Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
896/16.4T8VRL-H.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
INDEFERIMENTO LIMINAR
REQUISITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - A exoneração do passivo restante tem como objectivo primordial, conceder uma segunda oportunidade ao indivíduo, permitindo que este se liberte do passivo que possui e que não consiga pagar no âmbito do processo de insolvência.

2 - Os requisitos impostos pelo artigo 238.º destinam-se a decidir liminarmente sobre se o devedor não merece aquela segunda oportunidade, praticando actos que revelam, em relação à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência uma conduta ilícita, desonesta, pouco transparente e de má fé.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

Manuel, no processo em que foi declarada a sua insolvência, veio interpor recurso da sentença que indeferiu o seu pedido de exoneração do passivo restante, tendo alegado e formulado as seguintes

Conclusões:

A) O Despacho de que se recorre violou o disposto no artigo 238° do CIRE.
B) O Tribunal a quo indeferiu o pedido de exoneração do passivo restante por entender que o recorrente violou o artigo 238°, n.º 2, alínea e) e, por conseguinte, artigo 186°, ambos do CIRE.
C) Carece de razão o Tribunal a quo. Os requisitos da exoneração do passivo restante - embora muito dispersos e de difícil identificação por defeituosa técnica legislativa - encontram-se elencados nos artigos 237°, 238° (a contrario), 239° e 254°, todos do CIRE.
D) A declaração expressa que o Tribunal diz faltar resulta do próprio processo, máxime da petição inicial, apensos e demais requerimentos.

E) Dos autos resulta que:

• Não foi aprovado e homologado um plano de insolvência;
• O pedido foi apresentado dentro do prazo;
• Inexiste notícia de dolo ou culpa grave dos requerentes na prestação de informações sobre as suas circunstâncias económicas nos 3 anos anteriores ao início do processo;
• Os requerentes não beneficiaram nos 10 anos anteriores da exoneração do passivo restante;
• Cumpriram o dever de apresentação à insolvência;
• Os requerentes não tiveram culpa na criação da situação de insolvência.
• Não foram condenados nos 10 anos anteriores á data da entrada em juízo do pedido de declaração de insolvência ou posteriormente a esta data por algum dos crimes previstos e punidos nos artigos 227.º a 229.º do Código Penal;
• Curnpriram os deveres de informação, apresentação e colaboração que para eles resultam do CIRE.
F) lnexiste dolo ou culpa grave do requerente na prestação de informações sobre as suas circunstâncias económicas nos 3 anos anteriores ao início do processo.
G) Inexiste ainda, como se demonstrará, prejuízo dos credores.
H) E, mesmo que assim não fosse, sempre se dirá que existem litígios pendentes os quais, pela prova aí a produzir, podem levar a um desfecho diferente, ou seja, não serem os negócios resolvidos em benefício da massa insolvente.
I) O recorrente justificou, como tinha de o fazer, e do processo constam elementos suficientes que indiciam que o recorrente cumpriu com esta sua obrigação.
J) As situações que se descreveram, e que constam dos autos, não configuraram qualquer prejuízo para os credores, pelo contrário, o insolvente destinou os proveitos auferidos com alienação do ativo ao ressarcimento dos seus credores, ou seja, através da venda o insolvente pretendia exonerar-se de parte da sua dívida.
K) O processo especial de revitalização do recorrente Manuel é de 2015, ou seja, posterior ao da data da constituição da sociedade compradora LC, S.A. e que a declaração da respectiva insolvência é de 20.02.2017, momento igualmente posterior.
L) No exercício do seu míster, a compradora negociou a aquisição do prédio, negociação esta que se iniciou em finais de 2014, que não foi objecto de intermediação de mediador imobiliário.
M) E que foi concretizada e formalizada por escritura pública outorgada em 13.01.2017.
N) O prédio objecto do negócio é um imóvel sito numa zona bastante acidentada, a qual não beneficia de quaisquer infra estruturas, tais como redes de água, saneamento, electricidade ou telecomunicações. O dito prédio é composto por uma antiga casa de guarda-florestal, com cerca de 160 m2, e por uma área descoberta com aproximadamente 540 m2, a referida construção encontra-se em adiantado estado de degradação, tendo todos os seus vãos desprovidos de qualquer caixilharia, encontrando-se o telhado e as divisões em estado de completa ruína.
O) Trata-se de um prédio construído pelo Estado nos anos de 1957 e 1958, ou seja, há já cerca de seis décadas, construção essa isenta do respectivo licenciamento municipal, nos termos do artigo 14.0 do Regime Geral das Edificações Urbanas aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38.382 de 7.08.1951.
P) Para além do valor do prédio, acresce ainda o facto de sobre o mesmo incidir uma penhora, a favor da Fazenda Nacional. Pelo que, quer o estado real da construção existente, quer também a circunstância de sobre o imóvel em causa impender a mencionada penhora à data da formalização da respectiva escritura notarial, foram consideradas na economia do negócio. Tendo contribuído para que as partes acordassem no preço de 20.000,00 €. Sem prejuízo, tanto o IMT como o Imposto de Selo pagos nos valores, respectivamente, de 1.605,07 € e 197,55 €, foram calculados sobre o valor patrimonial do prédio de 24.693,38 €.
Q) Como antecedentemente referido, as partes começaram a negociar a transmissão do prédio em finais de 2014. A divergência essencial assentava na necessidade de cancelamento da penhora que incide sobre o dito prédio, a favor da Fazenda Nacional, para garantia do pagamento de uma quantia exequenda que, nessa altura, ultrapassava já o valor de 50.000,00 €.
R) Subsequentemente, em 15.12.2016, o recorrente Manuel aderiu ao Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado (PERES), aprovado pelo Decreto-lei n.º 67/2016, de 3 de Novembro. Plano de adesão prestacional esse a cujo termo foi atribuído o n.º 64.733.
S) No âmbito do qual o recorrente Manuel efectuou, em 19.12.2016, o pagamento das primeiras 28 prestações mensais acordadas, vencendo-se a 29.ª dessas prestações apenas em Abril de 2019 e as restantes nos meses seguintes. Mantendo-se em dívida o valor correspondente ao remanescente das prestações, num total de 18.424,95 €.
T) Nessa altura, o recorrente Manuel e a ré acordaram quanto ao preço para concretização da projectada venda do prédio a que se vem referindo, acordo esse que se fixou no montante de 20.000,00 €.
U) Assim, nos termos negociais acordados com o recorrente Manuel, a compradora entregou a este, no acto da escritura, a quantia de 1.575,05 €, ficando a constar da escritura outorgada que a compradora assumia a obrigação de proceder ao pagamento das prestações em falta do referido plano prestacional PERES, no valor total de 18.424,95 €, assim cumprindo, desta forma, o pagamento do valor acordado de 20.000,00 €, para a transmissão do imóvel a que se vem referindo.
V) Não se trata por isso de acto celebrado pelo devedor a título gratuito. Sucede que, para o contrato ser gratuito tem que haver animum donandi. O que não se verificou, pois houve entre as partes a fixação de um preço. Efectivamente, e tal como se deixou antecedentemente explanado, o valor acordado para a transmissão do imóvel a que se vem referindo foi de 20.000,00 €, montante este pago através da entrega da compradora, ao recorrente Manuel, da quantia de 1.575,05 €, e bem assim pela assunção da obrigação de pagamento das prestações em falta do referido plano prestacional PERES, no valor total de 18.424,95 €.
X) As obrigações assumidas pelo recorrente não excederem manifestamente as da contraparte, o acto em análise não causa enorme lesão para a massa insolvente.
Z) Efectivamente, o crédito da Fazenda Nacional está garantido pela penhora que incide sobre o prédio em causa, ónus este que garante que este credor seja privilegiado. O negócio em causa é, por isso, válido, e tem-se por adequado.
AA) De facto o património do recorrente não foi prejudicado, muito pelo contrário, como infra se exporá, a divida é agora de 172.544,99 euros, inferior ao que sucederia não fora o negócio celebrado.
BB) O passivo do recorrente diminuiu, e o saldo financeiro do recorrente (e por conseguinte da massa insolvente) melhorou.
CC) A intenção do recorrente e ex-cônjuge era, foi e é de cumprir o negócio titulado pela escritura impugnada pelo senhor administrador de insolvência.
DD) O recorrente foi pago mediante a assunção do crédito por parte da sua ex-cônjuge.
EE) A escritura foi para colocar fim à indivisão que existia formalmente, mas que de facto já não ocorria desde a separação de facto do casal. O montante relativo às prestações e seguros associado ao crédito habitação, pagos pela ex-cônjuge do recorrente, e referente ao período entre Outubro de 2015 e agosto de 2017, é de 13.415,15 €.
FF) Ora, por um lado, tal negócio foi celebrado antes da decisão sobre a declaração de insolvência. Por outro lado, e mais importante, com o referido negócio não se pretendeu, nem pretende que haja uma redução da satisfação dos créditos dos credores do insolvente.
GG) Tanto mais que o credor hipotecário sempre seria pago preferencialmente sobre o produto de uma possível venda judicial da metade do imóvel em causa.
HH) A referida escritura corporiza o que na prática já vinha acontecendo desde a separação de facto do casal, ou seja desde outubro de 2015, e consequente divórcio, ou seja, a ex-cônjuge pagava as prestações do empréstimo do imóvel, assumindo na integra as responsabilidades pelo referido crédito, ficando com a posse da metade então pertencente ao insolvente.
lI) A. ex-cônjuge do recorrente assumiu, como consta da escritura, o pagamento da totalidade do crédito, como o já vem aliás fazendo desde 2015. Disso resultando um aumento do ativo do insolvente que viu sair a metade de um imóvel no valor de cerca de 80.000,00 €, mas veria sair um passivo de 174.000,00 €,que é um crédito privilegiado, cifrando-se em cerca de 100.000,00 € a vantagem patrimonial para a massa insolvente, a que acresce a saída de um credor privilegiado.
JJ) A presente situação apenas sucedeu porquanto o Banco A. S.A. veio reclamar um crédito que não estava em incumprimento, e a totalidade do mesmo.
KK) O acordo tem sido cumprido na íntegra.
LL) Deveria o administrador ter impugnado o crédito reclamado pelo banco, quer na exigibilidade, quer na quantia, tendo aliás titulo para o ter feito, a assunção de dívida por parte da ex-cônjuge do recorrente na escritura realizada, que tem validade de título executivo. Pois retirado o crédito reclamado pelo banco nenhum prejuízo teria a massa insolvente.
MM) As partes tinham a perceção que estavam a adjudicar algo que já pertencia à ex-cônjuge do recorrente, de outra forma não assumiria o pagamento do crédito junto do banco.
NN) O negócio não é aparente, é real e é a materialização do que de facto já ocorria desde outubro de 2015.
OO) O que é certo é que se o insolvente ficou sem a metade do imóvel, "livrou-se" da totalidade do crédito, de que era devedor solidário.
PP) Existiu assim uma contrapartida real, titulada por escritura pública, a assunção de divida por parte da ex-cônjuge do recorrente sobre a totalidade do crédito. Não existiu qualquer discrepância entre a vontade real e a declarada, não existindo qualquer acordo entre os réus para defraudar as expectativas dos credores.
QQ) De referir que a ex-cônjuge pode mesmo ter assumido um crédito que pode mesmo ser superior ao valor da metade do imóvel, houve uma contrapartida para o comproprietário, não se tratou de qualquer partilha por divórcio, mas sim de uma divisão de coisa comum em virtude de os aqui réus serem com proprietários do imóvel.

Termos em que, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser recebido e julgado procedente, substituindo-se o Despacho proferido por outro que admita o requerimento de exoneração do passivo restante, com todas as consequências legais, como é de JUSTIÇA.

Não foram oferecidas contra alegações.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

A questão a resolver traduz-se em saber se está preenchido o pressuposto constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 238.º para que seja liminarmente indeferido o pedido de exoneração do passivo.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:
Matéria de facto provada:

1. O insolvente nasceu em 29/03/1979, tendo contraído casamento com Maria em 19/05/2012, no regime de separação de bens, o qual foi entretanto dissolvido mediante divórcio decretado em 27/07/2016, pela Conservatória do Registo Civil.
2. Em 21/10/2015 o insolvente apresentou requerimento manifestando a vontade de iniciar um PER, no qual alegou, no que ora releva:

"( ... ) 1. O Requerente desempenhou, nos últimos três anos, actividade de gerência de diversas sociedades comerciais a saber: a) X - Engenharia, Lda; b) X - Floresta, Lda.; c) X - Agricultura, Lda.; d) X Consultores, Lda.; e) Grupo W, S.A; 2. O Requerente é dono e legitimo proprietário dos seguintes prédios: a) Prédio urbano, com artigo matricial 444, sito na união de freguesias de C. e P., Concelho de …, Distrito de Vila Real ( ... ); b) a fracção autónoma designada pela letra "H", correspondente ao 3º E, sito no Lugar de …, Vila Real, com artigo matricial 55, com hipoteca a favor do Banco A Portugal, S.A, com uma divida remanescente no montante de € 180.000,00 ( ... ); c) a fracção autónoma designada pela letra" AC", correspondente ao 8º ET, sito na Avenida …, com hipoteca a favor do Banco B, S.A, com uma divida remanescente no montante de €57.000,00 - Entrada C, Vila Real, com artigo matricial 99 ( .. .)"
3. Em 21/10/2015 foi proferida no PER a decisão a que alude o artigo 17.º-C, n.º 3, al. a), do C.I.R.E.
4. No PER, em 24/11/2015 foi apresentada a lista de fls. 57-58 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), na qual constam relacionados créditos no montante global de € 1.216.690,00, tendo essa lista sido homologada por despacho proferido em 21/01/2016.
5. Em 25/02/2016 o insolvente veio manifestar no P.E.R. a desistência da instância.
6. Nos anos de 2013 e 2014 o insolvente declarou ter auferido, a título de rendimentos por trabalho dependente, os montantes de € 7.057,96 e € 5.796,26, respectivamente, enquanto no ano de 2015 não apresentou declaração de rendimentos.
7. O insolvente reside sozinho e, quando em Portugal, habita em casa dos pais.
8. O insolvente não desenvolve qualquer actividade remunerada.
9. Em 19/12/2016, na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóvel, foi outorgado instrumento denominado "Título de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca", na qual intervieram o insolvente (como primeiro outorgante), José (como segundo outorgante, na qualidade de procurador de Ana e António) e Joaquina (como terceira outorgante, na qualidade de representante do Banco B, S.A), tendo nesse acto, entre o mais, o insolvente declarado vender aos representados do segundo outorgante, pelo preço de € 73.500,00, já recebido, a fracção autónoma designada pela letra "AC", integrante do prédio urbano sito na freguesia e concelho de Vila Real, inscrito na matriz predial sob o artigo 99.º, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 11, enquanto o segundo outorgante declarou aceitar a compra e venda na qualidade em que interveio; o insolvente declarou também que a fracção autónoma é vendida livre de ónus e encargos, designadamente das hipotecas constituídas a favor do Banco B, S.A. e de uma penhora constituída a favor da Fazenda Nacional.
10. Em 13/01/2017, no Cartório Notarial de P. B. (sito na Avenida …, Ilhavo), foi outorgada escritura pública denominada "Compra e Venda", na qual intervieram o insolvente (como primeiro outorgante) e A. C. (como segunda outorgante, na qualidade de procuradora de LC, S.A), tendo nesse acto, entre o mais, o insolvente declarado vender à representada da segunda outorgante, pelo preço de € 20.000,00 (declarando ter sido já recebido o montante de € 1.775,05, sendo o quantitativo de € 18.426,95 a liquidar pela LC, S.A, mediante o pagamento das prestações em falta do plano prestacional PERES n.º …), O prédio urbano sito na união das freguesias de C. e P., concelho de Mondim de Basto, inscrito na matriz predial sob o artigo 444.º, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 666, enquanto a segunda outorgante declarou aceitar a compra e venda na qualidade em que interveio.
11. Em 13/01/2017, no Cartório Notarial de P. B. (sito na Avenida …, Ilhavo), foi outorgada escritura pública denominada "Divisão de Coisa Comum", na qual intervieram Maria (como primeira outorgante) e o insolvente (como segundo outorgante), tendo nesse acto os outorgantes acordado na adjudicação à primeira da fracção autónoma designada pela letra "H", integrante do prédio urbano sito na freguesia de …, concelho de Vila Real, inscrito na matriz predial sob o artigo ....º, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., assumindo esta a obrigação do pagamento da totalidade do empréstimo contraído junto do Banco A, S.A., relativamente ao qual declararam se encontrava em dívida naquela data o montante de € 174.545,02.
12. Quanto à fracção autónoma designada pela letra "AC", integrante do prédio urbano sito na freguesia e concelho de Vila Real, inscrito na matriz predial sob o artigo 99.º (anteriormente inscrito na matriz predial urbana da extinta freguesia de … sob os artigos ….º e ….º), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 11, constam inscritos no registo predial os seguintes factos:

- aquisição do direito de propriedade a favor do insolvente, mediante a ap. 34 de 25/09/2001, por compra a Miguel;
- hipoteca constituída pelo insolvente para garantia do crédito do Banco B, S.A., no montante máximo assegurado de Esc. 14.596.450,00, mediante a ap. n.º 35 de 25/09/2001;
- hipoteca constituída pelo insolvente para garantia do crédito do Banco B, S.A., no montante máximo assegurado de € 31.256,40, mediante a ap. n.º 25 de 20/10/2006;
- penhora constituída para garantia do crédito da Fazenda Nacional sobre o insolvente, no montante de € 49.085,99, mediante a ap. n.º 2485 de 20/05/2013;
- cancelamento das hipotecas constituídas a favor do Banco B, S.A., registadas através das ap. 35 de 25/09/2001 e 25 de 20/1012006, mediante as ap. 2704 e 2705 de 19/12/2016;
- cancelamento da penhora constituída a favor do crédito da Fazenda Nacional, registada através da ap. n.º 2485 de 20/05/2013, mediante a ap. 2706 de 19/12/2016;
- aquisição do direito de propriedade a favor de Ana e António, mediante a ap. 2737 de 19/12/2016, por compra ao insolvente.
13. Quanto ao prédio urbano sito na união das freguesias de C. e P., concelho de Mondim de Basto, inscrito na matriz predial sob o artigo 444.º (anteriormente inscrito na matriz predial urbana da extinta freguesia de C. sob o artigo 433.º), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 666, constam inscritos no registo predial os seguintes factos:

- aquisição do direito de propriedade a favor do insolvente, mediante a ap. 1 de 24/11/2008, por arrematação judicial;
- penhora constituída para garantia do crédito da Fazenda Nacional sobre o insolvente, no montante de € 49.085,99, mediante a ap. n.º 2558 de 20/05/2013;
- aquisição do direito de propriedade a favor de LC, S.A., mediante a ap. 3773 de 13/01/2017, por compra ao insolvente.
14. Quanto à fracção autónoma designada pela letra "H", integrante do prédio urbano sito na freguesia de …, concelho de Vila Real, inscrito na matriz predial sob o artigo ....º, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., constam inscritos no registo predial os seguintes factos:

- aquisição do direito de propriedade a favor do insolvente e Maria, mediante a ap. 2868 de 14/06/2013, por compra a BT - Sociedade Imobiliária, S.A.;
- hipoteca constituída pelo insolvente para garantia do crédito do Banco A, S.A., no montante máximo assegurado de € 270.100,00, mediante a ap. n.º 2869 de 14/06/2013;
- aquisição do direito de propriedade a favor de Maria, mediante a ap. 3267 de 19/0112017, por divisão de coisa comum.
15. Os prédios indicados em 12, 13 e 14 possuem os valores patrimoniais respectivos de € 76.150,00, € 24.150,00 e € 78.476,88.
16. Por sentenças proferidas em 10/10/2016 e 20/10/2016, transitadas em julgado em 10/11/2016 e 21/11/2016, o insolvente foi condenado nos processos n.ºs 416/14.5TAVRL e 417/14.3TAVRL, respectivamente, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social.
17. Foram relacionados pelo Sr. Administrador da Insolvência os créditos constantes da lista da ref. n.º 1248252 (ap. C), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no montante global de € 1.391.830,72, a qual veio a ser homologada, por sentença proferida em 03/10/2017.
18. Encontram-se pendentes no Juízo de Execução de Chaves, contra o insolvente, as acções executivas que correm os seus termos sob os n.ºs 888/15.0T8CHV, 1398/16.4T8CHV, 942/16.IT8CHV, 578/15.4T8CHV, 1386/15.8T8CHV e 263/16.0T8CHV.
19. Em 19/12/2016 foi amortizado o empréstimo concedido pelo Banco B, S.A., garantido pelas hipotecas identificadas em 12, no montante de € 32.653,22.
20. O insolvente e a Autoridade Tributária acordaram no pagamento em prestações das responsabilidades tributárias e demais encargos legais exigidos no processo de execução fiscal n.º 2496201501178016, no âmbito do programa PERES n.º 2016.379, mediante a entrega do montante inicial de € 16.110,92, seguindo-se trinta prestações no montante idêntico de € 575,39, onze prestações no montante idêntico de € 472,39 e uma última prestação no montante de € 199,75, sendo que apenas a primeira prestação foi liquidada, mediante pagamento efectuado em 19/12/2016.
21. No auto de arrolamento apresentado em 10/04/2017 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), consta apreendido o direito ao quinhão hereditário de 1/13, na herança aberta por óbito do pai do insolvente, E. S., o qual integra treze imóveis sitos no concelho de Mondim de Basto, cujo valor patrimonial proporcional ascende a € 34.541,45.

Matéria de facto não provada:

Com relevo para a boa decisão da causa inexistem factos não provados.

O recorrente impugna apenas a decisão jurídica da questão posta à discussão, pelo que os factos a considerar são os da enumeração constante da sentença recorrida e não quaisquer outros, a que o recorrente se refere nas conclusões da sua apelação.

Vejamos, então.

A exoneração do passivo restante, consagrada nos artigos 235.º e seguintes do CIRE, assenta no designado princípio do “fresh start” que permite que seja concedido ao devedor, pessoa singular, a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste, desde que observadas certas condições, estabelecidas nos artigos 236.º, 237.º e 238.º do CIRE.
O objectivo final é a extinção das dívidas e a libertação do devedor, para que «aprendida a lição», este não fique inibido de começar de novo e de, eventualmente, retomar o exercício da sua actividade económica – veja-se Catarina Serra, in “O novo regime jurídico da insolvência”, 3.ª edição, pág. 103.

No caso dos autos, e ao contrário do que parece resultar das alegações do apelante, não está em causa o preenchimento dos requisitos previstos no artigo 236.º do CIRE, quanto à forma do pedido de exoneração e quanto ao prazo.
O pedido de exoneração do passivo restante só pode ser indeferido liminarmente quando ocorra alguma das circunstâncias previstas nas diversas alíneas do artigo 238.º do CIRE.
A decisão sob recurso, tendo analisado o disposto nas alíneas d) e e) do artigo 238.º, acabou por se basear, apenas, na alínea e) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE, tendo concluído que, por estar preenchido o seu normativo, seria de indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante.
Tal alínea tem a seguinte redacção: «constarem já do processo ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º».
É necessário entender que a exoneração do passivo restante não tem como principal fim a satisfação dos credores da insolvência, embora, reflexamente, não esqueça por completo esses interesses, na medida em que são impostos limites para a sua admissão. Como já vimos, esta medida, específica das pessoas singulares, tem como objectivo primordial, conceder uma segunda oportunidade ao indivíduo, permitindo que este se liberte do passivo que possui e que não consiga pagar no âmbito do processo de insolvência, desde que verificados certos condicionalismos.
Os requisitos impostos pelo artigo 238.º destinam-se a decidir liminarmente sobre se o devedor não merece aquela segunda oportunidade, praticando actos que revelam, em relação à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência uma conduta ilícita, desonesta, pouco transparente e de má fé.

Entendeu-se na sentença recorrida que os actos de disposição do património levados a cabo pelo insolvente integram o conceito de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.

Para tal considerou-se o seguinte:

- a fração autónoma “AC” foi vendida em 19/12/2016, pelo preço de € 73.500,00, com amortização do crédito hipotecário do Banco B, nessa data, com o valor de € 32.653,22, o que permitiu o cancelamento das hipotecas constituídas a favor desse banco, tendo, na mesma data sido cancelada a penhora constituída a favor da Fazenda Nacional, para garantia de crédito no montante de € 49.085,99;
- o prédio urbano sito em Mondim de Basto foi vendido em 13/01/2017, pelo preço de € 20.000,00, tendo o insolvente recebido apenas € 1775,05 e sendo o quantitativo de € 18.426,95 a liquidar pela compradora, mediante o pagamento de prestações do plano prestacional PERES que o insolvente acordou com a Autoridade Tributária;
- a fração “H” foi objeto, em 13/01/2017, de uma divisão de coisa comum com a ex-mulher do insolvente, tendo a mesma sido adjudicada à sua ex-mulher, assumindo esta a obrigação do pagamento da totalidade do empréstimo contraído junto do Banco A, encontrando-se em dívida, naquele momento, a quantia de € 174.545,02, de um montante total garantido por hipoteca, de € 270.100,00;
- em 19/12/2016 foi amortizado o empréstimo concedido pelo Banco B, garantido pelas hipotecas sobre a fração “AC”, no montante de € 32.653,22;
- em 19/12/2016 foi liquidada a primeira prestação do plano PERES, celebrado com a Autoridade Tributária, no valor de € 16.110,92, não tendo sido paga mais nenhuma das prestações subsequentes (30 prestações no montante de €579,39, cada e 11 prestações no montante de €472,39, cada, e uma última no montante de € 199,75).
Ora, ao contrário do sustentado pelo apelante, a sua atuação claramente indicia com toda a probabilidade a existência de culpa no agravamento da situação de insolvência (artigo 238.º, n.º 1, alínea e) do CIRE), considerando-se a alienação dos seus ativos, sem uma contrapartida efetiva.
Com efeito, se tal não se verifica em relação à alienação da fração “AC”, uma vez que foi amortizado o empréstimo hipotecário concedido pelo Banco B e que onerava esta fração, ao mesmo tempo que se conseguiu o levantamento da penhora da Fazenda Nacional que incidia sobre o mesmo (provavelmente devido ao pagamento na data da alienação, da primeira e mais substancial prestação do PERES), já as demais alienações do ativo, constituem um desaparecimento do património do devedor, sem contrapartida efetiva, uma vez que, num caso, se alienou um imóvel de valor patrimonial de € 24.150,00, pela quantia irrisória, efetivamente recebida, de € 1.775,05 e com o compromisso de pagamento, por parte da compradora, das prestações em dívida do PERES – que, como se viu, não foi efetuado, pois a única prestação paga tem data anterior a este negócio – enquanto que a alienação da parte do insolvente na fração “H”, a favor da sua ex-mulher, teve como contrapartida a assunção, por esta, da dívida hipotecária ao Banco A, acordo que não é oponível ao credor, uma vez que não foi ratificado por ele – artigos 406.º, n.º 2 e 595.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código Civil – sendo certo que o Banco A reclamou esse crédito e o mesmo lhe foi reconhecido, apenas com uma amortização de cerca de € 400,00, num valor total de € 174.545,02.

Ou seja, estes dois negócios implicaram o desaparecimento de parte significativa do património do devedor, que dispôs do mesmo a favor de terceiros, sem a correspondente diminuição das suas dívidas, o que integra o disposto nas alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, aqui aplicáveis por remissão do artigo 238.º, n.º 1, alínea e), também do CIRE.
Podemos, assim, concluir, que o comportamento do insolvente demonstra a tal ilicitude, falta de transparência ou má fé, impeditivos da concessão da segunda oportunidade em que se traduz, como vimos supra, a exoneração do passivo restante.

Do que fica dito resulta a improcedência das conclusões do recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida.


III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
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Guimarães, 8 de fevereiro de 2018

Ana Cristina Duarte
João Diogo Rodrigues
Anabela Tenreiro