Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6686/17.0T8VNF-E.G1
Relator: PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
PRESSUPOSTOS
REQUISITOS
PROCESSO EXECUTIVO
TRAMITAÇÃO
REGIME
MEIO PROCESSUAL ESPECÍFICO
IMPUGNAÇÃO DE DECISÕES
MEIO DE ARGUIÇÃO
RECURSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- O executado em processo de execução não pode pretende reagir conta a omissão de decisão nos autos de execução com a instauração de um procedimento cautelar.

2- Se não concorda com a forma como o processo está a decorrer, ou expõe no processo as suas pretensões através de requerimentos ou se apresenta a arguir nulidades, de modo a provocar despachos que, se lhe forem desfavoráveis, lhe permita recorrer.
Decisão Texto Integral:
- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –

I. RELATÓRIO

F. L., NIF …, residente na Rua … intentou a presente Providência Cautelar Não Especificada, contra Massa Insolvente de C. F., Todos os Credores da Massa Insolvente de C. F. e C. F. pedindo que, pela procedência da mesma, seja ordenada a suspensão da diligência de venda do imóvel Fracção autónoma “CQ”, sita no …, Rua …, X, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 2402CQ e descrita na CRP sob o n.º 155-CQ.

Pede, ainda, seja decretada a inversão do contencioso.

Para tanto, alega, em síntese, que casou com a insolvente C. F. em 19/11/2008, casamento esse que foi dissolvido, por sentença transitada em julgado, no dia 15/09/2016.

Nos autos de insolvência de que este processo é apenso foi apreendido, entre outros, a meação da insolvente relativa à Fracção autónoma “CQ”, sita no …, Rua da …, X, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 2402CQ e descrita na CRP sob o n.º 155-CQ, com hipoteca constituída a favor do Banco ... S.A.

A sua meação havia já sido penhorada no âmbito da acção executiva que corre termos no Juízo de Execução (juiz 1) deste tribunal, sob o n.º 6698/16.0T8VNF, na qual é exequente Banco ... S.A.

Alega ainda que o imóvel em causa constitui casa de morada de família do requerente, na qual, reside, há pelo menos 15 anos a esta parte.

Foram citados os RR. para contestar, o que fizeram os RR. Massa Insolvente, a própria insolvente e os credores Instituto de Segurança Social, IP e Banco ..., SA.

Seguiu-se despacho saneador -sentença no qual se certificou tabelarmente a validade e a regularidade da instância e se conheceu do mérito terminado tal decisão com o seguinte dispositivo:

Termos em que indefiro a presente providência cautelar não especificada, intentada por F. L. contra Massa Insolvente de C. F., Todos os Credores da Massa Insolvente de C. F. e C. F..
Custas pelo A. F. L..
Registe e notifique.

Descontente o requerente apresenta recurso que termina com as seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos do processo acima identificado, que indeferiu o requerimento inicial apresentado pelo recorrente, tendente ao decretamento de providência cautelar de suspensão de venda da sua casa de morada de família.
II. Ora, não pode o recorrente, de forma alguma, aceitar o conteúdo da douta decisão, uma vez que, da análise do pedido formulado no procedimento cautelar não especificado, facilmente se conclui que este pedido foi a única via processual encontrada pelo recorrente para evitar a venda do imóvel que constitui a sua casa de morada de família.
III. Pelo que, ainda que tenha sido penhorada a meação do imóvel à ordem do processo executivo n.º 6698/16.0T8VNF (processo diverso deste), não é possível olvidar que as diligências de venda se encontram a ser concretizadas à ordem dos presentes autos.
IV. E que as diligências naquele processo executivo ficaram suspensas.
V. Ou seja, a finalidade a que se propõe o referido procedimento cautelar, é a de salvaguardar o bem do recorrente, obstando à sua venda judicial.
VI. De facto, tendo o processo prosseguido com a venda conjunta dos bens penhorados, ocorrendo a venda no âmbito do processo de insolvência, não pode o recorrente concordar com a decisão recorrida, na parte em que é referido que a venda da meação do recorrente não decorre no âmbito dos presentes autos.
VII. A venda é conjunta, sendo que 50% do montante obtido com a venda reverterá a favor dos autos do processo executivo.
VIII. Por seu turno, contrariamente ao que é referido na douta decisão recorrida, o recorrente lançou mão de alguns meios processuais no âmbito do processo executivo enunciado.
IX. Destarte, o recorrente deduziu embargos de executado e oposição à penhora, em 22/05/2018, apresentou um requerimento no dia 10/09/2018, no qual pugnou pela suspensão da venda da fracção autónoma “CQ”, mas ainda assim foi determinada a venda da totalidade daquele imóvel,
X., No entanto, não foi obtida qualquer resposta em relação aos actos praticados.
XI. E é precisamente essa suspensão que se pretende a partir da providência requerida e que veio a ser indeferida, pois entende-se, salvo o devido respeito, que deve a mesma ser decretada aguardando-se a decisão nestes autos do processo executivo, mais concretamente na parte declarativa do mesmo.
XII. Ademais, como já aclarou o recorrente, corre, neste momento, o enorme risco de se ver privado da sua casa de morada de família.
XIII. Assim, a venda em causa a proceder, causará um grave prejuízo na esfera jurídica do recorrente, de difícil reparação.
XIV. Urge, deste modo, proteger o recorrente no que tange ao seu património, no mínimo até ao momento em que seja proferida decisão relativa aos autos declarativos, apensos ao processo executivo, deve o procedimento cautelar ser decretado e consequentemente a decisão do tribunal a quo ser outra, que decrete o requerido procedimento cautelar comum.
XV. Salvo o devido respeito por melhor e douto entendimento, o recorrente alegou factos suficientes para que o tribunal formasse um juízo de mera probabilidade quanto ao seu direito (o direito à habitação) e o fundado receio que esse direito sofresse lesão grave ou dificilmente reparável.
XVI. Alegando, para o efeito, que a venda em causa agravaria de forma violenta a sua situação, uma vez que o imóvel em causa constitui a sua casa de morada de família, que, em virtude do processo executivo, viu agravada a sua situação económica, dado que não tem outro local onde residir.
XVII. Salvaguardando-se, assim, os mais elementares direitos do recorrente, designadamente a casa morada de família, o direito à habitação.
XVIII. Pelo que, nesta parte, a sentença terá de afectar a sensibilidade de qualquer pessoa habituada a lidar com estas coisas das leis, que são feitas para as pessoas, e que o legislador teve a preocupação de fazer na defesa dos direitos fundamentais das pessoas.

Nestes termos e pelo exposto, deverá ser dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão em crise, substituindo-se por outra que admita o requerimento inicial de procedimento cautelar não especificado apresentado pelo Recorrente.

ASSIM DECIDINDO, VOSSAS EXCELÊNCIAS, MUITO ILUSTRES DESEMBARGADORES, FARÃO, COMO SEMPRE JUSTIÇA!

As recorridas contra-alegam pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Foram colhidos os vistos legais.

II. ÂMBITO DO RECURSO.

Questão que importa decidir: se o procedimento não devia ter sido indeferido.

III. FUNDAMENTAÇÃO

De Facto

Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:

A. Por sentença proferida a 19/10/2017 e já transitada em julgado, foi C. F. declarada insolvente.
B. O senhor Administrador da Insolvência procedeu à apreensão a favor da massa insolvente da meação da insolvente relativa à Fracção autónoma “CQ”, sita no ..., Rua …, X, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 2402CQ e descrita na CRP sob o n.º 155-CQ, encontrando-se tal apreensão registada na certidão da Conservatória do Registo Predial por Ap. 1214 de 2018/02/15.

→ De relevo para apreciar este recurso resulta de documentos juntos a estes autos a seguinte factualidade:

O BANCO ..., S.A. intentou em 26-10-2016 ação executiva, cujos termos correm sob o n.º 6698/16.0T8VNF, do Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão-juiz 1, contra F. L., ora Requerente, e C. F., com vista ao ressarcimento do seu crédito no valor global de €223.018,66, decorrente seis contratos de mútuo concedidos aos executados (cf. Doc. 1 da oposição).

Nos referidos autos executivos foram penhoradas as seguintes frações:

a) Fracção autónoma “CQ”, sita no ..., Rua …, X, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 2402CQ e descrita na CRP sob o n.º 155-CQ, com hipoteca constituída a favor do Banco ... S.A.;
b) Fracção autónoma “N” sita na sub-cave, Rua …, X, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 2402N e descrita na CRP sob o n.º 155-N, com hipoteca constituída a favor do Banco ... S.A.;
c) Fracção autónoma “AE” sita no .., Rua …, X, inscrita na matriz predial sob o artigo 2204-AE e descrita na CRP sob o n.º 1260-AE, com hipoteca
constituída a favor do Banco ... S.A…

As três da titularidade de ambos os executados, sendo duas delas prédios urbanos destinados à habitação e outra uma garagem.

F. L., aqui requerente apresentou articulado intitulado oposição à execução com o seguinte teor:

1º O aqui executado, quando formalizou com o Exequente os contratos de mútuo juntos com o requerimento executivo, encontrava-se a trabalhar;
2º. Auferindo um ordenado que lhe permitia pagar as prestações devidas ao exequente.
3º Mas, entretanto, por motivos totalmente alheios ao executado, a sua entidade patronal despediu-o.
4º. assim, o executado viu-se na impossibilidade de pagar fosse o que fosse ao exequente.
5º. estando, neste momento, a frequentar um estágio profissional;
6º. em virtude de se encontrar na situação de desempregado.
7º. assim, não pode o executado pagar seja o que for ao exequente, em virtude de não ter quaisquer fontes de rendimento.
8º. em consequência disso, o executado estava a negociar com o exequente o pagamento da dívida;
9º. quando é surpreendido com o presente processo executivo.

TERMOS EM QUE devem ser tidas em conta as dificuldades financeiras que o executado está a atravessar.

Na execução acima identificada o Sr. Agente de Execução em 07.07.2018 proferiu a seguinte decisão: atenta a insolvência da executada C. F. decide o AE: autorizar a venda conjunta a decorrer no processo de insolvência 668/17.0T8VNF, pelo Administrador de Insolvência Dr. D. M.; 50% dos montantes obtidos com a venda serão depositados e reverterão a favor do processo executivo movido contra o Requerente (cf. doc. 6 junto com a petição).

O recorrente foi notificado da decisão do Agente de Execução sobre a venda da fração em 07 de julho de 2018, através da sua mandatária.

O recorrente não reclamou da decisão do Agente do Execução, nem dela recorreu, conformando-se com essa decisão.

No dia 10/09/2018 apresentou nos autos de execução requerimento no qual pugnou pela suspensão da venda da fracção autónoma “CQ”, invocando o artº 733º nº 5 CPC apresentando os seguintes fundamentos:

1º O executado deduziu oposição à execução e oposição à penhora nos presentes atos de processo executivo;
2º tendo os mesmos sido admitidos e apensados (apenso A) aos presentes autos.
3º., contudo, o recebimento dos embargos não determinou a suspensão da acção executiva.
4º, no entanto, a fracção autónoma “CQ” sita na Rua … X inscrita na matriz predial urbana sob o artº 2402 e descrita na conservatória doo registo predial de X sob o número 3710, penhorada sob a verba 1 do auto de penhora datado de 14/12/2016 constitui a habitação própria e permanente do executado.

Vejamos

5º O domicilio fiscal do executado corresponde atualmente ao domicilio sito na Rua … X.
6 Tal domicilio corresponde à casa de habitação da progenitora do executado
7ºNo entanto, o executado não reside com a mãe, encontrando-se a residir atualmente no bem imóvel supra identificado, tal como anteriormente referido.
8º efetivamente o domicilio fiscal do executado encontra-se estabelecido na habitação da progenitora uma vez que o executado, aquando do divórcio alterou o seu domicilio fiscal, fixando-o na casa da mãe, isto para facilitar a recepção de qualquer correspondência dado que o executado nunca se encontra em casa durante o período do dia, atenta a sua actividade laboral.
9ºDeste modo não restam dúvidas que o executado reside na fracção autónoma designada pela letra “CQ”.
10º sendo efectivamente nesta habitação que o executado pernoita, toma refeições e recebe todos os familiares e amigos.
11º ademais, conforme resulta do documento nº1 (..) o executado suporta todos os encargos desta habitação, nomeadamente contrato de água, luz e água.
12º nos termos do artº 733º nº1 (..)
13º Segundo o disposto no nº5 da norma suprarreferida (..)
14º Decorre de tal norma que o legislador pretendeu (..)
15º assim, atento o exposto, uma vez eu o prédio urbano (…) corresponde à casa de habitação do executado/embargante deve a presente execução ficar suspensa quanto a tal bem.

Nestes termos requer a V. Exa que determine a suspensão da venda do bem imóvel composto por fracção “CQ” (..) devendo a referida venda aguardar até que seja proferida a decisão dos embargos de executado que corre termos sob o apenso A dos presentes autos, e nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 733 nº8 do CPC.
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De Direito

Na decisão recorrida entendeu-se que nenhum direito assiste ao requerente em pedir a suspensão da venda de uma meação que não lhe pertence (mas à insolvente), mostrando-se irrelevante, nestes termos, que esta seja a sua casa de morada de família.

Faltando logo o primeiro pressuposto imprescindível para a procedência de qualquer procedimento cautelar, a existência de um direito cuja lesão grave se pretende reparar, necessariamente que não pode esta providência ter sucesso, mostrando-se inútil e desnecessária a apreciação da verificação dos demais requisitos.

Improcede, portanto, o presente procedimento cautelar.

Considera o Apelante Salvo o devido respeito por melhor e douto entendimento, o recorrente alegou factos suficientes para que o tribunal formasse um juízo de mera probabilidade quanto ao seu direito (o direito à habitação) e o fundado receio que esse direito sofresse lesão grave ou dificilmente reparável.

Alegando, para o efeito, que a venda em causa agravaria de forma violenta a sua situação, uma vez que o imóvel em causa constitui a sua casa de morada de família, que, em virtude do processo executivo, viu agravada a sua situação económica, dado que não tem outro local onde residir.

Analisemos, pois, a questão, cientes da admissibilidade da sua colocação e apreciação neste recurso, – neste sentido cf. Abrantes Geraldes em Temas da Reforma do processo Civil Vol. III, 4ª edição, pp 274 e cientes ainda que a sua apreciação e eventual procedência prejudicará a apreciação das demais questões colocadas neste recurso.

E fazendo-o dizemos desde já, que se-nos afigura que não se verificam todos os requisitos necessários à procedência desta providência.

Com efeito, como vem sendo entendido são os seguintes os requisitos desta providência:

- A aparência de um direito;
- O perigo de insatisfação desse direito;
- A adequação da providência para conjurar o perigo;
- Carácter subsidiário desta providência;
- Menor gravidade do perigo causado ao requerido.

E tais requisitos traduzem-se no seguinte:

O primeiro encontra-se previsto no art.º 362º do CPC, cabendo, pois, ao requerente da providência provar a existência do direito que se diz ameaçado, sendo que não se exige a prova da certeza do direito, bastando um juízo de probabilidade séria desse direito

O perigo da insatisfação do direito supõe que o seu titular se encontra perante simples ameaça de violação desse direito. Se a ameaça já se consumou então não há perigo, mas sim violação efectiva do direito. Em tal caso, a providência cautelar careceria de utilidade. Por isso no art.º 362º do diploma citado se refere “fundado receio”

É necessário ainda que o perigo seja de uma lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito.

De efeito “Só lesões graves e dificilmente reparáveis têm a virtualidade de permitir ao Tribunal, mediante iniciativa do interessado a tomada de uma decisão que o coloque a coberto da previsível lesão”.

O facto de o legislador ter ligado as duas expressões com a conjunção copulativa “e” deve levar-nos a refletir que não é apenas a gravidade das lesões previsíveis que justifica a tutela provisória, do mesmo modo que não basta a irreparabilidade absoluta ou difícil.

O legislador incumbiu o juiz da função de proceder à integração de tais abstracções normativas pelas diversas situações da vida real carecidas de tutela rápida e eficaz.

É o juiz quem, confrontado com a realidade projectada pelas partes (o sublinhado é nosso) nos procedimentos cautelares, está em melhores condições de ponderar a conexão entre a previsão normativa e a mesma realidade.

Deviam, pois, ser ponderadas as condições económicas do requerente e das requeridas e a maior ou menor capacidade de reconstituição da situação ou de ressarcimento dos prejuízos eventualmente causados.

Também se exige que o receio da lesão deve ser fundado nos termos previstos no art.º 368 do CPC, ou seja, apoiado em factos que permitam (o sublinhado é nosso) confirmar com objectividade e distanciamento a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo.

Pois não basta a alegação de meras convicções, desconfianças, suspeições de carácter subjectivo. É preciso que haja razões objectivas, convincentes, capazes de explicar a pretensão drástica do requerente, que vai subtrair os bens ao poder de livre disposição do seu titular.

No mesmo sentido, pronuncia-se Abrantes Geraldes (1) in Temas da Reforma do Processo Civil, IV volume, págs. 175 e 176, referindo que o justo receio “pressupõe a alegação e prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do seu crédito” sendo que “…o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (…), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselham uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva”.

A comprovação do justificado receio de perda da garantia patrimonial há-de assentar, pois, em factos concretos que revelem ou indiciem uma real situação de perigo de insatisfação do crédito do requerente decorrente da incapacidade do devedor para solver as suas obrigações e da inexistência de bens que possam responder pelo respectivo cumprimento.

Refere a este propósito Lebre de Freitas (2) que integra o conceito de justo receio qualquer causa idónea a provocar num homem normal esse receio; pode tratar-se do receito de insolvência do devedor (a provar através do apuramento geral dos bens e das suas dividas) ou do da ocultação por parte deste, dos seus bens (se por exemplo, ele tiver começado a diligenciar nesse sentido, ou ousar fazê-lo para escapar ao pagamento das suas dividas); ou do receio de que o devedor venda os seus bens (como quando se prove que está a tentar fazê-lo) ou de qualquer outra actuação do devedor que levasse uma pessoa de são crédito, colocada na posição do credor, a temer a perda da garantia patrimonial do seu crédito.

O terceiro requisito é a adequação de providência para evitar o prejuízo, daí que a celeridade seja uma das características necessárias desta providência, a fim de ser adequada à conjugação do perigo.

O carácter subsidiário da providência resulta do art.º 362º nº3 mencionado.

A regra do menor prejuízo da requerente acha-se consagrada no art.º 368º nº2. Isto é a providência só deverá ser decretada quando o prejuízo do requerente não seja inferior ao do requerido.

Por último para o decretamento da providência exige-se a verificação cumulativa de todos aqueles requisitos, pelo que a falta de um deles determina o indeferimento da providência

Acresce que, os procedimentos cautelares são instrumentais em relação á acção principal conexa (artº364º nº1 do CPC), excepto se for decretada a inversão do contencioso.

Decorrentemente os requisitos da petição inicial relativa aos primeiros são idênticos aos legalmente exigidos para a Segunda.

Assim, são requisitos da petição inicial nos procedimentos cautelares, além do mais, a exposição dos factos e das razões de direito que servem de fundamento ao pedido neles formulado (art.º 452º nº 1 als d do CPC).

O requerente no quadro dos procedimentos cautelares tem, pois, o ónus de alegação dos factos jurídicos concretos integrantes da causa de pedir em que se baseia o respectivo pedido, ou seja, o decretamento da providência cautelar (art.º 5º).

Pelo que, neste processo estes requisitos têm de ser alegados e provados pelo requerente, competindo-lhe o ónus da prova, conforme já se escreveu.

Caso concreto:

Alega o recorrente que reside na fracção cuja venda foi anunciada.

Para o efeito juntou prova documental e testemunhal. Como não foi ouvida a prova testemunhal apenas com a valoração da prova documental não é possível ocorrer nesta sede pronúncia sobre a verificação do alegado direito.

Porque dispomos de elementos para tal avançamos com a apreciação dos demais requisitos supra enunciados.

Quanto ao fundado receio que esse seu alegado direito (de habitação) sofresse lesão grave ou dificilmente reparável a este respeito alega o requerente/recorrente que o requerente reside naquela casa há pelo menos 15 anos. Demais esta habitação é o único tecto que o requerente dispõe. Não tendo outro local onde residir. Ou condições financeiras para o fazer. Atendendo aos factos alegados a venda do imóvel irá lesar irreparavelmente os direitos do requerente.

Não nos parece que estas alegações sejam, só por si, relevantes para concluir pela existência daquele justo receio, pois, a generalidade destas alegações são meras conclusões a extrair de factos da vida real, que inexistem no processo porque não alegados.

Em concreto não sabemos a situação económica do requerente nem das requeridas com excepção da insolvente por forma a que seja possível concluir pela alegada irreparabilidade.
Por fim, não é despiciendo o “tempo do receio”, porquanto mal se entenderia a relevância de tal fundamento que já existisse – conhecida do requerente ou com possibilidade de ser conhecida muito antes de se propor esta providência.
No caso em apreço o Requerente desde a data em que foi citado para a acção executiva acima referida e em que deduziu embargos sem pedir a suspensão das diligências executivas, bem sabia que a liquidação do activo era consequência imediata e necessária do processo executivo.

Mais ciente deveria ter ficado dessa possibilidade quando foi conhecedor da decisão do Agente de Execução sobre a venda da fracção em 07 de julho de 2018, através da sua mandatária.

Decisão de que o recorrente não reclamou nem dela recorreu, conformando-se com essa decisão.

Ou seja, o tempo do receio – a existir do requerente não é actual de forma a preencher o justo receio necessário à verificação do apontado requisito.

Os requisitos da adequação da providência para conjurar o perigo e carácter subsidiário desta providência também não se verificam.

De efeito o procedimento cautelar em apreço foi instaurado por apenso aos autos de insolvência nº 6686/17.0T8VNF nos quais por sentença proferida a 19/10/2017 e já transitada em julgado, foi C. F. declarada insolvente.

No processo de insolvência, por regra, os bens devem ser imediatamente entregues ao administrador da insolvência, para que deles fique depositário, regendo-se o depósito pelas normas gerais e, em especial, pelas que disciplinam o depósito judicial de bens penhorados – cf. art. 150º/1 do CIRE.

Sem prejuízo da apreensão, o nº 5 do art. 150º do CIRE estatui que “à desocupação de casa de habitação onde resida habitualmente o insolvente é aplicável o disposto no artigo 862.º do Código de Processo Civil”.

Dispõe-se neste preceito que “à execução para entrega de coisa imóvel arrendada são aplicáveis as disposições anteriores do presente título, com as alterações constantes dos artigos 863º a 866º”

Desta norma, bem como da epígrafe do art. 864º e da redação do seu nº 1, resulta que o procedimento de diferimento da desocupação se refere a situações de arrendamento para habitação. Com efeito, nesse nº 1 estabelece-se que “no caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo de oposição à execução, o executado pode requerer o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas, devendo logo oferecer as provas disponíveis e indicar as testemunhas a apresentar, até ao limite de três”.

O legislador do CIRE pretendeu que, no essencial, o insolvente – presumivelmente, numa situação de maior gravidade do que a do executado – beneficiasse dos direitos concedidos aos inquilinos de habitação nos termos dos artºs. 863º a 866º do CPC por remissão do art. 862º do mesmo diploma.

Ora, de acordo com o previsto naquele preceito legal, na parte aplicável, a execução/entrega, com a inerente desocupação do imóvel, deve ser suspensa quando se mostre, por atestado médico que indique fundamentadamente o prazo durante o qual se deve suspender a execução, que a diligência põe em risco de vida a pessoa que se encontra no local, por razões de doença aguda.

A lei exige, pois, pelo menos, como pressupostos cumulativos justificadores da suspensão da entrega do imóvel, adaptando-se tais pressupostos à situação específica dos autos (entrega de coisa certa vendida na execução), que:

a) o imóvel seja a casa de habitação principal do detentor/pessoa que se encontra no local;
b) o detentor do imóvel padeça de doença aguda, ou seja, “doença súbita e inesperada, por contraposição a doença crónica, que é de longa duração” – cf. Rui Pinto, em Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 2013, p. 1150;
c) a desocupação imediata do imóvel pelo detentor doente ponha em risco a vida deste;
d) os pressupostos referidos em b) e c) sejam comprovados por atestado médico;
e) o atestado médico indique, de forma fundamentada, o prazo durante o qual a execução se deve suspender, ou seja, o prazo durante o qual se prevê que a desocupação do imóvel pelo detentor doente constitua perigo de vida para este.

Revertendo ao caso dos autos, compulsando os autos conclui-se que não estão reunidos os pressupostos da requerida suspensão da execução/entrega de imóvel ao abrigo do disposto no art. 863º nºs 3 a 5 do CPC.

Desde logo o requente não foi declarado insolvente.

Mas mesmo que o requerente fosse o insolvente e o imóvel em causa constituísse a casa de morada do Requerente por este nem sequer foi alegado que a diligência põe em risco a sua vida por razões de doença aguda comprovada por atestado médico.

Só nestes casos é que a suspensão pode ser ponderada.

E sendo que a instância do processo de insolvência não é passível de suspensão, excepto nos casos expressamente previstos neste Código – art. 8º, n. º1, do CIRE não encontramos qualquer norma nesse diploma legal que permite deferir o pedido do requerente nos termos pelo mesmo configurados.

Também no que se reporta ao pedido de suspensão da venda da meação da insolvente nenhuma norma se encontra que permita o seu deferimento, como bem se refere na decisão recorrida. Tal meação não pertence ao requerente.

Alega o requerente que lançou mão de alguns meios processuais no âmbito do processo executivo enunciado.

Destarte, o recorrente deduziu embargos de executado e oposição à penhora, em 22/05/2018, apresentou um requerimento no dia 10/09/2018, no qual pugnou pela suspensão da venda da fracção autónoma “CQ”, mas ainda assim foi determinada a venda da totalidade daquele imóvel,

No entanto, não foi obtida qualquer resposta em relação aos actos praticados.

Da factualidade que se considerou com relevo consta de efeito que o recorrente lançou mão dos mencionados meios processuais dos quais ainda não obteve decisão. Todavia não pode pretende reagir conta a omissão de decisão naqueles autos com a instauração de um procedimento cautelar.

Se o recorrente não concorda com a forma como o processo está a decorrer, ou expõe no processo as suas pretensões através de requerimentos ou se apresenta a arguir nulidades, de modo a provocar despachos que, se lhe forem desfavoráveis, lhe permita recorrer.

Não é legalmente possível através deste processo reparar a omissão de pronuncia que terá ocorrido nos autos e execução nos termos peticionados no ponto 42 do requerimento deste procedimento.

De resto, quanto à entrega da casa de habitação do executado, existe uma série de normas a tratar das cautelas devidas (artºs. 733/5, 756/1-a, 757, n.ºs 1, 4 e 5, 764/4, 785/4, 861/6 e 863, n.ºs 3 a 5, todos do CPC), que mostram suficientemente que o legislador tratou da questão como incidentes da execução onde os bens foram penhorados, sem deixar espaço para providências cautelares contra as decisões aí tomadas. Se estas estão erradas, recorre-se contra as mesmas, eventualmente com efeito suspensivo (o recurso destas decisões seria necessariamente admissível: artºs. 852, 853/1 e 2-a, 644/1-a e 644/2-h, todos do CPC) - neste sentido acórdão da Relação de Lisboa datado de 13.07.2017 proferido no processo nº 22493/05.0YYLSB-D-2.

Que se trata de direito que goza de justificada tutela constitucional resulta claro do artº 65 do CRP, todavia, assegurar tal direito fundamental de natureza social é incumbência do Estado, não de particulares (cf. nºs. cf. artº 861 nº2 a 865º do CPC), sendo que não vislumbramos que a interpretação acima exposta das atinentes normas do Código de Processo Civil viole minimamente norma ou princípio constitucional
Improcede, pois, a argumentação do recorrente, sendo certo que não foram violados os preceitos legais por ele invocados.

●. Das custas

É critério para atribuição do encargo das custas o da sucumbência e na respectiva proporção (artigo 527º, nºs 1 e 2, do código de processo).

Na hipótese, o recurso de apelação é integralmente improcedente; o encargo das custas é, no total, vínculo do apelante que ficou vencido na sua pretensão de procedência do recurso.
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Concluindo:

- O executado em processo de execução não pode pretende reagir conta a omissão de decisão nos autos de execução com a instauração de um procedimento cautelar.

- Se não concorda com a forma como o processo está a decorrer, ou expõe no processo as suas pretensões através de requerimentos ou se apresenta a arguir nulidades, de modo a provocar despachos que, se lhe forem desfavoráveis, lhe permita recorrer.
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IV. DECISÃO

Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes que integram esta 2ª Secção Cível em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante sem prejuízo da decisão proferida sobre o apoio judiciário.
Notifique.
Guimarães, 13 de Junho de 2019
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

O presente acórdão é assinado eletronicamente pelos respectivos
Maria Purificação Carvalho (Relatora)
Maria dos Anjos Melo Nogueira (1ª adjunta)
José Cravo (2º adjunto)


1. Geraldes Abrantes in Temas da Reforma do Processo Civil, IV volume, págs. 175 e 176
2. Freitas Lebre in Código de Processo Civil Anotado Vol. II pág. 119 a 120