da carga, elemento essencial do invocado direito de regresso.
4. A recorrida baseou a sua pretensão na alínea e), do n.º 1 do art.º 27.º do DL n.º 291/2007, de 21/08, nos termos da qual “satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso: … contra o responsável civil por danos causados a terceiros em virtude de queda de carga decorrente de deficiência de acondicionamento.”
5. O direito de regresso concedido à seguradora, pela norma legal em apreciação, não tem por objecto todos e quaisquer danos causados a terceiros, mas apenas os danos causados a terceiros em virtude de queda.
6. Nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 56º do Código da Estrada, segundo a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro: "Na disposição da carga deve prover-se a que: a) Fique devidamente assegurado o equilíbrio do veículo, parado ou em marcha; b) Não possa vir a cair sobre a via ou a oscilar por forma que torne perigoso ou incómodo o seu transporte ou provoque a projecção de detritos na via pública".
7. É à seguradora/recorrida, que pretende exercer o direito de regresso, a quem compete alegar e provar factos concretos de que houve queda da carga e que tal se ficou a dever ao seu deficiente acondicionamento, pois tratando-se de um elemento constitutivo do seu direito é sobre ela que, nos termos do disposto no art.º 342.º do Código Civil, recai o ónus da prova.
8. No caso dos autos, a A. não fez prova de que houve queda da carga, mas tão só a projecção de um ramo, ou seja, resulta da própria sentença que o ramo projectou-se para fora do atrelado, mas não que caiu, o que é pressuposto primeiro do direito de regresso da A.
9. Assim, não tendo ocorrido queda de carga na via pública, não se verifica o pressuposto do direito de regresso da recorrida previsto no art.º 27º, n.º 1, alínea e), do D.L n.º 291/2007, de 21/08, em conjugação com o artigo 56º do Código da Estrada, razão pela qual, deveria a acção ter sido julgada, desde logo, totalmente improcedente.

Ainda que assim não se entenda, o que não se concebe, dir-se-á:

b) o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que a carga estava sustentada e segura pela estrutura metálica do próprio atrelado, pelo lado de dentro da referida estrutura e dos fueiros do reboque e acondicionada com uma cinta, munida com roquete.
10. O Tribunal a quo deu como não provado que a carga referida em 10. ia apenas sustentada e segura pela estrutura metálica do próprio atrelado e também como não provado que a carga ia sem cintas a proteger e a acondicionar a referida carga.
11. Entende o recorrente que, face à prova produzida, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que o tractor circulava com a carga, sustentada e segura pela estrutura metálica do próprio atrelado, pelo lado de dentro da referida estrutura e dos fueiros do reboque e com uma cinta, munida de roquete, a proteger e a acondicionar a mesma,
12. resultando tal factualidade não só das declarações de parte do recorrente e do depoimento das testemunhas inquiridas, mas também da própria fundamentação da sentença, sendo certo que o recorrente, no seu articulado de contestação, alegou que o veículo ZE circulava com a carga devidamente acondicionada.
13. Ao não tê-lo feito, fez o Tribunal a quo uma valoração incorrecta da prova o que era determinante para a boa decisão da causa.
c) A A./recorrida não logrou provar que a carga ia mal acondicionada.
14. O recorrente e a testemunha M. G., que carregaram a carga no dia do acidente, foram peremptórios em afirmar que a carga ia bem acondicionada, presa com uma cinta, munida com roquete e que apararam todos os ramos antes de iniciarem a marcha, sendo que, os ramos que eventualmente possam ficar, ficam-no por dentro do atrelado do tractor, presos aos troncos e no meio da carga, ou seja, os ramos são aparados depois da carga feita de forma a que não fique nenhum por fora do atrelado.
15. O R./recorrente cumpriu tudo o que lhe era exigível no acondicionamento da carga em causa, tendo resultado provado no ponto 25. que: O Réu, madeireiro de profissão à data dos factos, colocou e fiscalizou a colocação da carga transportada no veículo ZE.
16. Atento o facto provado do ponto 13. deveria ter concluído o Tribunal a quo, que o ramo projectado para o rosto do peão ficou a dever-se ao facto de o tractor circular num caminho em terra batida e irregular e ter sofrido um solavanco, e não porque a carga ia mal acondicionada.
17. Decorre da prova produzida que a carga em causa ia devidamente acondicionada, ou seja, apertada com uma cinta munida de roquete, que os ramos são sempre aparados antes de se iniciar o transporte da carga e que o recorrente é um madeireiro que trabalha com segurança e cuidado, que ata sempre a carga com cintas de roquete.
18. O R./recorrente alegou na sua contestação que a carga ia bem acondicionada, tendo resultado da prova produzida em julgamento de que forma foi realizado esse acondicionamento: feito com uma cinta munida de roquete e não qualquer outro objecto ou material, nomeadamente, a lona como erradamente o Tribunal a quo referiu.
19. Incumbia à A./recorrida provar que a carga ia sem cintas, prova que não logrou fazer.
d) Da exigência de cinta ou lona
20. A A./recorrida assenta como pressuposto do seu direito de regresso a falta de colocação de cintas ou lonas no acondicionamento da carga, ou seja, bastava a utilização de uma delas – ou da cinta ou da lona – para que a A. considerasse que a carga estava bem acondicionada.
21. Tendo resultado provado que a carga ia acondicionada, presa com uma cinta, munida com roquete, não poderia o Tribunal a quo ter fundamentando a sua decisão, para justificar um alegado mal acondicionamento, na obrigação de utilização de uma lona, exigência que não resulta, nem do artigo 27º, al. e), do DL. 291/2007, nem do artigo 56º do Código da Estrada.
22. O Tribunal a quo não fundamenta legalmente a exigência de lona, nem a exigência de mais do que uma cinta, no acondicionamento de carga.
23. Não existe preceito que disponha sobre o conceito de disposição da carga em veículos pesados e/ou tractores, ou que forneça um qualquer critério sobre o seu modo de acondicionamento, pelo que, terá o julgador que se basear em critérios de razoabilidade, princípios da lógica ou máximas de experiência.
24. Quando circulamos nas estradas, com uma simples atenção às cargas de madeiras, transportadas por camiões ou tractores, com as características da carga transportada pelo R./recorrente, podemos facilmente constatar que as mesmas não estão acondicionadas com lona, pois que se visualizam tais cargas.
25. A utilização de lonas no transporte de madeira, com as características dos autos, não é concebível atenta a natureza e características do material a transportar, sendo que, a utilização da lona não permitiria o adequado acondicionamento da carga em causa.
26. Mal andou o Tribunal a quo ao ter considerado que a carga estava mal acondicionada pela falta de lona.
e) Da presunção judicial
27. O Tribunal a quo concluiu erroneamente, por presunção judicial, que a projecção do tronco foi causada pelo seu deficiente acondicionamento, pois que, se a carga de madeira estivesse coberta por uma lona dificilmente haveria projecção de ramos, concluindo, ainda que, a colocação de uma única cinta a meio da carga se revelou manifestamente insuficiente.
28. Entende o recorrente que o Tribunal a quo extravasou o âmbito do artigo 349º do Código Civil, pois presumiu, de forma errada, que se a carga estivesse protegida com lona e mais do que uma cinta o acidente não teria ocorrido.
29. Resultaram como factos provados, entre outros, os seguintes:
“(…)7. Por baixo do viaduto, por onde o veículo seguro ZE circulava, a estrada não estava pavimentada, sendo o piso em terra batida.
8. Fazia bom tempo e as condições de luminosidade eram boas.
9. No dia e hora do sinistro dos presentes autos, o veículo ZE, circulava pela referida estrada, por baixo do viaduto do Campo de Futebol ....
10. Carregando no seu atrelado, madeira de eucalipto.
13. Quando o veículo ZE passa pelo referido peão, e devido à estrada ser em terra batida e irregular, o veículo ZE, sofre um ligeiro solavanco, que origina a projecção de um ramo para fora do atrelado.
E não resultou como provado que:
c) a carga referida em 10. ia apenas sustentada e segura pela estrutura metálica do próprio atrelado;
d) sem cintas a proteger e a acondicionar a carga.
30. Entende o recorrente que o Tribunal a quo, face ao depoimento das testemunhas e às declarações de parte do R./recorrente deveria ter dado como provado que a carga estava acondicionada com uma cinta, munida de roquete.
31. A A./recorrida fundamentou como pressuposto do seu alegado direito de regresso a utilização de cintas ou lonas, e não as duas, pelo que, tendo-se provado que a carga ia acondicionada com uma cinta com roquete, não poderia o Tribunal a quo ter concluído pela exigência de lona para considerar que a carga ia mal acondicionada.
32. Não é exigível o transporte da carga com lona, a qual faz sentido, por exemplo, no transporte de areias ou casca de pinheiro.
33. Da análise crítica da prova, resulta que o Tribunal formou a sua convicção nas declarações do recorrente e na inquirição das testemunhas P. B., D. T., C. C., L. R., M. G. e C. P..
34. Tanto o R./recorrente como a testemunha M. G., presentes na data do acidente, confirmaram de que forma foi acondicionada a carga, designadamente esclarecendo que a mesma estava por dentro da estrutura metálica do próprio atrelado, que tinham aparado todos os ramos que se encontravam por fora do atrelado, e que a carga de madeira estava presa com uma cinta, munida de roquete.
35. As testemunhas C. C. e L. R., não obstante, não terem assistido ao acidente em causa, atestaram que, antes de iniciar o transporte das cargas de madeira, aparam os ramos que se encontram para fora da estrutura metálica e fueiros do atrelado, e que é colocada sempre uma cinta a apertar a carga.
36. A testemunha C. P., asseverou que o R./recorrente trabalha sempre com segurança e cuidado e que ata sempre a carga com cintas de roquete.
37. Ficou provado que o veículo ZE quando passou pelo peão, devido a estrada ser em terra batida, sofre um ligeiro solavanco, que origina a projecção de um ramo de eucalipto para fora do atrelado.
38. Contrariamente ao que decorre da sentença recorrida não era previsível a possibilidade de projecção de ramos, porquanto, o R./recorrente e as testemunhas por si indicadas, confirmaram que os ramos são sempre aparados e que os que eventualmente possam ficar, estão por dentro do atrelado e no meio da carga.
39. O Tribunal a quo não poderia fundamentar a decisão dizendo que “(…) a colocação de uma única cinta a meio da carga sempre se revelaria manifestamente insuficiente para conter eficazmente os ramos que estejam no meio da carga , uma vez que sendo mais finos que os toros são também mais escorregadios e esquivos, ou seja, mais propensos a sofrer deslocações em consequência das oscilações provenientes da irregularidade do piso e do tipo de veiculo e consequentemente a soltarem-se da amarração feita pelas cintas”,
40. porquanto dos factos provados resulta apenas que se trata de madeira de eucalipto, sendo que, tanto o recorrente, como a testemunha C. C., madeireiros de profissão, há 30 e 12 anos respetivamente, asseguraram que para o acondicionamento da carga dos autos é suficiente uma cinta, tendo inclusivamente ambos referido “cada lote, uma cinta”.
41. Parece entender o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, de forma errónea, que os ramos que vão no meio da carga estão soltos, quando da prova produzida em julgamento, resulta que os ramos existentes que eventualmente possam estar no meio da carga (mas por dentro dos fueiros) estão presos a troncos/rolos de madeira, pelo que era absolutamente impossível ao R. prever que pudesse ocorrer a projecção do ramo.
42. Dizendo as testemunhas que aparam os ramos dos troncos, então significa que esses ramos estão presos aos troncos.
43. O facto dado como provado no Ponto 11. “sem lonas a proteger e a acondicionar a carga” é manifestamente insuficiente para se concluir que a projecção do tronco foi causada pelo seu deficiente acondicionamento.
44. Assim, tendo em conta que: resultou provado que o piso era em terra batida e irregular, e que o tractor sofreu um ligeiro solavanco ao passar pelo peão; deveria ter sido dado como provado que a carga ia acondicionada com uma cinta munida com roquete; que a A./recorrida só invoca como pressuposto do seu direito de regresso a sustentação da madeira de eucalipto pela estrutura metálica do atrelado, sem cintas ou lonas a proteger e a acondicionar a referida carga, e não ambas; que não resulta de qualquer preceito legal a obrigação de colocação de lona; que o recorrente e a testemunha C. C. asseveraram que para a carga em causa é suficiente uma cinta: para cada lote, uma cinta; não era possível inferir, por presunção judicial, que a projecção do ramo foi causada pelo seu deficiente acondicionamento, concretamente pela falta de utilização de uma lona e de apenas uma cinta.
45. O Tribunal a quo extravasou o âmbito do art.º 349º do Código Civil, servindo-se, indevidamente, da presunção judicial para chegar à decisão.
46. Ao ter proferido a presente decisão o tribunal “a quo” violou, por errada interpretação e aplicação do direito o disposto nos artigos 342º e 349º do Código Civil, o art.º 27º, n.º 1 alínea e) do DL 291/2007 e o art.º 56º, n.º 3 do Código Estrada.».
6.2. Pediu: «Termos em que, deverá ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue a acção totalmente improcedente.».
7. A recorrida/autora pediu a improcedência do recurso, mediante as seguintes conclusões:
«A) O Recorrente alega que a Recorrida não fez prova de que a carga caiu, sustentando que, queda e projecção para efeitos de aplicação do estatuído no art. 27º, nº1, al. e) do DL 291/2007, não são a mesma coisa;
B) Em todas as circunstâncias e não só nas do presente caso, alegar a queda de um galho/ramo ou, a sua projecção, para com isso sustentar um deficiente acondicionamento de carga, são uma e a mesma coisa;
C) Atente-se o teor do art. 56º, nº3 do Código da Estrada, onde se pode ler que: “Na disposição da carga deve prover-se a que:
b) Não possa vir a cair sobre a via ou a oscilar por forma que torne perigoso ou incómodo o seu transporte ou provoque a projeção de detritos na via pública;”
D) No mencionado normativo, o legislador faz uso e referência tanto a uma queda como a uma projecção, da mesma forma e sentido, designadamente, como sendo sinais e consequências, evidentes, de um deficiente acondicionamento da carga;
E) Para efeitos de enquadramento no disposto no art. 27º, nº1, al e) do DL 291/2007 é indiferente tratar-se de uma queda ou projecção, sendo a questão essencial e a génese de tal normativo as consequências e danos, provenientes do deficiente acondicionamento da carga;
F) Da prova produzida resulta sem contestação, uma projecção de um ramo da carga transportada e tal facto, tem de ser considerado como um caso análogo e/ou semelhante, ao da queda da carga ou parte desta;
G) Pensar o contrário é adulterar o pensamento do legislador;
H) Do cotejo dos factos dados como provados, não provados e da própria fundamentação da sentença, resulta evidente que para o Tribunal “a quo” a carga estava a ser transportada num atrelado, estando sustentada no mesmo através da sua estrutura metálica e por meio de uma única cinta;
I) Tendo em conta a universalidade de factos com os quais o Recorrente concorda e se conforma, já que não se insurgiu contra qualquer facto dado como provado ou não provado, o facto dos troncos irem acondicionados no atrelado, balizados pelas estruturas metálicas do mesmo e uma cinta, em nada bule com a posição do Tribunal “ a quo”;
J) Tanto o Recorrente como as testemunhas por si arroladas admitiram nos seus depoimentos que no meio dos troncos presos pela cinta, seguem outros mais pequenos, ou até ramos, soltos;
K) Resultou também da prova produzida e disso o Recorrente não se pode olvidar, até porque o aceitou, que o ramo/galho que atingiu o peão, proveio do atrelado;
L) O Recorrente não pode jamais esquecer-se que sempre soube as características do veículo que conduzia e do atrelado que transportava, designadamente a ausência de amortecedores tanto no atrelado como no reboque;
M) O Recorrente não pode fazer tábua rasa do facto de ter perfeito conhecimento do tipo de terreno por onde ia circular;
N) Não foi o terreno ou a ausência de amortecedores a causa do sinistro dos presentes autos;
O) A causa primordial, foi a ausência de um devido e eficiente acondicionamento da carga para, em cumprimento do estatuído no art. 56º, nº3 do Código da Estrada, evitar a projecção de detritos, neste caso, do ramo/galho;
P) O MMº Juiz do Tribunal “a quo” presumiu que tendo em conta a forma como o sinistro ocorreu, o uso de uma lona a tapar o atrelado ou a carga transportada naquele, tornaria senão impossível, muito difícil a projecção do ramo/galho que atingiu o peão;
Q) Mais, presumiu o MMº Juiz do Tribunal “a quo” que tendo em conta o disposto no art. 56º, nº3 do Código da Estrada, a existência de um meio idóneo e passível de estar ao dispor do Recorrente (lona) faria e fará com que a sua não utilização, implique uma violação daquele normativo e que como tal, consubstancia a conclusão lógica, objectiva e evidente de que a carga não estava devidamente acondicionada;
R) A presunção judicial tem de ser o reflexo de uma indução lógica, decorrente da experiência comum, tendo em conta os factos provados pelas partes e carreados para os autos.
S) O Tribunal não só não está agrilhoado à matéria factual trazida aos factos pelas partes, como no presente caso, o facto da Recorrida alegar a inexistência de cintas ou lonas, não significa que verificando-se apenas metade do facto - inexistência de lonas - a sua pretensão tenha de cair por terra.».

II. Questões a decidir:

1. A impugnação da matéria de facto (se o Tribunal a quo deveria ter dado como provado esclarecidamente que a carga estava sustentada e segura pela estrutura metálica do próprio atrelado, pelo lado de dentro da referida estrutura e dos fueiros do reboque e acondicionada com uma cinta, munida com roquete, em face da prova indicada e uma vez que o réu afirmou na sua contestação que a carga estava bem acondicionada).
2. A reapreciação de direito da verificação dos pressupostos do direito de regresso, que reaprecie: se a projeção de um ramo configura uma queda de carga, nos termos e para os efeitos da alínea e) do n.º 1 do art.º 27.º do DL n.º 291/2007, de 21/08; se os factos preenchem um mau acondicionamento, nos termos do n.º 3 do art.º 56º do Código da Estrada, segundo a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de fevereiro (defendendo o recorrente: que bastam as cintas e não seriam necessárias as lonas; que a recorrente fundou o seu direito de regresso na falta de acondicionamento por cintas ou lonas, em alternativa e não em cumulativo, não podendo o tribunal considerar, havendo cintas, que ainda eram necessárias as lonas; que o tribunal não pode presumir a partir do facto “sem lonas a proteger e a acondicionar a carga” que a projeção do tronco, com o pequeno solavanco, foi causada pelo seu deficiente acondicionamento, nomeadamente quando uma testemunha asseverou que bastava uma cinta para cada lote e quando outra disse que os ramos foram aparados, não estando soltos dos troncos).

III. Fundamentação:
1. Matéria facto da sentença recorrida:
1.1. Matéria julgada provada:

«1. A Autora é uma pessoa coletiva, constituída sob o tipo de Sociedade Anónima, com o objeto social de exercício da actividade de seguro e de resseguro, em todos os ramos e operações não vida, com a amplitude consentida por lei; estabelecimento de convenções especiais com outras sociedades congéneres, assunção da sua representação e exercício da sua direcção.
2. Em 10/01/2013, no exercício da sua atividade, no âmbito do ramo automóvel, a Autora celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatório com o Réu, com a apólice n.º AU79721267.
3. Em virtude da celebração do contrato de seguro foi transferida para a Autora a responsabilidade civil por danos emergentes de viação do tractor agrícola de matrícula ZE (doravante apenas ZE) - cfr. fotografias de fls. 10 a 12, cujo teor se dão aqui por integralmente reproduzidas.
4. No dia 23 de Fevereiro de 2016, pelas 9:00 horas, ocorreu um acidente de viação na estrada s/n que passa por baixo do Viaduto do Campo de Futebol ..., em Viana do Castelo, que deu origem à Declaração Amigável de Acidente Automóvel junta a fls. 9, cujo teor se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos.
5. No referido acidente foi interveniente o veículo seguro de matrícula ZE, que era conduzido pelo proprietário e tomador do seguro em causa, aqui Réu.
6. O local do acidente, configura uma recta, ligeiramente descendente, com dois sentidos de trânsito.
7. Por baixo do viaduto, por onde o veículo seguro ZE circulava, a estrada não estava pavimentada, sendo o piso em terra batida.
8. Fazia bom tempo e as condições de luminosidade eram boas.
9. No dia e hora do sinistro dos presentes autos, o veículo ZE circulava pela referida estrada, por baixo do viaduto do Campo de Futebol ....
10. Carregando no seu atrelado, madeira de eucalipto.
11. Sem lonas a proteger e a acondicionar a referida carga.
12. Por baixo do referido viaduto, pela mesma estrada por onde circulava o veículo seguro ZE, circulava apeado o Sr. P. B..
13. Quando o veículo ZE passa pelo referido peão, e devido a estrada ser em terra batida e irregular, o veículo ZE, sofre um ligeiro solavanco, que origina a projecção de um ramo de eucalipto para fora do atrelado.
14. Em acto continuo, o referido ramo tendo em conta a projecção, vai na direcção do peão, acabando por atingi-lo na face.
15. Devido ao embate do ramo na sua face, o peão de imediato começa a gritar.
16. Após ouvir os gritos, o réu imobiliza o veículo ZE, saindo do mesmo, assim como o outro ocupante, verificando que o peão havia sido atingido por um ramo de eucalipto.
17. De imediato os ocupantes do veículo ZE prestaram-lhe o devido auxílio, levando-o ao Hospital de Viana do Castelo.
18. Do sinistro resultaram para o sinistrado P. B., graves lesões, designadamente ao nível do olho direito.
19. Como consequência do embate do ramo na face, o sinistrado, P. B. sofreu uma ferida perfurante no olho direito, com descolamento total da retina em funil, aniridia traumática e afaquia.
20. No relatório de avaliação realizado pela Autora, consta que as referidas lesões determinaram ao sinistrado 29 dias de incapacidade temporária e que o sinistrado teve alta a dia 22.03.2016.
21. Mais consta que foi-lhe atribuído o dano biológico de 25 pontos, 5 pontos de quantum doloris, numa escala de 7 graus e 3 pontos de dano estético numa escala de sete graus.
22. E foi considerada a necessidade de ajuda medicamentosa para o futuro.
23. A Autora e o sinistrado P. B. subscreveram a “Ata de Acordo”, junta a fls. 16, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual ficou estabelecido o seguinte acordo indemnizatório:
- A título de Défice Funcional Permanente da Integridade Física e Psíquica a quantia de 30.750,00€;
- A título de Dano Moral complementar a quantia de 3.500,00€;
- A título de assistência medicamentosa futura a quantia de 750,00€.
24. Com a regularização do presente sinistro despendeu a Autora a quantia €35.116,38 (trinta e cinco mil, cento e dezasseis euros e trinta e oito cêntimos), designadamente:
- em 28/04/2017, a quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), a título de indemnização global por défice funcional permanente da integridade física e psíquica, dano moral complementar e assistência medicamentosa futura;
- em 06/06/2017, a quantia de €25,77 (vinte e cinco euros e setenta e sete cêntimos), a título de despesas com medicamentos;
- em 21/07/2016, a quantia de € 90,61 (noventa euros e sessenta e um cêntimos), a título de despesas hospitalares com o sinistrado.
25. O Réu, madeireiro de profissão à data dos factos, colocou e fiscalizou a colocação da carga transportada no veículo ZE.».

1.2. Matéria de facto não provada:
«a) A carga referida em 10. ia apenas sustentada e segura pela estrutura metálica do próprio atrelado.
b) Sem cintas a proteger e a acondicionar a referida carga.».

2. Apreciação do mérito do recurso:
2.1. Impugnação da matéria de facto:

O recorrente/réu impugnou a matéria de facto, na qual: pediu que se desse como provado, esclarecidamente (em referência à sua afirmação na contestação que que a carga estava bem acondicionada), que a carga estava sustentada e segura pela estrutura metálica do próprio atrelado, pelo lado de dentro da referida estrutura e dos fueiros do reboque e acondicionada com uma cinta, munida com roquete; indicou como prova, que fundamenta o pedido, as declarações do réu e os depoimentos das testemunhas C. C., L. R. e M. G..
A recorrida, na sua resposta às alegações, declarou: que decorre dos factos provados e da fundamentação da sentença que o Tribunal a quo atendeu a que «a carga estava a ser transportada num atrelado, estando sustentada no mesmo através da sua estrutura metálica e por meio de uma única cinta»; que, tendo sido pacífica esta questão, o elenco do facto pedido não tem qualquer virtualidade de alterar a decisão, uma vez que o recorrente sabia que tal poderia não ser suficiente para a existência de ramos soltos e possivelmente passíveis de queda ou projeção.
Importa apreciar a impugnação apresentada.
A matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal da Relação: em decisão sobre a impugnação apresentada, nos termos do art.640º do C. P. Civil, caso a reapreciação da prova suscitada imponha uma decisão diversa; em decisão oficiosa, que supra deficiências e obscuridades que a decisão da 1ª instância padeça, e caso o processo disponha de todos os elementos, nos termos do art.662º/2-c), a contrario, do C. P. Civil; em decisão oficiosa, no caso de existência de factos provados por acordo das partes (nos termos do art.574º/2 e 587º/1 do C. P. Civil), confissão reduzida a escrito ou prova documental plena, nos termos do art.607º/4-2ª parte do C. P. Civil, ex vi do art.663º/2 do C. P. Civil.

Examinados os factos alegados e a posição assumida pela parte contrária (nos seus articulados e no recurso), a decisão da matéria de facto impugnada na medida indicada e os fundamentos do recurso, verifica-se:

a) A matéria de facto sobre o acondicionamento da carga foi alegada pela autora/recorrida nos arts.12º e 13º da petição inicial (a carga era «Apenas sustentada e segura pela estrutura metálica do próprio atrelado», «Sem cintas ou lonas a proteger e a acondicionar a referida carga») e foi impugnada pelo réu/recorrente nos arts.6º e 12º da contestação (que afirmou conclusivamente que a carga se encontrava «devidamente acondicionada», sem motivar faticamente a afirmação).
b) A matéria de facto provada em 11 (que o veículo circulava «Sem lonas a proteger e a acondicionar a referida carga») e não provada em a) e b) da decisão da matéria de facto da sentença recorrida («a) A carga referida em 10 ia apenas sustentada e segura pela estrutura metálica do próprio atrelado.», «b) Sem cintas a proteger e a acondicionar a carga») corresponde à alegação expressa sobre o acondicionamento da carga nos termos referidos em a) supra.
c) No recurso apresentado as partes não desacordam sobre a veracidade da matéria de facto invocada pelo recorrente/réu no recurso (ainda que a recorrida/autora entenda que a mesma já fora considerada pelo Tribunal a quo, ainda que sem a discriminar na matéria de facto, e que a mesma não relevaria para a decisão a tomar):
c1) O recorrente/réu, ao pedir que se julgue provado que a carga «estava sustentada e segura pela estrutura metálica do próprio atrelado», acordou expressamente no recurso com a matéria conclusiva alegada pela autora/recorrida no art.12º da petição inicial, salvo a menção que essa sustentação era feita exclusivamente dessa forma (exclusividade não provada em b) da matéria de facto e, também não colocada em causa pela autora/recorrida neste recurso). Este acordo das partes é, aliás, coerente, com a prova produzida (com as declarações do réu e com o depoimento da testemunha M. G., que realizaram o carregamento da carga, em conjugação com as fotografias do atrelado juntas com a petição inicial).
c2) A recorrida/autora, na resposta ao recurso, aceitou os factos cujo aditamento foi pedido pelo recorrente/réu: que a sustentação referida em c1) era feita «pelo lado de dentro da referida estrutura e dos fueiros do reboque», matéria esta que, apesar de não ter sido alegada pelo réu na sua contestação, pode considerar-se explicativa de matéria alegada pela autora no que se refere à sustentação pela estrutura do atrelado referida em c1) supra; que a carga estava «acondicionada com uma cinta, munida com roquete», matéria esta que, apesar de não ter sido alegada pelo réu na sua contestação nestes termos, admite-se que possa ser concretizadora e explicativa da impugnação motivada conclusiva por si apresentada (quando referiu que a carga estava devidamente acondicionada). Estes factos que, em si, não têm desacordo quanto à sua ocorrência, decorrem também da prova produzida (das declarações do réu e do depoimento da testemunha M. G., que realizaram o carregamento da carga).
A falta de desacordo das partes sobre um facto alegado e sobre matéria clarificadora integrada no quadro da alegação realizada nos articulados, matéria esta consonante também com a prova identificada, permite admitir a ampliação pedida.
Todavia, por sua vez, sendo também esta matéria parcialmente conclusiva (sobretudo na parte em que refere “estrutura metálica do atrelado”) e não mencionando a localização da cinta, na ampliação da matéria de facto provada: deve descrever-se a estrutura de forma mais clara (o atrelado/reboque é uma plataforma totalmente aberta, ladeada por 4 fueiros, em face das fotografias juntas com a petição inicial, confirmadas em audiência); deve indicar-se a localização da cinta (colocada transversalmente a meio da carga, segundo as referidas declarações do réu e o depoimento da testemunha M. G., que realizaram o carregamento da carga).
A clarificação a realizar-se far-se-á em reformulação do facto 11 (que referia «Sem lonas a proteger e a acondicionar a referida carga»), referenciado ao facto 10 («Carregando no seu atrelado madeira de eucalipto»), a apreciar juridicamente em 2.2. infra, em face das soluções plausíveis das questões de direito, e independentemente da relevância jurídica que venha a dar-se à ampliação.

Pelo exposto, determina-se a alteração do facto 11, que passará a ter a sua redação global (integrada pela redação inicial da sentença e por aquela aditada neste acórdão), nos seguintes termos:

«11. Carga essa que a estava colocada sobre a plataforma metálica aberta do atrelado, entre os 4 fueiros que a ladeavam, e foi presa com uma cinta colocada transversalmente a meio da carga, munida com roquete, sem lonas a proteger e a acondicioná-la.».

2.2. Reapreciação de direito:
2.2.1. A sentença recorrida defendeu que os factos alegados e provados pela autora/seguradora preenchem a previsão da alínea e) do n.º 1 do art.º 27.º do DL n.º 291/2007, de 21/08., pela qual lhe assiste um direito de regresso sobre o segurado, como desvio à regra do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, apresentando a seguinte apreciação casuística dos factos em relação ao referido regime e às regras de acondicionamento da carga do art.56º/3 do C. Estrada:
«Ora, neste caso concreto, o que dizem os factos provados acerca das características do veículo e do modo como a madeira de eucalipto ia acondicionada e presa?
Quanto ao modo como a carga de madeira ia disposta dizem, tão só, que não seguia com lonas a proteger e a acondicionar a referida carga. A A. não fez prova de que a carga seguia sem cintas e utilizando apenas o suporte lateral existente no reboque/atrelado do tractor – note-se que o R. também não fez prova do contrário, pois nem sequer alegou que a carga seguia devidamente amarrada com cintas.
Quanto ao acidente propriamente dito ficou provado que o veículo em causa é um tractor agrícola - cfr. fotos de fls. 10 a 12 dos autos -, que circulava por uma estrada de terra batida e irregular, carregado de madeira de eucalipto, sendo que ao sofrer um solavanco projectou um ramo para fora do atrelado o qual atingiu o peão na face, mais concretamente em um dos olhos.
Ora, no contexto dos factos provados, poder-se-á presumir, ainda que não se tenha provado que a carga seguia sem cintas, que se a carga de madeira estivesse coberta por uma lona dificilmente haveria projecção de ramos. O que, por si só, nos pode levar a concluir pelo deficiente acondicionamento da carga.
Ademais, a possibilidade ocorrer projecção de ramos era perfeitamente previsível, sobretudo pelo réu, que é pessoa experiente na profissão, dado que se trata de um veículo tractor agrícola, propenso a uma maior instabilidade e balanceamentos em estradas de piso irregular e de terra batida - veja-se na motivação atrás exarada que o próprio ré admitiu estar ciente de todas estas evidências relativas à carga, ao veículo e às condições da via para além de ter dito que tem consciência que os toros de madeira nunca estão totalmente aparados pois há sempre ramos que ficam. Ora, se o próprio réu admite que entre a carga há sempre ramos, impõe-se-lhe o dever de acondicioná-la adequadamente para que não haja quaisquer projecções para a via e, para tanto, seria prudente tê-la coberto com uma lona. Se o tivesse feito, ainda que algum ramo estivesse solto, ou entretanto se soltasse durante o percurso, das amarras ficaria contido pela lona e não havia projecção para a via.
Por fim, mesmo não se tendo provado que a carga ia sem cintas, não se pode deixar de ignorar que qualquer carga que seja transportada num veículo de caixa aberta faz pressão sobre as cintas ou cordas que estejam a amarrá-la. Deste modo, a carga tem que ser acondicionada de molde a evitar que ela oscile ou se solte, revelando-se, nessa medida, essencial o modo como a amarração é efectuada, a qual deve ser realizada de forma a que as amarras suportem a pressão que sobre ela é exercida e se mantenham firmes.
Nas circunstâncias do caso, parece-nos que a colocação de uma única cinta a meio da carga sempre se revelaria manifestamente insuficiente para conter eficazmente os ramos que estejam no meio da carga, uma vez que sendo mais finos que os toros são também mais escorregadios e esquivos, ou seja, mais propensos a sofrer deslocações em consequência das oscilações provenientes da irregularidade do piso e do tipo de veículo e consequentemente a soltarem-se da amarração feita pelas cintas.
Conclui-se do exposto que, em nosso entender, os factos provados demonstram, e permitem inferir por presunção judicial, que projecção do tronco foi causada pelo seu deficiente acondicionamento.
Por conseguinte, tem a autora o direito de regresso contra o réu, pelo que deve este ser condenado no pagamento da quantia peticionada
O recorrente pediu a reapreciação de direito desta sentença, defendendo que não está preenchida a previsão da norma invocada pela autora/recorrida para obter o direito de regresso nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.27º do DL n.º 291/2007, de 21/08, uma vez: que a autora não provou que tenha havido queda de carga na via pública mas apenas que um ramo foi projetado para fora do atrelado; que os factos provados não denotam uma deficiência no acondicionamento da carga, nos termos do n.º 3 do art.º 56º do Código da Estrada, segundo a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de fevereiro (defendendo o recorrente: que bastam as cintas e não seriam necessárias as lonas; que, tendo a autora fundado o seu direito de regresso na falta de acondicionamento por cintas ou lonas, por via alternativa e não cumulativa, não poderia o tribunal considerar, havendo uma cinta, que ainda eram ainda necessárias as lonas; que não existe preceito legal que exija o uso de lonas); que o tribunal não pode presumir judicialmente a partir do facto “sem lonas a proteger e a acondicionar a carga” que a projeção do tronco com o pequeno solavanco foi causada pelo seu deficiente acondicionamento (nomeadamente quando uma testemunha asseverou que bastava uma cinta para cada lote e quando outra disse que os ramos foram aparados, sendo que os que estão a meio da carga não estão soltos mas presos a troncos, não podendo o réu prever que houvesse projeção de ramo), tendo a presunção judicial limites, como defendeu o Acórdão da Relação do Porto de 25.01.2011.
A recorrida opôs-se aos fundamentos de reapreciação de direito, defendendo: que a queda ou a projeção de um galho/ramo são a mesma coisa para efeitos de sustentar um deficiente acondicionamento da carga, devendo esta ser análoga àquela, equivalência que é feita também pelo legislador no art.56º/3 do C. Estrada quando define as finalidades dos cuidados num acondicionamento da carga; que se o ramo estivesse preso por cintas não se teria soltado e atingido o peão e que se a carga parcialmente cintada fosse coberta por lona o ramo solto não teria atingido o peão; que o réu/recorrente conhecia perfeitamente o terreno e as características do veículo que conduzia.
Impõe-se reapreciar de direito a sentença recorrida, mediante o regime de direito e os factos provados.
2.2.2. Assim, reapreciar-se-á a aplicação feita na sentença recorrida da previsão da al. e) do nº1 do art.27º do DL nº291/2007, de 21 de agosto, quanto às exigências da queda de carga, da deficiência de acondicionamento da mesma e do nexo de causalidade entre o evento lesivo e a deficiência de acondicionamento.
O art.27º do DL nº291/2007, de 21 de agosto (diploma que transpôs parcialmente a Diretiva nº2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de maio, e aprovou o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel), definiu as situações em que assiste à seguradora o direito de regresso pela indemnização que haja pago ao lesado.
Este direito de regresso é excecional face à regra da assunção pela seguradora da responsabilidade que lhe foi transferida pelos danos causados pelo veículo segurado, justificando-se pela gravidade das situações anteriores ou contemporâneas ao evento lesivo (dolo na sua prática, a ilicitude criminal ou contraordenacional, o incumprimento de obrigações legais ou contratuais).
Por esta razão, conforme a própria letra da lei indica, as situações que justificam o direito de regresso são taxativas (1).
De acordo com a al. e) do nº1 do referido art.27º, o diploma prevê que «1. Satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso: (…) e) Contra o responsável civil por danos causados a terceiros em virtude de queda de carga decorrente de deficiência de acondicionamento.».
Numa primeira ordem de análise, importa reapreciar se na situação em análise ocorreu uma queda de carga, contestada neste recurso.
A matéria de facto provada nos factos 12 a 14 da sentença recorrida (em face da alegação da autora/recorrida dos arts.14º a 21º da petição inicial, expressamente aceite pelo réu no art.5º da contestação) garante: «12. Por baixo do referido viaduto, pela mesma estrada por onde circulava o veículo seguro ZE, circulava apeado o Sr. P. B.. 13. Quando o veículo ZE passa pelo referido peão, e devido à estrada ser em terra batida e irregular, o veículo ZE sofre um ligeiro solavanco, que origina a projecção de um ramo de eucalipto para fora do atrelado. 14. Em acto contínuo, o referido ramo tendo em conta a projecção, vai na direcção do peão, acabando por atingi-lo na face.» (sublinhado nosso).
O ramo de eucalipto, a que se refere a matéria de facto provada, corresponde a uma parte da carga- madeira de eucalipto- referida no facto 10 dos factos provados na sentença recorrida.
De acordo com Francisco Torrinha (2): o ato de projetar significa «Atirar para a frente; arremessar; fazer projecção de; planear. Refl. Arremessar-se; incidir; cair sobre; delinear-se; estender-se.»; o projétil significa: «Sólido que se desloca no espaço depois de ter recebido impulso». Assim, a projeção provada de um ramo do veículo onde era transportado, secundada pela menção que o mesmo foi “na direção do peão”, implica, numa compreensão normal, que ocorreu um impulso seguido de uma deslocação do ramo no espaço, após o que, necessariamente, o objeto deslocado chegou ou caiu noutro espaço (art.351º do C. Civil).
O recorrente no seu recurso: suscitou apenas a questão formal de falta de alegação (e prova) pela recorrida/ré de que a carga caiu ou que caiu na via pública (questão esta não suscitada previamente na sua contestação); não afirmou, todavia, nem na contestação, nem no recurso, que o ramo não ganhou movimento próprio em relação ao veículo e não caiu efetivamente do mesmo (nomeadamente por apenas se ter desprendido parcialmente do local do depósito e ter tocado num peão que circulava na parte da faixa de rodagem justaposta ao limite externo do veículo, sem sair e cair do mesmo), que permitisse considerar que a alegação e a prova da “projeção do ramo” poderia ser uma menção opaca ou ambígua, que devesse implicar a necessidade de esclarecimento, nomeadamente nos termos e para os efeitos do art.662º/2-c) do C. P. Civil.
Assim, não se pode considerar que a matéria provada, e os termos como foi contestada, não preencha a previsão do art.27º/1-e) do diploma enunciado, uma vez que se pode interpretar que a mesma ilustra que um dos ramos que estava depositado no veículo deslocou-se no espaço para fora do mesmo, atingiu um peão (após o que, presuntiva e necessariamente, veio a cair).
Numa segunda ordem de análise, importa reapreciar: se na situação factual em análise ocorreu um deficiente acondicionamento da carga; se o evento lesivo foi causado pelos factos expressivos do referido deficiente acondicionamento da carga.
De um ponto de vista civil geral, aquele que detiver uma coisa que deva vigiar deve vigiá-la de forma a que não cause danos a terceiro e aquele que exercer uma atividade perigosa deve tomar todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir danos a terceiro, conforme decorre do regime de responsabilidade civil extracontratual do art.493º do C. Civil.
De um ponto de vista específico do direito estradal, impendem obrigações específicas sobre aquele que transportar uma carga num veículo, nos termos do art.56º do C. Estrada, definindo o legislador, nomeadamente: «2 - É proibido o trânsito de veículos ou animais carregados por tal forma que possam constituir perigo ou embaraço para os outros utentes da via (…)», proibição esta cuja violação é sancionada com «coima de (euro) 60 a (euro) 300», nos termos do nº5 da mesma norma; «3 - Na disposição da carga deve prover-se a que: a) Fique devidamente assegurado o equilíbrio do veículo, parado ou em marcha; b) Não possa vir a cair sobre a via ou a oscilar por forma que torne perigoso ou incómodo o seu transporte ou provoque a projeção de detritos na via pública;» e, entre outros, «i) Tratando-se de transporte de mercadorias a granel, aquela não exceda a altura definida pelo bordo superior dos taipais ou dispositivos análogos; j) Sejam utilizadas obrigatoriamente cintas de retenção ou dispositivo análogo para cargas indivisíveis que circulem sobre plataformas abertas.», sendo que a violações destas obrigações no transporte da carga é sancionada, nos termos do nº6 da norma, «com coima de (euro) 120 a (euro) 600, se sanção mais grave não for aplicável, podendo ser determinada a imobilização do veículo ou a sua deslocação para local apropriado, até que a situação se encontre regularizada.».
Assim, aquele que transportar uma carga num veículo deve acondicionar a carga através todos os meios adequados que evitem que a condução do veículo ou a carga ponham em perigo qualquer direito fundamental de terceiros que utilizem a via, adequação esta que deve atender, nomeadamente: às características do veículo que procede ao transporte (v.g., às suas dimensões, à sua capacidade, à delimitação ou falta de delimitação dos reboques com taipais); às características da carga (v.g. se é a granel, se é indivisível) e ao seu peso; às características da via a percorrer e do seu pavimento (v.g. se a estrada é pavimentada ou em terra batida ou com socalcos); às condições climatéricas.
Desta forma, verifica-se, desde logo, que não assiste razão ao recorrente em defender que não existe preceito legal que lhe exija o uso de lonas ou que o uso de cintas dispensa o uso de lonas, para aferir a qualidade do acondicionamento da carga, uma vez: que o acondicionamento deve ser feito por todas as vias necessárias e adequadas a evitar o perigo de terceiros, conforme se expôs; que a deficiência de acondicionamento pode ocorrer mesmo sem a prática da contraordenação estradal prevista no art.56º/3-j) e 6 do C. Estrada, nomeadamente, pode não haver acondicionamento adequado com o uso de alguma cinta, se a mesma não for suficiente para evitar um desmoronamento e queda de carga total ou parcial; que, mesmo no caso da prescrição particular do art.56º/3-j) do C. Estrada, para as cargas indivisíveis, o legislador prevê o uso de cintas de retenção ou de quaisquer outros dispositivos análogos (isto é, quaisquer outros dispositivos que procedam à retenção da carga).
Por sua vez, não assiste razão ao recorrente em defender que o tribunal se encontra limitado, na apreciação da adequação ou deficiência do acondicionamento, à alegação da inexistência de cintas ou lonas em alternativa, quando se provou o uso de uma lona, uma vez que a prova parcial da alegação não impede a apreciação jurídica da suficiência do acondicionamento provado (a deficiência de acondicionamento foi feita mediante a alegação que a carga estava apenas sustentada pela estrutura metálica do atrelado, sem cintas ou lonas, matéria essa provada restritivamente por haver uma cinta).
Assim, atendendo a estes critérios supra enunciados, que decorrem das próprias exigências legais e das regras da experiência, e aos factos provados de 7 e 8, 10 a 16 (com a alteração do facto 11 realizada em III- 2.1. supra), importa verificar se o acondicionamento da carga foi feito de forma adequada.
Por um lado, apreciando as características do veículo, da carga, da via e das condições climatéricas, verifica-se: que o veículo que procedia ao transporte, apesar de não ter sido alegada (e provada) a sua largura e o seu comprimento, tinha um reboque/atrelado para o transporte da carga, apenas com uma plataforma metálica ladeada por 4 fueiros e sem taipais; que a carga a transportar era madeira de eucalipto, sem que se tenha sido alegado (e provado face à alegação), a dimensão dos troncos ou dos ramos a acondicionar e a transportar; que a estrada a percorrer e percorrida pelo veículo, e no local do evento lesivo, não estava pavimentada, sendo de terra batida e irregular, sendo também uma reta com sentido descendente; que estava um tempo que não impedia que se tivesse visto o peão (pelo que se depreende do facto 8, ainda que o mesmo seja conclusivo).
Por outro lado, verifica-se que neste contexto: o proprietário do veículo, madeireiro de profissão, acondicionou a madeira no reboque aberto, sobre a base e entre os fueiros, prendendo-a transversamente com uma cinta a meio, munida com roquete; após o veículo sofrer um solavanco, foi projetado da carga um ramo de eucalipto, que se dirigiu e atingiu na face um transeunte que passava na mesma estrada.
Ora, apesar do caráter conclusivo de parte dos factos nas partes já assinaladas, verifica-se: que as características do veículo (em face da abertura da plataforma apenas ladeada por 4 fueiros), da carga (apesar de não se saber a dimensão dos troncos ou ramos da madeira transportada, sabe-se, pelo menos, que havia ramos passíveis de se desprenderem e saírem do reboque) e da via (sobretudo por ser em terra batida, irregular, propensa a fazer oscilar o veículo e a carga), exigiam que acondicionamento fosse feito por todas as vias que evitassem, por qualquer meio, que ramos transportados se desprendessem da restante carga e saíssem do veículo, em queda imediata ou em projeção seguida de queda; que a colocação da carga em atrelado aberta ladeado apenas por 4 fueiros, acondicionada apenas por essa via e pela retenção da carga com uma cinta, foi incapaz de conter no veículo um dos ramos que se veio a projetar e deslocar na direção e contra o olho direito de um transeunte, na sequência de um solavanco sofrido pelo veículo na circulação que fazia em terra batida e irregular (pois, necessariamente, o ramo não estava inicialmente retido ou partiu-se de ramo ou tronco colocado entre os fueiros e retido pela cinta de retenção).
Assim, não pode deixar de se entender: que o acondicionamento de madeira de eucalipto por um madeireiro, entre os fueiros de um reboque com plataforma aberta, apenas retida por uma cinta colocada a meio da carga, não foi suficiente e adequado a evitar a projeção de um ramo, que saiu do atrelado e atingiu um transeunte; que é previsível para um madeireiro, quando transporta madeira com ramos passíveis de se quebrarem, de se desprenderem ou de se soltarem, que este evento pode acontecer e que algum ramo pode sair do veículo e atingir alguma pessoa que circule na via; que, quando há risco de uma cinta de retenção não prender todos os ramos ou de algum destes se partir de ramo ou tronco a que esteja preso e quando há risco de um dos ramos saltar do reboque, é exigível ao madeireiro eliminar a totalidade desses ramos e/ou reforçar a forma de acondicionamento da carga de forma a evitar a saída de qualquer um dos ramos do reboque; que o solavanco sofrido pelo veículo na sua circulação em terra batida, no âmbito dos riscos normais da condução do veículo segurado, não teria causado a projeção do ramo que perfurou olho de um terceiro, se esse ramo estivesse retido pela cinta colocada ou por outra cinta a colocar e/ou a carga retida por uma cinta estivesse ainda protegida com uma lona ou outra cobertura que impedisse qualquer saída de objetos que se soltassem da cinta.
Assim, não é ilegítima a presunção judicial extraída na sentença recorrida quanto à ocorrência do nexo de causalidade, nos termos dos arts. 349º e 351º do C. Civil, presunção que se reconhece neste acórdão da Relação nos termos supra expostos, não se aceitando as razões invocadas pelo recorrente para a desconsiderar: não são relevantes os depoimentos das testemunhas que não se exprimam em matéria de facto alegada e provada (nomeadamente, quanto aos invocados depoimentos, em que uma testemunha tenha declarado que bastava uma cinta para cada lote e outra tenha dito que os ramos foram aparados), nem são relevantes as considerações que não se exprimam também em factos provados (quanto à existência de ramos que estariam a meio da carga presos a troncos, sem que o réu pudesse prever que haveria projeção de um ramo); não se reconhece razão às considerações expostas, ainda que os factos que invocam tivessem sido alegados e provados (uma vez: que a apreciação da suficiência de uma cinta para um lote de madeira depende sempre do tamanho do lote e da configuração, do comprimento e da espessura da madeira aí transportada não virem a permitir quebras ou desprendimentos de ramos com o andamento do veículo; que a existência de ramos aparados não significaria que não existissem ramos quebradiços não atendidos, nem faltas de retenção); o caso em análise nesta ação e neste recurso distingue-se do caso apreciado pelo Acórdão da Relação do Porto de 25.01.2011, que julgou ilegítima a extração do nexo de causalidade nas circunstâncias aí apreciadas (uma vez que: nesse acórdão julgou-se que a quebra das cordas que continham uma carga não permitia presumir que as cordas estavam em mau estado conhecido pelo transportador, sobretudo quando na matéria de facto se havia provado, ainda que conclusivamente, que as mesmas eram adequadas; neste acórdão, a prova da projeção de um ramo de uma carga de madeira, colocada em plataforma aberta, ladeada por 4 fueiros e apenas presa por uma cinta, permite presumir que o ramo naturalmente não estava preso pela cinta ou se partiu ou desprendeu, ainda que de ramo preso, e que se a totalidade da carga estivesse contida por mais cintas ou se a carga cintada estivesse coberta o referido ramo não teria sido projetado).
Assim, improcede o recurso de apelação e confirma-se a sentença recorrida.

IV. Decisão:

Pelo exposto, as Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães julgam improcedente o recurso de apelação.
*
Custas pelo recorrente (art. 527º do C. P. Civil).
*
Guimarães, 10 de setembro de 2020

Alexandra Viana Lopes
Anizabel Sousa Pereira
Rosália Cunha


1. Vide, neste sentido, em anotações ao prévio e equivalente art.19º do DL nº552/85, de 31.12.: Maria Clara Lopes, in “Seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel”, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1987, pág. 58; Adriano Garção Soares e José Maia Santos, in “Seguro de responsabilidade civil automóvel”, Livraria Almedina, Coimbra, 1987, pág.43.
2. Francisco Torrinha, in Dicionário da Língua Portuguesa, Editorial Domingos Barreira, Prefácio de 15 de abril de 1946, pág. 982.