Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4215/13.3TBBRG-A.G1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: REVELIA
ARTICULADO SUPERVENIENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE
Sumário: Não tendo o réu contestado a ação, não é admissível o articulado superveniente que depois veio apresentar e onde põe em causa factos alegados pelo autor na sua petição inicial.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Proc.n.º 4215/13.3TBBRG-A.G1

I - Na presente acção de processo ordinário que N… instaurou contra Companhia de Seguros…, S A, foi proferido o seguinte despacho:
Melhor examinados os autos, verifico agora que a Ré, apesar de ter sido devidamente citada, não apresentou contestação no prazo legalmente estabelecido.
É certo que, estando já esgotado esse prazo, incluindo os três dias úteis subsequentes ao respectivo termo em que o acto ainda podia ser praticado mediante o pagamento de multa, a Ré veio juntar procuração a mandatário judicial, bem como cópias das condições gerais e particulares da apólice referente ao veículo de matrícula 97-25-VO e bem ainda de três documentos destinados a "contraprova" do valor venal que o A. atribuiu ao veículo de matrícula 03-BT-51, e, posteriormente, veio oferecer articulado superveniente, alegando que o A. distorce a realidade dos factos para inflacionar o pedido e pugnando, em conformidade, pela condenação deste, como litigante de má-fé, em multa e indemnização a seu favor, esta de montante não inferior a €5.000,00.
Todavia, afigura-se-me que nenhuma dessas peças é legalmente admissível, já que, por efeito da revelia, se consideram confessados os factos articulados pelo A., nos termos prescritos no n." 1 do artigo 484° do Código de Processo Civil pregresso, cuja disciplina é reproduzida no artigo 567°, nº 1 do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho.
Com efeito, não se verificando nenhuma das excepções ao funcionamento da revelia, ficou vedada a possibilidade de a Ré impugnar a veracidade dos factos alegados na petição inicial, quer oferecendo documentos para a sua contraprova, quer arguindo a sua falsidade.
Assim sendo, rejeito o articulado superveniente apresentado e determino se dê cumprimento ao disposto no n." 2 do citado artigo 567° do NCPC.

Inconformada a ré interpôs recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:

1ª) Com a não contestação da acção, o réu limita-se a ficar sujeito à confissão dos factos nela alegados, ou seja, sujeita-se à consequência da confissão ficta respectiva, por virtude do disposto no actual art.567º CPC, ou no antigo art. 484º, que lhe é correspondente;
2ª) Quanto ao mais, mantém ele todos os direitos que são próprios à defesa da sua posição passiva ou dos interesses respectivos nessa mesma acção, sem nenhuma restrição mais que dali não consta e, em geral, de acordo com o disposto nos arts. 569º segs. CPC;
3ª) E, pelo contrário, afirmando até essa insusceptibilidade de diminuição outra dos seus direitos de defesa na acção, é a própria lei processual que, mais adiante e mui consequentemente, vem afirmar esses mesmos direitos, sem restrição ou limite que sejam, mediante o expressamente disposto no art. 573º CPC;
4ª) Nenhuma preclusão ou sanção mais (v. ficta confessio), por conseguinte, deve ter-se como ali incisa ao disposto no cit. art. 567º CPC, senão sob a luz do princípio de preclusão elástica contido, em salvaguarda do direito de defesa do réu na acção, e da sua posição de pleno direito nela, depois no subsequente art. 573º;
5ª) Qualquer outro entendimento tornaria esse inciso cominatório processual (v. falta de contestação, em revelia relativa) ofensivo dos direitos de defesa do réu na acção, atentos os trâmites e percurso da mesma;
6ª) É assim perfeitamente possível, apesar dessa confissão ficta ocorrida no caso dos autos, e que implica que o réu não possa vir a negar os factos sobre que ficou silente, vir a ocorrer a invocação, em articulado superveniente – v. art. 588º CPC –, do conhecimento tardio da inexistência de factos (alegados pela parte contrária) que, erradamente, se tivesse julgado existentes em face do petitório da acção – cfr. LEBRE DE FREITAS, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, 2001, pág. 268;
7ª) Decidindo em contrário, e rejeitando os meios de prova e/ou o articulado superveniente que foram depois oferecidos na acção pelo réu revel, o tribunal a quo ofendeu os direitos de defesa respectivos, que ao invés lhe competia respeitar, a bem dos princípios e normas processuais implicadas, todas supracitadas e ali violadas, e – claro está! – da própria justiça do caso concreto a que deve estar e manter-se cometido;
8ª) Deve portanto essa decisão, de par com a decisão de remeter imediatamente as partes para o disposto no nº 2 do cit. art. 567º, como sucede ainda in casu com o despacho recorrido, ser revogada, decretando-se a continuação da tramitação da acção até final, com as legais consequências, em obediência ao disposto no actual art. 588º, correspondente aos antigos arts. 506º-CPC 1996 e/ou 493º-CPC 1939.

O recorrido apresentou contra-alegações nas quais pugna pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 684º e 685-A Código de Processo Civil -.

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Conforme resulta dos autos, citada para a acção a ré não contestou.
Após o prazo previsto para tal, veio deduzir articulado superveniente abrigo do disposto no artigo 543º do Código do Processo Civil, onde impugna os factos alegados pelo autor, dizendo, em síntese, que só agora teve conhecimento da matéria que alega.
O artigo 489º n.º1 do anterior Código de Processo Civil, enuncia o princípio da concentração da defesa na contestação ao prescrever que toda ela deve ser deduzida nesse articulado, com excepção dos incidentes que a lei mande deduzir em separado.
O nº2 do citado artigo 489º previa a defesa superveniente: depois da contestação só podem ser deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente,
O mesmo prescreve o artigo 573º do novo Código de Processo Civil.
Também dispunha o citado artigo 484º, que:
“1. Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.
2. O processo é facultado para exame pelo prazo de 10 dias, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, para alegarem por escrito, e em seguida é proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito.
3. Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado”.
O novo Código de Processo Civil dispõe do mesmo modo no artigo 567º.
Assim, de acordo com o n.º 1 deste artigo, “consideram-se confessados” os factos alegados pelo Autor.
O que isto significa é que face ao silêncio do réu, a consequência é considerarem-se provados factos, como se de uma confissão se tratasse.
De facto, fala-se tradicionalmente, de confissão ficta (ficta confessio) para designar o efeito probatório extraído do silêncio da parte sobre a realidade dum facto alegado pela parte contrária, seja mediante a pura omissão de contestação, seja mediante a não impugnação desse facto, em contestação ou outro articulado apresentado, em inobservância do ónus de impugnação (cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, págs. 266-267).
Referem estes autores, na anotação 4ª ao artigo 484º da citada obra: «Considerarem-se os factos alegados pelo autor como confessados não implica que o desfecho da lide seja, necessariamente, aquele que o demandante pretende, porque o juiz deve, seguidamente, julgar a causa aplicando o direito aos factos admitidos».
Ora, o que a apelante pretende, por via do designado articulado superveniente é impugnar a matéria alegada pelo autor na petição inicial, que se tem de considerar admitida por acordo, pelo facto de não ter havido contestação.
Pretende ainda deste modo, impedir que o processo siga a tramitação prevista nos artigos 567º e seguintes do actual código.
Para todos os efeitos, e por via disso, os factos que agora a apelante pretende contraditar, terão que ser analisados, nos termos do disposto no artigo 567º do novo Código de Processo Civil, e serão, em princípio considerados como provados.
Não há, neste caso, lugar, ao articulado superveniente, com o qual ao recorrente pretende impugnar os factos que não foram em devido tempo objecto de impugnação.

III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Guimarães, 20 de Março de 2014.
Conceição Bucho
Antero Veiga
Luísa Duarte