Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
612/11.7TBVCT.G1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
DOCUMENTO PARTICULAR
FORÇA PROBATÓRIA
MÁ FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/24/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – A autora tem o ónus de alegar e provar os elementos constitutivos do contrato de arrendamento do imóvel, nos termos do art.º 342.º n.º 1 do CC, quando pede que o réu seja declarado seu senhorio e a correspondente restituição do locado.
II – A simples prova da assinatura de um escrito que tem a aparência de um contrato de arrendamento, impugnado neste processo pela parte interessada que nele não interveio, sem a prova de que são verdadeiras as declarações dele constantes quanto à obrigação de pagar a renda de € 100 por mês e da obrigação correspondente de proporcionar o gozo do bem, não constitui um contrato de arrendamento de imóvel.
III – Aquele que alega factos que sabe não serem verdadeiros e em que se provam os factos contrários, assume uma atuaçao dolosa, a enquadrar na previsão do art.º 456.º n.ºs 1 e 2 alínea b) do CPC, como litigante de má-fé.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

Apelante: B… (autora).
Apelado: C… (réu).

Tribunal Judicial de Viana do Castelo – 2.º Juízo Cível

1. A A. instaurou a presente ação declarativa de condenação, com processo sumário, o R. e peticionou que a autora fosse restituída à posse do imóvel descrito no artigo 1.º da petição inicial, sendo o réu reconhecido judicialmente como senhorio da autora, obrigando-o a facultar-lhe o acesso ao imóvel.
Alegou, em síntese, que celebrou com a anterior proprietária do imóvel um contrato de arrendamento.
Citado pessoal e regularmente, contestou o réu a ação contra si interposta, impugnou os factos alegados pela autora e alegou que o negócio invocado pela mesma não existiu na realidade porque as partes não quiseram realizar negócio algum.
A autora respondeu e impugnou os factos alegados pelo réu.
Foi proferido despacho saneador e dispensada a elaboração da condensação, ao abrigo do disposto no artigo 787.º n.º 1, 2.ª parte, do Código de Processo Civil.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e, no final, a matéria de facto controvertida foi decidida por despacho constante de fls. 244 a 250, não tendo havido reclamações.
Foi proferida a sentença que decidiu julgar a ação interposta por B… contra C… improcedente, por não provada e condenou a A. nas custas.

2. Inconformada, veio, a autora interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
a) O único facto que fundamentou a improcedência da ação é a alegada simulação do contrato de arrendamento que constitui o documento de fls. 11 a 12 dos autos;
b) Nos termos do art.º 240.º do CC, para que ocorra simulação de um registo é necessário que coexistam 3 requisitos:
- divergência entre a declaração negocial e a vontade real;
- no intuito de enganar terceiros;
- tal divergência entre a vontade negocial e a vontade real ter sido criada por acordo entre declarante e declaratário;
c) Do documento de fls. 11 e 12 dos autos resulta que foi celebrado um contrato, intitulado de arrendamento, celebrado entre o legítimo proprietário do imóvel, como senhorio, e a recorrente como inquilina;
d) Do mesmo documento resulta ainda que tal arrendamento foi participado no serviço de finanças para pagamento do imposto de selo;
e) Do teor do documento resulta ainda que ambas as partes estipularam o valor da renda a pagar pela inquilina (recorrida) e o prazo de validade do contrato;
f) Por último, ficou ainda acordado entre ambas as partes que as obras de conservação e de beneficiação ficariam a cargo da arrendatária;
g) Do contrato de arrendamento, não resulta que o imóvel se destina a habitação própria e permanente da inquilina;
h) Aparentemente existe um lapso na morada do imóvel, mas que não põe em causa a identificação deste e muito menos coloca em causa a validade formal e substancial do contrato de arrendamento;
i) As rendas acordadas no contrato de arrendamento foram pagas pela arrendatária à senhoria D… (entre maio de 2007 e janeiro de 2010) e posteriormente por depósito bancário na C.G.D.;
j) Os recibos de quitação emitidos pela senhoria constituem prova plena do recebimento das rendas, nos termos dos arts. 376.º n.º 1, 786.º e 787.º, todos do C.C.;
k) Se a sociedade D… não declarou às finanças que recebeu essas rendas, tal não significa que não as tivesse recebido, até porque existem os recibos de quitação;
l) Se a sociedade D… praticou um ilícito fiscal, a recorrente é completamente alheia a tal facto;
m) A recorrente não declarou às finanças o pagamento de tais rendas porque tal declaração não é obrigatória e só se destina a obter um benefício fiscal que não era aplicável in casu;
n) O facto de um imóvel se encontrar desabitado desde 2003, não retira qualquer validade formal e substancial ao contrato de arrendamento;
o) Nem muito menos, sequer conclui que o mesmo tenha sido simulado;
p) À data da celebração do contrato de arrendamento (01 de maio de 2007), a senhoria tinha apenas uma dívida de € 603,27, que viria a ser paga 3 meses depois;
q) A dívida de € 22.745,00 teve origem no IRC relativo a 2006, pelo que só em 1 de junho de 2007, é que tal dívida se tornou vencida e não paga;
r) Aliás, a emissão de certidão de dívida só ocorreu em 21/01/2008;
s) Mesmo que existisse tal dívida da D… às finanças, a aqui recorrente não tinha conhecimento da mesma e nem dos autos resulta o contrário;
t) Para além de não ter conhecimento da dívida, também não resulta provado que a recorrente e a D… tivessem pretendido celebrar um arrendamento simulado para prejudicar terceiros;
u) Nem se pode dizer que o contrato de arrendamento seja um ónus que constitui um entrave apreciável na alienação do bem;
v) Não está provado que o estado ou terceiros tenham ficado prejudicados com a celebração do contrato de arrendamento em causa;
w) Ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida violou os art.ºs 240.º, 1031.º, 1037.º, todos do Código Civil e art.º 659.º nºs 2 e 3 do Código do Processo Civil.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser recebido e julgado procedente, revogando-se a douta decisão recorrida, e substituindo-se por outra que condene o recorrido tal como peticionado.

3. O réu contra-alegou e pugnou pela manutenção da sentença recorrida.
Antes, contudo, veio reclamar da sentença por não se ter pronunciado sobre a litigância de má-fé, a qual foi objeto de conhecimento pelo tribunal recorrido e a A. condenada, após correção pedida pelo réu, como litigante de má-fé no pagamento de uma multa no montante de sete UCs e em indemnização a favor do réu, a liquidar em execução de sentença.

4. Inconformada com esta decisão, a A. interpôs recurso de apelação e concluiu do seguinte modo:
a) A presente ação é também alicerçada em prova documental e iniciativas da A. prévias à propositura da acção;
b) O único fundamento em que se baseia a presente condenação como litigante de má-fé, reside no facto de a A. não ter provado o uso do imóvel que arrendou;
c) De acordo com a douta sentença recorrida “não houve qualquer gozo do prédio”, o que constitui falta de “materialidade” do contrato de arrendamento invocado;
d) A A. nunca alegou que residiu no imóvel arrendado;
e) O contrato de arrendamento está datado de 01 de maio de 2007;
f) No mesmo mês, o contrato foi apresentado no serviço de finanças para pagamento do imposto de selo;
g) O que desde logo indicia que não existiu qualquer intenção simulatória, o contrário do que por vezes acontece em que o cumprimento das obrigações fiscais só ocorre quando interessar às partes;
h) Em tal contrato de arrendamento, as partes não estipularam o destino do imóvel;
i) Não ficou acordado que o mesmo se destinaria à habitação da recorrente;
j) Está demonstrado nos autos que o imóvel foi colocado à disposição da recorrente, pela senhoria;
k) Designadamente, tendo-lhe sido entregue a chave do imóvel;
l) O próprio serviço de finanças na qual a venda do imóvel ocorreu, interpelou a recorrente para entregar as chaves;
m) É do conhecimento público que na praia da amorosa, Chafé, Viana do Castelo, existem centenas de imóveis destinados a férias e fins-de-semana, sendo uns próprios e outros arrendados;
n) É própria intenção do réu, ora recorrido, arrendar o imóvel;
o) Não fazer prova do uso do imóvel que alugou constitui uma vicissitude da produção de prova, livremente apreciada pelo senhor juiz;
p) Para além de ter celebrado contrato de arrendamento escrito e de o ter apresentado ao serviço de finanças, a recorrente pagou as rendas;
q) Procurou saber quem era o comprador do imóvel;
r) Reteve a chave do imóvel;
s) Todos estes factos são reveladores da condição de arrendatária invocada pela recorrente;
t) Com o devido respeito, a decisão em causa violou o disposto no art. 456.º n.º 2 do C.P.C., uma vez que a recorrente deduziu pretensão com fundamento legal para tal e não alterou a verdade dos factos (apesar de não os provar em parte);
Nestes termos e nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de vossas excelências deve a decisão recorrida ser totalmente revogada e absolver-se a recorrente da condenação como litigante de má-fé.

5. O recorrido contra-alegou e pugnou pela manutenção do despacho recorrido.

6. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre decidir.

7. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas (artigos 660.º n.º 2, 664.º, 684.º n.ºs 2, 3 e 4, 685.º-A e 685.º-B do CPC), sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
As questões a decidir neste recurso são as seguintes:
1.ª Recurso da sentença: apurar se existe um contrato de arrendamento e, na hipótese afirmativa, se é simulado.
2.ª Recurso do despacho de condenação como litigante de má-fé: apurar se existe dolo ou negligência grosseira da parte da A..

II - FUNDAMENTAÇÃO

A) Fundamentação de facto

a) No dia 1 de maio de 2007, a autora e a sociedade D…, Comércio e Indústria, Lda., apuseram as suas assinaturas no escrito junto aos autos de fls. 11 a 12 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, apelidado pelas partes de contrato de arrendamento e, nos termos da cláusula primeira, incidente sobre o “prédio urbano – casa de habitação – sito na Rua …, R/C, Praia da Amorosa … Chafé, na freguesia de Chafé, Viana do Castelo, e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo …º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …/……”;
b) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o nº …/…… um prédio urbano, com a área total de 185 m2, composto de casa de rés-do-chão, 1º andar, sótão, anexo e logradouro, confrontando de norte com lote nº 8, de sul com lote nº 10, de nascente com Maria … e de poente com Estrada Nacional, conforme cópia da certidão da Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo juntar aos autos de fls. 44 a 52 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
c) A aquisição do direito de propriedade incidente sobre o referido prédio urbano foi inscrita a favor de D… – Comércio e Indústria, Lda na referida Conservatória através da Ap. 26 de 21.12.2006, conforme cópia da certidão da Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo junta aos autos de fls. 44 a 52 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
d) Pelas apresentações nºs. 68 de 11.03.2008 e 38 de 26.03.2008 foram inscritas a favor da Fazenda Nacional duas penhoras, incidente sobre o referido prédio urbano, uma para a garantia do pagamento da quantia de € 23.314,32, a outra para a garantia do pagamento da quantia de € 82.573,34, conforme cópia da certidão da Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo junta aos autos de fls. 44 a 52 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
e) Em 7 de janeiro de 2010, a ‘D…’ comunicou ao Serviço de Finanças que o imóvel estava arrendado e requeria que o anúncio de venda fosse alterado, no sentido que passasse a constar a informação que o imóvel estava arrendado e fosse marcada nova data para a venda;
f) Em 19 de fevereiro de 2010, a aqui autora requereu ao mesmo Serviço de Finanças que, na qualidade de arrendatária do imóvel, fosse informada de quem foi o comprador do imóvel, a sua morada e o preço pelo qual aquele tinha sido vendido;
g) Conforme certidão da Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo a aquisição do direito de propriedade incidente sobre o referido prédio urbano encontra-se actualmente inscrita a favor do Réu, C…, por “arrematação por propostas em carta fechada”, mediante a Ap. 4642 de 22.02.2010;
h) Por ofício datado de 19 de fevereiro de 2010, a autora foi informada pelo Serviço de Finanças que o imóvel havia sido adjudicado ao R. e foi interpelada para entregar a chave do imóvel;
i) A sociedade D…, Comércio e Indústria, Lda., emitiu os recibos e as faturas cujas cópias se encontram juntos aos autos de fls. 78 a 87 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
j) A partir de 5 de março de 2010 e até 3 de março de 2011, a autora efetuou os depósitos bancários que se encontram retratados nos documentos juntos aos autos de fls. 88 a 94 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
k) O R., depois da venda em execução fiscal do imóvel, substituiu as portas, as janelas e as caixilharias da fachada;
l) O R., depois da venda em execução fiscal do imóvel, procedeu à troca das fechaduras de todas as portas;
m) A autora nunca residiu no imóvel, sendo a sua residência na Rua …, Habitação …, Porto;
n) O imóvel se manteve devoluto desde 2003 até ser vendido na referida execução fiscal;
o) O último fornecimento de energia elétrica contratado com a EDP para o imóvel em causa terminou em 09.12.2003;
p) Nunca foi requerido na junta de freguesia o número de polícia para o imóvel supra referido;
q) A autora não reside, nem nunca residiu no imóvel em causa;
r) A sociedade D… nunca declarou às finanças o recebimento de qualquer quantia pela utilização do prédio em causa, nem a autora declarou às finanças a entrega de quantias à D… pela utilização do mesmo prédio;
s) A D… tinha, em 21.01.2008, uma dívida a título de IRC, respeitante ao ano de 2006, no valor de € 22.745,00;
t) A Autora é professora.

B) APRECIAÇÃO

As questões a decidir são aquelas que já elencamos:
1.ª Recurso da sentença: apurar se existe um contrato de arrendamento e, na hipótese afirmativa, se é simulado.
2.ª Recurso do despacho de condenação como litigante de má-fé: apurar se existe dolo ou negligência grosseira da parte da A..

1. A apelação da sentença

Arrendamento é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário sobre um imóvel, mediante retribuição (art.ºs 1022.º e 1023.º do CC).
Está assente que: “no dia 1 de maio de 2007, a autora e a sociedade D…, Comércio e Indústria, Lda., apuseram as suas assinaturas no escrito junto aos autos de fls. 11 a 12 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, apelidado pelas partes de contrato de arrendamento e, nos termos da cláusula primeira, incidente sobre o “prédio urbano – casa de habitação – sito na Rua …, R/C, Praia da Amorosa … Chafé, na freguesia de Chafé, Viana do Castelo, e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo …º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …/……”; encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o nº …/…… um prédio urbano, com a área total de 185 m2, composto de casa de rés-do-chão, 1º andar, sótão, anexo e logradouro, confrontando de norte com lote nº 8, de sul com lote nº 10, de nascente com Maria … e de poente com Estrada Nacional, conforme cópia da certidão da Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo junta aos autos de fls. 44 a 52”.
O documento em causa tem o título de contrato de arrendamento, está datado de 01.05.2007, e assinado sem reconhecimento presencial ou com intervenção de notário ou ente público equivalente.
Trata-se de um documento particular sujeito ao regime dos artigos 373.º a 379.º do CC.
O R., aqui apelado, na contestação, impugnou os factos 1.º a 3.º, 5.º e 6.º a 35.º da petição inicial (art.º 7.º da contestação), onde é referido o aludido contrato de arrendamento. Mais alega que tal contrato é simulado.
O tribunal de primeira instância deu apenas como provado que a A. e a D… assinaram o escrito de fls. 11 e 12. Na motivação da resposta a este facto, refere que se fundou no documento de fls. 11 a 12, conjugado com os depoimentos testemunhais prestados. Assim, verificamos que, embora o documento tenha sido impugnado, foi produzida prova além do documento que ajudaram a formar a convicção do tribunal para a resposta dada.
Não se provou a veracidade das declarações inclusas no documento em causa.
O R. não interveio no referido contrato. Daí que não se possa considerar como verdadeiro o aí declarado, em relação a ele, ao abrigo do disposto nos art.ºs 373.º, 374.º e 376.º do CC, pois não assinou o documento em causa (1).
A A. pede que seja restituída à posse do imóvel descrito no artigo 1.º da petição inicial, sendo o réu reconhecido judicialmente como senhorio da autora, obrigando-o a facultar-lhe o acesso ao imóvel.
Face ao pedido, cabia à autora alegar e provar os elementos constitutivos do contrato de arrendamento do imóvel, nos termos do art.º 342.º n.º 1 do CC.
Provou apenas a assinatura de um escrito que tem a aparência de um contrato de arrendamento, mas não provou que são verdadeiras as declarações dele constantes quanto à obrigação de pagar a renda de € 100 por mês e da obrigação correspondente da D… lhe proporcionar o gozo do imóvel.
A matéria de facto assente não abona a favor da prova de que foi celebrado um contrato de arrendamento, pois provou-se que: “a autora nunca residiu no imóvel, sendo a sua residência na Rua …, Habitação …, Porto;
O imóvel se manteve devoluto desde 2003 até ser vendido na referida execução fiscal;
O último fornecimento de energia elétrica contratado com a EDP para o imóvel em causa terminou em 09.12.2003;
Nunca foi requerido na junta de freguesia o número de polícia para o imóvel supra referido;
A autora não reside, nem nunca residiu no imóvel em causa;
A sociedade D… nunca declarou às finanças o recebimento de qualquer quantia pela utilização do prédio em causa, nem a autora declarou às finanças a entrega de quantias à D… pela utilização do mesmo prédio”.
Estes elementos impedem que se vá mais além na interpretação do escrito assinado pelas partes, ou seja que se conclua pela existência de um contrato de arrendamento celebrado entre a aqui A. e a senhoria de então, a sociedade D…, que o subscreveu.
O acordo simulatório pressupunha (art.º 240.º do CC), que se provasse que houve divergência entre a declaração negocial e a vontade real das partes, por acordo entre a A. e a D…, com o intuito de enganar terceiros.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que os factos assentes não nos permitem concluir pela verificação dos três requisitos exigidos pelo art.º 240.º do CC para dar como verificada a simulação.
Não bastam indícios. Em Direito não se especula, conclui-se apenas quando há fundamentos firmes de que determinado ou determinados factos ocorreram ou não ocorreram.
Assim, entendemos que não está provada nos autos a existência de um contrato de arrendamento celebrado entre a A. e o anterior proprietário do imóvel, nem que ocorreu um acordo simulatório.
A causa de pedir invocada pela A. não se provou, pelo que os pedidos que formula são julgados improcedentes e confirma-se a decisão recorrida, embora com fundamento em parte diferente.

2. Recurso do despacho de condenação como litigante de má-fé: apurar se existe dolo ou negligência grosseira da parte da A..

O despacho recorrido: “nos termos do disposto no artigo 456.º n.º 2 do Código de Processo Civil, diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A norma em causa, com a redação introduzida pelo Decreto-Lei nº 320-A/95 de 12 de dezembro, pune não só a litigância dolosa, como também a litigância temerária. Nos dizeres de Lebre de Freitas, quer o dolo, quer a negligência grave, caraterizam hoje a litigância de má fé, com o intuito, como se lê no preâmbulo do diploma, de atingir uma maior responsabilização das partes.
De acordo com os factos dados por provados, resulta que a autora bem sabia que ao contrato que invocou faltava a materialidade caraterística de um contrato de arrendamento. Nunca houve qualquer gozo do prédio. E a autora bem o sabia. Se não estamos perante uma litigância dolosa – e cremos que estamos -, estamos, pelo menos, perante uma litigância temerária. Pelo que deve a autora ser condenada em multa, ao abrigo do disposto no artigo 456.º n.º 1 do Código de Processo Civil, que fixo em 7 UC’s.
O R. peticiona, a título de indemnização, a quantia de € 5.000,00.
Vejamos. Uma vez que a indemnização é peticionada, condena-se a autora, igualmente, no pagamento de uma indemnização ao R..
Nos termos do disposto no artigo 457.º n.º 2, do Código de Processo Civil, se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, serão ouvidas as partes e fixar-se-á depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentados pelas partes.
Uma vez que o Tribunal não dispõe, neste momento, de elementos de facto que lhe permitam liquidar a indemnização em que a A. foi condenada, relegará tal liquidação para momento posterior, com prévia audição das partes.
Em face do exposto, julgo a autora como litigante de má-fé e, consequentemente, condeno-a no pagamento de uma multa no montante de 7 UC’s e em indemnização a liquidar oportunamente nos presentes autos (cfr. artigos 456.º e 457.º do Código de Processo Civil)”.
Conclui a apelante que o único fundamento em que se baseia a presente condenação como litigante de má-fé, reside no facto de a A. não ter provado o uso do imóvel que arrendou.
A A. alegou na réplica – art.ºs 15.º a 18.º - que “antes da venda do imóvel em sede executiva, a A. e familiares seus sempre usaram o imóvel, tendo a D… sempre recebido as rendas, como, aliás, se verifica da prova documental. A A. só deixou de o fazer quando se viu impedida de aceder ao locado”- art.ºs 17.º e 18.º.
Além de não se ter provado o alegado pela A., provou-se o contrário: “a autora nunca residiu no imóvel, sendo a sua residência na Rua …, Habitação …, Porto;
O imóvel manteve-se devoluto desde 2003 até ser vendido na referida execução fiscal;
O último fornecimento de energia elétrica contratado com a EDP para o imóvel em causa terminou em 09.12.2003;
Nunca foi requerido na junta de freguesia o número de polícia para o imóvel supra referido;
A autora não reside, nem nunca residiu no imóvel em causa”.
A A. alegou factos que sabia que não eram verdadeiros. A sua atuação é dolosa e enquadra-se na previsão do art.º 456.º n.ºs 1 e 2 alínea b) do CPC, pois alterou conscientemente a verdade dos factos.
Nesta conformidade, o despacho recorrido fez correta interpretação e aplicação da lei, pelo que se mantém.

Sumário: I – A autora tem o ónus de alegar e provar os elementos constitutivos do contrato de arrendamento do imóvel, nos termos do art.º 342.º n.º 1 do CC, quando pede que o R. seja declarado seu senhorio e a correspondente restituição do locado.
II – A simples prova da assinatura de um escrito que tem a aparência de um contrato de arrendamento, impugnado neste processo pela parte interessada que nele não interveio, sem a prova de que são verdadeiras as declarações dele constantes quanto à obrigação de pagar a renda de € 100 por mês e da obrigação correspondente de proporcionar o gozo do bem, não constitui um contrato de arrendamento de imóvel.
III – Aquele que alega factos que sabe não serem verdadeiros e em que se provam os factos contrários, assume uma atuaçao dolosa, a enquadrar na previsão do art.º 456.º n.ºs 1 e 2 alínea b) do CPC, como litigante de má-fé.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedentes as duas apelações da autora e em confirmar a sentença e o despacho recorridos.
Custas pela apelante.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Guimarães, 24 de outubro de 2013
Moisés Silva (Relator)
Jorge Teixeira
Manuel Bargado
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(1) Ac. STJ, de 02.03.2011, processo 606/05.1TBCBR.C1.S1, www.dgsi.pt/jstj.