Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
72/18.1T8CMN.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator)

A empresa seguradora que, em contrato de seguro facultativo abrangente de avaria no veículo automóvel do segurado, se recusou – a pretexto de um parecer por si solicitado no âmbito da averiguação do sinistro participado onde se concluiu que aquela teria sido originada por causa excluída da cobertura mas cuja veracidade não logrou demonstrar na acção judicial –, a custear directamente à oficina a reparação conforme convencionado, responde pelos danos de natureza não patrimonial consequentes (apesar de não convencionados), designadamente os causados na pessoa e vida familiar do segurado pela frustração das suas expectativas postas na celebração do contrato e pagamento dos prémios, pelas vicissitudes (v.g., preocupações, desassossego, angústia, aflição e ansiedade) geradas pela necessidade de enveredar e se envolver em longa demanda judicial e de, durante a pendência desta, não poder dispor e usufruir de qualquer veículo (devido à falta de outros meios), maxime para as deslocações de lazer e convívio ao domingo.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

O autor (…) com apoio judiciário, intentou, em 01-03-2018, acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra a ré (…). – Agência Geral Em Portugal.

Pediu que esta seja condenada a pagar-lhe indemnização, no valor global de 15.328,54€ (sendo 4.568.54€, relativos ao custo de reparação do veículo, 2.760,00€, como compensação pela privação do uso do mesmo e 8.000,00€ a título de danos não patrimoniais) e, ainda, o valor que se vier a liquidar em execução de sentença (pela dita privação, desde a instauração desta acção até efectiva entrega do veículo reparado) e juros de mora vincendos, à taxa legal, sobre as quantias peticionadas, desde a prolação da sentença em primeira instância, até efectivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto, resumindo a sua longa petição, que, em 2013, comprou, a crédito, um veículo automóvel. Após, contratou com a ré, para o mesmo e até que ele atingisse 200.000 km, um seguro "de motor" ("X Garantia Evolution/Evolution Cobertura Prime”).

Sucedeu que, “Em 19 de Outubro de 2017, a viatura começou a ter um comportamento anómalo (perdeu velocidade, fazia um ruído excessivo e anormal no motor, tremia, estava instável)”. Recorreu a uma oficina autorizada pela marca e nesta foi diagnosticado que “o motor/cambota «gripou», carecendo de ser reparado.”
A ré, depois de interpelada e de ter mandado fazer uma perícia, recusou-se a pagar à oficina, ao contrário do que devia, a reparação por esta orçamentada em 4.568,54€, invocando estar excluída a sua responsabilidade, de acordo com o previsto na apólice, por a averiguada causa da avaria radicar em “deficiência de óleo no interior do cárter".
Porém, sempre o veículo fora regularmente assistido, mantido o nível e mudado o óleo e, embora o autor desconheça a causa da avaria, entende que ela não resulta daquela falta nem de qualquer outra acção ou omissão sua.
Desde então, apesar de ter pago os prémios de seguro e de estar a pagar as prestações da compra da viatura, esta encontra-se imobilizada e, assim, o autor impedido de lhe dar a utilização pretendida, situação que, aliada à recusa da ré, o prejudica na sua esfera patrimonial (privação do uso) e, designadamente com as contrariedades subsequentes derivadas da demora e da pendência da demanda em juízo, na não patrimonial (perturbações na sua vida, da sua família e no seu espírito), pelo que pretende ser indemnizado.

Juntou documentos.

Em contestação, a ré defendeu-se [1]:

a) Quanto ao custo da reparação, por excepção peremptória impeditiva (total), uma vez que a causa da avaria remontou a falta de adequada lubrificação do motor, o que integra cláusula contratual específica excludente de responsabilidade; e
b) Por excepção peremptória (parcial), uma vez que o valor económico a esse título clausulado tem o limite de 4.000,00€;
c) Quanto ao dano consequente (privação de uso), por excepção impeditiva (total), dado estar prevista a sua exclusão no contrato;
d) Por impugnação, de facto e de direito, designadamente por os danos não patrimoniais não serem indemnizáveis nos termos do artº 496º, CC.

Juntou documentos.

Em audiência prévia, foi fixado o valor da acção, proferido saneador tabelar, identificado o objecto do litígio [2], enunciados os temas da prova [3] e apreciados os requerimentos probatórios, ordenando-se a realização de perícia.

Efectuada esta, designou-se e realizou-se a audiência de julgamento, nos termos e com as formalidades narradas nas actas respectivas.

Com data de 03-07-2019, foi proferida a sentença que, reconhecendo a obrigação de reparação do veículo e o direito a indemnização por danos não patrimoniais, culminou na seguinte decisão:

Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:

a)- julgar a presente acção parcialmente procedente, por provada na mesma medida, e em consequência condenar a R. a pagar à A. a importância de € 6.500 (seis mil e quinhentos euros), acrescida dos juros, à taxa legal e anual de 4%, desde a data desta sentença até integral pagamento;
b)- absolver a R. do demais peticionado.
Custas pelo A. e pela R. na proporção dos respectivos decaimentos (art.º 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC).
Registe e notifique.”

A não se conformou e apelou, em recurso, a que esta Relação revogue a sentença, tendo apresentado as seguintes conclusões:

“1. As partes na presente ação celebraram um contrato de seguro, na modalidade de “X Garantia Evolution”.
2. É o Manual de Garantia, que o recorrido juntou como doc. 2, com a sua p.i. (e que a aqui recorrente também juntou em versão mais nítida com a sua contestação – cf. doc. 1), que contém o conjunto de cláusulas pelas quais se rege o referido seguro de garantia e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
3. A aqui recorrente recebeu a participação do sinistro feita pelo A. e de imediato deu início aos procedimentos que se encontram previstos nas condições que se encontram no já referido Manual de Garantia.
4. Um dos referidos procedimentos (talvez o mais relevante) é o de ordenar uma peritagem ao veículo do segurado, tendo sido isso o que foi de imediato feito.
5. A peritagem é fundamental porque permite à seguradora (aqui recorrente) ficar a saber não só que tipo de avaria é que está em causa como as origens da mesma, ficando assim habilitada a concluir pela situação da avaria em relação ao seguro, ou seja, se está ou não coberta pelo mesmo.
6. A peritagem foi efetuada por uma empresa conhecida no mercado e independente, denominada Y AUTOMOTIVE SOLUTIONS PORTUGAL, S.A., que é a filial portuguesa de uma multinacional alemã, que se dedica a este tipo de prestação de serviços.
7. A aqui recorrente contratou a referida empresa para que efetuasse a peritagem ao motor do veículo do aqui recorrido, tendo sido produzido um Relatório pela Y que a aqui recorrente juntou aos autos com a sua contestação (cf. doc. 6).
8. As conclusões que se podem ler no referido Relatório revelaram que as anomalias que se produziram no motor da viatura foram desenvolvidas em consequência do seu funcionamento em momento anterior com insuficiência de óleo no interior do seu cárter. Esta situação anómala motivou assim o início dos danos no motor, vindo estes a progredir com as horas de trabalho que o motor realizou, até ao momento atual. É nosso parecer que o desenvolvimento destas gripagens poderiam ter sido sempre evitado através de ação de supervisão ou controlo dos níveis dos fluidos, designadamente o nível de óleo do motor, que neste caso concreto foi responsável pela avaria em causa (cf. Relatório, p. 4, doc. 6 da contestação).
9. Atento o conteúdo do Relatório e da conclusão acabada de transcrever, a aqui recorrente recusou assumir a responsabilidade pelo sinistro que lhe fora participado pelo aqui recorrido com base no disposto no n.º 10 do artigo 6.º (Exclusões Específicas) das Condições Gerais da Apólice (cf. pp. 3 e 4 do Manuel de Garantia, doc. 1, com a contestação).
10. Ali se exclui da cobertura, efetivamente, qualquer avaria em que o dano de um componente coberto resultou de um componente não coberto.
11. Ora, de acordo com as conclusões da peritagem, foi o óleo (mais precisamente a sua insuficiência/deficiência) que foi responsável pela avaria que afetou o motor do veículo do A., aqui recorrido.
12. Sucede que o óleo é um lubrificante e, nessa medida, constitui um componente não coberto pelo contrato de seguro porque está expressamente excluído da cobertura do seguro pelo disposto no artigo 6.º, n.º 3, quando ali se refere “lubrificantes e os aditivos de lubrificantes” (cf. Manual de Garantia, doc. 1).
13. Foi assim de acordo com o que se acaba de descrever, e que resultou provado em Tribunal, que a aqui recorrente decidiu recusar a cobertura do sinistro participado pelo recorrido.
14. Atendendo a um requerimento nesse sentido feito pelo A., aqui recorrido, o Tribunal nomeou um perito para produzir um relatório sobre as causas da avaria do motor do veículo do recorrido.
15. Cumprindo o pedido do Tribunal, veio o referido Sr. Perito a preparar um relatório com as conclusões a que chegou.
16. Basicamente, o que consta do Relatório e esclarecimentos que o referido Sr. Perito escreveu é de que os danos que o motor do veículo do aqui recorrido apresenta não foram causados por falta ou insuficiência de óleo, mas sim por as peças avariadas terem sofrido desgaste de utilização ou “fretting” (cf. douta sentença recorrida, pp. 14 (in fine) e 15).
17. Apesar disso, verificou-se que o Sr. Perito não tinha a certeza absoluta, limitando-se a dizer que a causa por ele apontada é a mais provável (cerca de 80%).
18. Esta atitude choca frontalmente com o entendimento manifestado pelos técnicos da Y, que fizeram o Relatório, e que foram ouvidos em Tribunal como testemunhas, tendo sustentado que a mecânica é uma ciência exata.
19. Mas a verdade é que o referido Sr. Perito nem sequer afastou por completo a possibilidade de ter ocorrido a situação que a Y aponta como causa das avarias registadas no motor, apenas entendendo que se trata de uma causa remota ou com poucas possibilidades de ter ocorrido.
20. no relatório da Y não se titubeia, não se hesita, concluiu-se firmemente pela conclusão de que os danos que aparecem no motor do veículo, que apresenta diversas gripagens, foram produzidos pela falta de lubrificação e por mais nenhuma causa.
21. No relatório do Sr. Perito e nos esclarecimentos que posteriormente prestou, não há certezas, mas apenas probabilidades, havendo até cálculo de percentagens, tipo 80%, como se na verdade a mecânica não fosse uma ciência exata.
22. A análise e conclusões do Sr. Perito, nomeado pelo Tribunal, primaram pela pouca clareza e foram titubeantes no sentido de que deixou margem para dúvidas, parecendo mais preocupado em atacar as conclusões a que a Y tinha chegado do que defender ou sustentar ele próprio as suas convicções.
23. A verdade é que, de acordo com o Relatório da Y, ilustradas pelas fotografias que do mesmo constam, mostra que existem gripagens em quase todas as componentes do motor e não apenas uma gripagem no 2.º cilindro do motor.
24. E esse facto que o Sr. Perito não quis reconhecer, apesar de ser bem visível nas referidas fotografias, é que revela que a tese por ele defendida não tinha sustentação factual.
25. Mas voltando ao que acima se transcreveu, a fls. 14 e 15 da douta sentença recorrida, concluiu-se que, ao ter acolhido as conclusões a que chegou o Sr. Perito, nomeado pelo Tribunal, aquela sufragou a tese de que a causa da avaria das peças afetadas no motor do veículo do aqui recorrido foi o desgaste pelo uso ou utilização da viatura, que é, aliás, o único tipo de desgaste que está aqui em causa.
26. Por conseguinte, o Tribunal rejeitou as conclusões a que a Y tinha chegado, no sentido de que foi a deficiente lubrificação a que o veículo esteve sujeito que provocou as gripagens que o motor apresentava e acolheu ou sufragou a tese do desgaste defendida pelo Sr. Perito. As peças avariaram por força dos desgaste decorrente da sua utilização.
27. Sucede, porém, que a própria douta sentença recorrida deu como facto provado que o contrato de seguro que as partes celebraram continha uma definição de “avaria” nos seguintes termos:
28. “De acordo com o artigo 1.º das Condições Gerais entende-se por avaria mecânica a inutilidade operativa (conforme as especificações do fabricante) da peça garantida ou a sua incapacidade para funcionar devido a uma rotura imprevisível ou a uma falha mecânica ou elétrica. Não se inclui nesta definição a redução gradual no rendimento operativo da peça garantida que seja proporcional e equivalente à sua antiguidade e quilometragem, nem os acidentes ou quaisquer influências externas” (cf. ponto 44 dos factos provados, p. 7 da douta sentença recorrida).
29. Ora, conforme resulta desta definição de avaria, ficam excluídos deste conceito a redução gradual no rendimento operativo da peça garantida que seja proporcional e equivalente à sua antiguidade e quilometragem.
30. Conforme se retira da primeira parte da referida definição, para que se considere avaria terá a inutilidade operativa da peça garantida ou a sua incapacidade para funcionar ser devida a uma rotura imprevisível ou a uma falha mecânica ou elétrica.
31. Ora, entende a aqui recorrente que se valer como boa a conclusão a que o chegou o Sr. Perito nomeado pelo Tribunal, ao considerar que os danos que as peças sofreram resultaram de desgaste devido a utilização, não pode concluir-se que uma tal situação caiba no referido conceito de avaria, tal como ele se encontra definido no artigo 1.º das Condições Gerais do Seguro.
32. Parece evidente que quer a letra quer o espírito da definição de avaria que se encontra naquela cláusula que integra a apólice de seguro não abarcam situações em que ocorrem roturas devidas a desgaste pelo uso.
33. As únicas roturas que se encontram cobertas que geram inutilidade operativa são as que são imprevisíveis ou a uma falha mecânica ou elétrica.
34. Parece evidente que não foi o que aconteceu no caso vertente, a julgar pelas conclusões que chegou o Sr. Perito e que o Tribunal, através da douta sentença recorrida, acabou por sufragar.
35. Crê a aqui recorrente que o Tribunal não se terá dado conta desta incongruência, pois de contrário não teria deixado de a examinar e, provavelmente, decidido de forma diferente do que efetivamente decidiu.
36. A verdade, porém, no modesto entender da aqui recorrente, é que as causas que o Sr. Perito apontam para os danos que as peças do motor sofreram (desgaste) não podem ser incluídas na definição de avaria constante do artigo 1.º das Condições Gerais. Deste modo, a conclusão terá de ser a que sempre é verdade que, ainda assim, ou seja, mesmo dando razão às teses do Sr. Perito, a avaria que afetou o veículo do aqui recorrido não se encontra coberta pelo seguro.
37. Constitui pressuposto primeiro para se poder beneficiar das referidas coberturas que as avarias detetadas caibam ou possam ser incluídas no conceito de avaria que se encontra no referido artigo 1.º das Condições Gerais do seguro.
38. No caso vertente, salvo o devido respeito, tal não acontece, pelo que não deveria ter sido decidido que a avaria em causa se encontra coberta pelo seguro.
39. Tão pouco deveria a douta sentença recorrida ter condenado a aqui recorrente no pagamento de um valor indemnizatório a título de danos não patrimoniais.
40. A douta sentença recorrida cita as normas dos artigos 496.º, n.º 1 e 494.º, ambas do Código Civil, para justificar o valor indemnizatório a que chegou.
41. Mas é a própria douta sentença recorrida que reconhece que no cálculo do referido valor deve atender-se ao grau de culpabilidade do responsável e, entre outros fatores, à gravidade do dano, citando os Ilustres Professores Pires de Lima e A. Varela.
42. Depois escreve-se na douta sentença recorrida que a indemnização a arbitrar deve compensar o lesado das dores, desilusões, desgostos e outros sofrimentos suportados (cf. douta sentença recorrida, p. 22).
43. A aqui recorrente recusou-se a pagar o valor da reparação do veículo do recorrido pelas razões que se conhecem, ou seja, porque estava convencida, com base no parecer técnico que recebeu, que a avaria não se encontrava coberta pelo seguro.
44. Não deve assim considerar-se que a aqui recorrente agiu com culpa e não tendo agido com culpa não deveria ser condenada no pagamento de uma indemnização por danos morais que, ainda por cima, no caso vertente se afiguram avultadíssimos.
45. Com efeito, está-se perante uma situação em que houve demora na reparação de um veículo automóvel, e sabe-se que isso pode gerar uma série de incómodos, mas não incómodos que sejam suscetíveis de ser considerados como danos morais, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil.
46. Não se provou em Tribunal que a privação do automóvel tivesse causado ao aqui recorrido incómodos maiores dos que são naturais em situações como esta.
47. Considera-se assim que inexiste fundamento legal e factual para a condenação no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais no caso vertente.

Nestes termos, dando provimento ao presente recurso e revogando em consequência a douta sentença recorrida, cumprirão V.Exas, ILUTRES JUÍZES DESEMBARGADORES, a lei, assim fazendo a costumada e sã JUSTIÇA!”.

O autor, em resposta, salientou que não foi impugnada a matéria de facto, refutou os argumentos da ré, considerando querer esta apenas furtar-se ao pagamento da indemnização, e defendeu que deve ser confirmada a sentença por correcta e justa. [4]

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Corridos os Vistos legais e submetido o caso à apreciação e julgamento colectivo, cumpre proferir a decisão, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos.

Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

Importa aqui exarar quatro fundamentais advertências, prévias à definição e ao conhecimento dos verdadeiros temas do recurso.

Primeira:

O texto apresentado pela recorrente, com 47 conclusões, não cumpre ostensivamente a exigência constante do artº 639º, nº 1, CPC, tal como entendido pacificamente na Doutrina [5] e na Jurisprudência [6].

Ele não é uma síntese devidamente elaborada dos fundamentos e da pretensão recursiva [7].

Limita-se a recortar e a reproduzir ipsis verbis grande parte do texto das alegações, nas quais, aliás, até se relata o iter da causa e, sem suscitar qualquer questão, a tecer meros comentários inconsequentes, em vez de se esforçar pela enunciação, directa e concisa, de qual a tese (ou teses) proposta à reapreciação desta instância.

Apesar disso, esta, porfiando-se, acaba por se encontrar entre o emaranhado de conclusões, essencialmente nas nºs 38 e 47.

Por isso, atentos os princípios da economia, celeridade e da prevalência da substância sobre a forma, considera-se, no casso, ser desnecessário o convite ao aperfeiçoamento facultado pelo nº 3, do artº 639º, CPC.

Segunda:

Apesar das longas considerações sobre a perícia encomendada pela apelante a uma empresa privada e a mandada realizar pelo Tribunal a um Perito da Universidade do Minho, tendo por objecto a identificação da causa da avaria (primeiro tema da prova) e sendo certo que, em face da matéria de facto julgada provada e não provada, o tribunal a quo afastou a tese exceptiva esgrimida na contestação segundo a qual ela teria resultado de falta ou de insuficiência de óleo no cárter do motor (cfr. alíneas d) a f), dos factos não provados) [8], a verdade é que a recorrente se limita a constatar e a salientar a divergência de resultados e daí a, apenas, pugnar pela superioridade da sua perícia em relação à do tribunal apontando a esta algumas críticas de sentido desvalioso e discordante, mas sem nenhuma conclusão concreta e consequente para o objecto do recurso disso retirar com específico reflexo na decisão da matéria de facto e no âmbito de eventual impugnação de qualquer dos seus pontos em termos obedientes ao disposto no artº 640º, CPC.

Com efeito, a apelante direccionou aquilo que nesses termos e a tal respeito referiu apenas para a sustentação de que, em seu entendimento, a avaria, ainda que causada pelo desgaste, está excluída da cobertura prevista na apólice, não apontando qualquer erro de julgamento fundamentadamente imputável à referida decisão, segundo o esquema exigido na referida norma, e estruturado na especificação de quaisquer pontos incorrectamente julgados e, bem assim, na das provas que imporiam outra diversa, tão pouco confluindo, como logicamente se imporia, na indicação de qual a pretendida sobre eles.

Daí que se, porventura, cogitou pôr em causa qualquer parcela da mesma, sempre o recurso seria, nessa parte, de rejeitar liminarmente [9].

Terceira:

Como é óbvio e a recorrente bem revela na sua contestação ter entendido (item 3º), o direito que o recorrido, através da presente acção, pretende fazer valer “assenta no facto de considerar que a avaria sofrida pelo referido veículo se encontra coberta pelo seguro”.

A ele compete, portanto, o ónus da prova de que uma avaria ocorreu – artº 342º, nº 1, CC.

Além de impugnar esse facto, à recorrente compete alegar e provar a matéria integrante de excepções oponíveis.

Sendo certo que, de acordo com o ponto 44 dos factos provados, exclui-se da definição de avaria, para efeitos de cobertura, “a redução gradual no rendimento operativo da peça garantida que seja proporcional e equivalente à sua antiguidade e quilometragem”, a verdade é que ela não pôs em causa que houve avaria no motor, ou seja, que este “gripou”.

Assim como é verdade que jamais a apelante, oportunamente, invocou, como excepção peremptória, que o evento consistiu na referida “redução gradual no rendimento operativo” do motor “proporcional e equivalente à sua antiguidade e quilometragem”. Alegou, isso sim, diversamente, que a avaria verificada teve exclusiva origem na falta ou deficiência de lubrificação do motor e que tal circunstância integra a previsão do nº 10, da cláusula 6ª das Condições Gerais, a qual exclui do âmbito da sua responsabilidade “Qualquer avaria em que o dano de um componente coberto – caso do motor – resultou de um componente não coberto.”

Por isso mesmo, ao introduzir agora, nas alegações e nas conclusões (26ª a 38ª), aquela questão, fê-lo ex novo.

Logo, não pode a mesma integrar o objecto do recurso e ser por nós apreciada.

Como se lembrou no Acórdão desta Relação, de 08-11-2018 [10]:

“1. Quando um recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi abordada nos articulados, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida, então estamos perante o que se costuma designar de questão nova.
2. Por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido, pois só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido.
3. A única excepção a esta regra são as questões de conhecimento oficioso, das quais o Tribunal tem a obrigação de conhecer, mesmo perante o silêncio das partes.
4. Não sendo uma situação de conhecimento oficioso, não pode o Tribunal superior apreciar uma questão nova, por pura ausência de objecto: em bom rigor, não existe decisão de que recorrer. É um caso de extinção do recurso por inexistência de objecto.”.

Tanto assim é que, aliás correctamente, os elementos fácticos relativos
ao resultado da perícia ordenada pelo tribunal recorrido (o descrito desgaste na superfície dos bronzes precursor do progressivo disfuncionamento dessa engrenagem com o moente da cambota) e de que agora tentou lançar mão para, em desespero de causa quanto à aventada mas por aqueles desmentida
causa da avaria (falta de óleo do motor, integrante da excepção da cláusula 6ª, nº 10), não constam entre os factos elencados ao abrigo do nº 4, do artº 604º, CPC.

Eles não tinham que constar por serem apenas elementos de prova (resultantes da perícia) a ponderar enquanto contraditórios da factualidade essencial (controvertida) alegada pela apelante concernente à alegada excepção (os das alíneas d) a f), do elenco dos não provados).

Nem têm que constar – nem, de resto, aquela defendeu, no recurso, o seu aditamento – para o efeito de eventual subsunção à hipótese convencional da exclusão da definição de avaria (ou seja, de que nenhuma ocorreu) e consequentemente do âmbito de cobertura (a tal redução prevista na cláusula 1ª. Muito menos, como impugnação, ainda que motivada, dos invocados pelo recorrido. [11]

Não resulta, pois, do alegado em tal contexto, qualquer questão recursiva que pela Relação deva ser decidida.

De resto, além de nova, nenhum mérito se antevê em tal argumentação, pelo que sempre a mesma resultaria inconsequente. [12]

Quarta:

Muito embora, a dado passo, a recorrente questione a sua condenação em indemnização por danos morais por não verificação dos respectivos pressupostos, dizendo que, no caso, os considerados (talvez tivesse querido dizer, o respectivo valor) se lhe “afiguram avultadíssimos”, a verdade é que não defendeu, muito menos justificada e concretamente, a sua redução, ainda que a título subsidiário, muito menos alegou a medida da mesma. Daí que apenas à apreciação daqueles se cinja o problema.

Desta sorte, as questões a resolver confinam-se ao seguinte:

a) Saber se as pela autora alegadas anomalias verificadas no motor do veículo (avaria) não se encontram cobertas pelo contrato de seguro firmado.
b) Saber se inexistem factos integrantes de culpa e da gravidade do dano legalmente bastantes para fundamentar a indemnização por danos não patrimoniais (artºs 494º e 496º, CC).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal recorrido considerou relevantes e decidiu julgar como provados os seguintes factos, que se dão aqui por fixados, uma vez que, como se viu, não foi deduzida impugnação de tal matéria como exige o artº 640º, CPC, e nenhuma alteração oficiosa ao abrigo do artº 662º, nos parece impor-se:

A)- Factos provados

Realizado o julgamento, com relevância para a boa decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:

1) No ano de 2013, o A. adquiriu no Stand "G. Automóveis", sito na Avenida …, Caminha, o veículo ligeiro de passageiros, da marca Renault, modelo Megane II Breake Diesel Fase, com a matrícula DE;
2) A propriedade do veículo descrito em 1) encontra-se registada a favor do A.;
3) Para a aquisição do automóvel referido, o A. recorreu ao crédito, tendo celebrado um contrato de financiamento com a X, com sede na Av. … Lisboa;
4) Após a celebração do contrato anteriormente referido, o A. foi contactado telefonicamente, tendo-lhe sido proposta a contratação de um seguro "de motor" ("X Garantia Evolution/Evolution Cobertura Prime), do qual beneficiaria até o seu automóvel atingir os 200.000 (duzentos mil) km;
5) O A. aceitou a proposta e subscreveu tal seguro, pagando um prémio mensal que, em 2017, se cifrava em €17,00 (dezassete euros);
6) Ao contrato de seguro mencionado em 5) foi atribuído o n.º 1024033;
7) A R. é uma "companhia global de seguros" que se assume como "especialistas em assistência, prestação de serviços (através da marca W ASSISTANCE), bem como seguros para riscos especiais (através da marca W WARRANTY)";
8) O A. sempre cumpriu pontualmente com as suas obrigações contratuais para com a R., designadamente pagando o prémio do seguro;
9) Em 19 de Outubro de 2017, a viatura DE começou a ter um comportamento anómalo (perdeu velocidade, fazia um ruído excessivo e anormal no motor, tremia estava instável), pelo que o A. recorreu à assistência mecânica da BC, Lda., em …, agente oficial Renault;
10) Que efectuou uma análise técnica ao veículo DE e concluiu que o motor/cambota do veículo DE "gripou”;
11) O veículo DE apresenta gripagem dos bronzes de biela do 2.º cilindro do motor, os quais causaram danos na cambota do motor, e a sua reparação que ascende a € 4.568,54;
12) Foi transmitido à R. a ocorrência do sinistro referido;
13) A R. solicitou o envio de documentos à BC, o que ela fez;
14) O automóvel DE foi submetido à peritagem decidida pela R.;
15) Peritagem que teve lugar após a desmontagem do DE, também por decisão da R. e do Perito por esta nomeado;
16) Na sequência dessa perícia, a R. excluiu a sua responsabilidade, alegando que a avaria no motor foi motivada pela "deficiência de óleo no interior do cárter", que se trata de um "componente não coberto", encontrando-se o mesmo "expressamente excluído das coberturas";
17) Inconformado, o A. apresentou em 09/11/2017 uma reclamação; 18) Obtendo da R. uma resposta, na qual mantém a exclusão da sua responsabilidade, comunicando que não assumia a responsabilidade pela ocorrência do sinistro;
19) Desde que o A. o adquiriu em 2013, o automóvel DE foi sempre assistido na BC;
20) Antes dessa aquisição, também o Stand "G. Automóveis" fez na referida oficina uma revisão geral;
21) Aquando da desmontagem do veículo, o nível de óleo do motor era o recomendado;
22) Nunca o DE deu entrada nessa oficina com o óleo abaixo do nível;
23) Nas revisões de manutenção, efectuadas a cada 13000 km, foi sempre aplicado o óleo recomendado pela Renault;
24) O A. encontra-se privado do seu automóvel desde a data em que este foi entregue à BC;
25) O DE está imobilizado na referida oficina desde 19/10/2017;
26) Aguardando que a R. suporte os custos com a reparação;
27) A R. não assume tal pagamento;
28) O A. não dispõe de possibilidades económicas que lhe permitam suportar tal conserto;
29) Nem dos meios financeiros necessários à aquisição de um outro veículo, por mais económico que seja;
30) Pois são parcos os rendimentos do seu agregado familiar.
31) O A. cumpre ainda com o pagamento do crédito contratado para aquisição do DE;
32) A oficina encontra-se em condições de proceder imediatamente à reparação e à entrega, em escassos dias, do DE ao A.;
33) O A. é pescador, sendo o Domingo o único dia que tem para desfrutar da sua família;
34) Era habitual o A. e a sua família aproveitarem este dia para, tal como a maioria das famílias, passear e visitar locais de interesse;
35) Porém, desde que o automóvel avariou, já não é possível fazer essas pequenas viagens em família, pois o A. não dispõe de outro veículo com iguais características;
36) O facto de a R. se recusar a reparar o veículo DE causa grande preocupação e desassossego ao A.;
37) O sente o A. angústia, aflição e ansiedade em face da necessidade de propor uma acção, que durará meses até obter um desfecho, pois até então continuará a ser privado do seu automóvel;
38) O A. celebrou com o R. um contrato de seguro denominado X Garantia Evolution, titulado pela Apólice n.º 1024033BMPRIM, cujas Condições Gerais e Especiais estão incluídas no Manual de Garantia (MG), que foi entregue ao A. e que este junto com a sua petição inicial como documento 2;
39) As Condições Particulares constam do documento 3 junto pelo A. com a petição inicial;
40) O A. contratou com a R. a cobertura Prime prevista nas Condições Especiais do Manual de Garantia (MG) referido em 36);
41) O referido contrato teve um período de vigência de 61 meses, compreendido entre 29 de Abril de 2014 e 29 de Maio de 2019;
42) Nos termos do art.º 2.º das respectivas Condições Gerais, o contrato referido em 38) é destinado aos proprietários de viaturas que adiram ao mencionado seguro e tem por objecto segurar as possíveis perdas pecuniárias que o proprietário do veículo (segurado) possa ter, face a avarias do veículo, causadas por circunstâncias distintas de acidentes ou quaisquer outras influências externas, manifestadas durante o período de cobertura de cada risco protegido pelo seguro;
43) Igualmente nos termos do art.º 2.º daquelas Condições Gerais, a cobertura daquele seguro para cada veículo tem apenas por finalidade eventuais reparações de veículo garantido (peças e mão-de-obra) necessárias à sua reposição no estado de funcionamento anterior à avaria não cobrindo danos ou prejuízos indirectos causados por avaria, mau funcionamento de qualquer peça ainda que abrangidos pela garantia ou acidente. Entrará em vigor após o termo da garantia do fabricante do veículo e pelo prazo estipulado na proposta do seguro. (…), sendo que O Segurador assumirá o custo da reparação ou substituição das peças que estejam descritas na Condição Especial e que sejam necessárias para o funcionamento correcto do veículo após uma avaria ocorrida durante o período do Seguro;
44) De acordo com o art.º 1.º das Condições Gerais, entende-se por avaria mecânica a inutilidade operativa (conforme as especificações do fabricante) da peça garantida, ou a sua incapacidade para funcionar, devido a uma rotura imprevisível ou a uma falha mecânica ou eléctrica. Não se inclui nesta definição a redução gradual no rendimento operativo da peça garantida que seja proporcional e equivalente à sua antiguidade e quilometragem, nem os acidentes ou quaisquer influências externas;
45) A cobertura contratada pelo A. cobre as peças do motor, da caixa de velocidades manual e da caixa de velocidades automática indicadas na “Condição Especial 03” do Manual de Garantia (MG) referido em 38), mais concretamente na sua página 13 (fls. 20 dos autos);
46) Do "Aviso Importante" inserto imediatamente a seguir à referida “Condição Especial 03” consta que "As peças e componentes que não estiverem expressamente indicados nesta C.E. estão excluídos da presente Garantia”;
47) No art.º 7.°, n.º 2, das Condições Gerais que integram o referido contrato é estabelecido o limite económico de € 4.000,00 (quatro mil euros) para o conjunto de sinistros que ocorram durante cada anuidade do seguro;
48) No n.º 4 do cit. art.º 7.º está prevista a possibilidade de a seguradora aplicar uma taxa de depreciação de 20% sobre o valor das peças novas ou recondicionadas;
49) A R. recebeu a participação de um sinistro relacionado com o veículo do aqui A. no dia 19 de outubro de 2017 através de um email que lhe foi enviado pela entidade reparadora (oficina) "BC, Lda”;
50) No referido documento, que recebeu daquela oficina, aparece a indicação de que o veículo do A. tinha 154.560 km e que o seu motor enfermava de uma avaria e que após o diagnóstico efetuado concluíram que o motor estava gripado;
51) No mesmo dia, a R. acusou a recepção da participação feita pela referida oficina e solicitou informações adicionais à referida oficina, designadamente sobre as manutenções que tinham sido feitas ao veículo da A.;
52) Em 23 de outubro de 2017, a R. solicitou à Y Automotive Solutions uma peritagem ao veículo do A.;
53) No dia 25 de outubro de 2017, a R. emitiu a necessária autorização da sua parte para que o cárter do motor do veículo pudesse ser desmontado com o objetivo de ser realizada a peritagem, fazendo no entanto depender tal autorização de autorização prévia a fornecer por parte do proprietário do veículo (aqui A.);
54) Nesta senda foi realizada a peritagem ao veículo do A., pela já mencionada Y Automotive Solutions, que elaborou um Relatório de onde constam os resultados dessa peritagem;
55) O referido Relatório foi recebido pela R. no dia 30 de outubro de 2017;
56) Nesse Relatório concluiu-se que:"as anomalias que se produziram no motor da viatura foram desenvolvidas em consequência do seu funcionamento em momento anterior, com insuficiência de óleo no interior do seu cárter, em nosso parecer, motivado por deficiente controlo do seu nível, conforme recomendação dos manuais de utilização da viatura. Esta situação anómala, motivou assim o início dos danos no motor, vindo estes a progredir com as horas de trabalho que o motor realizou, até ao momento atual. É nosso parecer que o desenvolvimento destas gripagens, poderiam ter sido sempre evitadas, através da ação de supervisão, ou controlo dos níveis dos fluidos, designadamente o nível de óleo do motor, que neste caso concreto foi responsável pela avaria em causa. O próprio fabricante da viatura alerta para a necessidade da sua verificação e controlo do nível, com regularidade. Alguns fabricantes alertam ainda através do manual de instruções das suas viaturas, referindo que sempre que se inicie uma viagem longa, ou se ateste de combustível a viatura, deve-se verificar, ou mandar verificar os níveis de fluidos, uma vez ser normal o consumo de óleo nos motores das viaturas, mesmo em condições normais de funcionamento, sendo estas verificações da inteira responsabilidade dos utilizadores das viaturas.";
57) Face ao teor e conclusões do referido Relatório, a R. decidiu recusar assumir o pagamento do sinistro por entender que se encontrava verificado ou preenchido o previsto numa cláusula de exclusão específica da cobertura do seguro, designadamente a que consta do n.º 10 do artigo 6.° ("Exclusões Específicas") das Condições Gerais da Apólice.”

Mais decidiu julgar:

B) - Factos não provados

Não resultaram provados outros factos com relevância para a boa decisão da causa, designadamente que:

a) O A. adquiriu o veículo referido em 1) pelo preço de € 11.000;
b) O contrato de seguro mencionado em 5) encontra-se titulado pela Apólice n.º 1024033;
c) Foi o A. que participou à R. o sinistro referido;
d) As anomalias que se produziram no motor da viatura do A. foram desenvolvidas em consequência do seu funcionamento, em momento anterior, com insuficiência de óleo no interior do seu cárter, motivado por deficiente controlo do seu nível,
e) A insuficiência/deficiência do óleo foi o concreto responsável pela avaria em causa;
f) O veículo do A. circulou durante um certo período com falta ou insuficiência de óleo no cárter;
g) O tomador do seguro é a X, enquanto que o segurado e beneficiário é o aqui A.;
h) O prémio do seguro referido é de cobrança upfront, ou seja, o prémio é pago na totalidade ab initio pelo Tomador;
i) Na data de 19 de outubro de 2017, a referida oficina respondeu ao referido em 51).
*
A restante matéria alegada pelas partes não versada nos factos provados e não provados é irrelevante, conclusiva e/ou de direito. “

Para tanto, expôs a seguinte:

“C)- Motivação da matéria de facto

Os factos descritos em 2), 38) a 48) e 49) a 57) estão provados por documentos (cfr. docs. 1, 2 e 3 juntos com a petição inicial e docs. 2 a 6 juntos com a contestação) cuja genuinidade e fidedignidade não foram fundadamente impugnados.
Os factos vertidos em 3) a 7), 12) a 18) e 27) estão confessados ou admitidos por acordo, atenta a posição assumida pelas partes nos respectivos articulados (art.º 574.º, n.º 2, do CPC).
No que tange aos factos controvertidos, o tribunal formou a sua convicção para os julgar provados ou não provados na análise crítica das declarações do A., dos depoimentos das testemunhas, dos documentos juntos aos autos e na perícia realizada, tudo devidamente examinado em julgamento, à luz das regras da experiência comum e critérios de normalidade.
Assim, quanto aos factos vertidos em 1) e 19) a 23), o tribunal teve em consideração as declarações do A. e os depoimentos das testemunhas F. R., proprietário do Stand “G. Automóveis”, B. A., sócio e gerente da sociedade BC, Lda, sociedade que foi representante da Renault até Dezembro de 2018, e A. C., mulher do A. .
O A. afirmou que adquiriu o veículo automóvel descrito em 1) no Stand G. Automóveis, em …, Caminha, no ano de 2013, e que desde essa data fez todas as revisões na “marca” (Renault), de 10.000 km em 10.000.
Embora não tenha precisado a data da aquisição do veículo, a testemunha A. C. referiu que o veículo estava para completar 5 anos quando se deu a avaria (cuja data indicou ter sido em 19/10/2017).
A testemunha F. R. confirmou que o A. adquiriu o veículo automóvel referido em 1) no seu “Stand” e acrescentou, com interesse para os factos em apreço, que mandou efectuar, depois de ter vendido o veículo mas ainda antes de o entregar ao A., uma revisão geral na BC (agente da Renault em Vila Praia de Âncora), o que é confirmado pelo documento 11 junto com a petição inicial (cfr. fls. 31).
Apesar da testemunha B. A. ter dito que não se lembrava em que ano é que o A. comprou o veículo automóvel referido em 1), do documento 11 junto com a petição inicial (cfr. fls. 31vº) – 2.ª via de uma factura datada de 30/04/2013 - resulta que foram facturados ao Stand Automóveis G. serviços e componentes relativos ao veículo referido em 1). Além disso, do documento 7 junto com a petição inicial (cfr. fls. 27), emitido pela sociedade BC e assinado por esta testemunha, consta que desde Abril de 2013 o veículo referido tem sido sempre assistido naquela oficina, mormente para fazer as revisões, o que também foi confirmado pela testemunha.
Esta testemunha também afirmou, confirmando o teor dos documentos 7 e 10 juntos com a petição inicial (cfr. fls. 27 e 31vº), que o veículo nunca deu entrada na oficina com óleo abaixo do nível, que as revisões eram feitas de 13.000 em 13.000 km, que o óleo era o recomendado pela marca e que, quando foi desmontado, o motor tinha o nível de óleo recomendado.
Dos depoimentos das testemunhas F. R. e B. A. (que mereceram credibilidade por não terem sido postos em causa por qualquer outro elemento de prova) resulta que, desde a sua aquisição pelo A., o veículo tem feito a sua manutenção e revisão na BC.
Considerando que tal manutenção e revisão vem acontecendo desde Abril de 2013 (cfr. docs. de fls. 27 e 31vº), o tribunal concluiu que efectivamente o A. adquiriu, como afirmou e foi secundado (embora com menor precisão) pela testemunha A. C., o referido veículo no ano de 2013, ao Stand G. Automóveis, nos termos que se fizeram constar em 1).
Com base nos mesmos elementos de prova, dos quais se destaca por ser o mais relevante, o depoimento da testemunha B. A., o tribunal ficou igualmente convencido da verificação dos factos vertidos em 19) a 23, razão pela qual os julgou provados.
No que concerne aos factos descritos em 8) e 31), o tribunal teve em conta as declarações de parte do A., que os confirmou, e os depoimentos das testemunhas A. C. e A. R., filha do A., que de forma unânime e segura afirmaram que o A. pagou sempre o prémio de seguro e o crédito que contraiu para a aquisição do veículo, mesmo depois da avaria, afirmações que o tribunal considerou verosímeis por não terem sido contrariadas por qualquer elemento de prova.
Quanto aos factos insertos em 9) a 11) e 32), o tribunal considerou as declarações de parte do A., o depoimento da testemunha B. A., o orçamento de fls. 30, o documento de fls. 47 (comunicação da BC à R. de 19/10/2017) e os relatórios periciais de fls. 71-75 e de fls. 79 a 86.
Nas declarações que prestou, o A. confirmou o comportamento anómalo do seu veículo no dia 19/10/2017, relatando que o veículo fazia os barulhos descritos em 9) e que, por isso, o levou à oficina da marca.
Por seu turno, a testemunha B. A. confirmou que a viatura do A. deu entrada na sua oficina no dia 19/10/2017 e que constatou que o motor falhava e fazia barulho. Acrescentou que, após verificarem o motor do veículo, concluíram que cambota tinha “gripado”.
A perícia realizada concluiu (cfr. relatórios de fls. 71-75 e de fls. 79 a 86) que o veículo do A. apresenta uma gripagem dos bronzes de biela no 2.º cilindro do motor que causaram danos na biela e na cambota do motor (cfr. fls. 72 e 75), o que o tribunal considerou provado pelas razões que adiante melhor se referirão.
Quanto ao valor da reparação considerou-se o documento de fls. 26vº, elaborado pela oficina BC, Lda, do qual resulta que a substituição do motor não exige mais do que 12 horas de mão-de-obra (o que nos leva a crer que a reparação se poderá estender, no máximo por 2 dias).
Não foi apresentado pela R. qualquer documento ou outra prova que infirmasse os valores que constam daquele documento, pelo que o tribunal não tem motivo para duvidar da sua adequação.
A testemunha B. A. confirmou que o veículo DE ainda hoje se encontra imobilizado na sua oficina, sem estar reparado.
Por seu lado, o A. e as testemunhas A. C. e A. R. (respectivamente mulher e filha do A.) afirmaram que o veículo DE está imobilizado na oficina da BC, Lda desde 19/10/2017 à espera de ser reparado porque o A. não tem possibilidades económicas que lhe permitam suportar essa reparação.
A testemunha A. C. (que referiu estar em processo de divórcio com o A.) acrescentou que o A. é pescador e que, tal como ela, aufere o salário mínimo nacional e que têm uma filha em comum, actualmente com 13 anos.
Estes depoimentos, aliados ao facto de ter sido concedido ao A. apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo, levaram o tribunal a concluir que o A. tem uma condição económica (modesta) que não lhe permite custear a reparação superior a € 4.000 do seu automóvel ou adquirir outro veículo.
Assim, o tribunal não teve dúvida em julgar provados os factos vertidos em 24) a 26) e 28 a 30).
Os factos descritos em 33) a 37) foram confirmados quer pelo A., quer pelas testemunhas A. C. e A. R. de forma que o tribunal considerou credível.
Com efeito, de acordo as regras da experiência, a maioria das pessoas que não trabalham ao fim de semana aproveitam o domingo para estar e passear com a família, nomeadamente para visitar locais que ainda não conhecem, utilizando para o efeito o seu veículo automóvel.
Parece-nos, pois, verosímil que o A. integre essa maioria de pessoas que aproveita o domingo para passear com a família, sobretudo porque tem uma filha de 13 anos, que com a curiosidade própria dessa idade certamente demonstra interesse em conhecer outras terras e pessoas.
Ora, como o A. apenas dispõe, como o próprio referiu (e foi secundado por aquelas duas testemunhas), além do veículo DE, de uma carrinha de 2 lugares que usa durante a semana na sua actividade de pescador, esses passeios deixaram de ser possíveis desde que o veículo DE se avariou.
Por outro lado, parece-nos crível que o A. tenha sofrido e sofra preocupações e desassossego com o facto de a R. se recusar a reparar o veículo DE e que sinta angústia, aflição e ansiedade em face da necessidade de propor uma acção, que durará meses até obter um desfecho pois está privado do uso do seu automóvel o que afecta a sua vida da forma descrita.
*
Os factos não provados assim foram julgados por não se ter feito prova ou prova credível da sua verificação.
No que respeita ao preço do veículo DE, não foi junto aos autos qualquer documento que comprove que a aquisição foi realizada pelo valor de € 11.000, indicado pelo A., motivo pelo qual o tribunal considerou tal facto não provado.
Do documento 3 junto pelo A. (cfr. fls. 23vº) resulta que o n.º 1024033 corresponde ao contrato de seguro e não à respectiva apólice; - daí se ter julgado não provado o facto vertido na al. b).
Como decorre do documento 2 junto com a contestação (fls. 47) quem participou o sinistro à R. foi a sociedade BC, Lda, no dia 19/10/2017, e não o A. – como se refere na al. c).
Como se disse, no que tange à causa das anomalias no motor do veículo DE, mais concretamente da gripagem do motor [factos descritos em d) a f)], o Sr. Perito concluiu (cfr. relatórios de fls. 71-75) que o veículo do A. apresenta uma gripagem no 2.º cilindro do motor, com destruição completa dos bronzes, que saíram do seu alojamento e causaram danos na biela e na cambota do motor (cfr. fls. 72).
Na sequência dos esclarecimentos pedidos, veio o Sr. Perito (cfr. relatório de fls. 79 a 86) salientar que existe uma forte probabilidade (superior a 80%) de que a causa dessa gripagem resulta de desgaste por fadiga (dos bronzes, já que observou esse desgaste na superfície interior dos bronzes) e desgaste progressivo por fretting (já que observou esse padrão de desgaste nas costas ou superfície exterior dos mesmos) – cfr. fls. 83 vº.
Na peritagem realizada pela Y – que a R. invocou para recusar assumir o custo da reparação -, concluiu-se, além do mais, como se refere em 56), "as anomalias que se produziram no motor da viatura foram desenvolvidas em consequência do seu funcionamento em momento anterior, com insuficiência de óleo no interior do seu cárter, em nosso parecer, motivado por deficiente controlo do seu nível, conforme recomendação dos manuais de utilização da viatura. (…) É nosso parecer que o desenvolvimento destas gripagens, poderiam ter sido sempre evitadas, através da ação de supervisão, ou controlo dos níveis dos fluidos, designadamente o nível de óleo do motor, que neste caso concreto foi responsável pela avaria em causa. (…) Alguns fabricantes alertam ainda através do manual de instruções das suas viaturas, referindo que sempre que se inicie uma viagem longa, ou se ateste de combustível a viatura, deve-se verificar, ou mandar verificar os níveis de fluidos, uma vez ser normal o consumo de óleo nos motores das viaturas, mesmo em condições normais de funcionamento, sendo estas verificações da inteira responsabilidade dos utilizadores das viaturas."
O técnico da Y que efectuou esta peritagem, A. M. (técnico de peritagens na Y), foi ouvido na qualidade de testemunha, indicada pela R., e afirmou que mantinha as conclusões constantes da “reportagem técnica” junta pela R. como documento 6 (cfr. original de fls. 95-100), mesmo quando em confronto com o Sr. Perito nomeado pelo Tribunal.
Também a testemunha A. J., coordenador da equipa de perícias na Y, indicada pela R., que fez a revisão e subscreveu a referida “reportagem técnica”, afirmou que subscrevia integralmente o relatório.
Quando confrontado com as conclusões do Sr. Perito, no sentido de que a gripagem do motor se deveu ao desgaste dos bronzes por fadiga e por fretting e não por deficiente controlo do nível do óleo (cfr. relatórios periciais e esclarecimentos do Sr. Perito na audiência em julgamento), designadamente por não ter encontrado desgaste por cavitação (que teria de existir se se tivesse verificado uma insuficiência de óleo), disse de forma depreciativa “o Perito pode ter inventado o que quiser”.
Na audiência de julgamento, o Sr. Perito reiterou o teor dos seus relatórios periciais e afirmou discordar com as conclusões constantes da “reportagem técnica” da Y porque não encontrou evidências de falta de óleo no reservatório, mormente desgaste por cavitação.
Analisando criticamente os elementos de prova acabados de referir, o tribunal deu prevalência às conclusões resultantes da perícia, extratadas nos relatórios periciais referidos.
E não o fez com fundamento num suposto argumento de autoridade (o magister dixit invocado pelo ilustre mandatário da R. nas suas alegações) mas porque tal se impõe face às regras substantivas que regulam a prova.
Com efeito, como prescreve o art.º 388.º do CC, a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial.
Além conhecimentos especiais que os julgadores não possuem (e que também, por maioria de razão, a generalidade das pessoas não possui), os peritos não podem ter qualquer interesse em relação ao objecto da causa nem ligação com as partes e (art.º 467.º, n.º 4, do CPC) e estão sujeitos ao regime de impedimentos e suspeições que vigora para os juízes, com as devidas adaptações (art.º 470.º, n.º 1, do CPC).
Assim, pese embora a força probatória das respostas dos peritos seja fixada livremente pelo tribunal (art.º 389.º do CC), a prova pericial não pode ter o mesmo valor que uma peritagem realizada por uma empresa que se dedica a essa actividade de forma lucrativa e que depende das companhias de seguro, a quem presta serviços, para sobreviver.
Na verdade, estas empresas, dado o seu escopo lucrativo, não beneficiam – nem podem beneficiar - do mesmo estatuto de imparcialidade e de isenção que os Peritos.
O mesmo raciocínio se estende à prova testemunhal, designadamente aos “peritos averiguadores” dessas empresas prestadoras de serviços às companhias de seguros.
No que ao caso concreto diz respeito, é preciso atentar às qualificações técnicas, académicas e profissionais do Sr. Perito nomeado pelo Tribunal, por um lado, e as qualificações técnicas e profissionais do técnico averiguador da Y (muitíssimo mais modestas do ponto de vista técnico e científico), que se evidenciaram, de forma flagrante, na maior fluência do discurso, na melhor fundamentação técnica e no conhecimento científico mais profundo demonstrados pelo Sr. Perito na defesa das suas posições.
A firmeza e qualidade científica do relatório pericial e dos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito não foi minimamente abalada pelo depoimento da testemunha A. J., que apesar da sua formação académica em engenharia mecânica, não convenceu o Tribunal (não só porque é funcionário da Y mas também porque não demonstrou um grande conhecimento técnico e rigor científico) de que o Sr. Perito errou na perícia ou, como referiu esta testemunha, “inventou” as conclusões constantes da perícia.
Finalmente, a demais materialidade apurada atinente ao estado de funcionamento e de manutenção do veículo DE é consentânea com as conclusões da perícia.
Com efeito, como decorre da materialidade descrita em 19) a 23), o A. foi sempre cuidadoso com o veículo, fez as revisões antes do momento recomendado pela Renault e com o óleo indicado por esta marca. Além disso, quando foi feita a desmontagem do motor, o nível do óleo era o recomendado, o que infirma as conclusões da Y de falta de controlo dos níveis do óleo.
Por tal motivo, o Tribunal não teve a menor dúvida de que a gripagem do motor do veículo DE não se deveu às causas referidas nas als. d) a f).
Não foi produzida qualquer prova (mormente testemunhal ou documental) dos factos vertidos nas als. g) a i), pelo que foram tais factos julgados não provados.
A testemunha P. C., Director Técnico da R., nada de relevo acrescentou quanto aos factos alegados, mas fez questão de referir, para excluir (agora com fundamento diferente do alegado na contestação inicial) a responsabilidade da R., que a cobertura Prime contratada pelo A. cobre a biela do motor mas não a capa da biela, ou seja, veio defender que a capa da biela é uma peça diferente – e por isso não coberta pelo seguro – da biela.“

IV. APRECIAÇÃO

A questão da avaria

Invocando o contrato de seguro, de acordo com cujas cláusulas a ré se obrigou a cobrir o risco de avaria das peças indicadas do veículo em causa e, consequentemente, a assumir e a pagar directamente à oficina o custo orçamentado da reparação ou substituição (incluindo a mão-de-obra), alegou o autor que o motor (expressamente ali incluído) “gripou”.

Como lhe competia, resultou efectivamente provado que em Outubro de 2017, a viatura começou a ter um comportamento anómalo (perdeu velocidade, fazia um ruído excessivo e anormal no motor, tremia estava instável).

Examinada em oficina autorizada da marca, concluiu-se que o motor/cambota "gripou”, apresentando concretamente “gripagem” dos bronzes de biela do 2.º cilindro do motor, os quais causaram danos na cambota do motor, e que o custo da reparação ascenderia a 4.568,54€ - factos 9 a 11.

Nos termos da cláusula 1ª das referidas Condições, “entende-se por avaria mecânica a inutilidade operativa (conforme as especificações do fabricante) da peça garantida, ou a sua incapacidade para funcionar, devido a uma rotura imprevisível ou a uma falha mecânica ou eléctrica. Não se inclui nesta definição a redução gradual no rendimento operativo da peça garantida que seja proporcional e equivalente à sua antiguidade e quilometragem, nem os acidentes ou quaisquer influências externas.”

De que ocorreu uma avaria (e grave) no motor ninguém duvida.

Já atrás se referiu que a ré, na contestação, apenas excepcionou – mas não provou – como causa da dita avaria e, portanto, de irresponsabilidade, a falta ou insuficiência do óleo de lubrificação do motor.

Também já atrás se referiu que a por si tentada invocação, agora, nesta fase de recurso, de que se estaria face a uma “redução gradual no rendimento operativo da peça …”, ou seja, do motor, “proporcional e equivalente à sua antiguidade e quilometragem” e, portanto, numa situação excluída do conceito de avaria tal como convencionado na cláusula 1ª, não só esbarra com o obstáculo de carácter processual relativo à impossibilidade de introduzir nesta instância tal questão nova, como não resulta dos factos apurados, uma vez que de modo nenhum a tal correspondem as anomalias detectadas. Pelo contrário [13].

Ainda, assim, a recorrente (conclusões 36ª a 38ª) insiste que “mesmo dando razão às teses do Sr. Perito, a avaria que afetou o veículo do aqui recorrido não se encontra coberta pelo seguro”, por as anomalias detectadas não caberem no conceito de avaria, tal como contratualmente definido, ou seja, a “inutilidade operativa da peça” ou a sua “incapacidade para funcionar, devido a uma rotura imprevista ou a uma falha mecânica ou eléctrica" (pressuposto primeiro, como refere, para o autor beneficiar da cobertura).

Ora, não há dúvida que, independentemente da sua origem, a “gripagem” é uma avaria, naquela sentido.

Com efeito, verifica-se a impossibilidade de o motor funcionar e propulsionar o veículo, por falhas cuja origem e explicação não extravasam o conceito clausulado. Estas são alheias a qualquer das hipóteses excludentes. Devem-se ao atrito provocado entre peças, à redução de capacidade de lubrificação das mesmas, o que resulta, por um lado, da concepção e, por outro, da própria fadiga derivada da sua constante operação contrtastante e não propriamente do desgaste pelo uso traduzido na antiguidade e quilometragem do veículo, nem de qualquer falta ou insuficiência de lubrificação no cárter, como elucidou, aliás, o relatório pericial e seu complemento juntos.

A este respeito, considerou-se, aliás, na sentença:

“A gripagem pode definir-se, como se refere no relatório pericial de fls. 83, como a soldadura dos materiais após fusão.
A gripagem do motor do veículo DE (resultante da gripagem dos bronzes de biela do 2.º cilindro do motor) é, sem sombra de dúvida, uma avaria mecânica porque se traduziu numa inutilidade operativa do motor do veículo automóvel (do motor) e resultou de uma falha mecânica imprevisível (não programada pelo A. e inesperada).
Esta avaria está coberta pelo seguro que o A. contratou já que ocorreu no motor e em peças descritas nas condições especiais da “Cobertura Prime”, a qual abrange, além de outras, a reparação e substituição da cambota e as bielas do motor.
Contrariamente ao alegado pela R. na sua contestação, a avaria não foi causada pela insuficiência de óleo no cárter, motivada por deficiente controlo dos seus níveis, ou seja, não foi causada pela actuação negligente do A.
A R. não logrou, portanto, provar a exclusão que invocou para recusar assumir o pagamento da reparação do veículo do A., pelo que terá se ser condenada na correspondente obrigação.
A reparação do motor do veículo DE ascende, como ficou provado, ao valor de € 4.568,54.
Contudo, atento o limite económico € 4.000,00 (quatro mil euros) para o conjunto de sinistros que ocorram durante cada anuidade do seguro, a R. apenas pode ser condenada a pagar ao A., pelo custo da reparação do veículo DE, a quantia de € 4.000.”

Nada tendo a ver com a idade e rodagem da viatura, resultou provada, pois, pelo recorrido a avaria do respectivo motor por falha mecânica do mesmo que conduziu à sua inoperacionalidade e, assim, preenchida a previsão da cláusula 1ª do contrato.

Sem necessidade, pois, de quaisquer outras considerações, improcede o recurso quanto a esta questão.

A questão dos danos não patrimoniais.

Tendo a ré recusado assumir o pagamento da reparação a pretexto de que a causa da avaria – na perspectiva por si adoptada e, aliás, escorada na averiguação que mandou fazer a uma empresa de peritagens e no parecer do técnico desta, [14] radicava na falta de óleo no cárter do motor [15] –, pediu o recorrido – além de indemnização pela privação do uso que a sentença afastou sem que tal tenha sido posto em causa – uma compensação, no montante de 8.000€, por, em consequência da recusa, estar, ele e família, desde Outubro de 2017, sem poder utilizar, designadamente nos seus passeios de Domingo, a viatura (adquirida com financiamento que continua a pagar em prestações), uma vez que não tem capacidade financeira para adquirir outra em substituição nem desembolsar o respectivo custo da reparação orçamentada, vendo-se assim perturbado e lesado na sua vida e tranquilidade pessoais, não só por se ver afrontado nas suas expectativas e a braços com a necessidade de instaurar esta demanda como também por se sentir limitado na fruição própria e familiar a que a destinava nas horas de convívio e lazer.

Entendeu sobre isso o tribunal a quo:

“Quanto a esta questão, a R. defende que tais danos não assumem gravidade bastante para terem cobertura legal e nunca poderiam ser imputáveis à R., que cumpriu todas as suas obrigações.
Embora em tempos controversa, é hoje maioritariamente aceite na jurisprudência e também na doutrina a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais na responsabilidade contratual.
Nos termos do art.º 496.º, n.º 1, do CC são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º.
Assim, deve atender-se ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e às demais circunstâncias, nomeadamente à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação, como dizem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, volume 1º, pág. 501, 4.ª edição, todas as regras da boa prudência, de bom senso prático de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
O valor de uma indemnização neste âmbito, deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não ser meramente simbólico (neste sentido, vide, por exemplo, Acs. do STJ de 17/01/2008, de 29/01/2008 e de 02/12/2013, disponíveis em www.dgsi.pt).
Assim, como se salienta neste último aresto, a indemnização por danos não patrimoniais terá por finalidade proporcionar um certo desafogo económico ao lesado que de algum modo contrabalance e mitigue as dores, desilusões, desgostos e outros sofrimentos suportados e a suportar por ele, proporcionando-lhe uma melhor qualidade de vida, fazendo eclodir nele um certo optimismo que lhe permita encarar a vida de uma forma mais positiva. Isto é, esta indemnização destina-se a proporcionar, na medida do possível, ao lesado uma compensação económica que lhe permita satisfazer com mais facilidade as suas necessidades primárias que possam constituir um alívio e um consolo para o mal sofrido.
Com relevância para a questão em apreço, ficou provado que o facto de a R. se recusar a reparar o veículo DE causa grande preocupação e desassossego ao A. e que o A. sente angústia, aflição e ansiedade em face da necessidade de propor uma acção, que durará meses até obter um desfecho, pois até então continuará a ser privado do seu automóvel.
Contrariamente à R. entendemos que estes danos têm gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito e, como tal, são indemnizáveis.
Contudo, o valor peticionado pelo A. é manifestamente exagerado face à gravidade da lesão por ele sofrida.
Com efeito, as preocupações, desassossego, angústia, aflição e ansiedade que a recusa da R. em reparar o veículo DE lhe causou e causa, bem como a angústia, aflição e ansiedade decorrentes da presente acção e de se ver privado do seu veículo automóvel configuram danos indemnizáveis na quantia de € 2,500.”.

A apelante, em suma, conclui e defende que não se verificam os pressupostos do artº 496º, CC, que os incómodos são “naturais”, não se revestem de gravidade bastante e que não tem culpa pela recusa que assumiu, uma vez que a baseou no parecer da perícia que encomendou e de cuja veracidade se convenceu. [16]

Recorde-se que o contrato (cláusulas 2ª e 27ª) cobre as “possíveis perdas pecuniárias que o proprietário do veículo possa ter, face a avarias do veículo” e que a cobertura “ tem apenas por finalidade as eventuais reparações do veículo”. De acordo com o aí convencionado, “o segurador assumirá o custo da reparação ou substituição das peças”, devendo fazer o seu “pagamento directo à oficina”.

Essa é a sua obrigação principal.

Para a cumprir, pode e deve proceder (34ª) a averiguações “com adequada prontidão e diligência”, sob pena de responder por perdas e danos (nº 1), deve pagar a indemnização ou autorizar a reparação, logo que concluídas as investigações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à fixação do montante dos danos (nº 2), sendo devidos juros de mora à taxa legal trinta dias depois (nº 3).

Trata-se de obrigações acessórias.

Tendo-se recusado a pagar a reparação da avaria directamente à oficina que a orçamentou e onde o veículo foi entregue para o efeito, apenas por decisão própria e sem qualquer outro fundamento que não o fornecido pelo relatório da averiguação que mandou fazer por sua conta e risco (afinal, comprovadamente inexistente) e, assim, obrigado o segurado a demandá-la em tribunal para resolução do litígio durante o qual o segurado ficou sem qualquer automóvel, tornou-se responsável pelas consequências prejudiciais daí emergentes, presumindo-se a sua culpa – artºs 798º e 799º, CC.

A simples mora no cumprimento daquela obrigação, por motivo que lhe é imputável, constitui a seguradora na obrigação de reparar os danos causados – artº 804º, nºs 1 e 2.

A prestação a que se vinculou perante o segurado não é puramente pecuniária, na medida em que não consiste em lhe entregar dinheiro mas sim em, pronta e diligentemente, acertar a reparação com a oficina, pagar a esta o respectivo custo, peças e mão-de-obra, por forma a que o veículo volte à disponibilidade do segurado seu dono e, por um lado, a propiciar-lhe todas as utilidades inerentes, incluindo as de cariz espiritual que aquela lhe facultava, e, por outro, a poupá-lo a todos os sobressaltos e contrariedades que a recusa assumida e a demora na efectivação do direito pela inevitável via judicial lhe acarreta.

Não se argumente, pois, com os limites do artº 806º, para afastar o dano moral, não só porque em causa não está apenas a prestação de qualquer quantia em dinheiro mas também porque a conduta da seguradora não deixa de se revestir de ilicitude (ainda que contratual) e culpa.

Para cumprir os seus deveres acessórios de averiguação (artºs 102º a 104º, do RJCS e cláusula 27ª do contrato, a seguradora utiliza as pessoas ou empresas que entende, é responsável pelos seus actos. Se lhe deram um parecer que aceita, de cuja bondade se convence e se, em função dele, arrisca ter razão mas tal vem a revelar-se um erro na base do qual está a recusa, a origem da subsequente demanda e os atrasos no cumprimento, os danos daí derivados são-lhe imputáveis – artº 800º, CC. Não o podem ser ao segurado que nada tem a ver com isso, é alheio a tal parecer, nem pode ser penalizado por discordar e enveredar pela efectivação do seu direito em juízo.

Compreende-se que a ré seguradora, para se informar, tem de averiguar (como aliás, previsto no contrato) os sinistros participados e não pode embarcar incautamente em toda e qualquer pretensão dos segurados (como estes sabem). Também se aceita que, no caso, não pode entrincheirar-se, sem que por tal deva ser reprovada e responsabilizada, no “parecer” particularmente obtido para, mesmo depois da reclamação feita pelo segurado e através da qual ele contestou aquela resultado, fazer impender sobre o mesmo as consequências da sua recusa, designadamente nas peculiares circunstâncias em que avulta a humilde profissão e incapacidade económica de ele, por si próprio, custear a reparação e sujeitar-se ao desfecho do litígio com as inerentes consequências daí decorrentes e descritas nos factos provados, para si e família, designadamente no disfrute dos passeios dominicais.

A convicção de que se afirma ter ficado imbuída segundo a qual, em face do parecer, não tinha responsabilidade no sinistro, naturalmente assenta em critérios que só a si própria e à empresa contratada dizem respeito, afigurando-se-nos que por parte desta a conclusão imediata e sem mais elementos no sentido de que a avaria fora devida a “insuficiência de óleo no cárter” enferma de evidente temeridade e que, por sua vez, a crença no respectivo relatório radica em excessiva e injustificada (logo culposa) confiança, de resto sem motivo não conferidas ao próprio autor reclamante e à própria oficina deste que lhe participou a ocorrência e, desse modo, também afiançou a veracidade da mesma, prestando-lhe informações sobre a assistência dada que contrariavam o diagnóstico feito pela empresa de peritagens.

Não diga a recorrente que cumpriu as cláusulas do seguro, pois se é certo que tal sucedeu quanto à averiguação do sinistro que implica deveres acessórios ou instrumentais, obviamente que o não é quanto à referida obrigação principal, nada obrigando o segurado a sofrer as consequências da posição que entendeu dever tomar.

A circunstância de a ré invocar um motivo – o parecer do relatório da averiguação segundo o qual a causa da avaria teria sido a falta ou insuficiência de lubrificante no cárter – não legitima ipso facto a sua recusa (nem como tal a sentença a qualifica). [17] Explica-a, mas não a torna justamente fundada, uma vez que ela não é oponível ao segurado, que este com a mesma se não conformou e dela reclamou, contestando a realidade de tal parecer e, afinal, com razão, face ao provado neste processo, a sede própria para dirimir a divergência, que não a peritagem privada.

Aquilo que na sentença se entendeu a afirmou no âmbito da apreciação da questão da negada indemnização pela privação do uso da viatura e para fundamentar a decisão quanto a tal pedido, confina-se aos pressupostos deste e a verdade é que o próprio tribunal recorrido, apesar de se valer para tal do que no Acórdão citado a esse propósito se entendeu [18] e de considerar que é pecuniária a obrigação da ré e, por isso, insusceptível (sem que haja abuso de direito) de enquadramento, para o efeito, no regime do artº 806º, não a transpôs para a apreciação da questão (diversa) da indemnização pelos danos não patrimoniais nem nessa ou em qualquer outra circunstância viu objecção para a sua concessão.

Não colhe o argumento de que o contrato estabelece o limite económico de 4.000€ para o custo da reparação por cada anuidade, já que daí não se infere advir obstáculo a que a ré deva responder por tais danos se, como entendeu o tribunal a quo, a sua conduta incumpridora cabe na alçada do artº 798º e as consequências são graves e imputáveis a culpa, não afastada, da seguradora.[19]

Também não procede o argumento de que os “incómodos” são naturais, sem grau de gravidade bastante e, portanto, de que devem ser suportados pelo segurado, ao longo, de mais de dois anos de subsistência do pleito.

O automóvel é um bem acessível à generalidade da população, quase de primeira necessidade, propiciador de inúmeras vantagens materiais mas também espirituais. A sua falta súbita, para mais quando prolongada pela recusa indevida da seguradora à qual se confiou a reparação de hipotéticas avarias, contra o pagamento dos prémios, nas circunstâncias aqui apuradas, acarreta efeitos perniciosos que facilmente se percebem e nem carecem de prova, integrantes de prejuízo merecedor de reparação equitativa.

Os seguros destinam-se também, ao cobrirem as consequências dos eventos em risco, a evitá-los e a dar aos segurados conforto e tranquilidade, livrando-os de “trabalhos” que contratualmente cometem às seguradoras e em contrapartida do que as retribuem. A frustração de tais expectativas é um dano.

Certo que para empresa do tipo da ré em função dos seus meios, inclusive contenciosos, com que estão apetrechadas, é trivial disputar em juízo o cumprimento das suas obrigações contratadas. Essa actividade e respectivos custos, materiais e não materiais, faz parte mesmo do seu quotidiano e é contemplada nos meios (inclusive nas provisões financeiras) de que se serve. Já assim não é para os pacatos cidadãos comuns alheios a tais lides, para quem constitui notório quebra-cabeças sentir-se defraudado nas suas expectativas contratuais e ter ainda, sem posses e sem experiência do meio, de enveredar pela demanda judicial e enfrentar as inerentes vicissitudes.

Tendo, pois, em conta os parcos argumentos esgrimidos para rebater o juízo do tribunal recorrido, todos os factos apurados no caso, maxime de 9 a 37 e 49 a 57, considera-se não só serem graves e merecedores de tutela jurídica os danos provocados como de os imputar à conduta negligente da ré (ao arriscar a recusa bem sabia ela que poderia com a mesma não se conformar o segurado, não conseguir demonstrá-la em tribunal e ter de arcar com as consequências) pelo que, de acordo com o disposto nos artºs 406º, 762º, 763º, 798º, 799º, 804º a 806º, e 496º, CC, é, em juízo equitativo, de confirmar, também nesta parte, a sentença recorrida.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela recorrente – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).
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Notifique.
Guimarães, 17 de Dezembro de 2019

Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes-Desembargadores:

Relator: José Fernando Cardoso Amaral
Adjuntos: Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo
Eduardo José Oliveira Azevedo



1. A ré, no seu prolixo articulado, espraiando-se em comentários, esqueceu-se de especificar separadamente e de acordo com o artº 572º, CPC, as excepções, identificando-se, porém, as aqui relatadas.
2. Reduzido genericamente à verificação dos pressupostos de facto e de direito da responsabilidade civil da ré e consequente obrigação de indemnizar, sem especificação dos termos concretos do mesmo.
3. Confinados à causa da avaria e aos danos sofridos, sua extensão, valor e demais pressupostos de ressarcimento.
4. Não se transcrevem as suas extensas conclusões porque, além de não obrigatórias, enfermam do mesmo vício de prolixidade que assaca às da ré (do que abaixo se falará).
5. Já Alberto dos Reis ensinava que “a palavra conclusões é expressiva. No contexto da alegação o recorrente procura demonstrar esta tese: que o despacho ou sentença deve ser revogado, no todo ou em parte. É claro que a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos. Pois bem: essas razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no decurso da alegação: hão-de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, no final da minuta. […] é claro que, para serem legítimos e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintécticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação. […] A exigência de conclusões […], só se cumpre quando o recorrente fecha a sua minuta pela enunciação de proposições que sintetizam com precisão, concisão os fundamentos do recurso. Por outras palavras: não valem como conclusões arrazoadas longas e confusas em que se não discriminam com facilidade as questões invocadas” - Código de Processo Civil, Anotado, volume V, edição de 1981, páginas 359 a 361.
6. Sobre o tema, mais desenvolvidamente, pode ver-se o nosso Acórdão de 04-04-2019, processo nº 3652/17.9T8VCT.G1.
7. Aliás, não atende aos tão proclamados desejos de celeridade, simplicidade e clareza que o legislador do novo CPC acolheu, ao apelar a uma “nova cultura judiciária”, “desincentivando a inútil prolixidade” e a “artificiosa complexização da matéria litigiosa” com a “injustificável prolixidade das peças processuais produzidas, totalmente inadequadas à real complexidade da matéria do pleito” - Cfr. Exposição de Motivos da Proposta nº 113/XII/2ª, subjacente à Lei 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o actual CPC
8. Tese esta que à ré recorrente competia provar, como decorre dos artºs 576º, nº 3, CPC, e 342º, CC.
9. Não obstante, sempre se deixa aqui dito que, coincidindo a conclusão de ambas as peritagens no sentido de que a avaria consistiu na “gripagem” do motor (conceito que o Perito do Tribunal explica no seu Relatório), não deve perder-se de vista que nenhum indício existe, nos demais meios de prova produzidos, de que alguma vez tivesse havido falta ou insuficiência de óleo no cárter. O Perito da ré anotou no seu Relatório que encontrou a viatura “sem desmontagens” e os níveis dos fluídos do motor (óleo e líquido de refrigeração) estavam “dentro dos parâmetros definidos pelo fabricante”. O Perito do Tribunal relatou que “as evidências observadas […] demonstram que não houve insuficiência de óleo”. Sucede é que, perante as patologias dissecadas e descritas em termos similares por um e pelo outro, o primeiro deduziu e opinou que a causa da “gripagem” foi “insuficiência” ou “deficiência” de “lubrificação do motor” (embora constatasse que a bomba de óleo não denotava anomalias no seu funcionamento e que as luzes indicadoras de hipotética falha não apresentavam anomalias), ao passo que o segundo rejeitou aquela hipótese, justificando que ela, a verificar-se, implicaria a afectação de várias outras zonas do motor, explicando como mecanicamente funciona o circuito de lubrificação a partir do cárter até às engrenagens respectivas dela carentes e de tudo isso concluindo que, afinal, a avaria se deveu a “evidente desgaste por fadiga dos bronzes” juntamente com “uma concepção que permite a rotação” dos mesmos e a saída do seu alojamento correcto, causando, a partir daí, os danos subsequentes descritos na estrutura do propulsor. Em complemento, justificou detalhadamente como se produz, em que consiste e que consequências tem a referida “fadiga” ou “fretting”, fenómeno que se manifesta progressivamente e em resultado do próprio funcionamento das peças componentes e, na sua perspectiva, não devido a falta de óleo no cárter mas à deficiente lubrificação, esta sim, apesar da presença do fluido, gerada pela deterioração daquelas, subsequente diminuição progressiva da película de óleo entre o bronze e a cambota, consequente aumento do atrito entre as mesmas e elevação da temperatura até ao ponto de fusão que culmina na “gripagem”. Sendo a viatura do ano de 2007, tendo sido pelo autor adquirida em 2013 já usada, marcando cerca de 155.000 km de rodagem, não havendo sinais de qualquer falta de manutenção ou assistência e, portanto, de falta de preservação do nível de óleo no motor, o Tribunal conferiu credibilidade ao seu Perito em detrimento daquele que para a ré efectuou a peritagem particular por ela solicitada, sendo que este não conseguiu por em causa os fundamentos das conclusões daquele e se refugiou, sobranceiramente e em tom depreciativo – como assinalado na motivação – na resposta de que o referido Perito (do Tribunal) “pode ter inventado o que quiser”. Ora, não se podendo considerar o trabalho encomendado pela ré como verdadeira peritagem nem o seu autor como (em face do processo) um verdadeiro perito, a sua opinião ou parecer “vale o que vale”, passe a vulgaridade da expressão, e o tribunal entendeu que o seu valor não se sobrepunha nem sequer abalava o da perícia judicial (sobre isto, tem utilidade ver-se o Acórdão da Relação do Porto, de 08-11-2012, processo nº 6439/07.3TBMTS.P1, que versou sobre problema análogo, de cujo sumário se destaca “III - A produção de prova em processo civil obedece ao princípio da legalidade, pelo que devem ser observadas as regras estabelecidas no direito probatório formal sobre o modo e a forma de os meios serem produzidos. IV - O “relatório de reconstituição de acidente de viação”, ainda que tenha sido solicitado pelo tribunal a uma entidade estranha ao processo, não é uma prova pericial, nem constitui prova documental. V - Tal relatório limita-se a conter pareceres técnicos, com valor idêntico ao dos pareceres jurídicos, a apreciar criticamente pelo juiz no confronto com todos os meios de prova produzidos.”). Neste contexto, a crítica única) tecida pela recorrente de que o Perito do Tribunal não tinha a certeza absoluta e que se limitou a graduar a probabilidade de o fenómeno que descreveu ter sido a causa da avaria em cerca de 80% não é comparável nem está em choque com a do seu técnico. Primeiro, porque este não é perito e o seu Parecer não se reveste das garantias e condições legais próprias desse meio de prova. Segundo, porque nenhum deles, ao pronunciar-se, faz prova directa da causa da avaria, como se do relato pessoal de um facto testemunhado presencialmente ou de um facto inscrito num documento e dele emanado se tratasse. Terceiro, porque não sendo de qualificar como invenções as suas deduções ou induções, sempre as conclusões afirmadas consubstanciam um parecer ou opinião e assentam em probabilidades técnico/científicas, importando discernir, isso sim, qual delas se mostra mais fundada, plausível, credível e convincente. Quarto, não pode, pois, proceder a invocação de que a Mecânica é uma ciência exacta e produzir resultados matemáticos nem esperar-se dos experts dessa área (engenheiros) que emitam Pareceres absolutamente certos, pois, como diz, e bem, o Perito do Tribunal “Em Engenharia não há, nem certezas absolutas, nem dúvidas absolutas, mas sim estatística e probabilidade”, probabilidade que, no caso e pelas razões que justificou, computou em 80%, de a causa da avaria se dever ao referido desgaste por fadiga dos bronzes do motor. Em suma, nada abalando a convicção a que chegou o tribunal a quo nem os motivos em que a baseou; mesmo admitindo-se, técnica e intelectualmente, a hipótese mínima (20%) de as conclusões do Perito do Tribunal falharem e de nesse intervalo estatístico poder caber a hipótese aventada pelo perito da recorrente; não sendo verdade que a análise e conclusões daquele “primaram pela pouca clareza e foram titubeantes”; e não devendo esquecer-se que mesmo a dúvida sobre a realidade do facto que à ré competia provar sempre deve ser resolvida contra si própria, nos termos do artº 411º, do CPC – nunca a eventual apreciação da cogitada impugnação da matéria de facto em causa lograria procedência. Assim a “lógica” e a “firmeza” que a recorrente atribui ao relatório do seu perito e que considera suplantarem e, por isso, merecerem mais crédito que o do tribunal, de um ponto de vista técnico-científico mais se nos afiguram como eivadas de temeridade do que como motivo fundado para se lhe atribuir maior credibilidade.
10. Processo 212/16.5T8PTL.G1.
11. O tema da prova ao referir singela, vaga e genericamente “causa da avaria”, não pode contemplar todas e quaisquer de entre as possíveis mas apenas, em função do princípio dispositivo e das regras do ónus da prova, nos termos dos artºs 5º, nº 1, 572º, alínea c), 607º, nº 4, CPC, e 342º, nº 2, CC, conjugado com o artº 411º, do CPC, a alegada em concreto como excepção pela ré. E esta foi a da falta de lubrificação (cláusula 6ª, nº 10), não qualquer outra.
12. Com efeito, note-se, no relatório e conclusões (e esclarecimentos complementares) da perícia judicial não se menciona sequer, ao contrário do que diz a apelante, que “os danos que as peças sofreram resultaram de desgaste devido a utilização”, muito menos a “roturas devidas pelo uso”, no sentido de antiguidade e quilometragem tal como referido na definição de avaria constante da cláusula 1ª. Aliás, sendo o veículo de 2007, movido a gasóleo e tendo cerca de 155.000 km, como é das regras da experiência comum, em termos funcionais, considera-se, ainda, com uma baixa utilização, aliás de perspectivar por muitos mais anos e muitos mais milhares de quilómetros. Ali consta, isso sim, que os bronzes se moveram do seu alojamento “após desgaste por fadiga” (fenómeno mecânico explicado pelo Perito sem qualquer relação com a vetustez do veículo ou suas peças e distância percorrida) e também devido à sua “concepção” (fabrico), levando a que depois se produzissem outros estragos. E explicita-se, ainda, que tais componentes “não são considerados materiais de desgaste pelo fabricante, não têm qualquer quilometragem ou tempo preconizado para a sua substituição”, asseverando-se que os diversos componentes observados “demonstraram um estado de uso aceitável, e que não tiveram qualquer relevância para a avaria”. Não tendo, em suma, sido excepcionada pela ré, como causa excludente da avaria coberta, a aludida “redução gradual no rendimento operativo da peça garantida que seja proporcional e equivalente à sua antiguidade e quilometragem, nem os acidentes ou quaisquer influências externas”, nem a tal se equiparando a causa daquela detectada na perícia judicial (viu-se que, não se tratou de uma comum “redução gradual no rendimento operativo” em termos e medida “proporcional e equivalente à sua antiguidade e quilometragem” mas de uma avaria traduzida na “gripagem” do motor), não há nisso qualquer alegada incongruência segundo a qual o tribunal a quonão se terá dado conta, pois de contrário não teria deixado de a examinar e, provavelmente, decidido de forma diferente do que efectivamente decidiu”.
13. Recorde-se que a viatura fora comprada em 2013 pelo apelado já com seis anos de vida, tinha, à data do sinistro (Outubro de 2017) cerca de 155.000 km e a ré, de acordo com o artº 1º, das Condições Gerais, aceitou segurá-la (e cobrar os inerentes prémios…) até aos 200.000 km.
14. É mesmo como um “parecer” que ele conclui as suas observações técnicas.
15. Segundo as expressões do relatório respectivo junto: “insuficiência de lubrificação do motor”, “deficiente lubrificação no sistema de lubrificação”, “insuficiência de óleo de lubrificação”, “insuficiência de óleo no interior do cárter”, naturalmente sugestivas de insinuada omissão de cuidados de verificação e assistência por parte do autor, de que, porém, não existe nos autos qualquer indício.
16. Não põe em causa a ressarcibilidade, outrora questionada, dos danos morais na responsabilidade contratual, hoje geralmente admitida – cfr. Acórdão do STJ, de 09-09-2014, processo 77/09.3TBSVC.L1.S1.
17. Nos termos do artº 28º das CG, a seguradora sempre fica sub-rogada nos direitos do segurado que este, pela avaria, tenha contra os responsáveis (eventuais terceiros) pela mesma e aquele também responderá perante ela pelos prejuízos causados pelos seus próprios actos ou omissões, pelo que, em caso de ela assegurar o pagamento da reparação que se viesse a verificar ser devida a uma causa excludente da sua responsabilidade contratualmente assumida nem sequer ficaria de todo desprotegida.
18. Acórdão do STJ, de 23-11-2017, processo 4076/15.8T8BRG.G1.S2 (Consº Salazar Casanova), que concedeu a indemnização pela privação do uso mas em face da recusa injustificada da seguradora. Sobre o tema, também pode ver-se, v.g., Acórdão do mesmo Tribunal e da mesma data, proferido no processo 2884/11.8TBBCL.G1 (Consº Távora Victor).
19. Culpa que, baseando-se a atitude da seguradora na sua peritagem, não significa a existência de má-fé, mas também não implica que aquela a exonere de responsabilidade perante o segurado e da imputação dos danos, como se viu atrás.