Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
376/09.4TBVRL.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: ACIDENTE
AUTO-ESTRADA
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
LEI INTERPRETATIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/19/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. .O artº 12º- nº1 da Lei nº 24/2007 de 18/7, ao impor à concessionária de auto-estradas o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, nos casos previstos no indicado preceito, estabelece uma presunção de incumprimento de obrigações de segurança por parte da concessionária, que a esta cumpre ilidir, em concreto, de acordo com elementos factuais de cada caso – “apenas a demonstração em concreto das circunstâncias que levaram a intromissão do animal na via é que poderão conduzir a um juízo conclusivo de que ela não deixou de realizar o cumprimento das suas obrigações. Só assim estabelecerá “positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral, que lhe não deixou realizar o cumprimento”- Ac. STJ de 9/9/2008, in www.dgsi.pt.
II. O citado artº 12º-nº1 da Lei nº 24/2007, procede à inversão do ónus da prova a cargo da concessionária, ao lesado/Autor cabendo, apenas, a prova da realização do acidente, prova esta que realizou, no caso sub judice.
III. A citada norma do artº 12º-nº1 da Lei nº 24/2007, tem a natureza de norma interpretativa, sendo de aplicação imediata Acs. STJ de 9/9/2008, e, de 13-11-2007 (www.dgsi.pt/jstj.nsf ).
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

“B.”, “C, S.A.”, e, “D, S.A.”, respectivamente, Interveniente Principal e Rés nos autos de acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, com nº 376/09.4TBVRL, de Vila Real - Instância Local – Secção Cível - J1, da Comarca de Vila Real, vieram recorrer da sentença proferida nos autos, a qual julgou a acção parcialmente procedente, decidindo nos seguintes termos : “Pelo exposto, decide-se julgar a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência, condena-se a Rés, D, S.A. e C, S.A., solidariamente, a pagar ao Autor, E., a quantia de 3.776,35 € (três mil setecentos e setenta e seis euros e trinta e cinco cêntimos) acrescida de juros desde a propositura da presente acção até integral e efectivo pagamento
Custas por Autor e Rés na proporção do decaimento.
Registe e notifique”.


Os recursos foram recebidos como recursos de apelação, com subida nos autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresentam, os apelantes formulam as seguintes conclusões:

A) Recurso de Apelação da Interveniente Principal “B”
1 - A presente Sentença padece de um vício processual de omissão de pronúncia, que se reconduz a uma ausên-cia de emissão de um juízo apreciativo sobre uma questão processual e de direito material-substantivo que a Recorrente suscitou perante o Tribunal a quo.
2 - Por isso, a Douta Sentença ficou omissa em relação à eventual responsabilidade contratual, por força do con-trato de seguro, da Chamada Seguradora, e ao tratamento da questão da sua exclusão da responsabilidade em virtude da Franquia, e que o valor correspondente ao pre-juízo sofrido pelo Autor, teria que ficar a cargo do tomador do seguro ou segurado, conforme cláusula previamente estabelecida no contrato.
3 – A Douta Sentença deveria justificar a absolvição da Recorrente dos pedidos, com o facto de o valor dos danos peticionados, ser inferior ao da franquia existente por si-nistro no Contrato de Seguro para a cobertura de risco de responsabilidade civil celebrado com a 1ª Ré.
4 – O Tribunal a quo não imputou qualquer responsabili-dade contratual à Recorrente, mas não diz expressamente por que motivo ou razão o fez.
5 – Nem tão pouco diz expressamente que a Chamada é condenada ou absolvida dos pedidos formulados na ação mas deveria tê-lo feito em nome da segurança jurídica e do próprio direito.
6- Pelo que a Douta Sentença é nula por violação do dis-posto nos artigos 607º n.º 2, 3 e 4, 608.º n.º 2, 615.º, n.º 1, alínea d) e 621.º, todos do Código de Processo Civil.



B) Recurso de Apelação da Ré D, S.A.
1. O presente recurso vem interposto da sentença de fls… do processo, que colocando-lhe termo, decidiu pela con-denação das RR. D, S.A., e C, S.A., no pagamento, de forma solidária, ao A. E, a quantia de 3.776,35 €, acres-cida de juros desde a propositura da presente acção até integral e efectivo pagamento, a título de danos patrimo-niais, correspondente ao valor da reparação do veículo …VA.
2. Entende a R. apelante que, ao contrário do que sucedeu deveria ter sido absolvida da totalidade do pedido, porquanto, submete a V. Exas. a reapreciação da decisão recorrida, pugnando-se pela procedência do presente re-curso e alteração da decisão recorrida.
3. Na sequência da audiência de julgamento, o Tribunal a quo, para além dos factos que já tinham sido considera-dos assentes em sede de audiência preliminar, considerou como provados os factos que se encontram indicados na sentença, numerados de 18 a 43, e nos quais, sucin-tamente se encontram descritas as circunstâncias de tempo e lugar do alegado sinistro, a viatura, o condutor e as consequências do dito evento, ainda os termos do pa-trulhamento da C e da GNR na A24, ao longo dos dias 11 e 12 de Março de 2006 e ainda a configuração daquela autoestrada.
4. Como não provados considerou os factos elencados pelo Tribunal a quo, na sentença proferida, de a) a g), os quais dizem respeito à velocidade a que seguia a viatura, à introdução do alegado animal na via, aos danos não pa-trimoniais alegadamente causados e ainda aos termos da inspecção da vedação pela C.
5. Na perspectiva da aqui apelante, a ponderação crítica e comparativa dos meios de prova produzidos, de acordo com as regras da experiência comum, impunha, com o devido respeito, uma decisão diversa da que foi proferida e a consequente absolvição das RR. da totalidade do pedido.
Ora,
6. O Tribunal a quo considerou como facto provado que o A., no dia 12.03.2006, pelas 02:30 horas, ao km 72,500 (actual km 74,500, face à reconfiguração da via) da A24, sentido Vila Real/Régua, teve um acidente de viação, quando conduzia o veículo com a matrícula …VA, da marca Audi, modelo A4 Break.
7. Acontece que, com o devido respeito, o A. não conseguiu provar que, naquele dia, terá embatido em algum animal.
8. Tanto o A., na petição inicial, como a Testemunha Fer-nando, no seu referem que no momento do alegado aci-dente, estariam juntos no carro.
9. Todavia, na “Participação de Acidente de Viação”, ela-borada pela Brigada de Trânsito, não há qualquer menção à existência de qualquer Testemunha, antes pelo con-trário, consta que não foram indicadas quaisquer Teste-munhas.
10. O militar da GNR que terá elaborado a participação do alegado acidente não presenciou o mesmo.
11. O A. não aguardou a chegada da R. C ao local ao qual terá, alegadamente, chamado a mesma.
12. Deste modo, o Tribunal a quo, para dar como provada a ocorrência, apoia-se – no essencial – no testemunho de Fernando, cujo depoimento se apresenta no entender da R. demasiado linear e tendencial.
13. Acresce que, o Tribunal a quo considerou facto pro-vado que o veículo sofreu danos, como consequência da-quele embate, na parte frontal e na parte direita do mes-mo.
14. Para tanto, o Tribunal a quo baseou-se, tão-só, na factura e nas fotografias juntas aos autos e no depoimento das Testemunhas, Carlos e António, todos amigos do A..
15. Concomitantemente, deu como provado que partes concretas do veículo sofreram destruição.
16. Acontece que, não só a R. impugnou as referidas fo-tografias e a factura em questão, como o depoimento das ditas Testemunhas impede que se considere como provado que danos resultaram do alegado acidente, uma vez que nenhuma daquelas possuía conhecimento directo dos factos.
17. A impossibilidade de prova resulta ainda da ausência de documentos comprovativos, nomeadamente, quanto à presença daquela Testemunha no local, que sempre deve-ria constar da “Participação de Acidente de Viação” e não consta.
18. Posto isto, se quanto ao facto de haver um animal na via não resta qualquer dúvida à R., uma vez que o funci-onário da C assim o confirma, o mesmo não poderá dizer-se quanto ao alegado embate naquele, uma vez que – com o devido respeito – o A. não fez prova do mesmo.
19. Aliás da própria descrição do acidente, constante da “Participação de Acidente de Viação”, não é feita qualquer referência a vestígios do dito animal no veículo …VA.
20. Aliás, daquele auto, consta que o veículo estava imo-bilizado 2 km’s à frente do local onde o cão foi encontrado morto, e onde a GNR deu igualmente conta da existência de plásticos e vidros partidos.
21. Ora, se o alegado embate foi forte, se o carro ficou imediatamente sem luz e acenderam-se luzes de avaria no tablier, se partiram-se peças do veículo …VA, como alega o A., torna-se um exercício muito complexo para a R. entender como apenas no local onde os militares da GNR vieram a encontrar o veículo imobilizado possam existir pedaços de “plásticos e vidros partidos”!
22. Em suma, alega o A. que, no dia 12.03.2006, pelas 02:30 horas, quando seguia na A24, no sentido Vila Real/Régua, após ter embatido, ao antigo km 72,500, em um cão, terá, para além de causado a morte do animal, provocado danos no seu veículo, designadamente na parte da frente direita.
23. Alega ainda que, após o sobredito embate, terá seguido viagem, até ao antigo km 74,500, onde terá encontrado uma placa com o número de emergência da R. C., tendo efectuado um contacto com aquela a informar do sucedido e a pedir auxílio.
24. Sucede que, se por um lado, o A. conseguiu provar a existência de um cão de grande porte morto, ao antigo km 72,500, da faixa de rodagem da A24, sentido Vila Real/Régua, salvo melhor opinião, entende a R. que o A. não logrou provar que tenha sido o alegado embate com o veículo …VA a provocar a morte do animal, e consequen-temente não conseguiu provar que tenha sido o dito cão, em colisão com a viatura, a provocar os danos ali retrata-dos.
25. Entende a R. que ficou por dissipar a cronologia dos acontecimentos alegados pelo A., pois que, desde logo, se não consegue alcançar as razões que podem levar a que alguém, tendo tido um acidente na auto-estrada, tenha percorrido mais 2 km’s com peças do veículo a “roçar no chão”, depois disso, tenha passado por um nó de saída e tenha permanecido na auto-estrada, mas ainda antes que a C. tivesse tido oportunidade de chegar ao local, tenha simplesmente ido embora.
26. Com o devido respeito, toda esta descrição apresenta-se, no mínimo, insólita.
27. Mais, terão parado ali por ser o local onde se encon-trava disponível o contacto de assistência da R. C..
28. Todavia, a R. ora apelante conseguiu demonstrar que tal não só não correspondia à verdade àquela data, como não corresponde no presente, pois naquele ponto da A24 não há qualquer placa da qual conste qualquer contacto de apoio aos utentes da auto-estrada.
29. Posto tudo isto, se por um lado, o A. conseguiu provar que o veículo apresentava danos na parte frontal e na parte direita do veículo, não conseguiu provar que esses concretos danos resultaram de um embate na A24 com o animal que, naquela noite, foi encontrado morto ao antigo km 72,500.
30. Acresce que, ao ausentar-se do local, que indica como o do embate, sem esperar pela R. C., o A. impediu que a R. apelante, por intermédio daquela, pudesse verificar o estado em que alegadamente terá ficado a referida viatu-ra.
31. Sem prescindir, atente-se ainda ao facto de, para além das fotografias juntas pelo A. com a petição inicial, fotografias essas que a R. impugnou, o Tribunal a quo bastou-se tão-só na factura junta pelo A. e no depoimento de Testemunhas que são, todas elas, amigas daquele e para além disso – são as próprias a admitir, – apenas em momento posterior ao acidente, terão visto o veículo, terão conversado com o A. sobre o estado em que o mesmo se encontrava e assim terão tido conhecimento dos danos que, alegadamente, resultaram do dito sinistro.
32. Deste modo, estamos perante uma um depoimento indirecto que não pode ser atendido, pois não pode, sem mais, simplesmente afastar-se o ideal da imediação na recolha de prova.
33. Em síntese, existem discrepâncias entre o vertido na petição inicial e na descrição do acidente constante no auto de participação.
34. É que, se, por um lado, na petição inicial, o A. alega o súbito aparecimento e atravessamento do canídeo, com o qual, alegadamente, colidiu imediata e violentamente, ao antigo km 72,500, por outro lado, do auto de participação resulta que o veículo só veio a imobilizar-se 2 km’s depois, sem que se tenham detectado quaisquer marcas de travagem.
35. Esta incongruência mantém-se após a inquirição das Testemunhas e por conseguinte reflecte-se na decisão do Tribunal a quo.
36. Pelo exposto, uma vez que, o A. não logrou provar, no entendimento da R., os concretos danos que o veículo so-freu no acidente, a decisão recorrida deverá ser substitu-ída por outra da qual conste a absolvição das RR. do pe-dido.
Sem prescindir,
37. cumpre ainda a reapreciação da responsabilidade da R. D.
38. A R. apelante e o Estado Português celebraram, a 30.12.2000, o “contrato de concessão de lanços de auto-estrada e conjuntos vários associados no interior norte designada por concessão SCUT do interior norte”.
39. Por força do dito contrato, foi atribuída à R. apelante a concessão, projecto, construção, financiamento, con-servação e exploração, em regime de portagem SCUT, da actualmente designada A24.
40. Nos termos do referido contrato de concessão, cele-brado com o Estado Português, foi permitida a contrata-ção, pela R. apelante, de entidades terceiras para o de-senvolvimento das actividades compreendidas na conces-são.
41. Usando de tal faculdade, a R. apelante celebrou, a 22.12.2000, portanto, na mesma data em que foi cele-brado o contrato de concessão, a R. C., um contrato de operação e manutenção.
42. Por força de tal contrato, a C. obrigou-se a assumir o cumprimento de todas as obrigações de manutenção da A24 que, do contrato de concessão, resultavam para a apelante.
43. Alegou, em suma, o vindo de referir, que no dia 12.03.2006, pelas 02:30 horas, ao antigo km 72,500 da A24 ocorreu um acidente com o veículo de matrícula ,…VA, conduzido pelo A., cuja propriedade lhe pertence.
44. Mais, alegou que tal sinistro derivou da existência, na via de circulação, de um suposto cão de grande porte, cão este no qual o veículo embateu.
45. Tal embate, segundo o alegado pelo A., causou vários prejuízos, pelo que peticionou a condenação da R. ape-lante e da R. C., no pagamento de uma indemnização no valor de 6.776,35 €.
46. De acordo com a Base LXXIV da Concessão e artigo 77.1 do contrato de concessão, a R. apelante responde unicamente perante terceiros nos termos gerais da rela-ção comitente comissário pelos danos causados pelas en-tidades que contrata para o desenvolvimento das activi-dades compreendidas na concessão.
47. Ou seja, a R. apelante apenas responderá nos termos do artigo 500.º do CC, pelos actos da C., sua comissária.
48. Assim, deparamo-nos com uma caracterização legal de uma relação de comissão para efeitos de indemnização de terceiros pelos danos causados por entidades contratados pela R. apelante.
49. A responsabilidade do comitente é objectiva e pressu-põe a própria responsabilidade do comissário.
50. A posição do comitente assemelha-se à de um mero garante da obrigação do comissário.
51. A responsabilidade objectiva do comitente dependerá sempre, em primeira e única linha, da aferição da res-ponsabilidade civil do comissário e da sua própria quanti-ficação.
52. Ou seja, terá de ser sempre verificada, no que respeita à concreta pessoa do comissário, a existência da obri-gação de indemnizar.
53. E só perante a existência da obrigação, e na medida da mesma obrigação, é que o comitente responderá objec-tivamente perante terceiros.
54. Terão de se verificar, pois, os requisitos da responsa-bilidade civil, nos termos do artigo 483.º do CC, quanto à pessoa da comissária, neste caso, da R. C..
55. Porque assim foi, nenhum juízo condenatório poderá ser dirigido à R. apelante, por falta de um pressuposto indispensável do regime da responsabilidade civil extra-contratual.
56. É que, não só a R. apelante logrou demonstrar que em nada contribuiu para a ocorrência do acidente alegado pelo A. como, sobretudo, não deve ser aplicada in casu a dita presunção, pois que o dito diploma legal entrou em vigor após a data do facto aqui em crise e não tem aplica-bilidade retroactiva.
Acresce que,
57. ainda que assim não se entendesse, o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, o acidente descri-to pelo A. ficou a dever-se, em exclusivo, à sua negligência enquanto condutor!
58. Diante dos depoimentos das Testemunhas, forçoso será concluir que a R. apelante não praticou qualquer ilí-cito por omissão de qualquer dever de actuação previsto no contrato de concessão, antes pelo contrário, conseguiu provar que, no dia 12.03.2006, assim como no dia ante-rior, cumpriu todas a obrigações que decorrem do contrato de concessão, quanto à operação e manutenção da A24, celebrado com o Estado Português, pelo que não poderá haver condenação, nos termos propugnados pelo A..
59. A R. D. conseguiu provar todos os factos por si alega-dos na contestação, que são basicamente uma reprodução concretizadora, em circunstâncias de tempo, modo e lugar, das obrigações que para a R. D. decorrem do con-trato de concessão.
60. Logo, afasta-se o espectro do incumprimento, caindo por terra qualquer possível condenação da R., por falta de um pressuposto necessário da obrigação de indemnizar.
61. Assim, ao longo dos dias 11 e 12 de Março de 2006, a R. – por intermédio da R. C. procedeu ao habitual patru-lhamento diário.
62. No dia 11.03.2006, foram efectuados dois patrulha-mentos completos à A24, tendo o último, daquele concreto ponto da A24, ocorrido às 15:15 horas.
63. Nesse mesmo dia, a C., fora do contexto de patru-lhamento completo, mas por ter sido chamada ao antigo km 71 da A24 (sentido Norte/Sul), terá feito uma última passagem pelo exacto local onde terá ocorrido o alegado sinistro, por volta das 22:00 horas
64. Consequentemente, conclui-se pela procedência do recurso, uma vez que ficando demonstrado que, nas refe-ridas circunstâncias de tempo e lugar, a R., por intermé-dio da R. C., não poderia ter actuado de outra forma.
65. Assim, não havendo culpa na actuação da R. apelante por si ou por intermédio da R. C. não pode a mesma ser condenada nos termos pretendidos pelo A..
Acresce que,
66. de tudo quanto se ouviu em sede de julgamento, fica a recorrente confiante que o acidente, a ter ocorrido – o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio – o mesmo se ficou a dever ao condutor do veículo…VA, de-signadamente por falta de atenção, causada por cansaço ou sono.
67. Face ao exposto, é à R. apelante que nenhum juízo condenatório poderá ser dirigido.
68. Porquanto, entende, igualmente, a R., que não poderá ser responsabilizada na qualidade de comitente, nos ter-mos do artigo 500.º do CC.
69. Assim, face a todo o exposto, deverá ser a sentença proferida substituída por outra da qual conste a absolvi-ção do pedido por inexistir qualquer obrigação indemni-zatória a impender sobre a R.


C) Recurso de Apelação da Ré C.
I. A douta sentença recorrida não poderá manter-se.
II. Na verdade, a decisão recorrida consubstancia uma solução que viola os preceitos legais e os princípios jurí-dicos aplicáveis, afigurando-se como injusta e não rigoro-sa.
III. Em sede de audiência de julgamento ficaram provados, com interesse para o objecto do recurso em apreço, os se-guintes factos:
IV. “Para cumprimento das obrigações assumidas em ma-téria de exploração e manutenção da A24, a Ré D celebrou com a Ré C, em 22 de Dezembro de 2000, o Contrato de Operação e Manutenção…”;
V. “A operação e manutenção da auto-estrada A24 inclui, designadamente, os serviços e trabalhos referidos no Anexo 4 (…), os quais são prestados de forma a assegurar o Plano de Qualidade O&M.”;
VI. “A estrada em questão tem duas vias (…) separadas entre si por “rails” de segurança.”;
VII. “…encontrando-se toda ela vedada ao longo das suas margens, através de uma rede em arame de altura supe-rior a 1,00m.”;
VIII. “As Rés no cumprimento das suas atribuições devem zelar pela implementação e permanente conservação da estrutura da vedação que deve existir (e, no caso, existe), em toda a extensão lateral da auto-estrada.”;
IX. “…patrulhas de viaturas que permanentemente per-correm aquela via e ainda por câmaras de vigilância dis-postas ao logo de todo o itinerário.”;
X. “No dia 12 de Março de 2006, pelas 02:30 horas, ao quilómetro 72.5 (…) ocorreu um acidente…”;
XI. “Naquela data, as condições meteorológicas eram boas, e o piso encontrava-se limpo e seco.”;
XII. “Algum tempo após o sinistro deslocou-se ao local, uma carrinha da empresa C. (2.ª Ré), destinada ao apoio dos utentes da A24, e que ali se deslocou para remover o cadáver do canídeo e manter as boas condições de utili-zação da vida, para os demais condutores.”;
XIII. “A A24 é patrulhada diariamente pela 2.ª Ré e é vigi-ada 24/24 horas por câmaras de vídeo e pela GNR/BT, também 24 horas por dia, todos os dias do ano.”;
XIV. “No dia do sinistro, os patrulhamentos foram reali-zados.”;
XV. “A 2.ª Ré, patrulhou a A24, tendo o último patrulha-mento sido efectuado às 15h15.”;
XVI. “Os patrulhamentos consubstanciam-se na realiza-ção do percurso da auto-estrada na sua plenitude.”;
XVII. “ A cerca de 700 metros do local onde se verificou o embate existe um nó de acesso à A24.”;
XVIII. “O nó de acesso de Constantim encontra-se a 1,700 m do local do acidente.”;
XIX. “Os dois nós de acesso são totalmente abertos, sem vedações, constituindo uma entrada ou saída, ampla e sem portagem da A24.”;
XX. “A rede que veda a A24 é de malha de abertura variá-vel e arame farpado.”;
XXI. “As referidas redes e o seu estado de conservação são verificadas uma vez por ano em todo o percurso da concessão, fazendo a 2.ª Ré, quando for caso disso, a imediata reparação.”.
XXII. Aplicando aos factos o direito, o Meritíssimo Juiz a quo ao mesmo tempo que considerou terem sido cumpri-das diversas medidas de vigilância e segurança rodoviá-rias por parte da Recorrente, em momento subsequente, condenou parcialmente aquela a pagar uma indemniza-ção ao Recorrido pelos danos advenientes do sinistro em causa — o que, refira-se, não se percebe! Vejamos:
XXIII. A Recorrente sempre assegurou e assegura as boas condições de comodidade e segurança na circulação na autoestrada A24.
XXIV. A A24 é patrulhada diariamente pela aqui Recor-rente entre as 08h00 e as 12h30 e as 14h00 e as 18h00 e é vigiada 24/24 horas por câmaras de vídeo e pela GNR / BT, também 24 horas por dia, todos os dias do ano.
XXV. No dia do sinistro, os patrulhamentos foram e esta-vam a ser realizados, e nada se assinalou de anormal.
XXVI. No caso em análise: por volta das 02h40, a Recor-rente recebeu um pedido de auxílio por parte de um utente, o aqui Recorrido, que comunicou a existência de um acidente na via ao quilómetro 72,5 da A24, no sentido Vila Real – Régua.
XXVII. A Recorrente, após ter conhecimento do sinistro, imediata e prontamente fez deslocar um funcionário seu – Senhor Alfredo – ao local, conforme aliás reconhece o próprio Recorrido da sua petição inicial, facto este dado como provado pela sentença proferida pelo Tribunal a quo.
XXVIII. O funcionário da Recorrente, quando chegou ao referido local, constatou apenas a existência de um cão sem vida, que retirou da via, não tendo avistado qualquer veículo acidentado.
XXIX. Tendo procedido, ainda, à reposição e manutenção das boas condições de utilização da vida para os demais condutores, também conforme resulta provado da sen-tença.
XXX. O veículo acidentado, propriedade do Recorrido, es-tava imobilizado ao quilómetro 74,5, ou seja, a mais de 2 quilómetros de distância do local do acidente, facto esse dado igualmente como provado.
XXXI. Conforme se demonstrou supra, todos os deveres legais e contratuais que para a Recorrente derivam da ce-lebração do contrato relativo à A24 foram escrupulosa-mente cumpridos.
XXXII. Assente o exposto, alega o Recorrido que “… a in-trodução de um animal daquele porte naquela via deveu-se à existência de alguma abertura ou danificação na rede de vedação existente na margem da via. Bem como à falta de patrulhamento e vigilância na detecção de situações anómalas ao longo da própria estrada…”.
XXXIII. Pelo que a Recorrente deveria “…ter detectado e removido o animal, de molde a evitar acidentes, como o que veio a suceder com o A., ou piores, que pusessem em risco a vida dos próprios utentes.”
XXXIV. Ora, salvo o devido respeito por entendimento di-vergente, a introdução daquele animal na A24 e, por con-sequência, o acidente em apreço, não se deveu, nem po-derá imputar-se, à Recorrente.
XXXV. Com efeito, o surgimento do animal na via não proveio de culpa da Recorrente, mas, maxime, da conduta de um terceiro, o proprietário do animal, cuja identificação através de chip não foi possível apurar.
XXXVI. Se a Recorrente não cuidasse de vigiar devida-mente a auto-estrada, ou tendo recebido um alerta da existência de um animal na via nada tivesse feito, existiria responsabilidade sua, por não cuidar de manter a via segura.
XXXVII. No entanto, tendo a Recorrente efectuado tudo o que estava ao seu alcance para proteger os utentes que circulam naquela auto-estrada, conforme ficou provado e resulta da sentença proferida pelo Tribunal a quo, não se pode pretender imputar-lhe a ocorrência de um facto que a mesma não podia prever.
XXXVIII. A Recorrente, tal como reconhece o Tribunal a quo, patrulhou a A24, tendo o último patrulhamento, no local do acidente, sido efectuado às 15h15, e nesse mo-mento não foi verificado qualquer obstáculo na via.
XXXIX. Os patrulhamentos consubstanciam-se e con-substanciaram-se, no caso sub judice, na realização do percurso da auto-estrada na sua plenitude, em marcha lenta, significando, pois que, nos mesmos são visados os respectivos nós de acesso.
XL. Acresce que, conforme resulta do depoimento prestado pela testemunha indicada pela Recorrente – Senhor Engenheiro António – a vedação da A24 é fiscalizada uma vez por ano, constituindo uma obrigação contratual as-sumida pela Recorrente.
XLI. Tendo-o sido em Janeiro de 2006 e em Abril de 2007, concluindo os relatórios de ambas as fiscalizações pelo estado de perfeita conservação da vedação e respectivas redes e componentes.
XLII. A vedação da A24 no local do acidente, é composta pela descrita rede, acrescida de guardas de betão armado com cerca de 1,10 metros e, ainda, uma barreira acústica com aproximadamente 2,00 metros de altura, sendo de todo em todo intransponível para animais.
XLIII. Com efeito, em 12.03.2006, data da ocorrência do acidente sub iudice, incumbia ao Autor o ónus de alegar e provar factos geradores da obrigação de a Ré indemnizar, nos termos e ao abrigo das disposições conjugadas dos art.ºs 342.º e 487.º do Código Civil.
XLIV. A posterior entrada em vigor da Lei 24/2007 de 18
XLV. A Lei n.º 24/2007 de 18 Julho veio definir, de forma clara e expressa, que “o ónus da prova do cumprimento das obrigações cabe à concessionária, desde que a res-pectiva causa diga respeito a: b) Atravessamento de ani-mais na via;”
XLVI. O referido dispositivo legal estabelece, repita-se, que o ónus que impende sobre a concessionária, neste caso transferido para a Recorrente, é o de provar que cumpriu as obrigações de vigilância, de fiscalização e manutenção da segurança rodoviária.
XLVII. Acontece que, à data da ocorrência dos factos em discussão, a referida Lei 24/2007 não se encontrava ain-da em vigor, motivo pelo qual não tem aplicação à pre-sente demanda a inversão do ónus da prova.
XLVIII. Nem contém, a mesma, qualquer norma transitória que determine a sua aplicação retroactiva.
XLIX. Ora, não tendo o Autor provado alegado e provado que a culpa pelo acidente em apreço é do Recorrente, não pode a condenação do mesmo no pagamento da indemni-zação peticionada ser procedente.
L. Não obstante e sem prescindir, mesmo que a referida Lei n.º 24/2007 fosse aplicável ao caso sub iudice, o que apenas por mero dever de patrocínio se admite, a Recor-rente logrou demonstrar, através da prova produzida, que todos os deveres legais e contratuais que sobre si impen-diam foram cumpridos, pelo que a culpa pela introdução do animal na A24 e, nesta medida, o acidente, não lhe podem ser, de maneira nenhuma, imputáveis.
LI. O segmento legal referido não pode significar que à Recorrente se impusesse a obrigatoriedade de estar si-multaneamente em todos os quilómetros da auto-estrada.
LII. Acresce que tal obrigação, não corresponde ao que decorre do contrato de Operação e Manutenção no seu Anexo 4, nomeadamente nos seus pontos 3.1 e 4.1.
LIII. A Recorrente cumpre e sempre cumpriu as suas obrigações na íntegra, com zelo e dedicação, tal como su-cedeu no alegado dia do sinistro sub judice, tendo a equipa de patrulhamento da Recorrente, no dia do aci-dente, efectuado 2 voltas completas à auto-estrada.
LIV. Porém existem, factos e/ou circunstâncias imprevi-síveis, que escapam à vigilância, por mais apertada que esta seja, designadamente acidentes como o presente os quais não podem significar responsabilização automática daquela que é, saliente-se, operadora da via, ainda menos quando os deveres de vigilância e assistência foram cum-pridos e estão devidamente demonstrados.
LV. O que releva, para efeitos de apuramento de respon-sabilidades, é que a Recorrente se preocupou, vigiou, pa-trulhou, deslocou-se ao local, prestou a devida e necessá-ria assistência ao utente, promovendo, em tempo útil, a manutenção da segurança rodoviária.
LVI. A Recorrente, utilizando todos os expedientes que dispõe, zelou, nos termos do Contrato de Operação e Ma-nutenção, pela circulação rodoviária dos utentes e pelas condições de segurança e vigilância da mesma.
LVII. Incongruente, pois, a decisão espelhada na sentença recorrida.
LVIII.Acresce que, ficou, ainda, provada a verificação de dois factos cujo contributo para a aferição da responsabi-lidade pelo acidente sub iudice não é despicienda.
LIX. Em primeiro lugar, o facto relativo à existência dos dois nós de acesso à A24, próximos do local da ocorrência do acidente, os quais, são entradas e saídas físicas sem vedação e, nessa medida, idóneas a permitir a entrada de qualquer animal.
LX. Em segundo lugar, o facto de o veículo acidentado es-tar parado não no quilómetro 72,5, mas apenas dois qui-lómetros à frente, significativo de que o Recorrido, apro-veitando-se das boas condições meteorológicas e do piso seco e em boas condições – factos estes, sim, provados – circulava com manifesto excesso de velocidade.
LXI. Pelo que, conjugando este dois factores adicionais com a ausência de prova efectuada pelo Autor – ou, ad-mitindo-se por mero dever patrocínio-, com a elisão do ónus da prova que a Recorrente logrou efectuar através da prova do cumprimento de todos os deveres contratuais e legais que sobre si impendiam- é forçoso concluir que não é a Recorrente civilmente responsável pelo acidente automóvel sub iudice.
LXII. Razão pela qual mal andou o Tribunal a quo ao condenar a Recorrente, como condenou, no pagamento dos danos alegadamente sofridos pelo Recorrido, não se encontrando reunidos os pressupostos do n.º 1 do art.º 483.º do Código Civil.
LXIII. Não obstante o dever de vigilância da aqui Recor-rente, não se crê que se possa exigir a esta que tenha de assegurar, instante a instante, centímetro a centímetro, que em toda a extensão da auto-estrada não existam obs-táculos que possam colocar em perigo, de algum modo, a circulação de veículos.
LXIV. É-lhe exigível tão-somente, mas em termos racionais e razoáveis, em tempo oportuno e de modo eficaz, que assegure a boa circulação nessas vias, fazendo as re-parações devidas, mantendo uma cadência constante de vigilância e através de sinalização adequada, alertar os utentes para a existência de qualquer obstáculo que não possa ser imediatamente removido.
LXV. Mal andou, pois, a sentença recorrida em afirmar que para ilidir a presunção de culpa em relação ao facto causador do acidente “…é insuficiente (…) a prova do cumprimento genérico do dever de vigilância e, de resto, de medidas genéricas destinadas a evitar, de uma forma geral, a presença de animais na via. Este objectivo só pode ser atingido pela prova de que, na situação concreta, a presença do animal na via não é devida ao incumprimento da obrigação de impedir essa mesma presença.”
LXVI. Pois que, conforme se demonstrou supra, todos os condicionalismos, regras, imposições e características de funcionamento da A24 resultam de obrigações legais e contratuais que para a Recorrente derivam da celebração do contrato com a D. determinadas pelo Estado Português, foram cabalmente e com zelo e diligência cumpridas pela Recorrente.
LXVII. Quer em abstracto, no dia-a-dia e todos os dias, quer no dia do acidente – 12.03.2006 - e no caso concreto, quer antes quer depois da ocorrência do mesmo.
LXVIII. A douta sentença violou, pois, o disposto nos art.ºs 483.º e 562.º do Código Civil e, bem assim, o disposto na Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho.
LXIX. Pelo que, outra alternativa não resta à Recorrente que não seja a de pugnar pela alteração da decisão cons-tante da sentença recorrida.


Os recursos viram a ser admitidos neste Tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de ad-missão do recurso na 1ª instância.

Não foram proferidas contra alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais do artº 635º-nº3 do Código de Processo Civil, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “( artº 608º-nº2 do Código de Processo Civil ).
E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tri-bunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos do artº 5º do Código de Processo Civil, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.
Atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:

A) Recurso de Apelação da Interveniente Principal “B.”
- alegada nulidade de sentença por omissão de pronúncia nos termos do artº 615º-nº1-al.d) do Código de Processo Civil

B) Recurso de Apelação da Ré D., S.A.
- Impugnação da matéria de facto
- do mérito da causa: - no caso sub judice não poderá a Ré apelante ser responsabilizada na qualidade de comitente, nos termos do artigo 500.º do CC, devendo ser absolvida do pedido ?
- não havendo culpa na actuação da R. apelante por si ou por intermédio da R. C, não pode a mesma ser condenada nos termos pretendidos pelo A. ? – tendo o aci-dente se ficado a dever ao condutor do veículo …VA, de-signadamente por falta de atenção, causada por cansaço ou sono ?


C) Recurso de Apelação da Ré C, S.A.
- do mérito da causa:
- responsabilidade da Ré pelos efeitos danosos do acidente dos autos
- ónus da prova do cumprimento das obrigações; presunção de culpa e sua elisão.
- da aplicação ao caso sub judice da Lei nº 24/2007 de 18/7


FUNDAMENTAÇÃO
I) OS FACTOS ( factos declarados provados na sentença recorrida):
1. Por força do contrato de concessão celebrado com o Estado Português, foi atribuída à Ré D a concessão de conceção, projeto, construção, financiamento, conservação e exploração, em regime portagem SCUT, do lanço de Auto-Estrada IP3 Régua - Vila Real, atualmente designado A24 Régua - Vila Real, conforme docu-mento junto a fls. 86 a 149, cujo teor aqui se dá por integral-mente reproduzido apara todos os efeitos legais.
2. Nos termos do mencionado contrato, mais concretamente do Capítulo X das Bases de Concessão, é obrigação da D manter em funcionamento ininterrupto e permanente os lanços da A24 Ré-gua - Vila Real, após abertura ao tráfego, em bom estado de con-servação e perfeitas condições de utilização, em tudo devendo di-ligenciar para que os mesmos satisfaçam plenamente o fim a que se destinam.
3. Para cumprimento das obrigações assumidas em matéria de exploração e manutenção da A24, a Ré D. celebrou com a Ré C, em 22 de Dezembro de 2000, o Contrato de Operação e Manu-tenção, constante de fls. 150 a 307, cujo teor aqui se dá por in-tegralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.
4. No Contrato de Operação e Manutenção, a Ré C. declarou cumprir e assumir todas as obrigações e responsabilidades da Ré D relativas à operação e manutenção da auto-estrada A 24 - cfr. cláusula 3.2. do contrato.
5. A operação e manutenção da auto-estrada A24 inclui, desig-nadamente, os serviços e trabalhos referidos no Anexo 4 do Con-trato de Operação e Manutenção, os quais são prestados de for-ma a assegurar o Plano de Qualidade O&M.
6. A estrada em questão tem duas vias, compostas, cada uma, por duas faixas de rodagem, duas no sentido Vila Real - Régua e outras duas no sentido inverso Régua - Vila Real, separadas en-tre si por “rails” de segurança.
7. Encontrando-se a auto-estrada A24, no local em questão, toda ela vedada ao longo das suas margens, através de uma rede em arame de altura superior a 1,00 m.
8. As Rés no cumprimento das suas atribuições devem zelar pela implementação e permanente conservação da estrutura de veda-ção que deve existir (e, no caso, existe), em toda a extensão late-ral da auto-estrada.
9. Tarefas que são realizadas por patrulhas de viaturas que per-manentemente percorrem aquela via e ainda por câmaras de vi-gilância dispostas ao longo de todo o itinerário.
10. O Autor contactou a 1.ª Ré, através do seu Advogado, por carta registada com AR de 03.04.2006, constante de fls. 21 a 24, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.
11. Missiva que recebeu a resposta da 2.ª Ré., por carta de 20.04.2006, através da qual o responsável pela manutenção ro-doviária daquela empresa, Sr. Rui, representando ambas as en-tidades, D e C (aqui Rés), rejeita qualquer responsabilidade pelo sinistro, conforme documento constante de fls. 25, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.
12. A 1ª Ré celebrou, em 6 de Julho de 2001, contrato de seguro para a cobertura de risco de responsabilidade civil com a Com-panhia de Seguros "F".
13. O mencionado contrato destinava a garantir o segurado con-tra todas as consequências pecuniárias da responsabilidade que lhe possa incumbir, por virtude de toda a legislação, regulamen-tação ou uso, qualquer que seja o fundamento da sua responsa-bilidade, em razão dos danos causados a terceiros e aos utentes, imputáveis às suas atividades quer durante a exploração quer antes da execução dos trabalhos.
14. A concessão da Auto-Estrada Interior Norte, comummente designada A24, encontrava-se abrangida pelo mencionado con-trato.
15. A produção de efeitos do mencionado contrato de seguro de ”responsabilidade civil de exploração” teve início em 31 de De-zembro de 2000.
16. A 12 de Março de 2006 encontrava-se em vigor o contrato de seguro celebrado entre a 1ª Ré e a F.
17. Conforme resulta da Secção 5 do referido contrato, seu artigo 7.2, foi acordado entre as partes uma franquia de € 7.622,45 por sinistro.
18. No dia 12 de Março de 2006, pelas 02:30 horas, ao quilómetro 72.5 na Auto-Estrada A24, no sentido Vila Real - Régua, ocorreu um acidente de viação, no qual foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros, marca Audi, modelo A4 Breack, com a matrícula “…VA”.
19. À data do sinistro o referido ligeiro de passageiros era propri-edade do Autor, sendo que era também por ele conduzido.
20. Naquela data, as condições meteorológicas eram boas, e o piso encontrava-se limpo e seco.
21. O Autor seguia no seu sentido de trânsito Vila Real/Régua, na faixa de rodagem situada à direita.
22. Ao efetuar uma curva à direita existente no local, atravessou-se à frente do veículo conduzido pelo Autor um canídeo de grande porte, que naquele momento fazia a travessia da faixa de rodagem no sentido da direita para a esquerda.
23. Em face do súbito aparecimento do animal, o Autor não con-seguiu evitar a colisão com aquele canídeo.
24. Algum tempo após o sinistro deslocou-se ao local, uma car-rinha da empresa C, S.A. (2ª Ré), destinada ao apoio aos utentes da A24, e que ali se deslocou para remover o cadáver do canídeo e manter as boas condições de utilização da via, para os demais condutores.
25. Em consequência do embate, sofreu o Autor danos na viatura “VA”, mormente na sua parte frontal, com maior incidência na lateral direita.
26. Designadamente, sofreu a destruição do para-choques dian-teiro e grelhas do para-choques, radiador, sistema/radiador do ar condicionado, carcaça do filtro de ar, a quebra da ótica e pisca do lado direito frente, amolgamento do guarda-lamas, chapa de matrícula e blindagem do motor, matrícula, spoiler, reforços do para-choques e buzinas.
27. O veículo foi então rebocado para Peso da Régua, local onde teve lugar a avaliação do seu estado e a realização do respetivo orçamento de reparação.
28. Todavia, o Autor logrou obter melhor preço para a reparação dos danos verificados no seu veículo numa oficina de reparação automóvel sediada em Lamego e denominada “…”, que procedeu à essa reparação pelo preço global de 3.776,35 €.
29. O custo dos materiais, equipamentos e mão-de-obra foi su-portado pelo Autor aquando da entrega do veículo a 05.09.2006.
30. Desde a data do acidente até à entrega do veículo reparado ao Autor o mesmo encontrou-se imobilizado.
31. Tendo o Autor aguardado pela disponibilidade da oficina para a sua reparação e por uma resposta das Rés quanto à assunção da responsabilidade pelos danos causados no veículo “VA”.
32. Durante o citado período da paralisação do “VA”, o Autor so-correu-se da ajuda de familiares, a quem foi pedindo um veículo emprestado para se deslocar para o seu local de trabalho ou para as deslocações que necessitou.
33. A A24 é patrulhada diariamente pela 2ª Ré e é vigiada 24/24 horas por câmaras de vídeo e pela GNR / BT, também 24 horas por dia, todos os dias do ano.
34. No dia do sinistro, os patrulhamentos foram realizados.
35. A 2.ª Ré, patrulhou a A24, tendo o último patrulhamento sido efetuado às 15h15.
36. Os patrulhamentos consubstanciam-se na realização do per-curso da auto-estrada na sua plenitude.
37. Aquando da ocorrência do acidente, o funcionário da Ré Operscut, ao chegar ao local do acidente — Km 72,5 — não viu o veículo acidentado, apenas um cão, sem vida, que retirou da via.
38. O veículo acidentado, propriedade do Autor, estava imobili-zado ao Km 74,5.
39. A cerca de 700 metros do local onde se verificou o embate existe um nó de acesso à A24.
40. O nó de acesso de Constantim encontra-se a 1,700 m do local do acidente.
41. Os dois nós de acesso são totalmente abertos, sem vedações, constituindo uma entrada ou saída, ampla e sem portagem da A24.
42. A rede que veda a A24 é de malha de abertura variável e arame farpado.
43. As referidas redes e o seu estado de conservação são verifi-cadas uma vez por ano em todo o percurso da concessão, fazendo a 2.ª Ré, quando for caso disso, a imediata reparação.


II) O DIREITO APLICÁVEL
A) Recurso de Apelação da Interveniente Principal “B” - alegada nulidade de sentença por omissão de pronúncia nos termos do artº 615º-nº1-al.d) do Código de Processo Civil
Alega a apelante que a decisão padece de nulidade, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615° do Código de Processo Civil, por omissão de pronúncia, na medida em que a sentença deveria justificar a absolvição da Recorrente dos pedidos, com o facto de o valor dos danos peticionados ser inferior ao da franquia existente por sinistro no Contrato de Seguro para a cobertura de risco de responsabilidade ci-vil celebrado com a 1ª Ré, sendo que a sentença é omissa em relação à eventual responsabilidade contratual, por força do contrato de seguro, da Chamada Seguradora, ou sua exclusão da responsabilidade em vir-tude da Franquia, nem, tão pouco, diz expressamente se a Chamada é condenada ou absolvida dos pedidos formulados.
Compulsado o teor da sentença recorrida verifica-se que dela consta, com referência á matéria em apreço: - “...resultou provado nos autos que a 1ª Ré celebrou, em 6 de Julho de 2001, contrato de seguro para a cobertura de risco de responsabilidade civil com a Companhia de Seguros "F". Contudo, foi acordado entre as partes uma franquia de € 7.622,45 por sinistro”, nada mais referindo de direito relativamente á Chamada, não tendo ainda a sentença concluído pela absolvição ou condenação da indicada Interveniente.
Dispõe o n.º1-alínea.d) do art.º 615º do Código de Processo Civil que “ É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre ques-tões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Os vícios previstos no citado art.º 615º do Código de Processo Civil, geradores de nulidade da sentença, são vícios de cariz adjectivo ou processual e que afectam a decisão na sua estrutura processual, invali-dando-a ou tornando-a incompleta ou incompreensível, relativamente aos vícios ora apontados. Assim, e no que à omissão de pronúncia se re-fere, reporta-se a lei a um desconhecimento absoluto da questão objecto da decisão (Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 6/5/2004, p.04B1409, in www.dgsi.pt), “Trata-se de um mero vício formal (e não de erro de substância ou de julgamento)” - Ac. do Supremo Tribunal de Justiça , de 23- -05-2006, Proc. n.º 06A10 90, in www.dgsi.pt..
Nestes termos, no caso sub judice verifica-se a indicada causa de nulidade por total omissão de decisão de condenação ou absolvição da Interveniente, sendo que tratando-se de Interveniente Principal, como tal admitida na acção nos termos dos artº 325º e 320º-al.a) do CPC, na versão á data aplicável – cfr. decisão judicial de fls. 488 dos autos, e tendo a mesma vindo a intervir nos autos, oferecendo a contestação de fls. 501 e gs., nos termos do disposto no artº 328º do CPC, na versão á data aplicável, e, com igual correspondência no artº 320º do NCPC, “a sentença que vier a ser proferida sobre o mérito da causa deverá apreci-ar a relação jurídica de que seja titular o chamado, constituindo quanto a ele, caso julgado”, nestes termos, e face ao já decidido, sem vencimen-to, ainda que sumariamente, se devendo concluir pela absolvição da In-terveniente Principal e ora apelante B. do pedido, assim se declarando, nesta medida procedendo os fundamentos da apelação interposta pela Chamada.

B) Recurso de Apelação da Ré D, S.A.
1. - Impugnação da matéria de facto
Impugna a apelante a matéria de facto, invocando que o Tribunal a quo considerou como facto provado que o A., no dia 12.03.2006, pelas 02:30 horas, ao km 72,500 (actual km 74,500, face à reconfiguração da via) da A24, sentido Vila Real/Régua, teve um acidente de viação, quando conduzia o veículo com a matrícula …VA, da marca Audi, modelo A4 Break, não tendo resultado provado que o A., naquele dia, terá embatido em algum animal, mais alegando que tanto o A., na petição inicial, como a Testemunha Fernando, no seu depoimento referem que no momento do alegado acidente, estariam juntos no carro, todavia, na “Participação de Acidente de Viação”, elaborada pela Brigada de Trânsito, não há qualquer menção à existência de qualquer Testemu-nha, antes pelo contrário, consta que não foram indicadas quaisquer Testemunhas, e, o militar da GNR que terá elaborado a participação do alegado acidente não presenciou o mesmo, e, o A. não aguardou a che-gada da R. C ao local ao qual terá, alegadamente, chamado a mesma, mostrando-se, assim, impugnados os factos provados nº 11, 22 e 23 do elenco factual da sentença, correspondentes aos artigos 5º, 6º e 11º da Base Instrutória.
Nos termos do disposto no artº 662º-nº1 do Código de Processo Civil “ A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
“A reapreciação da matéria de facto, pela Relação, no âmbito dos poderes conferidos pelo artº 712º do CPC, não pode confundir-se com um novo julgamento, destinando-se essencialmente á sanação de manifestos erros de julgamento, de falhas mais ou menos evidentes na apreciação da prova
(Ac.STJ,de14/3/2006,inCJ,XIV,I,pg.130;Ac.STJ,de19/6/2007,www.dgsi.pt;).
“ O reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui (…) uma nova ou suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento (…) O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento na 2ª instância, dirigindo-se somente ao reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa, indicadas pelo recorrente, e não a todas as provas produzidas na audiência. Por isso, o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação das já proferidas, sendo certo que, no exercício dessa tarefa, o tribunal de recurso apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas, razão pela qual se entender que a valoração e apreciação feitas se mostram correctas, se pode limitar a aderir ao exame crítico efectuado pelo tribunal recorrido.” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça4/11/09- P.680/07.6GCBRG.G1.S1, in, www.dgsi.pt.
Na sentença recorrida fundamentou a Mª Juiz “ a quo” as res-postas á indicada matéria de facto nos seguintes termos: “ .... no que concerne à dinâmica do acidente, à configuração da via, bem como aos danos apresentados pelo veículo, o Tribunal atendeu às declarações da testemunha Fernando, amigo do Autor, e de cujo depoimento resultou de forma que se mostrou sincera, circular o mesmo como passageiro do veículo VA na data e hora referidas em 18. dos factos provados, narran-do, de forma espontânea e desinteressada, a dinâmica do acidente, a forma como se aperceberam do cão na via e a impossibilidade de evitar o embate. Reportou-se, ainda à configuração da auto-estrada no local, às diligências após o acidente e aos danos do veículo. Neste âmbito, o Tribunal atendeu ainda à fatura e recibo juntas a fls. 19 e 20 dos autos e às fotografias juntas a fls. 801 a 804. Mostrou-se o respetivo depoimento, contudo, insuficiente, por demasiado vago, para concluir que a introdução do animal na via deveu-se à existência de alguma abertura ou danificação da rede de vedação existente na margem ou qual a velo-cidade a que o Autor circulava. Por seu turno, a testemunha Carlos, mi-litar da GNR, limitou-se, no essencial, a confirmar o vertido na partici-pação de acidente de fls. 11 e 14 dos autos”.
Não se evidenciando erro no julgamento da matéria de facto, sendo o Mº Juiz julgador livre na sua apreciação da prova segundo a sua convicção nos termos do art.º 607º-nº5 do Código de Processo Civil, valoração esta que, só por si, desde que não enferme em erro ou se ba-seie em meio de prova ilegal ou não fundamentada, é prevalecente, sali-enta-se, que, mesmo a considerar-se não se poder assegurar a efectiva presença da indicada testemunha Fernando no local á data do acidente, pois que não foi dada como indicada no Auto de Participação de Acidente elaborado, de fls.11 a 14 dos autos, também se não poderá, por tal circunstância, dar como assente que a indicada testemunha ali não se encontrava, nem circulava como passageiro no veículo acidentado, como considerou a Mª juiz “ a quo”, apenas resultando dos elementos probatórios em referência que no auto de participação não foram indi-cadas testemunhas.
Resulta, porém, com relevância, do indicado auto da autoridade policial a confirmação da verificação do acidente no dia e local referen-ciados nos autos, confirmando-se a existência de vestígios no local, de-signadamente plásticos e vidros partidos, não esclarecendo o auto o local preciso em que se encontravam, não podendo concluir-se de tal auto, nem dele consta, como alega a apelante, que tais vestígios se encon-trassem no local onde se teria o veículo imobilizado ao KM 74,5, conse-quentemente, nesta parte falecendo os fundamentos da impugnação.
Com relevância, resulta, ainda, do indicado auto da autoridade policial a confirmação da existência no local de um cão de grande porte, morto, resultando dos factos provados que – “O veículo foi então rebocado para Peso da Régua, local onde teve lugar a avaliação do seu estado e a realização do respetivo orçamento de reparação” (facto provado nº 27), relevando, ainda, as declarações prestadas pelo Autor á data da ocorrência e exaradas em auto pela autoridade, designadamente no que refere á verificação de danos materiais no veículo, danos estes que se mostram, ainda, confirmados pelos documentos de factura e recibo de fls. 19 e 20 dos autos e fotografias juntas a fls. 801 a 804, já referencia-das pela Mª Juiz “ a quo”, todos os indicados elementos probatórios se mostrando verosímeis e demonstrativos da verificação do acidente, nos termos descritos na sentença, não se evidenciando a possibilidade de qualquer outra versão dos factos.
Nestes termos, inexistindo erro de julgamento que se evidencie, e não se fundamentando a convicção do julgador em provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de meio de prova vinculada, improcede a impugnação da matéria de facto, sendo os fundamentos inoperantes e insuficientes á alteração pretendida, consequentemente, se mantendo inalterado o objecto factual descrito na sentença recorrida.
2. - do mérito da causa: - no caso sub judice não poderá a Ré ape-lante ser responsabilizada na qualidade de comitente, nos termos do artigo 500.º do CC, devendo ser absolvida do pedido ?
Alega a apelante que a R. apelante e o Estado Português celebra-ram, a 30.12.2000, o “contrato de concessão de lanços de auto-estrada e conjuntos vários associados no interior norte designada por concessão SCUT do interior norte”.
Por força do dito contrato, foi atribuída à R. apelante a concessão, projecto, construção, financiamento, conservação e exploração, em regime de portagem SCUT, da actualmente designada
Nos termos do referido contrato de concessão, celebrado com o Estado Português, foi permitida a contratação, pela R. apelante, de en-tidades terceiras para o desenvolvimento das actividades compreendidas na concessão.
Usando de tal faculdade, a R. apelante celebrou, a 22.12.2000, portanto, na mesma data em que foi celebrado o contrato de concessão, a R. C, S.A., um contrato de operação e manutenção.
Por força de tal contrato, a C obrigou-se a assumir o cumpri-mento de todas as obrigações de manutenção da A24 que, do contrato de concessão, resultavam para a apelante.
De acordo com o Decreto-Lei n.º 323-G/2000, de 19 de Dezembro, Base LXXIV, n.º 1, “A Concessionária responderá ainda nos termos gerais da relação comitente-comissário, pelos prejuízos causados pelas entidades por si contratadas para o desenvolvimento das actividades compreendidas na Concessão”.
E o mesmo resulta do artigo 77.1 do contrato de concessão cele-brado entre a R. apelante e o Estado.
Tendo resultado dos factos provados tal responsabilidade, relati-vamente á via em que ocorreu o acidente dos autos, a Auto-Estrada A24, nomeadamente, provando-se: - Por força do contrato de concessão celebrado com o Estado Português, foi atribuída à Ré D. a concessão de conceção, projeto, construção, financiamento, conservação e exploração, em regime portagem SCUT, do lanço de Auto-Estrada IP3 Régua - Vila Real, atualmente designado A24 Régua - Vila Real; Nos termos do mencionado contrato, mais concre-tamente do Capítulo X das Bases de Concessão, é obrigação da Norscut manter em funcionamento ininter-rupto e permanente os lanços da A24 Régua - Vila Real, após abertura ao tráfego, em bom estado de conservação e perfeitas condições de utili-zação, em tudo devendo diligenciar para que os mesmos satisfaçam plenamente o fim a que se destinam; Para cumprimento das obrigações assumidas em matéria de exploração e manutenção da A24, a Ré D ce-lebrou com a Ré C, em 22 de Dezembro de 2000, o Contrato de Operação e Manutenção, constante de fls. 150 a 307; No Contrato de Operação e Manutenção, a Ré C declarou cumprir e assumir todas as obrigações e responsabilidades da Ré D relativas à operação e manutenção da auto-estrada A 24 - cfr. cláusula 3.2. do contrato; A operação e manutenção da auto-estrada A24 inclui, designadamente, os serviços e trabalhos referidos no Anexo 4 do Contrato de Operação e Manutenção, os quais são prestados de forma a assegurar o Plano de Qualidade O&M; A estrada em questão tem duas vias, compostas, cada uma, por duas fai-xas de rodagem, duas no sentido Vila Real - Régua e outras duas no sentido inverso Régua - Vila Real, separadas entre si por “rails” de segu-rança; Encontrando-se a auto-estrada A24, no local em questão, toda ela vedada ao longo das suas margens, através de uma rede em arame de altura superior a 1,00 m; As Rés no cumprimento das suas atribuições devem zelar pela implementação e permanente conservação da estrutura de vedação que deve existir (e, no caso, existe), em toda a extensão lateral da auto-estrada; Tarefas que são realizadas por patrulhas de viaturas que permanentemente percorrem aquela via e ainda por câma-ras de vigilância dispostas ao longo de todo o itinerário ( factos provados nº 1 a 9 ).
Dispõe o artº 500º - nº1 do Código Civil: “ Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar”- “ ... a nota mais característica da situação do comitente é a sua posição de garante da indemnização perante o terceiro lesado ...” ( P. Lima e A.Varela, in Código Civil, anotado, vol I, pg. 482, e com referência a Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol I, nº 161 ).
Como se irá expor de seguida, no conhecimento do recurso de apelação da Ré C, S.A. é a mesma a responsável pelos danos emergentes do acidente dos autos, para tal matéria nos remetendo, concluindo-se, consequentemente, ser a Ré apelante D nos mesmo termos respon-sabilizada na qualidade de comitente, nos termos do artigo 500.º do CC, devendo vir a ser condenada no pedido, nos termos exarados na sen-tença recorrida.
3. – Mais invocando a apelante a exclusão da sua responsabili-dade por inexistência de culpa na sua actuação por si ou por intermédio da Ré C, alegando ter o acidente ficado a dever-se ao condutor do veículo …VA, designadamente por falta de atenção, causada por cansaço ou sono, dir-se-á que a alegada factualidade, reportada á culpa no acidente do condutor do veículo …VA, não resulta provada, subsistindo a pre-sunção de incumprimento das obrigações de segurança por parte da concessionária nos termos e por aplicação do disposto no artº artº 12º-nº1 da Lei nº 24/2007 de 18/7, aplicável ao caso dos autos, e que se não mostra ilidida, nos termos que igualmente irão expor no conhecimento do recurso de apelação da Ré C., improcedendo os fundamentos da apela-ção.

C) Recurso de Apelação da Ré C, S.A. - do mérito da causa: - responsabi-lidade da Ré pelos efeitos danosos do acidente dos autos; - ónus da prova do cumprimento das obrigações; presunção de culpa e sua elisão; - da aplicação ao caso sub judice da Lei nº 24/2007 de 18/7
1. Dispõe o artº 12º-nº1 da Lei nº 24/2007 de 18/7:
1- Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à con-cessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a:
a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas fai-xas de rodagem;
b) Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais”.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança.
3 — São excluídos do número anterior os casos de força maior, que directamente afectem as actividades da concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de:
a) Condições climatéricas manifestamente excepcionais, designa-damente graves inundações, ciclones ou sismos;
b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio;
c) Tumulto, subversão, actos de terrorismo, rebelião ou guerra.
Como expressamente decorre da lei, e se refere no Acórdão do STJ, de 9/9/2008, P.08P1856, in www.dgsi.pt, “publicada a Lei 24/2007 de 18/7 que veio estabelecer no seu art. 12º (...) é hoje claro que em caso de acidente rodoviário em auto-estradas, em razão do atravessamento de animais, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária. Ou seja, este dispositivo pôs fim à polémica relativa ao ónus da prova, remetendo a discussão sobre a natureza jurídica da responsabilidade civil das concessionárias de auto-estradas para fundamentos meramente teórico/académicos (...);
Perante a posição que assumimos não basta à R., para afastar a presunção de incumprimento que sobre si impende, a demonstração genérica de ter cumprido as suas obrigações de vigilância e de conser-vação das redes laterais da via. Para além do caso de força maior devi-damente verificado a poder desonerar das suas obrigações, apenas a demonstração em concreto das circunstâncias que levaram a intromis-são do animal na via é que poderão conduzir a um juízo conclusivo de que ela não deixou de realizar o cumprimento das suas obrigações. Só assim estabelecerá “positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral, que lhe não deixou realizar o cumprimento”.
No mesmo sentido se decide no Ac. do STJ de 14/3/2013, P.201/06.8TBFAL.E1.S1, in www.dgsi.pt, referindo-se, com referência ao artº 12º -nº1 da Lei nº 24/2007, de 28 de Julho: “... ao definir os direitos dos utentes de auto-estradas, itinerários principais ou itinerários complementares, faz recair sobre o concessionário a presunção de in-cumprimento de obrigações de segurança quando os acidentes sejam causalmente imputados a objectos arremessados, a objectos ou líquidos existentes nas faixas de rodagem ou ao atravessamento de animais.
2. Provado que o despiste de um veículo automóvel foi determi-nado pelo facto de na faixa de rodagem se encontrar um pato de que o condutor se pretendeu desviar, a concessionária da auto-estrada é res-ponsável pelos danos decorrentes do acidente, salvo se elidir a presun-ção de incumprimento de obrigações de segurança.
3. Recaindo sobre a concessionária de auto-estrada uma obriga-ção reforçada de meios, a elisão da referida presunção, relativamente à entrada ou permanência de animais na faixa de rodagem, não se basta com a prova genérica de que houve passagens da equipa de assistência e de que não foi detectada ou comunicada a presença do animal”;
mais se esclarecendo “ ... Como refere Rui Ataíde, ob cit., pág. 167, reportando-se especificamente à presença de animais na auto-estrada, “não são os utentes a ter de adivinhar os locais onde esse perigo é mais plausível, mas as concessionárias a identificá-lo de forma visível, assinalando-os mediante a indispensável sinalização, o que investirá o utente na adopção de cuidados redobrados. Fora disso, compete-lhes apenas e tão-só cumprir as comuns regras de trânsito, designadamente as que fixam as velocidades máximas”. E mais adiante conclui que “o cerne da conduta exigível aos concessionários reside em determinar se os sistemas de segurança adoptados são adequados, primeiro, à prevenção de tais sucessos e, segundo, quando tal não for possível, à diligente remoção das respectivas consequências, de modo a reconstituir as normais condições de circulação”.
A par dos fundamentos já expostos nos indicados arestos juris-prudenciais, em posição que perfilhamos, sendo também posição maio-ritária neste TRG (v. Acs, de 22/5/2014, 20/3/2014, 17/1/2013, 3/7/2014, 17/12/2014, 29/10/2015, 21/1/2016, entre outros, in www.dgsi.pt ), conclui-se que o art.º 12.º n.º 1 da Lei 24/07 de 18/007, veio pôr fim á discussão doutrinária e jurisprudencial relativa à nature-za da responsabilidade dessas concessionárias da auto-estrada, quando aí ocorre acidente rodoviário desencadeado nas situações previstas na lei, nomeadamente por ( al.b) atravessamento de animais, estabelecendo a lei uma presunção legal de incumprimento das obrigações de segu-rança á concessionária nos acidentes pelas causas previstas, proceden-do á inversão do ónus da prova a cargo da concessionária, ao lesa-do/Autor cabendo, apenas, a prova da realização do acidente, prova esta que realizou, no caso em apreço, como resulta do concreto factualismo provado (cfr. factos provados nº 18 a 23 ), não tendo a Ré concessionária provado o cumprimento das obrigações de segurança, que lhe são impostas (DL nº 248-A/99, de 6 de Julho), não tendo elidido a presunção de incumprimento decorrente do nº1 do artº 12º da citada Lei nº 24/2007 de 18/7, a tal sendo insuficiente o concreto factualismo apurado a tal questão respeitante, designadamente factos provados nº 33 a 36, nos termos supra expostos, confirmando-se os fundamentos de decisão expostos na sentença recorrida.
“ .... Como refere Rui Ataíde, ob cit., pág. 187, reportando-se de-signadamente aos casos de animais nas auto-estradas, “a conduta ra-zoável e exigível consiste na observância de um adequado, rápido e eficaz sistema de detecção e remoção de tais incidências e respectivas consequências, uma vez que nenhuma estrada pode ser mantida em condições de total imunidade contra esse tipo de riscos para a circula-ção”- Ac. STJ de 14/3/2013, supra citado, e, no mesmo sentido, e crf. se decidiu já no Ac. TRG, de 20/3/14: “Quando, apesar da fiscalização que exerce, existem animais na faixa de rodagem, existe, em princípio, um incumprimento concreto por parte da concessionária, porquanto, nos termos do contrato que celebrou com o Estado, ela se comprometeu, além do mais, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas. E tal pre-sunção de incumprimento subsistirá sempre que, como no caso em apreço, seja ignorada a razão do surgimento de tais animais na faixa de rodagem. (...) enquanto não for conhecida a efectiva razão do sucedido, é a favor do lesado/utente, e não da concessionária que a respectiva dúvida terá de resolver-se, de acordo com o preceituado no n.º 1 do art. 12.º da Lei n° 24/2007, conjugado com o n° 1 do art. 350.º do Código Civil.”; No mesmo sentido, v. Ac. TRG de 17/1/2013- “ Não basta, pois, à concessionária a prova da adopção de mecanismos genéricos de fisca-lização e vistoria para que, no circunstancialismo concreto, se considere cumprida a sua obrigação de manutenção das condições de segurança da via”.
2. - da aplicação ao caso sub judice da Lei nº 24/2007 de 18/7: - A Lei nº 24/2007, tendo por objecto definir direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto -estradas concessionadas, itinerá-rios principais e itinerários complementares, estabelecendo, nomeada-mente, as condições de segurança, informação e comodidade exigíveis, sem prejuízo de regimes mais favoráveis aos utentes estabelecidos ou a estabelecer, aplicando-se às auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares, nos termos do Plano Rodoviário Nacional (PRN) em vigor vigente, e, às auto -estradas concessionadas com portagem, e, vindo esclarecer longa discussão relativa á natureza jurídica da responsabilidade civil das concessionárias e respectivo ónus da prova, tem a natureza de norma interpretativa, sendo de aplicação imediata( cfr. Acs. STJ de 9/9/2008, e, de 13-11-2007 (www.dgsi.pt/jstj.nsf ), referindo-se no indicado Ac. do STJ de 9/9/2008:- “ Como se sabe, nos termos do art. 12º nº 1 as normas, em regra, não têm aplicação retroactiva, razão porque não de deveria aplicar, em princípio, à situação em causa, já que ocorreu antes da entrada em vigor do dito preceito. Todavia as leis interpretativas devem integrar-se na lei interpretada e consequentemente têm aplicação imediata. A lei interpretativa deve considerar-se como remontando à data da lei interpretada.(...) Assim, se se entender a disposição referenciada como uma norma interpretativa a mesma, por ter aplicação imediata (retroactiva), terá aplicação ao caso vertente.(...) Quanto ao critério definidor destas leis, têm-se vindo a aceitar depender da existência cumulativa de dois elementos: a) a lei regular um ponto de direito acerca do qual se levantam dúvidas e controvérsias na doutrina e jurisprudência; b) a lei consagrar uma solução que a jurisprudência pudesse tirar do texto da lei anterior, sem intervenção do legislador (vide Emídio Pires da Cruz, obra citada, pág. 246). No mesmo sentido o Prof. Batista Machado (in Sobre a Aplicação no Tempo do novo Código Civil, 1968, págs. 286 e segs.) (...) Face a estes pressupostos, somos em crer que a referenciada norma é interpretativa, consagrando uma das soluções controvertidas pela doutrina e jurisprudência. Resolveu um problema, cuja solução constituía até ali matéria de debate, dando-lhe uma solução dentro dos quadros de controvérsia anteriormente estabelecida. Não se trata de uma lei inovadora visto que não resolve o conflito em termos diferentes, no sentido de renovar a posição antes assumida pela jurisprudência e doutrina”.
Nos termos expostos, improcedem os fundamentos do recurso de apelação da Ré C, confirmando-se a decisão condenatória contra a mesma proferida pelo Tribunal de 1ª instância.
Conclui-se, nos termos expostos, pela procedência recurso de apelação interposto pela Interveniente Principal “B”, impondo-se a pro-lação de decisão a absolver a Chamada dos pedidos, e, pela improce-dência dos fundamentos do recurso de apelação das Rés “C, S.A.”, e, “D, S.A.”, mantendo-se relativamente a estas a sentença condenatória recorrida.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela Interveniente Principal “B”, absolvendo-se a mesma dos pedidos, e, em julgar improcedentes os recursos de apelação das Rés “C, S.A.”, e, “D, S.A.”, relativamente a estas se confirmando a sentença recorrida.
Custas pelas Rés “C, S.A.”, e, “D, S.A.”, na proporção dos respectivos decaimentos.
Recurso de apelação interposto pela Interveniente Principal “B” – Sem custas.

Guimarães, 19 de Maio de 2016