Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1185/16.0T8BGC.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: PROVA PERICIAL
LAUDO MAIORITÁRIO
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - A prova pericial em que se traduzem os exames médicos realizados no âmbito das acções emergentes de acidente de trabalho, está sujeita à livre apreciação do julgador.

II – Existindo nos autos elementos factuais, designadamente as exigências do trabalho prestado à data do acidente e as suas repercussões no posto de trabalho depois da cura clínica, que conduzem à impossibilidade do exercício da profissão habitual, impõe-se ao julgador divergir do laudo de junta médica maioritário, atribuindo ao sinistrado incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.

III – É de atribuir incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual ao sinistrado se este não se encontra apto a desempenhar o núcleo das funções fundamentais que tinha quando ocorreu o acidente.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

APELANTE – SEGURADORAS ..., S.A.
APELADO – J. A.
Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, Juízo do Trabalho de Bragança

I – RELATÓRIO

Na fase conciliatória dos presentes autos com processo especial emergentes de acidente de trabalho, em que é sinistrado J. A. e responsável “SEGURADORAS ..., SA”, não obteve êxito a tentativa de conciliação, em virtude da discordância quanto à questão da incapacidade manifestada pelo sinistrado, por entender que se encontra afectado de incapacidade superior e de IPATH.

Por esse facto veio o sinistrado requerer a realização de junta médica, nos termos do artigo 138.º n.º 2 do C.P.T., tendo apresentado os respectivos quesitos.

Designada tal diligência, nela vieram os peritos nomeados responder aos quesitos nos termos consignados no auto de junta médica, emitindo parecer maioritário formado pelos peritos nomeados pelo tribunal e pela seguradora, atribuindo ao sinistrado a IPP de 35,25%, mas considerando não lhe ser de atribuir IPATH. Por seu turno o perito nomeado pelo sinistrado concordou com a IPP atribuída, considerando no entanto que tendo em atenção a profissão do sinistrado de operário agrícola lhe deveria ser atribuída IPATH.
Perante esta divergência o tribunal a quo, ao abrigo do disposto no art.º 21º nº 4 da Lei 98/2009 de 4/09 requisitou parecer técnico complementar ao Instituto do Emprego e Formação Profissional, tendo em vista o cabal esclarecimento da situação do sinistrado no que respeita à desvalorização funcional atribuída se o torna ou não incapaz para a profissão habitual de trabalhador agrícola.
Notificadas as partes de tal parecer veio a Seguradora pronunciar-se mantendo a posição assumida de que o sinistrado não se mostra afectado de IPATH.

Seguidamente foi pelo Tribunal a quo proferida sentença no âmbito da qual se fixou ao sinistrado a IPP de 35,25%, com IPATH, desde a data da alta (17/05/2017) e da qual consta o seguinte dispositivo.

Perante o exposto, considerando a matéria de facto apurada e ao abrigo das disposições legais citadas, julgo procedente a presente acção e, em consequência,

1- Nos termos do art. 140º nº 1 do Cód. Proc. Trabalho, fixo ao sinistrado J. A. uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, com uma desvalorização de 35,25% para o trabalho em geral, a partir de 17/05/2017.
2- Condeno a R. SEGURADORAS ..., S.A. a pagar ao sinistrado:

a) Uma pensão anual e vitalícia no valor de €7.787,17 (sete mil setecentos e oitenta e sete euros e dezassete cêntimos), com início em 18/05/2017, a qual será paga adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual e sendo os subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 da mesma pensão, pagos, respectivamente, nos meses de Junho e de Novembro;
b) A quantia de €4.481,10 (quatro mil quatrocentos e oitenta e um euros e dez cêntimos) a título de subsídio por situação de elevada incapacidade;
c) A quantia de €310,50 (trezentos e dez euros e cinquenta cêntimos) relativa a despesas com deslocações obrigatórias;
d) juros de mora à taxa legal pelas pensões e indemnizações em atraso, nos termos do art. 135º do Cód. Proc. Trabalho, desde a data do vencimento de cada uma delas até integral pagamento.
Custas pela R. seguradora.
Notifique.
Registe.
Fixo à causa o valor de €96.438,80, nos termos do art. 120º do Código de Processo do Trabalho.
Oportunamente cumpra o disposto no art. 137º do Cód. Proc. Trabalho.”

Inconformada veio a Seguradora interpor recurso de apelação, no qual formulou as seguintes conclusões que passamos a transcrever:

1. “Na fase conciliatória, o exame pericial fixou a IPP em 19,05%.
2. Não aceitando o grau de IPP do exame pericial, a recorrente pediu exame por junta médica.
3. Os peritos dessa junta médica atribuíram por unanimidade uma IPP de 35,25%, já incluído o fator de bonificação de 1.5 e, por maioria, sem IPATH.
4. A decisão recorrida, porém, fixa a IPP em 35,25% para o trabalho em geral mas com IPATH e condena a recorrente na pensão correspondente.
5. O fundamento é o da opinião do perito do sinistrado e do parecer técnico do IAFP, que o Tribunal solicitou após a Junta Médica.
6. O sinistrado tem a profissão de trabalhador agrícola polivalente ou indiferenciado.
7. Logo, é da sua competência produzir uma infinidade de tarefas dessa atividade. Mas o parecer do IAFP reduz a sua análise à atividade de podador de árvores (oliveiras).
8. Ora a poda ocupa uma pequena parte das tarefas agrícolas e do ano agrícola, pelo que, se o sinistrado deixou de poder efetuar a poda de árvores, mantém, no entanto, a capacidade para poder realizar outras tarefas da atividade agrícola.
9. Deveria ter-se optado pelo resultado da junta médica: o sinistrado apresenta sequelas e, ponderados os tratamentos realizados, ficou com IPP de 35,25% mas sem IPATH.
10. Os Senhores Peritos, além de conhecerem as sequelas do sinistrado, também sabem avaliar se elas impedem ou não o sinistrado de exercer a sua profissão habitual.
11. Sendo assim, deveria a recorrente ser condenada a pagar ao sinistrado pensão a calcular com base na IPP de 35,25% mas sem IPAPH nem subsídio de elevada incapacidade.
12. A douta decisão recorrida violou o disposto nos artºs. 48º, nº 2 e 67º, ambos da Lei 98/2009, de 04/09.”

NESTES TERMOS, concedendo a apelação e revogando a douta decisão recorrida, substituindo-a por decisão que opte pelo resultado da junta médica e estabeleça pensão em conformidade, sem subsídio de elevada incapacidade, V. Exªs. farão, como sempre, INTEIRA JUSTIÇA!”

O sinistrado respondeu ao recurso concluindo pela sua improcedência e pela confirmação da decisão recorrida.
O recurso foi admitido como apelação a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
Não foi apresentada qualquer resposta ao parecer.
Cumpridos os vistos, cumpre apreciar.
*
II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do Recorrente (artigos 608º n.º 2, 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), a única questão que se coloca à apreciação deste tribunal respeita à atribuição ou não ao sinistrado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH).
*
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes para a decisão da causa são os que resultam do relatório supra, a que acrescem os seguintes:

a) No dia 23/03/2016, pelas 10.00 horas, em …, Macedo de Cavaleiros, o(a) A. sofreu um acidente no exercício da sua profissão de trabalhador agrícola, que consistiu no seguinte: quando estava em cima de uma oliveira, para a podar, o ramo partiu e o sinistrado caiu.
b) Em consequência de tal acidente, o A. sofreu fractura do calcâneo direito e rotura da coifa e dos rotadores do ombro direito.
c) Tal acidente verificou-se quando o(a) A. prestava o seu trabalho de trabalhador agrícola para a entidade patronal Fábrica da Igreja Paroquial ....
d) A responsabilidade infortunística desta entidade patronal encontrava-se transferida para a R. seguradora pelo salário mensal de €974,98x14meses, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº 359432.
e) O A. auferia o salário mensal de €974,98x14meses, o que perfaz o salário anual de €13.649,72.
f) A R. seguradora pagou ao A., pelos períodos de incapacidade temporária referidos a fls. 91 a 93, a indemnização de €10.699,11.
g) O A. despendeu €310,50 em transportes nas deslocações ao GML, ao Tribunal e a tratamentos determinados pela seguradora.
h) O sinistrado teve alta clínica em 17/05/2017.
i) O sinistrado nasceu em 26/6/1959 (fls. 87).

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Da atribuição ou não ao sinistrado de IPATH.

Insurge-se a Recorrente quanto ao facto do tribunal a quo ter divergido do laudo maioritário da junta médica valorizando o parecer do IEFP, que reduziu a sua análise às tarefas respeitantes e relacionadas com a poda de oliveiras, que constituem uma pequena parte das tarefas agrícolas e do ano agrícola. Mais defende que podendo o sinistrado desempenhar outras tarefas agrícolas, não se justifica assim a atribuição de IPATH
Reclama por isso que se altere a decisão recorrida valorizando-se o auto de junta médico maioritário que entendeu não ser de atribuir ao sinistrado IPATH.

A este propósito o tribunal a quo consignou o seguinte na sentença recorrida:

“Quanto à natureza da incapacidade, porém, é de atender aos relevantes contributos do parecer solicitado ao IEFP. A propósito da análise de funções próprias do posto de trabalho do sinistrado, refere-se o seguinte no parecer:
“(…) as tarefas desenvolvidas pelo trabalhador, no seu posto de trabalho habitual, inserem-se no âmbito das funções levadas a cabo por um trabalhador agrícola polivalente, na área da cultura de árvores e arbustos, nomeadamente da poda de olivais, pelo que se pode apresentar o seguinte perfil funcional:

Em geral

17.1. Identifica e seleciona as ferramentas a utilizar em função da natureza dos trabalhos a levar a efeito, designadamente motosserras, tesouras da poda e serrotes manuais;
17.2. Procede à poda de árvores de fruto, árvores, designadamente laranjeiras, figueiras, alfarrobeiras, amendoeiras e limoeiros;
17.3. Sobe às árvores através de elevação corporal, nomeadamente utilizando a força de ambos os braços;
17.4. Equilibra-se em posições instáveis, apoiando-se nas pernas e segurando-se com o seu braço esquerdo enquanto manipula a tesoura da poda ou do serrote;
17.5. Manuseia uma motosserra com ambos os braços e mãos enquanto se equilibra com o corpo encostado aos vários ramos da árvore a intervencionar;
17.6. Na posição ortostática, com os pés assentes no terreno e ambos os braços esticados procede ao corte ao corte de ramos e da copa da árvore;
17.7. Colabora na eliminação ou traçagem dos respetivos resíduos (ramos e troncos), carregando-os à força d ambos os braços, em terrenos por vezes algo acidentados e com relevo;

No caso específico (olivais pertencentes à Comissão Fabriqueira da paróquia)

17.8. Procede a muitas das operações atrás referidas em contexto de olivais de grandes dimensões, com destaque para o uso de motosserras, "foices de limpa" e machados, conduzindo ainda um trator para carregamento e descarregamento de resíduos arbóreos (troncos, ramos e galhos).

Analisando as exigências do posto de trabalho, refere-se, ainda, que:
18. Para que o trabalhador possa exercer o tipo de funções acima descrito, é necessário que seja capaz de responder aos seguintes requisitos:
18.1. O trabalhador deve ser capaz de trabalhar em espaços ao ar livre, estando sujeito às diversas condições atmosféricas (frio, calor, humidade, vento, etc.), quando exerce a sua atividade de podador em explorações agrícolas, sobretudo de olivais;
18.2. O trabalhador deve poder trabalhar em posições de equilíbrio instável, em altura, em cima de árvores, sobretudo oliveiras, que podem atingir, por vezes, três ou quatro metros de altura;
18.3. O trabalhador deve ser capaz de se deslocar em piso irregular, em terrenos muitas vezes repleto de ramos, lenha e troncos de diferentes espessuras;
18.4. O trabalhador deve ser capaz de adotar a postura ortostática e também a postura de fletido à frente, curvado e agachado, sobretudo com os braços esticados em frente e acima dos ombros quando procede à poda de árvores; deve, igualmente, ser capaz de adotar a posição de sedestação quando conduz o trator;
18.5. O trabalhador deve ser capaz de efetuar frequentes flexões frontais e torsões laterais do tronco, flexões e torsões do pescoço, praticamente em todas as atividades já atrás descritas, assim como trabalhar, como já referido, com os braços estendidos, ao nível e acima dos ombros;
18.6. O trabalhador deve conseguir trabalhar, muitas vezes, em tensão muscular continua, ao mesmo tempo que desenvolve um esforço de equilíbrio e controlo da totalidade do corpo, sobretudo quando procede à poda posicionado nos ramos das árvores";
18.7. O trabalhador deve ser capaz de suportar pesos nos braços designadamente quando utiliza a motosserra, a foice de limpa e o machado, assim como quando tem de carregar, com ambos os braços/mãos e a ajuda de todo o corpo diferentes ramos, troncos e lenha diversa;
18.8. O trabalhador deve possuir robustez e agilidade física, com um adequado nível de destreza manual e coordenação oculomotora, especialmente no que diz respeito à coordenação mãos braços, praticamente em todas atividades da poda;
18.9. O trabalhador deve estar na posse de um adequado sentido de equilíbrio para conseguir efetuar os trabalhos de podas de árvores em cima das mesmas, manuseando a motosserra, a tesoura da poda e o serrote manual;
18.10. O trabalhador deve possuir robustez de ambos os membros superiores, incluindo mãos, integridade de ambos os membros inferiores, incluindo pés, de modo a poder conduzir e manobrar um trator agrícola em condições de segurança para si próprio e terceiros.”
Conclui-se no parecer em apreço que, perante as sequelas e limitações que o sinistrado apresenta, encontra-se este incapacitado para desenvolver as tarefas do posto de trabalho, com fundamento em que “O perfil de requisitos da profissão e do posto de trabalho analisado exige a necessidade de se possuírem adequadas capacidades ao nível de ambos os braços para se usar, nomeadamente, uma motosserra para cortar ramos arbóreos e conduzir um tractor; exige, ainda, a capacidade de se efectuarem mudanças de postura rápidas e frequentes, com movimentos rotativos do tronco, incluindo os ombros e braços; (…) o trabalhador é dextro.”
Ora, de acordo com o enquadramento das sequelas do sinistrado na TNI efectuado pelos Srs. Peritos médicos, o sinistrado apresenta limitação dolorosa da mobilidade do tarso por artrose pós traumática, a que atribuíram o coeficiente máximo de desvalorização [Cap. I-15.2.3 a)] e Limitação conjugada da mobilidade (conjunto das articulações do ombro e cotovelo) de Grau II [C I-3.2.7.3 b)], a que também atribuíram o coeficiente máximo de desvalorização, o que evidencia bem a gravidade das sequelas a nível funcional. Daí que seja de concluir que, perante a natureza das funções próprias de um trabalhador agrícola, associadas à idade do sinistrado, é de concluir que este não se encontra apto para o exercício da sua profissão habitual, ainda que com a limitação resultante do grau de desvalorização +ara o trabalho em geral que lhe foi atribuído.
É, pois, de concluir que as sequelas resultantes das lesões sofridas pelo sinistrado em consequência do acidente são causa de Incapacidade Permanente e Absoluta Para o Trabalho Habitual (IPATH).
Assim, deve fixar-se ao sinistrado uma Incapacidade Permanente e Absoluta Para o Trabalho Habitual (IPATH) desde 17/05/2017, com uma IPP para o trabalho em geral de 35,25%.”

Vejamos:

Como refere Carlos Alegre in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª edição, página 96, a propósito da incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), “trata-se de uma incapacidade de 100% para a execução do trabalho habitual do sinistrado, no desempenho da sua específica função, actividade ou profissão, mas que deixa uma capacidade residual para o exercício de outra actividade, laboral compatível, permitindo-lhe alguma capacidade de ganho, todavia, uma capacidade de ganho, em princípio diminuta”. Contudo daqui não resulta só ser de atribuir IPATH quando o sinistrado não poder executar nenhuma das tarefas que anteriormente desempenhava no seu posto de trabalho, ao invés significa apenas que o sinistrado deixou de poder executar pelo menos o núcleo essencial das tarefas que anteriormente exercia.

A determinação da existência, ou não, de IPATH nem sempre é fácil, sendo certo que, por vezes, poderá ser ténue a fronteira entre esta e uma vulgar IPP, impondo-se a avaliação da repercussão desta na (in)capacidade para o sinistrado continuar a desempenhar o seu trabalho habitual, correspondendo este às funções fulcrais e que predominante desempenhava à data do acidente.

O exercício do trabalho habitual corresponde à execução de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial de determinada actividade profissional, sendo necessariamente de concluir que o sinistrado fica afectado de IPATH quando as sequelas de que padece, resultantes do acidente apenas permitem desempenhar funções meramente residuais ou acessórias do trabalho habitual que não permitiram a quem quer que fosse que com essas tarefas pudesse manter essa mesma profissão/trabalho habitual.

Conforme se refere a este propósito no recente acórdão deste Tribunal de 24/10/2019, Proc. n.º 1730/15.8T8VRL.G1, relator Antero Veiga, de que fui 2ª Adjunta, “A incapacidade absoluta para o trabalho habitual não implica uma impossibilidade de execução da totalidade das tarefas incluídas na categoria. O que releva no caso é o núcleo essencial dessas funções, as tarefas que dão corpo à categoria, o núcleo das tarefas que eram executadas.

O STJ no acórdão uniformizador de 28/5/2014, Proc. n.º 1051/11.5TTSTB.E1.S1, refere que “...na linha da jurisprudência definida nesta secção os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho…”

Consta ainda do acórdão e relativamente à reconvertibilidade, que “ a reconversão em relação ao posto de trabalho … materializa-se no regresso do sinistrado ao desempenho das funções que tinha quando ocorreu o acidente, apesar das limitações em termos de capacidade que trabalho que do mesmo decorreram.”

Importa assim que o trabalhador retome ou possa retomar o essencial das suas anteriores tarefas, ainda que com esforço acrescido e eventualmente com algumas modificações técnicas ou outras, que visam precisamente adaptar o local ou a forma de prestação, de modo permitir a execução dessas tarefas em função das limitações funcionais adquiridas.

Como acertadamente se refere no Ac. RL de 7/3/2018, processo nº 1445/14.4T8FAR.L1-4:

“ não se pode falar em IPATH se o sinistrado retoma a totalidade das suas funções ou, pelo menos, o seu conjunto fundamental, embora com limitações decorrentes das lesões sofridas no acidente. Neste caso, o sinistrado, pese embora os constrangimentos e esforço acrescido continua a conseguir executar as tarefas inerentes ao seu posto de trabalho.
Se não consegue, não é reconvertível em relação ao seu posto de trabalho e, em consequência, está afetado de IPATH.”

Na mesma linha o Ac. da R.P. de 30/5/2018, processo nº 2024/15.4T8AVR.P1, referindo, “O exercício de uma profissão/trabalho habitual é caraterizado pela execução, e necessidade dessa execução, de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial dessa atividade profissional, não se podendo deixar de concluir que o sinistrado fica afetado de IPATH se as sequelas do acidente lhe permitem, apenas, desempenhar função meramente residual ou acessória do trabalho habitual de tal modo que não permitiria que alguém mantivesse, apenas com essa (s) tarefa (s) residual (ais), essa profissão/trabalho habitual.”

No caso em apreço foi atribuída ao sinistrado uma IPP com IPATH, com base no parecer emitido pelo IEFP, conjugado com a posição assumida em junta médica pelo perito do sinistrado, bem como com a restante informação clínica resultante dos autos, em manifesta divergência no que respeita à atribuição de IPATH com o laudo maioritário da junta médica.

Como temos vindo a defender, designadamente no Ac. de 12-09-2019, Proc. n.º 327/18.5Y2GMR, “resulta do disposto no artigo 140.º do CPT. que a fixação da incapacidade para o trabalho decorre de decisão soberana do juiz, que evidentemente terá de ter em atenção a prova pericial produzida, que deverá ser apreciada livremente pelo julgador. No entanto, atenta a natureza técnica e complexa associada a este tipo de perícia, na maioria dos casos a decisão proferida pelo juiz relativamente à fixação da incapacidade para o trabalho corresponde àquela que foi atribuída pelos peritos médicos que intervieram no processo em exame singular ou colegial e sendo este último presidido pelo juiz, permite-lhe indagar e esclarecer, aquando da realização do exame, todas as suas dúvidas resultantes da complexidade e tecnicidade que normalmente decorre de uma perícia médico-legal.

Reafirmamos que destinando-se esta prova a fornecer ao tribunal uma especial informação de facto tendo em conta os específicos conhecimentos técnicos ou científicos do perito que se não alcançam pelas regras gerais da experiência (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 261 e segs. e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, 322 e segs.), deve ser apreciada pelo juiz segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom senso, com inteira liberdade, sem estar adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais, o que implica que o juiz possa na decisão de facto afastar-se do que resultou da perícia, mas apenas deverá discordar em casos devidamente fundamentados, nomeadamente baseados em outras opiniões científicas, ou em razões jurídico processuais que se afigurem ao legislador de relevantes.”

Retornando ao caso dos autos teremos de dizer que de forma fundamentada e justificada a juiz a quo divergiu do auto maioritário da junta médica no que tange à atribuição de IPATH, afirmando desde já que os demais meios de prova constantes dos autos impunham a divergência do auto de junta médica maioritário.

Como se refere no Ac. da Relação de Évora de 14-06-2018, Proc. n.º 1679/15.0T8BJA.E1 (relator Moisés Silva), consultável in www.dgsi.ptNo caso concreto, não está em causa o laudo pericial emitido pela junta médica, nem o seu juízo científico, mas sim elementos factuais que vão além do mesmo, como sejam as concretas condições e exigências físicas, mentais e emocionais, em que o trabalho era prestado no momento do acidente de trabalho e as suas repercussões no posto de trabalho a partir da data da alta. Em face das sequelas das lesões decorrentes do acidente e das caraterísticas funcionais do posto de trabalho em causa, o tribunal analisa e pondera se no caso concreto o trabalhador pode continuar a prestar aí a sua atividade tal como se não tivesse havido acidente de trabalho, embora de forma mais penosa, ou se tal é impossível.”

Na verdade o sinistrado, em virtude das lesões sofridas, bem como das respectivas sequelas de que é portador em consequência do acidente dos autos, designadamente limitação dolorosa da mobilidade do tarso por artrose pós traumática e limitação conjugada da mobilidade do ombro (conjunto das articulações do ombro e cotovelo), às quais foram atribuídos os coeficientes máximos de desvalorização, não ficou em condições físicas de voltar a desempenhar as tarefas inerentes ao posto de trabalho que ocupava à data do acidente.

A actividade do sinistrado, à data do acidente, era a de trabalhador agrícola polivalente, na área da cultura de árvores e arbustos, designadamente na poda de oliveiras, sendo esta a tarefa que realizava aquando da ocorrência do acidente.

Resulta do parecer do IEFP que o sinistrado desde a data do acidente que não executa tais tarefas. Sabemos também que não tem condições físicas para exercer as funções inerentes à poda de oliveiras, o que aliás é reconhecido pela recorrente precisamente, por agora não lhe ser possível subir às árvores através da elevação do corpo, utilizando a força de ambos os braços, equilibra-se em posições instáveis, apoiando-se nas pernas, segurando-se com o braço esquerdo enquanto manipula a tesoura ou o serrote com o braço direito, manusear uma motosserra com ambos os braços e mãos, nem carregar à força de ambos os braços, em terrenos acidentados e com relevo ramos e troncos de árvores.

Resulta ainda do referido parecer que a profissão de trabalhador agrícola exige adequadas capacidades quer a nível de ambos os braços (destreza e força) que tem de se usar nas mais diversas tarefas inerentes a qualquer actividade agrícola, designadamente para manusear máquinas, exigindo também capacidade de se efectuarem mudanças de postura rápidas e frequentes, com movimentos rotativos do tronco, incluindo ombros e braços. Sendo imprescindível que o trabalhador possua uma adequado sentido de equilíbrio, robustez e agilidade física com grande destreza manual e coordenação motora para poder praticar as diversas tarefas/funções associadas à actividade agrícola.

Todo este circunstancialismo que contende com a natureza das funções próprias do trabalhador agrícola, podador de árvores, conjugadas com a idade do sinistrado, permite-nos concluir que não só que o sinistrado está afectado de IPATH, como também nos permite concluir que a junta médica – laudo maioritário – teve uma visão generalista, (não resultando do referido laudo que tivessem sido apreciadas as funções concretamente exercidas pelo sinistrado) e não teve em consideração que a incapacidade de que o sinistrado ficou portador não lhe permite realizar o núcleo essencial das funções da sua profissão de trabalhador agrícola, podador de árvores em explorações agrícolas, sobretudo de oliveiras, que exercia aquando do acidente, conforme resulta manifesto do parecer junto aos autos pelo IEFP.

Estamos perante uma profissão cujas tarefas que a integram requerem capacidade, destreza e mobilidade físicas, que o sinistrado deixou de possuir em face das sequelas de que ficou portador quer no membro superior, quer no membro inferior direitos.
Em suma resultando dos autos que o sinistrado está impossibilitado de realizar o núcleo essencial ou fulcral das funções que vinha exercendo até à data do acidente é de atribuir-se-lhe IPATH.
Improcedem as conclusões do recurso e confirma-se a sentença recorrida.

V – DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida
Custas a cargo da Recorrente.
Notifique.
Guimarães, 17 de Dezembro de 2019

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga


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Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C.

I - A prova pericial em que se traduzem os exames médicos realizados no âmbito das acções emergentes de acidente de trabalho, está sujeita à livre apreciação do julgador.
II – Existindo nos autos elementos factuais, designadamente as exigências do trabalho prestado à data do acidente e as suas repercussões no posto de trabalho depois da cura clínica, que conduzem à impossibilidade do exercício da profissão habitual, impõe-se ao julgador divergir do laudo de junta médica maioritário, atribuindo ao sinistrado IPATH.
III – É de atribuir IPATH ao sinistrado se este não se encontra apto a desempenhar o núcleo das funções fundamentais que tinha quando ocorreu o acidente.

Vera Sottomayor