Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2228/16.2T9GMR.G1
Relator: JÚLIO PINTO
Descritores: PENA DE MULTA
CONVERSÃO PRISÃO SUBSIDIÁRIA
NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
PERDÃO PREVISTO NA LEI 9/2020
DE 10.04
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/24/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) A prisão subsidiária constitui uma verdadeira pena de constrangimento conducente à realização do efeito preferido de pagamento da multa, na medida em que o condenado pode a todo o tempo evitar a execução da pena de prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado – artigo 49.º, n.º 2 do Código Penal.
II) A notificação ao arguido do despacho que converte a pena de multa aplicada a título principal em prisão subsidiária pode ser validamente realizada por via postal simples com prova de depósito, não exigindo a audição presencial do condenado.
III) No caso dos autos, não se verifica a invocada nulidade da decisão impugnada, por omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 374º e 379º, nº 1 al c) do CPP, sendo certo que a nulidade prevista neste último dispositivo se aplica apenas às sentenças e não aos meros despachos, por maior relevância que tenham.
IV) E não se mostrando transitada em julgado a decisão que procedeu à conversão da pena de prisão subsidiária que o arguido pretende ver perdoada, não lhe é aplicável o perdão previsto na Lei 9/2020, de 10/04.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

No âmbito do processo nº 2228/16.2T9GMR, no Juízo Local Criminal de Guimarães-J2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por despacho proferido em 10.11.2020, foi convertida a pena de 70 (setenta) dias de multa aplicada ao arguido F. S., na pena de 46 (quarenta e seis) dias de prisão subsidiária, com o seguinte teor (Transcrição):
«Por sentença proferida nos presentes autos em 18.11.2019, transitada em julgado em 18.12.2019, foi o(a) arguido(a) F. S. condenado pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art.º 360.º do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros). ---
O(a) arguido(a) não efectuou o pagamento da referida multa criminal, nem requereu a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade. ---
Além disso, não se mostrou realizável a penhora de quaisquer bens ou rendimentos que possibilitassem a cobrança coerciva da referida multa. ---
Assim sendo, haverá que nos termos do preceituado no art.º 49.º do Cód. Penal, converter a pena de multa na subsequente pena de prisão subsidiária, correspondente a 2/3 (dois terços) do período de tempo fixado para a pena de multa. ---
Nessa conformidade, converto a pena de 70 (setenta) dias de multa aplicada ao arguido na pena de 46 (quarenta e seis) dias de prisão subsidiária, e determino o seu cumprimento pelo(a) arguido(a) F. S.. ---
Notifique, igualmente o(a) arguido(a) que pode a todo o tempo evitar a execução da prisão subsidiária pagando a multa a que foi condenado(a) e, por outro lado, que qualquer detenção ou pena que haja sofrido, poderá ser comunicada para efeitos do disposto no art.º 80.º do CP. ---
Após trânsito, conclua para emissão dos respectivos de mandados para cumprimento. ---»
*
Inconformado com a referida decisão, o arguido interpôs recurso, formulando na sua motivação as seguintes conclusões (transcrição):
«C O N C L U S Õ E S:

1 Nos termos e para os efeitos do disposto no artº 412º do CPP, são os seguintes os fundamentos do presente recurso:
a) A nulidade da falta de notificação pessoal do arguido do despacho de 15/09/2020, refª 169477690, que determinou a notificação do “…arguido para, em 10 dias, pagar a totalidade da multa em que foi condenado sob pena de, não o fazendo, ser a mesma convertida em prisão subsidiária.”, uma vez que o mesmo arguido devia ter sido notificado pessoalmente para ser ouvido, também pessoal e presencialmente, pelo Tribunal a quo, no exercício legitimo do seu direito ao contraditório;
b) Sem prescindir, se no caso concreto, estão preenchidos, ou não, os requisitos previstos no artº 49º, do Código Penal para que tal conversão produza validamente todos os seus efeitos jurídicos;
c) E, ainda sem prescindir, se fôr considerada válida a conversão da multa em prisão subsidiária, o que se não concebe nem concede, apenas se aludindo por mera hipótese, dever de patrocínio e efeitos de raciocínio, deve a mesma pena ser declarada extinta, por força do perdão de penas previsto no artº 2º, nºs 1 e 3, da Lei nº 9/2020, de 10 de Abril.
2. A decisão recorrida integra materialmente a sentença final, mas constitui uma alteração superveniente da mesma, na sua parte decisória, uma vez que tem como efeito a alteração/substituição de uma pena não privativa da liberdade por outra pena, esta privativa da liberdade do arguido, ora recorrente, o que aumenta as necessidades de respeito das garantias de defesa do mesmo.
Por outro lado, há jurisprudência que entende que o Tribunal a quo, antes de determinar a conversão sub judice devia ter mandado elaborar relatório social para aquilatar dos fundamentos da omissão do recorrente e da sua situação pessoal e económica, entendimento que este perfilha.
3. Assim sendo, nos termos do disposto na 2ª parte, do nº 9, do artº 113º do CPP a decisão ora recorrida devia ter sido notificada pessoalmente ao arguido, sendo certo, apenas que o distribuidor postal somente certificou que em 17.9.2020 “depositou no receptáculo postal a notificação”, não se podendo presumir, sem mais, que o recorrente tenha efectivamente recebido tal notificação e, tão pouco, que dela teve conhecimento.
4. Estando em causa, como estava e está, a privação da liberdade do recorrente, a sua notificação para exercer o contraditório em relação à aludida conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária (que consubstancia uma verdadeira modificação da natureza da pena aplicada, por via da alteração da pena de multa para a pena de prisão, de uma pena de expressão pecuniária para uma pena privativa da liberdade), tinha de ser efectuada, e não o foi, por uma forma que garantisse que o mesmo recorrente tomasse conhecimento dessa decisão e, assim, se pudesse pronunciar-se sobre a mesma, o que não ocorreu no caso sub judice.
5. Assim sendo, não tendo havido notificação pessoal ao arguido dessa decisão, deve considerar-se que o mesmo não foi ouvido sobre os motivos pelos quais não pagou a multa em que foi condenado, com o que se violou as garantias de defesa do mesmo arguido em matéria tão fundamental como o é o da sua liberdade.
Tal falta de audição, antes de ser declarada a conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária, traduz-se em não ter sido assegurada ao arguido o direito ao contraditório, o que importa a nulidade da decisão recorrida, nulidade essa que é insanável – artº 119º, alínea c), do Código de Processo Penal, que ora expressamente se argui para os devidos e legais efeitos, mormente os previstos no artº 122º, do CPP.
6. Perfilha-se o entendimento do supracitado Acordão do Tribunal da Relação de Évora de 27.01.2018, que entendeu que, antes de ser decretada a conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária, têm de ser cumpridos os seguintes procedimentos:
a) Notificação pessoal do arguido, mormente para se saber se a falta de pagamento da multa lhe é, ou não, imputável;
b) Audição pessoal e presencial do arguido para se apurar os motivos e razões pelas quais o mesmo não pagou a multa em que foi condenado;
c) A elaboração de relatório social para esses fins e, ainda, para verificar a situação pessoal e económica do mesmo arguido.
Efectuadas essas diligências, e em função dos resultados das mesmas, o Tribunal devia ponderar a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, subordinada ao cumprimento de deveres e regras de conduta, nos termos do nº 3, do artº 49º, do Código Penal.
7. O perdão da pena de prisão subsidiária do recorrente, se vier a ser considerado que a mesma lhe deve ser aplicada, o que se não concede nem concebe, apenas se aludindo por mera cautela e para efeito de raciocínio, deve ser declarado e, por isso, considerada extinta na sua totalidade, face ao disposto nos nºs 1 e 3, do artº 2º, da Lei nº 9/2020, de 10 de Abril, uma vez que a sua situação é enquadrável nessa norma legal: pena inferior a dois anos de prisão, transito em julgado em 18 de Dezembro de 2019, pena de prisão resultante da conversão da pena de multa, sob pena de violação, além do mais, do princípio da igualdade previsto no artº 13º da Constituição da República Portuguesa.
8. Concordando com a posição constante do Acordão nº 437/06 do Tribunal Constitucional, e não se vislumbrando que a posição de um recluso seja essencialmente diferente da de uma pessoa que o ainda não é, mas pode vir a ser a qualquer momento, o Tribunal a quo devia ter consideradas verificadas as condições estabelecidas naquela Lei em relação ao recorrente e dessa forma declarado a extinção de toda essa pena de prisão por perdão da mesma.
9. Ao o não fazer, como o não fez, ocorreu omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo - artº 369º, nº 1, alínea c), do CPP, que gera nulidade, a qual pode/deve ser arguida em sede de recurso – nº 2 desse artigo, o que ora se argui para os devidos e legais efeitos.
Assim sendo, a pena de prisão subsidiária aplicada ao recorrente, por conversão da pena de multa em que foi condenado, devia, em cumprimento da supracitada Lei nº 9/2020, ser declarada perdoada na sua totalidade e, dessa forma, extinta, tudo com as legais consequências.
10. Desta forma, não tanto pelo alegado como pelo que Vossas Excelências doutamente suprirão, devem ser julgadas procedentes por provadas as arguidas nulidades (falta de audição pessoal do arguido e omissão de pronúncia) com as consequências previstas no artº 122º, do CPP ou, se assim se não entender, deve, a final, ser revogada a decisão recorrida, e substituída por outra que ordene ao Tribunal a quo a realização de diligencias no sentido de proceder á notificação pessoal do arguido para ser ouvido, tal como supra se alegou, a fim de lhe ser assegurado o direito ao contraditório, ou, quando assim não fôr entendido, ser declarada perdoada ao recorrente a totalidade da pena de prisão subsidiária, com a sua consequente extinção, seguindo-se os ulteriores termos processuais até final, com o que, como sempre, se fará a melhor e a mais perfeita J U S T I Ç A!»
*
O recurso foi admitido a subir com o regime e efeito adequados.
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Na 1ª instância o Ministério Público respondeu ao recurso formulando as seguintes conclusões (transcrição):
«IV) CONCLUSÕES:

1. O despacho que determina a notificação do arguido, para vir aos autos proceder ao pagamento integral da pena de multa (por força do vencimento das prestações não pagas), sob pena da mesma ser convertida em prisão subsidiária é notificado ao arguido que validamente prestou TIR, por via postal simples, com prova de depósito.
2. De igual modo, o despacho que determina a notificação do arguido para vir aos autos esclarecer por que razão não procedeu ao pagamento da pena de multa, sob pena da mesma ser convertida em prisão subsidiária é notificado ao arguido que validamente prestou TIR, por via postal simples, com prova de depósito.
3. Inexiste norma legal que imponha que tais despachos tenham de ser pessoalmente notificados ao arguido que validamente prestou TIR, pelo que nenhuma nulidade aos mesmos pode ser assacada.
4. Tais despachos não decorrem de imposição legal específica sendo, na verdade, uma última oportunidade concedida pelo Tribunal, ao arguido, para que evite a prisão subsidiária.
5. Ao proferir os referidos despachos, o Tribunal recorrido deu cumprimento ao princípio do contraditório e procedeu à audição do arguido, a qual não tem de ser presencial.
6. Não se aplica a este caso, a disposição do artigo 495.o, n.o 2, do Código de Processo Penal, uma vez que a pena de prisão subsidiária constitui uma verdadeira pena de constrangimento, na medida em que o condenado pode, a todo o tempo, evitar a execução da pena de prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa em que foi condenado. Tal situação que não é comparável com a aquela em que é determinada a execução da pena de prisão, quando há incumprimento dos deveres impostos no âmbito da suspensão da pena de prisão.
7. O que sucede é que o arguido optou por quedar-se no silêncio, nada alegando ou requerendo, reiterando uma conduta de alheamento e até de indiferença, para com a condenação e pena que lhe foi imposta por força daquela.
8. Não tendo o condenado requerido a suspensão da prisão subsidiária, nem tão pouco explicado os motivos do não pagamento da pena de multa, não há lugar à realização de relatório social.
9. É o arguido condenado que tem o dever de vir aos autos expor os motivos pelos quais não conseguiu pagar a pena de multa a que foi condenado.
10. Não tem lugar, no caso em apreço, ao regime excecional previsto na Lei nº 9/2020, de 10.04, porquanto, à data da prolação do despacho em crise, a mesma não se encontrava já em vigor.
11. Ainda assim, nunca a mesma seria aplicável ao arguido, que é apenas condenado e não recluso.
12. Ademais, cabe ao Tribunal de Execução de Penas e não ao Tribunal da condenação a decisão de perdão da pena, inexistindo no despacho recorrido qualquer omissão de pronúncia.
13. O douto despacho recorrido não violou qualquer preceito legal e nele se decidiu conforme a lei, o direito e a constituição.
Deve, assim, o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente e, desta forma, mantido o douto despacho recorrido nos seus precisos termos.
Assim farão Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães, como sempre, JUSTIÇA»
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Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer corroborando a posição assumida pelo Ministério Público em 1ª instância, concluindo que o recurso deve ser julgado improcedente.
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Foi cumprido o art. 417º, n.º 2, do CPP.
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Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
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II- FUNDAMENTAÇÃO.

Como é pacífico (Cf. o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série, de 28-12-1995), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – como sejam a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no art. 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos do art. 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do mesmo código – é pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites de cognição do tribunal superior.

Posto isto, atenta a conformação das conclusões formuladas pelo recorrente, o recurso prende-se com as seguintes:

Questões a decidir

– Nulidade insanável do artº 119º, al. c) do CPP, por falta de notificação pessoal do arguido para se pronunciar sobre a possibilidade de conversão em prisão subsidiária da pena de multa não paga; ou seja, por violação do princípio do contraditório;
- Saber se no tribunal recorrido foram cumpridos todos os pressupostos prévios, e necessários, à decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária;
– Nulidade da decisão, por omissão de pronúncia nos termos previstos no art. 379º, nº 1, al. c) do CPP (e não 369º, como consta das conclusões de recurso), uma vez que a manter-se a conversão da pena de multa em que foi condenado em prisão subsidiária, devia esta, em cumprimento da Lei nº 9/2020, de 10.04, ser declarada perdoada na sua totalidade, com a consequente extinção dessa pena

Factos e ocorrências processuais com interesse para a decisão:

Com data de 07/01/2020, foi expedido aviso postal de notificação do arguido nos seguintes temos:
«Fica notificado, na qualidade de Arguido, relativamente ao processo supra identificado, para no prazo de 15 dias, efectuar o pagamento da multa da sua responsabilidade, em que foi condenado por sentença/acórdão de 18-11-2019, transitado(a) em julgado em 18-12-2019.
A data limite do pagamento voluntário da multa e das custas, bem como os valores a pagar, os locais e os modos de pagamento constam das guias anexas.»

Datado de 27/01/2020, o arguido apresentou o seguinte requerimento:
«F. S., com os sinais dos autos, arguido nos autos de processo comum, com intervenção do Tribunal singular, à margem referenciados, vem, nos termos do disposto no artº 47º, do Código Penal e artº 489º, do Código de Processo Penal, requerer a V. Exª se digne autorizar o pagamento da multa em que foi condenado em CINCO prestações mensais, uma vez que, como resulta da matéria de facto dada como provada na douta sentença de 18.11.2019 (quanto aos factos relativos à personalidade e condições pessoais do arguido), o mesmo arguido, ora requerente, tem uma situação económica muito débil, não tendo emprego nem rendimentos fixos, vivendo de pequenas gratificações que recebe como arrumador de carros, situação que ainda agora se mantém.»

Por despacho de 14/02/2020, foi deferido o requerimento do arguido nos seguintes termos:
«Pelo exposto, decido deferir o requerido e, em consequência, concedo ao(à) arguido(a) a possibilidade de pagar os € 350,00 (trezentos e cinquenta euros) de multa em que foi condenado, em 5 (cinco) prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no prazo de 10 dias a contar da notificação do presente despacho de deferimento ao arguido e as restantes em igual dia dos meses subsequentes. ---
--- Notifique, sendo o(a) arguido(a) igualmente de que o não pagamento de qualquer das prestações implica o imediato vencimento de todas as restantes, nos termos do art.º 47.º n.º 5, do CP.»

No dia 13/07/2020, o Ministério Público promoveu o seguinte:
Foi junto aos autos prova do depósito do aviso postal, depositado no recetáculo postal domiciliário no dia 21/02/2020, expedido para notificação do arguido do teor deste despacho. Ref: 10644106
Compulsados os autos verifica-se que o arguido não procedeu ao pagamento de nenhuma das prestações da pena de multa em que foi condenado, pelo que promovo sejam declaradas vencidas todas as prestações da pena de multa não pagas pelo mesmo (artigo 47, n.º 5 do Código Penal).

Mais promovo:
- se oficie à Segurança Social solicitando que informe se o arguido aufere algum vencimento, subsídio ou pensão e, na afirmativa, qual o seu valor e se sobre este recai algum encargo;
- se proceda a pesquisa no TMENU para apurar se o arguido é proprietário de algum veículo automóvel e, na afirmativa, quais as suas características e se sobre este recai algum encargo;
- se oficie ao serviço de finanças a solicitar informação sobre se o arguido é proprietário de algum bem imóvel.

Promovo ainda se notifique o arguido, bem assim como o/a seu/sua Il. Defensor/a, para que, no prazo que lhe vier a ser concedido, venha aos presentes autos comprovar o cumprimento da pena de multa a que foi condenado nos mesmos ou expor as razões por que não o fez, sob pena de, nada sendo dito ou requerido, ser considerado culposo o verificado incumprimento da mesma e, por via disso, convertida em dias de prisão subsidiária, nos termos do artigo 49º do Código Penal, caso não seja possível proceder à sua cobrança coerciva.»

No dia 15/09/2020, foi proferido despacho sobre essa promoção, nos seguintes termos:
«Uma vez que o arguido não procedeu ao pagamento de qualquer das prestações que lhe foram concedidas, declaro o vencimento de todas as prestações e determino que se notifique o arguido para, em 10 dias, pagar a totalidade da pena de multa em que foi condenado sob pena de, não o fazendo, ser a mesma convertida em prisão subsidiária. ---
No mais, proceda nos termos promovidos, com excepção do último parágrafo.»
Foi junto aos autos prova do depósito do aviso postal, depositado no recetáculo postal domiciliário no dia 17/09/2020, expedido para notificação do arguido do teor do despacho. Ref: 10498531

Após promoção do Ministério Público nesse sentido, com data de 14/10/2020, no tribunal recorrido foi proferido o seguinte despacho:
«Perspectivando-se como possível a aplicação do que vai disposto no art.º 49.º n.º 1 do CP – ou seja, a conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária, já que o(a) arguido(a) não procedeu ao pagamento da pena de multa em que foi condenado(a), não requereu a substituição da multa por trabalho, tendo-se por frustrada a possibilidade execução patrimonial – notifique-se, antes do mais, o(a) arguido(a) e o respectivo defensor, para, no prazo de 10 [dez] dias, esclarecer nos autos das razões determinantes do não pagamento da pena de multa – cfr. art.º 49.º n.º 3 do CP»

Nesse mesmo dia, o arguido apresentou o seguinte requerimento:

«Nos autos de processo comum, com intervenção do Tribunal singular, à margem referenciados, em que é arguido F. S., vem o defensor nomeado, de harmonia com a notificação que lhe foi feita, requerer a V. Exª se digne ordenar que a notificação do mesmo arguido para os termos do douto despacho de 14/10/2020, refª 169856228, seja efectuada na pessoa do próprio arguido, porquanto, face ao seu comportamento processual, não é de presumir que a notificação em causa, se feita por meio de carta registada com prova de depósito, possa ser efectuada na sua pessoa, já que o distribuidor postal apenas confirmará que depositou tal carta-notificação no receptáculo postal nela indicado, tratando-se de uma situação em que o arguido condenado pode eventualmente ser privado da liberdade.»
Entretanto, foi junto aos autos prova do depósito do aviso postal, depositado no recetáculo postal domiciliário no dia 15/10/2020, expedido para notificação do arguido do teor do despacho proferido no dia 14/10/2020. Ref: 10644106

Por despacho datado de 09/11/2020, foi indeferido requerimento formulado:
(…)
«Fls. 233 e 237: Uma vez que a correspondência ficou devidamente depositada no receptáculo da morada correspondente àquela que o arguido indicou no Termo de Identidade e Residência para efeitos de notificação (cfr. fls. 37), considera-se o arguido validamente notificado, nos termos do disposto no art.º 113.º n.º 1 alínea c), 196.º n.º 2 e 313.º n.º 3 do CPP.»….
…«Este argumento, conjugado com o outro já referido da actual redacção da alínea e) do n.º 3 do art.º 196º do Cód. Proc. Penal, são decisivos, salvo o devido respeito por opinião contrária, para concluirmos, pela perfeição da notificação efectuada ao arguido do despacho para o exercício do contraditório quanto à conversão da pena de multa em prisão subsidiária.
Pelo exposto, indefere-se o requerido.
Notifique.»

E proferida a seguinte decisão:
«Por sentença proferida nos presentes autos em 18.11.2019, transitada em julgado em 18.12.2019, foi o(a) arguido(a) F. S. condenado pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art.º 360.º do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros). ---
O(a) arguido(a) não efectuou o pagamento da referida multa criminal, nem requereu a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade. ---
Além disso, não se mostrou realizável a penhora de quaisquer bens ou rendimentos que possibilitassem a cobrança coerciva da referida multa. ---
Assim sendo, haverá que nos termos do preceituado no art.º 49.º do Cód. Penal, converter a pena de multa na subsequente pena de prisão subsidiária, correspondente a 2/3 (dois terços) do período de tempo fixado para a pena de multa. --
Nessa conformidade, converto a pena de 70 (setenta) dias de multa aplicada ao arguido na pena de 46 (quarenta e seis) dias de prisão subsidiária, e determino o seu cumprimento pelo(a) arguido(a) F. S.. ---
Notifique, igualmente o(a) arguido(a) que pode a todo o tempo evitar a execução da prisão subsidiária pagando a multa a que foi condenado(a) e, por outro lado, que qualquer detenção ou pena que haja sofrido, poderá ser comunicada para efeitos do disposto no art.º 80.º do CP. ---
Após trânsito, conclua para emissão dos respectivos de mandados para cumprimento. ---»
*
Apreciação do recurso

O presente recurso foi interposto em 24/11/2020, portanto, no prazo de 30 dias subsequentes à notificação da decisão datada de 09/11/2020. É, pois, esta a decisão recorrida, mas em duas vertentes:

-a primeira parte do recurso reporta-se á questão prévia apreciada no despacho recorrido, ou seja, ao indeferimento do requerimento para que a notificação efetuada ao arguido do despacho para o exercício do contraditório quanto à conversão da pena de multa em prisão subsidiária;
-a segunda diz respeito à tramitação percorrida pelo tribunal até proferir a decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, ou seja, se foram cumpridos os pressupostos necessários para a prolação dessa decisão.
Vejamos a primeira situação
O recorrente diz que não se considera devidamente notificado do despacho proferido no dia 14/10/2020, porquanto entende que deveria tê-lo sido por contacto pessoal. Pelo que, não lhe foi dada a oportunidade de se pronunciar sobre as razões do não pagamento da multa em que foi condenado.
Invoca a nulidade dessa notificação, com a consequente violação do princípio do contraditório
Antes de mais, importa salientar Como ensina Figueiredo Dias, (Cfr. - Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, página 147), que a pena de prisão subsidiária constitui uma verdadeira pena de constrangimento conducente à realização do efeito preferido de pagamento da multa na medida em que o condenado pode a todo o tempo evitar a execução da pena de prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado – artigo 49.º, n.º 2 do Código Penal.
Na situação dos autos, está em causa a execução de uma pena não privativa da liberdade, in casu, de uma pena de multa, que foi convertida em prisão subsidiária no despacho impugnado.
À luz do comando constitucional imposto pelo artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
Todas as garantias de defesa são todos os meios que em concreto se mostrem necessários para que o arguido se faça ouvir pelo juiz, sendo que os direitos a uma ampla e efetiva defesa não respeitam apenas à decisão final, mas a todas as que impliquem restrições de direito ou possam condicionar a solução definitiva do caso, devendo o contraditório abranger atos em que uma apreciação contradita seja importante para a descoberta da verdade e concretização dos direitos de defesa( - Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, páginas 354 e 360. ).
Um dos direitos de defesa, decorrente do próprio Estado de direito democrático, traduz-se na observância do princípio ou direito de audiência, que implica que a declaração do direito do caso penal concreto não seja apenas tarefa do juiz ou do tribunal (conceção “carismática” do processo), mas tenha de ser tarefa de todos os que participam no processo (conceção democrática do processo) e se encontrem em situação de influir naquela declaração de direito, de acordo com a posição e funções processuais que cada um assuma(- Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, pág. 157).
O direito de audiência é a expressão necessária do direito do cidadão à concessão de justiça, das exigências comunitárias inscritas no Estado de Direito, da essência do Direito como tarefa do homem e, finalmente, do espírito do Processo como «comparticipação» de todos os interessados na criação da decisão pelo que há-de assegurar-se ao titular do direito uma eficaz e efetiva possibilidade de expor as suas próprias razões e de, por este modo, influir na declaração do direito do seu caso( - Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, pág. 158.).
Este direito encontra-se expressamente atribuído ao arguido na lei adjetiva penal, concretamente no artigo 61.º, n.º 1, b), do Código de Processo Penal, que estabelece que o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e, salvas as exceções da lei, do direito de ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete.
Outro dos direitos de defesa traduz-se na observância do princípio do contraditório – consagrado no artigo 32.º, n.º 5 da CRP – consubstanciando-se no direito/dever do juiz de ouvir as razões do arguido e demais sujeitos processuais em relação a questões e assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão, bem como no direito do arguido a intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os elementos de prova e argumentos jurídicos trazidos ao processo, direito que abrange todos os atos suscetíveis de afetarem a sua posição ou de atingirem a sua esfera jurídica( - Figueiredo Dias, obra citada na nota anterior, pág. 149 a 151; Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, Volume I, 2007, pp. 522 a 523.).
Um desses atos é justamente a decisão sobre a substituição da pena de multa por prisão subsidiária, ainda que, nos termos do n.º 2 do artigo 49.º do Código Penal, a execução da pena de prisão subsidiária possa, a todo o tempo, ser evitada mediante o pagamento da multa, por ser passível de retirar a liberdade pessoal do arguido. (Cfr. Ac. RG, de Ac. de 08/05/2017, in http://www.dgsi.pt)

No caso em apreço, o Ministério Público formulou a seguinte promoção: Ref:169752550
«Por sentença datada de 18.11.2019, transitada em julgado, foi o arguido F. S. condenada nos presentes autos, na pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), no montante total de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros)
O arguido pediu o pagamento em prestações da pena de multa a que foi condenado, o que lhe foi deferido (cfr. fls. 207). Porém, até ao momento nada pagou.
Ao mesmo não são conhecidos bens penhoráveis, pelo que de nenhum efeito útil se revela a instauração de uma execução.
Notificado para proceder ao pagamento da pena de multa em que foi condenado, sob pena de poder vir a cumprir pena de prisão subsidiária, o arguido nada disse ou requereu.
Face ao exposto, atenta a conduta do arguido, de total indiferença para com a administração da justiça, ao abrigo do disposto no artigo 49º, n.º 1 do Código Penal, promovo se converta a pena de multa aplicada ao condenado nos presentes autos, em prisão subsidiária (46 dias de prisão subsidiária).
Mais promovo que, após trânsito, se emitam os competentes mandados de detenção do condenado, os quais deverão obedecer ao disposto no artigo 491º-A, n.º 3 do Código de Processo Penal, sendo que a cada dia de prisão subsidiária ao condenado corresponde a quantia de € 7,60 (sete euros e sessenta cêntimos»

A esta promoção seguiu-se a prolação do despacho supra indicado:

«Perspectivando-se como possível a aplicação do que vai disposto no art.º 49.º n.º 1 do CP – ou seja, a conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária, já que o(a) arguido(a) não procedeu ao pagamento da pena de multa em que foi condenado(a), não requereu a substituição da multa por trabalho, tendo-se por frustrada a possibilidade execução patrimonial – notifique-se, antes do mais, o(a) arguido(a) e o respectivo defensor, para, no prazo de 10 [dez] dias, esclarecer nos autos das razões determinantes do não pagamento da pena de multa – cfr. art.º 49.º n.º 3 do CP»
Foi sobre este despacho que recaiu o requerimento do mandatário do arguido a solicitar a sua notificação por contacto pessoal (seja efectuada na pessoa do próprio arguido, porquanto, face ao seu comportamento processual, não é de presumir que a notificação em causa, se feita por meio de carta registada com prova de depósito, possa ser efectuada na sua pessoa). Sendo certo que o dito despacho foi notificado ao arguido, como se retira da prova do depósito do aviso postal no recetáculo domiciliário, no dia 15/10/2020.
Tendo sido, entretanto, proferido a decisão impugnada através do presente recurso.
Quanto a esta questão suscitada da não notificação regular do arguido, como se referiu, visa a lei, prevenir que este possa exercer o seu direito de defesa, como consagrado no referido art. 32º da C.R.P.
Consagra, ainda, o art. 20º, nº 4 da C.R.P., que todos têm direito a que uma causa em que intervenham, seja objeto de decisão, em prazo razoável e mediante processo equitativo, ou seja, no âmbito do processo penal em geral, mais concretamente, na audiência de discussão e julgamento, o arguido deve ter ao seu alcance um processo equitativo, que só se poderá verificar, se lhe forem asseguradas as necessárias garantias de defesa, tendo de funcionar em absoluto o princípio do contraditório.
Ora, o princípio do contraditório, só se concretiza em sede de audiência de discussão e julgamento se o arguido souber da existência da mesma e se puder estar nela presente, e posteriormente a esta, ou anteriormente, se tomar conhecimento, sendo notificado, das decisões que o afetem, nos termos do art. 113º do C.P.P.
Qualquer obstrução externa à concretização destes direitos constitui violação daquele princípio e por isso o Estado está obrigado a assegurar que os mesmos se materializem. Sendo neste âmbito que surgem os normativos dos arts. 119º al. c) do CPP, em que se comina com nulidade insanável a ausência do arguido nos casos em que a lei exige a sua comparência.
Deste modo, para dar conta ao arguido do ato processual concreto que o possa afetar, a notificação expedida para o efeito só cumpre a sua função se chegar ao efetivo conhecimento do destinatário, ou, pelo menos, é suscetível de ser por si conhecida, nos termos em que se encontra legalmente regulamentada.

Voltemos ao caso vertente
A questão nuclear aportada pelo recorrente é esta: perante o não pagamento da multa criminal, antes de converter a multa em pena de prisão subsidiária, nos termos do art.º 49º do Código Penal (CP), o tribunal tem de ouvir presencialmente o arguido sobre as razões do não pagamento, ou bastará conceder-lhe a possibilidade de se pronunciar, remetendo-lhe carta para a morada do TIR e concedendo-lhe prazo para esse efeito?
Pelo que, importa então analisarmos, na situação em apreço, ou seja, quando do despacho que dá conhecimento da possibilidade de conversão da pena de multa em dias de prisão subsidiária, para esclarecer nos autos das razões determinantes do seu não pagamento, como é que teria de ser efetuada a notificação do seu teor ao arguido, se é exigível que se efetue por contacto pessoal, como ele pretende, ou se basta o envio de carta para a morada constante do TIR, como aconteceu.
Esta questão é enquadrável naquela que foi largamente discutida na doutrina e jurisprudência antes da alteração legislativa da Lei nº 20/2013, de 21/02/2013, que veio dar uma nova redação aos arts 196º, nº3 al. e) e 214º, nº1 al. e), ambos do CPP, e que incidia principalmente sobre a notificação da decisão que procedia a essa conversão, e em que maioritariamente se entendia que tinha que ser efetuada uma notificação por contacto pessoal, sendo o argumento predominante o facto de o TIR se extinguir com o trânsito em julgado da decisão e portanto não se poderia efetuar validamente, uma notificação para a morada do TlR, sendo esta uma medida de coação que já se havia extinguido, daí a necessidade de ser efetuada uma notificação por contacto pessoal.
Por via da alteração legislativa verificada em 2013, com a nova redação dada aos arts 196º e 214º, inverteu-se a situação jurisprudencial, sendo largamente maioritárias as decisões dos tribunais superiores no sentido de que basta a notificação por carta, aviso postal, enviada para a morada do TlR, pese embora, ainda que em posição minoritária, se mantenha uma corrente que entende que deve ser por contacto pessoal.
Uma vez que o TIR prestado nos autos, foi efetuado ao abrigo da nova redação conferida pela Lei nº 20/2013 citada, iremos debruçar-nos sobre esta questão já com a alteração introduzida, não sem antes relembrarmos os dados processuais acima referidos, de onde se constata que as notificações que foram sendo expedidas dirigidas ao arguido foram-no sempre para a morada conhecida, indicada, nos autos. Essa correspondência ficou devidamente depositada no recetáculo da morada correspondente àquela que o arguido indicou no Termo de Identidade e Residência para efeitos de notificação (cfr. fls. 37), como aconteceu com as notificações da audiência de discussão e julgamento, onde esteve presente e confirmou a morada anteriormente indicada no TIR, e nas demais incidências processuais que se seguiram, das quais foi notificado nessa mesma morada.

É que nos termos do n.º 1 do referido art.º 113.º do CPP, as notificações efetuam-se:
Por contacto pessoal com o notificando, alínea a);
Por via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos, alínea c);
Sendo que nestes casos, preceitua o nº 3 do mesmo normativo, que o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exato do depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efetuada no 5º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do ato de notificação.
Acrescenta o nº 4, que se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente.
Nos casos expressamente previstos a que alude o art.º 113.º, n.º 1, alínea c) do CPP conta-se o do arguido que prestou Termo de Identidade de Residência.

Efetivamente, de acordo com a previsão do n.º 2 do art.º 196.º, do CPP, para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 113º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha. E estabelece o nº 3, que do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento:
a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no nº 2, exceto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os atos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art. 333º;
e) De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.

Como dissemos, o arguido prestou Termo de Identidade e Residência na vigência da atual redação do art.º 196º do CPP, em 19.01.2017 – (cfr. fls. 37), pelo que o termo de identidade e residência só se extingue com a extinção da pena, e as notificações subsequentes à prestação do TIR seriam feitas por via postal simples para a morada indicada, como aconteceu. Desta realidade pressupõe-se que o arguido tinha conhecimento, nada tendo sido invocado em sentido contrário.
Notificado para efetuar o pagamento da pena de multa em que foi condenado, na morada do TIR, veio o arguido apresentar o requerimento para efetuar o pagamento em prestações, datado de 27/01/2020, o que lhe foi deferido.
Não obstante lhe ter sido concedida essa prerrogativa, o arguido não pagou qualquer prestação, pelo que foi declarado o vencimento de todas as em dívida e notificado para pagar a multa. Nesse mesmo despacho foram solicitadas informações à Segurança Social e ao Serviço de Finanças sobre a existência de vencimentos, subsídio ou pensão, bem como bens imóveis, de que seja beneficiário ou proprietário, para além de se ter averiguado se teria algum veículo registado em seu nome – ref: 168916492; 169477690 - havendo a informação nos autos de que não tem bens em seu nome – ref: 10518843; e que não apresenta registo de remunerações para a SS e não se encontra a receber qualquer subsídio ou pensão – ref: 10524593.
Perante essa informação, não lhe sendo conhecidos bens penhoráveis, e mostrando-se inviável a instauração de execução para cobrança coerciva, e ainda perante a conduta de total indiferença ao longo do processo, o Ministério Público promoveu a conversão da pena de multa aplicada ao arguido em prisão subsidiária – ref: 169752550.
É na sequência dessa promoção que, em 14/10/2020, a Mmª Juiz do tribunal recorrido ordenou a notificação do arguido para o exercício do contraditório quanto à possível conversão da pena de multa em prisão subsidiária – ref: 169856228, a qual foi feita por via postal simples, com prova de depósito, para a morada constante do TIR, e deu origem ao requerimento a solicitar a notificação pessoal.
E não se diga que não tomou conhecimento do teor dessa notificação, face ao requerimento apresentado pelo seu ilustre mandatário, sendo manifesto que o arguido está regularmente notificado, e que foi cumprido o normativo legal e que, pese embora esteja em causa a sua liberdade, este pode a todo o tempo efetuar o pagamento da multa e, assim, obstar á sua prisão.
Os dados processuais acima apontados indicam-nos que notificação que lhe foi feita de ambos os despachos (quer para exercer do contraditório quanto à conversão da pena de multa em prisão subsidiária, quer para o notificar daquela conversão) não padece da nulidade invocada, porque as respetivas notificações não tinham que ser feitas pessoalmente, por contacto pessoal, bastando-se por carta enviada com prova de depósito para a morada do TIR.
O recorrente foi notificado pessoalmente, nos termos das disposições legais supra citadas. Só não foi notificado por contacto pessoal, como pretendia.
Relativamente à querela jurisprudencial já referida, relativa a esta comunicação dos atos processuais ao arguido, com a entrada em vigor da citada Lei 20/2013 de 21.02 e da atual redação da alínea e) do nº 3 do art. 196º do Cód. Proc. Penal, citaremos o Acórdão da Relação do Porto de 27.09.2017 (Proc. 9126/00.0TDPRT-A.P1), que diz:
“é o entendimento contrário que tem larga prevalência na jurisprudência, sobretudo a partir do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 6/2010, de 15.04.2010 (DR, I, de 21.05.2010) em que o Supremo Tribunal de Justiça decidiu:
«I - Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado.
II - O condenado em pena de prisão suspensa continua afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de ‘as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada’).
III - A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de ‘contacto pessoal’ como a ‘via postal registada, por meio de carta ou aviso registados’ (16) ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e d), do CPP).»
Considerou o STJ que «as razões em que encontra fundamento a exigência de notificação da sentença tanto ao arguido como ao seu defensor - necessidade de garantir um efectivo conhecimento do seu conteúdo por parte daquele em ordem a disponibilizar-lhe todos os dados indispensáveis para, em consciência, decidir se a impugna ou não - são transponíveis para a notificação do despacho de revogação da suspensão, em vista das consequências nele implicadas para o condenado».”
E continua o citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto: “Não são idênticas as situações (a que foi objecto do acórdão de uniformização de jurisprudência e a que é objecto deste recurso) para as quais se propugna solução idêntica.
A prisão subsidiária não é, como já se referiu, uma pena de substituição, que tem de ser aplicada na sentença. Por outro lado, como é sabido, a opção político-criminal de privilegiar a aplicação da pena de multa, levou a que o legislador consagrasse soluções com vista a evitar, até ao limite, o cumprimento da prisão subsidiária. Por isso que o condenado pode sempre evitar o cumprimento dessa prisão, quer pagando a multa em que foi condenado, quer alegando e provando factos susceptíveis de configurar um incumprimento não culposo, caso em que o juiz pode suspender a execução da prisão subsidiária (n.º 3 do artigo 49.º do Cód. Penal).
(…) Embora as consequências da revogação de uma pena de substituição como é a suspensão da execução da prisão não sejam as mesmas que a conversão da pena de multa em prisão subsidiária pelas razões que já referimos, se o condenado não reagir contra a sanção de constrangimento, se nada fizer para aproveitar as possibilidades que os n.os 2 e 3 do artigo 49.º do Código Penal lhe proporcionam, o efeito directo é o mesmo: a privação da liberdade do condenado.
(…) Resta, então, a questão de como efectuar a notificação.
Sobretudo depois do citado acórdão uniformizador, não se antolha qualquer razão válida para se defender que a notificação tem ser efectuada por contacto pessoal com o notificando (…) se no AUJ n.º 6/2010 se fixou jurisprudência no sentido de que a notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de “contacto pessoal” como a “via postal registada, por meio de carta ou aviso registados”, ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso, tendo ficado vencida a posição que defendia a exigência de notificação por contacto pessoal, não se descortina por que há-de ser-se mais exigente quando se trata de notificação da decisão de conversão da multa em prisão subsidiária. (…) Em suma, a notificação ao arguido/condenado pode ser efectuada por qualquer das formas previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 113.º do Cód. Proc. Penal.”
Este argumento, conjugado com o outro já referido da atual redação da alínea e) do nº 3 do art. 196º do Cód. Proc. Penal, são decisivos, salvo o devido respeito por opinião contrária, para concluirmos, tal como no despacho recorrido, pela perfeição da notificação efetuada ao arguido/recorrente do despacho para o exercício do contraditório quanto à conversão da pena de multa em prisão subsidiária, - tal como a da decisão que determinou a conversão da multa em prisão subsidiária – inexistindo a nulidade invocada.
Acrescentaremos, apenas, que neste caso entendemos que o exercício do contraditório está cumprido com a notificação ao condenado para se pronunciar sobre a possibilidade de conversão da multa em prisão subsidiária, já que o direito que o condenado tem a ser ouvido se satisfaz com a sua audição processual, não carecendo de ser uma audição presencial, que a lei processual penal não exige (neste sentido cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2.04.2019, proc. nº 137/14.9GELSB-5).
Salienta-se mais uma vez que ao arguido foi sempre concedido o exercício do contraditório mediante notificação pessoal, para além da notificação através do defensor, relativamente ao pagamento da multa de substituição e às consequências legais da omissão desse pagamento. E note-se a este respeito que, neste momento, não está em causa a liberdade do arguido, até porque a pena não é originariamente privativa da liberdade, o condenado pode a todo o tempo evitar a execução da prisão subsidiária, desde que pague no todo ou em parte, a multa em que foi condenado, para além da possibilidade de ver a pena que vier a ser fixada por via da conversão suspensa na sua execução, provando que o não pagamento lhe não é imputável a título culposo. (art. 49º nº2 e 3 do CP.)
E a notificação em causa não cabe no elenco taxativo do art. 113º nº10, 2ª parte, do CPP, não se exigindo a notificação pessoal do arguido, nem a sua audição pessoal para se pronunciar sobre a possibilidade de conversão da pena de multa em prisão subsidiária.
“Aliás, se o legislador tivesse querido que o condenado em multa fosse presencialmente ouvido antes da conversão, tê-lo-ia previsto à semelhança do que ocorre, por exemplo, com a falta de cumprimento das condições de suspensão da pena (art.º 495.º nº 2 do CPP), e não o fez. Note-se que há até quem entenda que a notificação do arguido neste concreto momento processual é levar longe demais o princípio do contraditório- (cfr. Ac. a Relação do Porto de 28/11/2007 in CJ, V, 207, que mereceu ser adjetivado de “corretíssimo” por Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário ao CPP, art.º 491.º, fls 1249)-. No referido acórdão é dito ( II e III do sumário) que o juiz não tem de ouvir o condenado antes de decretar a conversão da multa em prisão. Decretada a conversão da multa em prisão, o arguido pode requerer a suspensão da prisão subsidiária, devendo, nesse caso, provar que o não pagamento da multa lhe não é imputável”. E lê-se ainda no mesmo acórdão “o argumento de que ao arguido deve ser dada a oportunidade de contestar aquele despacho de conversão corresponde a uma leitura excessiva do contraditório em face da estatuição provisória e precária que tal despacho assume no contexto das normas enunciadas. Porque, como se disse, após o despacho de conversão de multa em prisão, o condenado terá conhecimento de tal conversão e poderá, se o entender, obstar à execução de tal despacho se provar que não paga a multa por razões desculpáveis. Afinal, uma repetição do que poderia fazer se fosse notificado para contestar a dita conversão da multa em prisão, com a diferença de que aqui, no caso de iminente execução de prisão subsidiária, aquela audição (contraditório) é obrigatória por imposição legal. Assim, dar a palavra ao condenado antes de proferir aquele despacho de conversão poderá configurar-se como um ato inútil ou, pelo menos, indiferente”. (Cfr. Ac. R.G., de 26 de fevereiro de 2020, in http://www.dsi.pt
Acresce ainda que, a qualidade de arguido conserva-se durante todo o decurso do processo nos termos do art. 57º nº2 do CPP.
Mas, conforme é referido no Acórdão 109/2012, de 06/03, do Tribunal Constitucional "o condenado numa pena sabe que a sua relação com o tribunal não fica definitivamente encerrada com a sentença condenatória. E determinando o art. 49º nº1 do C.P. que não pagando o condenado a multa, há que proceder à sua conversão em prisão subsidiária, há necessidade de comunicação com o arguido.
Ora observados os referidos deveres de comunicação por parte do condenado, as cautelas que rodeiam a notificação, via postal simples, com prova de depósito (nº 3 e 4 do art. 113º do CPP), torna este meio de notificação um meio adequado, segundo a comum experiência, a garantir o conhecimento do acto comunicado".
Resta concluir que este entendimento não é inconstitucional por violação do disposto nos arts. 60º e 61º do Cód. Proc. Penal, nomeadamente o direito do arguido a ser ouvido quando o Tribunal deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete, nem do exercício do contraditório, consagrado no art. 32º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, pois que se entende que o arguido foi corretamente notificado, na morada que tinha indicado para receber notificações, para exercer o contraditório.
Segunda questão
Do erro na interpretação e aplicação do art. 49º do Cód. Penal.
Alega ainda o recorrente que o despacho recorrido não se pronunciou, nem apreciou, como devia, se o não pagamento da multa lhe é culposamente imputável, com vista a uma possível suspensão da execução da pena, designadamente não tendo mandado elaborar relatório social para aquilatar das suas condições sócio-económicas e fundamentos da omissão.
Relativamente a esta posição do recorrente cumpre citar o que dizem os Códigos Penal e Processo Penal.

Dispõe o art.º 49º do CP:
“1 - Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º
2 - O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.
3 - Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.”
(...)
No que concerne ao cumprimento da pena de multa o CPP dispõe, nos art.º 489.º e 491.º.

Art.º489.º do CPP:
1 - A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nesta fixado, não podendo ser acrescida de quaisquer adicionais.
2 - O prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação para o efeito.
3 - O disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações.

Art.º 491º do CPP, com a epígrafe Não pagamento da multa:
1 - Findo o prazo de pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efetuado, procede-se à execução patrimonial.
2 - Tendo o condenado bens penhoráveis suficientes de que o tribunal tenha conhecimento ou que ele indique no prazo de pagamento, o Ministério Público promove logo a execução, que segue as disposições previstas no Código de Processo Civil para a execução por indemnizações.
3 - A decisão sobre a suspensão da execução da prisão subsidiária é precedida de parecer do Ministério Público, quando este não tenha sido o requerente.

No caso dos autos, o recorrente requereu o pagamento da pena de multa em prestações, que lhe foi deferido. Porém, nada pagou. Foi o recorrente pessoalmente notificado, tal como o seu ilustre defensor, para o exercício do contraditório quanto à conversão da multa em prisão subsidiária, mas, pelo menos por agora, nada requereu a este respeito.
Assim, cumprido o disposto no nº 1 do art. 491º do Cód. Proc. Penal, com vista ao cumprimento coercivo da multa, não tendo sido encontrados bens penhoráveis, foi proferido o despacho recorrido, determinando o cumprimento da pena de prisão subsidiária.
Como resulta claro da leitura dos dispositivos citados, designadamente do nº 3 do art.49º CP, não é o tribunal que tem que averiguar da causa do incumprimento do condenado (se culposa ou não). É ao condenado que incumbe alegar e provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável. E, como já decidiu o Tribunal Constitucional (Acórdão nº 491/2000, in BMJ nº 501, p. 64ss, também in www.tribunalconstitucional.pt) “A regra prevista no nº 3 do art. 49º do Código Penal, enquanto faz depender a suspensão da execução da prisão subsidiária da demonstração pelo condenado de que o não pagamento da multa lhe não é imputável, não contraria o nº 1 do art. 32ª da Constituição, onde se consagra a plenitude das garantias de defesa, nem o princípio in dubio pro reo”.
Resta ao recorrente, caso pretenda eximir-se ao cumprimento da prisão subsidiária, proceder ao pagamento da multa (cfr. o nº 2 do art. 49º do Cód. Penal), o que poderá fazer a todo o tempo, mas ainda poderá evitar esse cumprimento logrando alcançar a suspensão dessa pena, se provar que o não pagamento da multa lhe não é imputável (cfr. art. 49, n 3, do Cód. Penal). Desde que o condenado prove que o não pagamento da multa de substituição não se deve a culpa sua, deve ser suspensa a execução da pena de prisão decretada na sentença, subordinada ao cumprimento de deveres.
Como se diz no Ac. da R.G. acima citado, em posição que sufragamos: «Da conjugação das duas normas resulta que a pena de multa, uma vez imposta por sentença transitada em julgado, tem de ser paga no prazo de 15 dias. Se o não for e o condenado não requerer o pagamento em prestações, ou a substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade, há lugar à execução patrimonial.
Esta realidade processual chama a atenção para a diferença do que se exige no comportamento do arguido antes e depois do trânsito em julgado de uma condenação. É que até ser condenado por sentença transitada em julgado, o arguido, porque goza de presunção de inocência, não tem qualquer ónus probatório nem sequer - embora tenha esse direito - tem de contradizer a acusação, ou colaborar com o tribunal, com a certeza de que a dúvida sobre os factos o beneficiará.
Mas, a partir da condenação transitada em julgado a passividade, a indiferença e o silêncio, que antes não desfavoreciam o arguido, agora acarretam consequências que o desfavorecem. De facto, repise-se, imposta uma multa ela pode ser paga voluntariamente, mas se o arguido a não puder pagar tem de ser o próprio arguido a requerer o pagamento em prestações (art.º 47.º nº 3 do CP), ou a requerer a sua substituição por trabalho (art.º 48º do CP).
Isto é, o condenado não pode estar à espera que seja o tribunal a descobrir as razões do não cumprimento. Já ficou para trás o tempo processual em que podia, sem danos, remeter-se ao silêncio. Após o trânsito em julgado da sentença condenatória passou a recair sobre o arguido o dever primeiro e inultrapassável de cumprir a pena. Portanto, se tiver razões para maleabilizar o cumprimento terá de ser ele a levá-las à ponderação do tribunal.
O recorrente insurge-se contra o facto de não ter sido ouvido presencialmente, antes da conversão da pena de multa em dias de prisão. De facto, não foi, mas também não o requereu, mesmo quando lhe comunicada a intenção de conversão da multa em prisão por falta de pagamento daquela.
O recorrente insurge-se contra o facto de não ter sido ouvido presencialmente, antes da conversão da pena de multa em dias de prisão. De facto, não foi, mas também não o requereu, mesmo quando lhe comunicada a intenção de conversão da multa em prisão por falta de pagamento daquela.
Portanto, o tribunal deu ao arguido a possibilidade de vir aos autos esclarecer a questão do não pagamento da multa. O arguido não o fez e não só não o fez, como devolveu a carta que lhe fora remetida para a morada do TIR, sabendo - porque estava avisado desde a prestação de TIR-, de que a partir desse momento os posteriores contactos do tribunal seriam feitos daquele modo, isto é, por carta depositada na caixa de correio. A devolução da carta é, portanto, um factum proprium do qual pretende agora, no recurso, tirar partido invocando que, uma vez que não a recebeu, não foi notificado da intenção de conversão da pena de multa em prisão. Este venire é contraditório com a posição anteriormente assumida e com ele não alcança o arguido o objetivo pretendido, o de não se considerar notificado. De facto, a remessa da carta para a morada do TIR e do seu depósito na caixa de correio, que ocorreu nos autos, basta para que a notificação se tenha por efetuada (art.º 113.º nº 1 al. c) e 5 do CPP).»
Foi posição idêntica, de inércia, de indiferença, a assumida pelo condenado nestes autos, e, contrariamente ao afirmado pelo recorrente, o tribunal recorrido percorreu todo o caminho a que estava legalmente adstrito no percurso que culminou na decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, estando as restantes prerrogativas aí previstas subordinadas à iniciativa do arguido.
Logo, não se verifica qualquer falha ou erro na interpretação e aplicação do art. 49º do Cód. Penal, mostrando-se preenchidos os requisitos previstos nesse normativo que conduziram à prolação da decisão impugnada.
Improcedendo, assim, a posição do arguido quanto a esta questão.

Resta apreciar a questão do perdão da pena aplicada.

O recorrente pugna pela aplicação Lei nº 9/2020, de 10 de Abril, ou seja, pela aplicação do perdão da pena de prisão subsidiária, se vier a ser considerado que a mesma lhe deve ser aplicada, e, por isso, considerada extinta na sua totalidade, face ao disposto nos nºs 1 e 3, do artº 2º, da Lei nº 9/2020, de 10 de Abril, uma vez que a sua situação é enquadrável nessa norma legal: pena inferior a dois anos de prisão, transito em julgado em 18 de Dezembro de 2019, pena de prisão resultante da conversão da pena de multa, sob pena de violação, além do mais, do princípio da igualdade previsto no artº 13º da Constituição da República Portuguesa.
A questão ora colocada é o saber se o regime do perdão da pena previsto no artigo 2º da Lei nº 9/2020 de 10 de Abril é aplicável à situação vertente, nomeadamente, a condenado ainda não recluso.
Como sabemos, o arguido foi condenado pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art.º 360.º do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros). Por sentença proferida em 18.11.2019, transitada em julgado em 18.12.2019.
Ao abrigo do preceituado no art.º 49.º do Cód. Penal, por decisão proferida em 10/11/2020, foi essa pena de multa convertida em prisão subsidiária, correspondente a 2/3 (dois terços) do período de tempo fixado para a pena de multa, a pena de 70 (setenta) dias de multa aplicada ao arguido na pena de 46 (quarenta e seis) dias de prisão subsidiária.
Do despacho que integra essa decisão foi interposto o presente recurso, pelo que a mesma ainda não transitou em julgado. Ou seja, o arguido, embora condenado por sentença transitada em julgado em pena de multa, e tendo visto essa pena, por falta de pagamento, ser convertida em prisão subsidiária, ainda não viu esta decisão de conversão transitar em julgado, e não iniciou o cumprimento dessa pena de prisão, não sendo recluso. Sendo certo que, conforme acima foi aludido, ainda poderá evitar essa reclusão, uma vez que tem a oportunidade de obter a suspensão da execução dessa pena subsidiária, os termos do art. 49º, nº 3, do CP.

A Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, veio estabelecer um regime excecional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, dispondo, no que agora interessa o seguinte:

Artigo 1.º Objeto
1 - A presente lei estabelece, excecionalmente, no âmbito da emergência de saúde pública ocasionada pela doença COVID-19, as seguintes medidas:
a) Um perdão parcial de penas de prisão;
(…)
Artigo 2.º Perdão
1 - São perdoadas as penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração igual ou inferior a dois anos.
(…)
3 - O perdão referido nos números anteriores abrange a prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa e a execução da pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição e, em caso de cúmulo jurídico, incide sobre a pena única.
(…)
7 - O perdão a que se referem os n.ºs 1 e 2 é concedido a reclusos cujas condenações tenham transitado em julgado em data anterior à da entrada em vigor da presente lei e sob a condição resolutiva de o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce a pena perdoada.
8 - Compete aos tribunais de execução de penas territorialmente competentes proceder à aplicação do perdão estabelecido na presente lei e emitir os respetivos mandados com carácter urgente. (Sublinhados nossos)
(…)

Artigo 10.º Cessação de vigência
A presente lei cessa a sua vigência na data fixada pelo decreto-lei previsto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, o qual declara o termo da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.

Artigo 11.º Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Sobre esta Lei, ainda recente, foram já produzidos diversos estudos e pareceres, e foi já proferida alguma jurisprudência, sendo de destacar:
O Ac. da RL de 9/09/2020, processo 1430/12.0TXLSB-Q.L1-3, in www.dgsi.pt
- O perdão, para além da medida concreta da pena em si, só tem aplicação, e bem, a ilícitos penais cujos bens jurídicos não sejam de particular relevância jurídico-criminal e social.
- As penas diferentes e o perdão de penas aplicadas pela prática de certos crimes e não a outros têm na sua génese razões relacionadas com a valoração e hierarquia dos bens jurídicos protegidos.
- Trata a lei de forma igual todos os reclusos que se encontram na mesma situação, prevendo perdão para determinados crimes e não outros consoante a diversidade de importância dos bens jurídicos protegidos. Ou seja, consagrando e observando de forma exemplar o princípio da igualdade.
O Ac. da RL de 16/09/2020, processo 1896/10.3TXCBR-AB-3, in www.dgsi.pt
- A concessão do perdão, nos termos em que se encontra previsto no artº 2º da Lei 9/2020 de 10 de Abril tem um propósito claro: o de evitar a propagação do contágio por Covid 19, através da libertação de reclusos que, em atenção ao tempo de prisão já cumprido e/ou remanescente por cumprir e à natureza do crime ou crimes por que hajam sido condenados, suscitem menores preocupações ao nível das razões de prevenção geral e especial positiva e negativa.
- Trata-se de uma medida de exceção que não contempla, nem interpretação extensiva, nem restritiva, nem aplicação analógica, devendo ser interpretadas de acordo com o seu teor literal, sob pena de conduzir a resultados metodologicamente incorrectos e totalmente desvirtuados do pensamento legislativo e a razão de ser da lei.
- E por isso é que o perdão incide sobre a totalidade do tempo de prisão, seja o da pena única resultante de cúmulo jurídico, seja o da soma material das penas, nos casos de cumprimento sucessivo e a sua aplicação é excluída se alguma dessas condenações tiver sido proferida por algum dos crimes enumerados no nº 6 do art. 2º da Lei 9/2020.
O Ac. da RC de 30/09/2020, processo 744/13.7TXCBR-P.C1, in www.dgsi.pt
O perdão previsto no artigo 2.º da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, verificados que sejam os demais requisitos legais, pode ser aplicado tanto a condenados que sejam reclusos à data da entrada em vigor daquele diploma (11-04-2020), como a condenados que, no decurso da vigência da mesma Lei, venham a estar na situação de reclusão.
O Ac. da RC de 30/09/2020, processo 47/20.0TXCBR-B.C1, in www.dgsi.pt
O perdão de penas consagrado no artigo 2.º da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, só é concedido a reclusos, condenados por sentença transitada em julgado em data anterior à da entrada em vigor daquele diploma legal, ficando excluídos, consequentemente, da medida de graça referida os condenados que não tenham ingressado fisicamente em estabelecimento prisional.
O Ac. da RC de 7/10/2020, processo 719/16.4TXPRT-F.C1, in www.dgsi.pt
I. O perdão de pena previsto no artigo 2º da Lei n.º 9/2020, de 10 de abril, só pode ser concedido a reclusos, condenados por sentença transitada em julgado em data anterior à da sua entrada em vigor, excluindo os condenados que não tenham ainda ingressado fisicamente no estabelecimento prisional.
II. Todavia, o perdão do artigo 2.º da Lei n.º 9/2020, de 10 de abril, verificados que sejam os demais requisitos substantivos legais, pode ser igualmente aplicado a condenados que, no decurso da vigência daquela Lei, venham a estar na situação de reclusão.

Sobre a mesma lei foram também publicados alguns estudos e pareceres que, pela sua importância, cumpre salientar:

“A libertação de reclusos em tempos de COVID-19. Um primeiro olhar sobre a Lei n.º 9/2020, de 10/4”, na revista Julgar online de Abril 2020, por Nuno Brandão, no qual o autor conclui que “De fora deste perdão ficarão ainda aqueles que hajam sido condenados por decisão já transitada em julgado aquando do início de vigência da Lei n.º 9/2020, 11.04.2020, mas que nessa data ainda não haviam ingressado num estabelecimento penitenciário para iniciar a execução da pena de prisão que lhes foi aplicada.”
“O perdão previsto no art.º 2.º da Lei n.º 9/2020”, estudo publicado por Vítor Pereira Pinto de 13/04/2020, no SIMP em que se defende que “parece claro dever interpretar-se o art.º 2.º, n.ºs 1, 2, 4 e 7 da Lei aqui em causa como aplicável apenas a “reclusos”, ou seja, a condenados por decisão transitada em julgado em data anterior à da entrada em vigor desta lei (n.º 7 do art.º 2.º e art.º 11.º - até 10/04/2020, portanto) que se encontrem em cumprimento da pena de prisão à data da sua entrada em vigor (11/04/2020).”
Parecer n.º 10/20 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República reitera esta mesma tese, concluindo que “Em todos os casos, é pressuposto desta medida de graça que o beneficiário seja recluso e esteja condenado por sentença transitada em julgado, ou seja que esteja em cumprimento de pena. A linha de fronteira, entre quem beneficia do perdão e quem está excluído do mesmo, passa, portanto, pela condição de recluso na sequência de uma sentença transitada em julgado à data da entrada em vigor da lei (11 de abril de 2020). Apenas aqueles que ingressaram no estabelecimento prisional e aí se mantém coartados da sua liberdade, em consequência da condenação, por sentença transitada em julgado, estão incluídos”.
Por sua vez, José Quaresma, in e-book do CEJ, artigo de 22 de Abril de 2020, site do CEJ, que defende dever a lei aplicar-se a todos os condenados com decisão transitada em julgado em data anterior à entrada em vigor da lei independentemente de serem já reclusos.

Como se extrai da jurisprudência e doutrina acabada de citar estão essencialmente em confronto três posições argumentativas:
- uma posição mais restrita e literal, que recusa pura e simplesmente a aplicação do perdão a quem não for recluso à data da entrada em vigor da lei;
- uma posição intermédia, que admite a aplicação do perdão a quem na vigência da lei inicie o cumprimento da pena e, portanto, passe a ter o estatuto de recluso;
- e a posição mais ampla que admite a aplicação do perdão a quem estiver na condição de poder iniciar a reclusão, ainda sem estar em cumprimento da pena.

Com todo o respeito pelas posições acima descritas, entendemos que será de afastar a última pois não é possível esquecer que estamos no âmbito de uma lei de exceção sendo incontornável nesta matéria o Ac. de Fixação de Jurisprudência de 25 de Outubro de 2001, processo nº P00P3209, in www.dgsi.pt que retirou qualquer tipo de interpretação analógica, extensiva ou restritiva às normas com aquele tipo de natureza, “devendo ser interpretadas nos exatos termos em que estão redigidas”.
“Recluso”, na economia do diploma que estamos a analisar é aquele que viu a sua liberdade confinada a um estabelecimento prisional, e nenhumas dúvidas se poderão colocar a este respeito atento, entre outras, à razão de ser da excecionalidade da Lei 9/2020, encontrada na sua exposição de motivos (exposição de motivos da proposta de lei 23/XIV) onde claramente se refere que face ao estado de emergência de saúde pública face à doença denominada COVID-19, decretado por S. Exa. o Sr. Presidente da República e as condições específicas do meio prisional, pretende a lei em causa a adoção de medidas excecionais de redução e de flexibilização da execução da pena de prisão, tudo com vista a minimizar o risco de surgimento de focos de infeção nos estabelecimentos prisionais e se previna o risco do seu alastramento mediante a diminuição de pessoas no interior dos equipamentos prisionais.
Também, não deixa de ser indicativo da necessidade de o beneficiário do perdão ser já recluso o facto de ter sido atribuída competência ao Tribunal de Execução de Penas para a aplicação dos perdões em análise.
Sendo também de salientar que um condenado em pena de prisão efetiva mediante decisão já transitada em julgado que ainda não iniciou o cumprimento da sua pena, não é um recluso, e até pode nunca o vir a ser, pois a pena pode extinguir-se pelo decurso do tempo (artigo 122º do C.P.) ou pela morte do condenado (artigo 127º do C.P.).
Também a primeira das teses apontadas – a aplicação do perdão somente a quem já detiver a condição de recluso à data da entrada em vigor da Lei 9/2020 – salvo o devido respeito por opinião diversa, afigura-se inconsistente com os objetivos pretendidos pelo legislador.
«O essencial da argumentação comum daquela primeira tese radica, em suma, no regime excecional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, que a lei nº 9/2020, de 10/04, veio estabelecer, na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 23/XIV, aprovada em Conselho de Ministros de 02 de abril de 2020, que não deixa margem para dúvidas sobre as preocupações que conduziram à aprovação daquele supra referida lei, e no Parecer nº 10/2020 do Conselho Consultivo da PGR, de tudo isso se retirando a ilação de que «Se uma interpretação gramatical do conjunto normativo vertido na Lei n.º 9/2020, enquanto nos números 1, 2, 4 e 7, do artigo 2.º se reporta invariavelmente a “reclusos”, não nos deixa margem para dúvida de que pressuposto primeiro da aplicação da específica medida de graça em que se traduz o perdão parcial de penas de prisão, aplicadas a título principal ou resultantes da conversão da pena de multa e/ou do não cumprimento da pena de multa de substituição, é a condição de recluso à data da respetiva aplicação, também uma interpretação sistemática e teleológica do diploma aponta inequivocamente no mesmo sentido – vide a referência, sem distinção quanto às diferentes medidas previstas, à “libertação” (artigo 8.º), ao “regresso do condenado ao meio prisional” (artigo 6.º), a atribuição da competência para a aplicação do perdão aos tribunais de execução de penas (artigo 2.º, n.º 8), entidade a quem cabe acompanhar, fiscalizar a execução das penas privativas da liberdade ou decidir da sua modificação, substituição ou extinção (cf. artigo 138.º do CEPMPL)[6] ».(Cfr. Ac. R.P. de 21 de outubro de 2020 in www.dgsi.pt)
Mas não podemos descurar esta realidade. “Se o regime excecional justificativo da preocupação do legislador foi o evitar a concentração de população prisional, tudo de molde a prevenir e evitar o risco de surgimento de focos de doença COVID -19 e a sua propagação em meio prisional, doença essa que não encontrou ainda qualquer tipo de cura e que é potencialmente fatal, e que se mantém ativa no seio da comunidade, a aplicação do perdão a todos aqueles que estivessem já em reclusão no momento de entrada em vigor da lei, única e exclusivamente, deixaria sem proteção a população prisional e os todos aqueles que integram o sistema prisional e que se mantivessem nesse ambiente nos dias posteriores, pois diariamente surgiriam novos reclusos em condições de beneficiarem do perdão e que o não podiam fazer, por terem iniciado o cumprimento da sua pena em data posterior ao da entrada em vigor da lei.
E não se diga, em favor dessa tese, que estando os prazos suspensos durante o estado de emergência decretado, não haveria esse risco pois não seriam emitidos mandados de condução aos estabelecimentos prisionais para cumprimento da pena.
Como é sabido, o cumprimento de uma pena pode iniciar-se pela apresentação voluntária do condenado no estabelecimento prisional, sem qualquer preocupação quanto à suspensão dos prazos processuais, ou pela sua detenção e condução ao estabelecimento prisional mediante mandado emitido, podendo este ter sido emitido em data anterior ao da suspensão dos atos processuais decretado, e de cumprimento obrigatório para as autoridades, igualmente sem qualquer preocupação quanto à suspensão dos prazos processuais vigentes. Ou seja, nos dias seguintes ao da entrada em vigor da lei 9/2020 seria para o legislador previsível que viessem a adquirir o estatuto de reclusos cidadãos cujas penas seriam suscetíveis de beneficiar do mesmo perdão que beneficiou aqueles que haviam acabado de ser colocados em liberdade.
Não é sustentável, face à ideia de “Legislador” que deve presidir à interpretação da lei num Estado de Direito democrático, sugerir sequer que este tivesse ignorado tal possibilidade, que não a tivesse previsto ou até que a não tivesse pretendido.” (Cfr. Ac. RP, de 28 de Outubro de 2020, in www.dgsi.pt
Assim, afigura-se-nos também não ser de seguir a tese que defende a aplicação da medida de graça unicamente aos cidadãos com o estatuto de reclusos à data da entrada em vigor da Lei 9/2020.
Afastada a possibilidade de aplicação do perdão estabelecido na Lei 9/2020 a quem não se encontre em cumprimento de pena à data da sua entrada em vigor, e a possibilidade de aplicação do perdão a quem não tiver ainda o estatuto de recluso, restará saber se o mesmo é aplicável a quem, durante a vigência de lei, iniciar o cumprimento de pena de prisão, ingressando num Estabelecimento Prisional e passar a ter o estatuto de recluso.
Perante uma situação de reclusão, posterior à data de entrada em vigor da lei 9/2020, mas no decurso da sua vigência, afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que as razões que determinaram o legislador a criar as normas de exceção, mantém a sua plenitude, devendo a pena do recluso ser objeto de apreciação por parte do tribunal de execução de penas para aferir da aplicabilidade do regime de perdão.
O que é «concordante com o que dimana da referenciada exposição de motivos da Proposta de Lei 23/XIV, que deu origem à Lei nº 9/2020, donde resulta que a preocupação visível e imediata do legislador é a de conter a expansão da doença no meio prisional, veio salientar a efetiva natureza excecional jurídica daquela lei, como é regra neste tipo de legislação, e que que, como tal, deverá ser interpretada [7], embora anotando que no caso acresce o facto de a mesma ter na sua génese a situação também excecional e única de pandemia até então vivida não só a nível nacional mas mundial, contexto em que se concluía depois que “… face ao teor do n.º 1, do artigo 2.º da Lei n.º 9/2020, de 10 de abril (…), tendo sempre subjacente a mens legis da referida exposição de motivos e essencialmente o nº 2 do artigo 9º do Código Civil (…), não se vislumbra em que termos esta norma possa suportar a integração da situação dos arguidos condenados por decisão transitada em julgado mas que não se encontrem na situação de reclusão”.
Porém, ali se acrescentou seguidamente que a “prorrogação da vigência da Lei nº 9/2020 (leia-se, decorrente da nova redação introduzida ao artigo 10º da lei nº 9/2020, de 10/04, pela lei nº 16/2020, de 29/05), tem com certeza uma justificação/intenção legislativa, à qual não será alheia o estado de permanência da pandemia. O que nos leva a uma interpretação atualista (pois a Proposta do Governo parecia inicialmente apontar em tomada de medidas com um determinado limite temporal mais curto, mais imediato e bem delimitado no tempo) no sentido de que a mesma não só se aplicou e produziu efeitos imediatos quanto aos reclusos no momento da sua entrada em vigor, como será igualmente de aplicar a qualquer condenado com decisão transitada em julgado que adquira o estatuto de recluso durante a sua vigência, ou porque se apresentou (o condenado) voluntariamente no EP para cumprimento da pena de prisão, ou porque foi detido e conduzido ao EP em consequência do cumprimento dos mandados de detenção para execução da pena (desde que se verifiquem os necessários requisitos substantivos exigidos)”[8].» (Ibidem Ac. R.P. de 21 de outubro de 2020)
Somente assim – e sem qualquer afastamento interpretativo do regime excecional – é possível salvaguardar os fins pretendidos pelo legislador de minimizar os riscos provenientes da concentração de pessoas em equipamentos prisionais face às características de disseminação e contágio da doença COVID-19.
Ora, como acima foi referido, prevê-se no nº 1 do artigo 2º da Lei nº 9/2020, de 10/04, que: “São perdoadas as penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração igual ou inferior a dois anos”, ou o equivalente em sede de remanescente de penas superiores (cfr. nº 2), bem como nas situações previstas nos seus nºs. 3 a 5.
Por seu turno, e no que ora importa reter, estipula o nº 7 daquela lei que: “O perdão a que se referem os nºs 1 e 2 é concedido a reclusos cujas condenações tenham transitado em julgado em data anterior à da entrada em vigor da presente lei …”, ou seja, até 10/04/2020 (cfr. artigo 11º).

Destes dispositivos legais resulta claro que, como pressupostos necessários para aplicação do perdão previsto na lei em questão, temos:
-o montante máximo da pena como limite;
-que o perdão é concedido a reclusos;
-que a respetiva condenação tenha transitado em julgado até 10/04/2020.

No caso dos autos apenas o primeiro dos pressupostos exigidos pela Lei se mostra verificado, caso a pena subsidiária venha a ser efetivamente aplicada. Assim, não obstante o crime pelo qual foi condenado não ser um dos excluídos do referido perdão nos termos enunciados nos n.ºs 2 do art.º 1.º e 6 do art.º 2.º da Lei n.º 9/2020, de 10/04, e, por outro lado, a pena da prisão subsidiária que poderá ter de cumprir ser inferior a dois anos de prisão, o mesmo não poderá beneficiar do perdão da pena de prisão concedido pela dita Lei.
Vejamos.
A decisão que converteu a pena de multa em prisão subsidiária não transitou em julgado, nem antes, nem após a entrada em vigor da lei, 10/04/2020, tendo sido impugnada no âmbito deste recurso;
O recorrente ainda poderá obviar ao cumprimento da pena de prisão subsidiária, através do pagamento da pena de multa, o que poderá fazer a todo o tempo, bem como, poderá conseguir que essa pena seja suspensa na sua execução, sendo, portanto, incerto o momento em que estará em condições de iniciar o cumprimento da pena em que foi condenado, ou sequer se a mesma será executada, pelo que hoje, será tudo menos um recluso.
Não tendo tal estatuto, e não se mostrando transitada em julgado a decisão que procedeu à conversão da pena de prisão subsidiária que pretende ver perdoada, não lhe é aplicável o perdão previsto na Lei 9/2020, de 10/04, pelo que, e pelas razões expostas, o recurso interposto haverá de ter-se como improcedente.
Não se verificando, assim, a invocada nulidade da decisão impugnada, por omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 374º e 379º, nº 1 al c) do CPP. Sendo certo que a nulidade prevista neste último dispositivo se aplica apenas às sentenças e não aos meros despachos, por maior relevância que tenham.
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Naufraga, pois, o recurso, o que implicará que o recorrente deva suportar as custas inerentes a um tal decaimento, tendo-se como adequado fixar em quatro (4) UC a respetiva taxa de justiça (cfr. artigos 153º e 514º, do Código de Processo Penal, e 4º, nº 2, al. c), 8º, nº 9 e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais).
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III DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes que integram a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães, julgam não provido o recurso interposto pelo arguido F. S., mantendo-se nos seus precisos termos o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se em quatro (4) UCs a respetiva taxa de justiça.
Notifique.
(O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do CPP)
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Guimarães,

Os Juízes Desembargadores
José Júlio Pinto

Pedro Cunha Lopes