Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
492/10.0TBPTL.G1
Relator: MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE AUQUITECTURA
CONTRATO ATÍPICO
COISAS INCORPÓREAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/29/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - Na fixação da matéria de facto provada, o tribunal de 1.ª instância rege-se pelo princípio da livre apreciação da prova, podendo ocorrer alteração da convicção já formada, por parte do Tribunal da Relação, que se deve reger também pelo aludido princípio, nos termos do artigo 662.º do Código de Processo Civil.
2 - A obra incorpórea ou intelectual mostra-se subtraída do âmbito do contrato de empreitada, tal como o mesmo se mostra definido no Código Civil (artº 1207º) no qual se omite, intencionalmente, a referência à prestação de um serviço.
3 - A realização de um trabalho de arquitectura, ou qualquer outra obra de natureza intelectual configura, um contrato de prestação de serviços inominado, na medida em que nele o autor se obrigou a proporcionar à ré o resultado do seu trabalho intelectual, mediante retribuição - art.º 1154.º do Código Civil.
4- Ao contrário do que acontece com o projecto de arquitectura o qual define o aspecto da obra (forma, volumes e dimensões) e que acaba por ser transportada para uma realização corpórea (o edifício) possuindo assim uma maior afinidade com o objecto típico da empreitada, um projecto de especialidades, mais propriamente o projecto de estabilidade, é elaborado com base em cálculos e formulas matemáticas complexas que define os esforços estruturais a considerar que têm de ser tidos em conta, bem como as características da estrutura resistente dos edifícios, com a eleição dos materiais, seu dimensionamento e disposição, por forma a ser assegurada e garantida a sua estabilidade e integridade ao longo do tempo.
5- Embora este projecto seja depois transposto para uma obra corpórea, as suas manifestações radicando em fórmulas, cálculos e modelos matemáticos intrincados e complexos que são incomensuravelmente menos detetáveis e cognoscíveis, não saltam à vista de um cidadão médio, ao contrário da generalidade dos defeitos exibidos pelas coisas corpóreas.
6. Dada a relevância deste projeto para um edifício os coeficientes de segurança dos projetos de estabilidade são dimensionados por excesso, tendo em conta a elevada duração que é suposto conferir a edificações e à exposição e ocorrência de fenómenos que provocam cargas e esforços adicionais.
7. Um projeto de estabilidade é elaborado para ser indefinidamente duradouro. A exigência da sua conformidade com as regras técnicas e as normas legais obedece a razões de segurança de longo termo das edificações, relacionadas com a salvaguarda da integridade física e vida dos utilizadores da obra a que não são estranhas razões de interesse público.
8- No caso de um projeto de estabilidade estaremos perante um contrato de prestação de serviços atípico, que apresenta uma afinidade nula ou escassa com o contrato de empreitada ou mandato.
9-A sua atipicidade determinará, a aplicação das regra contidas nas suas próprias cláusulas e as normas gerais dos contratos, admitindo, ainda, a aplicação das regras do mandato devidamente adaptadas, se disso for caso, e, na medida do possível e sempre que a semelhança das situações o justifique.
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO

A presente acção ordinária n.º 492/10.0TBPTL foi proposta por J.. e mulher M.., residentes no lugar da.., Ponte de Lima, contra JO.. e mulher G.., residentes no lugar de.., Ponte de Lima, e M.. e marido M.., moradores no lugar de.., do mesmo concelho, pedindo que:
I - seja declarado o incumprimento culposo do 1.º Réu e da 2.ª Ré no contrato de prestação de serviços celebrado com os Autores;
II - os Réus sejam solidariamente condenados a pagar aos Autores:
a) € 2.500,00 a título de indemnização pelas reparações relativas aos defeitos visíveis e causados pelos erros de projecto de estabilidade, acrescidos de IVA à taxa legal na data da sentença;
b) € 23.988,42 a título de indemnização pelas obras de reforço estrutural do edifício, com vista a suprir erros de projecto, acrescidos de IVA à taxa legal na data da sentença;
c) € 12.352,82 a título de indemnização pelos juros remuneratórios pagos à banca;
d) € 20.000,00 a título de indemnização pela desvalorização do imóvel dos Autores;
e) € 13.350,00 a título de indemnização pelo dano da privação do uso do imóvel já verificado;
f) € 3.840,00 a título de indemnização pelas despesas com os estudos técnicos e projectos de intervenção suportados pelos Autores;
g) € 15.000,00 a título de compensação pelos danos não patrimoniais;
Ou subsidiariamente em relação aos pedidos de II als a) a b) supra
Sejam os Réus solidariamente condenados a reparar os defeitos descritos na petição inicial e a executar as obras de reforço da estrutura segundo o projecto de intervenção aí referido ou, subsidiariamente, outro com as mesmas garantias e eficácia;
III - os Réus sejam solidariamente condenados a pagar aos Autores as quantias, a liquidar em execução de sentença, relativas
a) - à reparação dos defeitos latentes decorrentes de erros de projectos, que se venham a manifestar entre a data da instauração da acção e até à execução do reforço estrutural do prédio;
b - aos juros remuneratórios vincendos relativos às prestações do mútuo hipotecário, desde a data de instauração da presente acção até à conclusão dos trabalhos de reforço estrutural do prédio;
c - ao dano da privação do uso do imóvel, desde a data de instauração da presente acção até à conclusão dos trabalhos de reforço estrutural do prédio.
IV- sejam os réus condenados solidariamente a pagar os demais acréscimos legais , designadamente juros de mora contados sobre a data da citação até integral pagamento, custas e procuradora.
A fundamentar este pedido alegam em síntese a existência de defeitos de concepção ao nível dos projectos.
Os réus contestam defendendo-se por excepção invocando para o efeito a caducidade do direito dos AA e impugnando a demais matéria alegada
Na réplica os AA respondem à excepção e mantêm o demais alegado na petição inicial.
Depois de realizada a audiência preliminar em que se tentou sem sucesso a conciliação das partes seguiu-se despacho saneador com fixação da matéria assente e base instrutória.
Em sede de instrução foi efectuada perícia colegial.
Realizou-se a audiência de julgamento
No final foi proferida a seguinte decisão
Pelo exposto, julga-se a presente acção improcedente por não provada e, em consequência, absolvem-se os Réus JO.. e mulher G.., M.. e marido M.. dos pedidos contra eles formulados pelos Autores J.. e mulher M..
Custas a cargo dos Autores, sem prejuízo do decidido em sede de apoio judiciário.
Registe e notifique.

Os autores não se conformam com esta decisão impugnando-a através de recurso, pretendendo vê-la revogada.
Os réus não apresentaram contra alegações

Remetido o processo a este Tribunal foi por decisão singular anulada a decisão proferida na 1ª instância por recurso ao disposto no artº 662 nº2 do CPC.
Seguiu-se decisão que manteve a improcedência da acção com absolvição dos réus.
Inconformados também com esta decisão os AA apresentam este recurso pedindo a substituição da decisão por outra que condene os RR nos termos pedidos na acção.
Não foram apresentadas contra alegações
O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

Apresentam os AA as seguintes conclusões
Quanto à matéria de facto
Quanto ao art., 168° da base instrutória:
I - O Tribunal a quo deu indevidamente por provado o facto alegado no art. 168' da base Instrutória (no facto provado 74). Trata-se de um facto negativo, na sua génese, Sobre o qual nenhuma prova foi produzida. Nenhuma das testemunhas arroladas pelos Recorridos se referiu direta ou indiretamente a esse facto, não tendo sido produzida - igualmente - prova alguma acerca de eventuais circunstâncias que impedissem os Recorridos de terem, de forma efetiva, acompanhado a obra, designadamente na fase de desaterro, terraplanagem e execução das fundações.
II - Mais a mais, foi produzida contraprova no sentido de que a 2' Ré mulher acompanhou as fases cruciais da obra, em termos efetivos, incluindo as fases preliminares de "abrir os alicerces", conforme resultou do depoimento da testemunha M.., mencionado na ata de 24/09/2013 e gravado na aplicação informática associada ao citius Concretamente nos tempos de gravação 03:25 a 03:40 minutos e 04:28 a 05:00 minutos. Em coerência - de resto - com o facto provado 76, donde Se conclui que a referida 2' Ré acompanhou as fases que documentou e exarou pelo seu punho no livro de obra.
III - Também a testemunha C.., mencionado na ata de 24/09/2013 e gravado na aplicação informática associada ao citius corroborou a presença em obra da 2' Ré várias vezes (tempo de gravação 11 :00 a 11 :20 minutos). Se a l' Ré acompanhou, concretamente, a fase de abertura dos alicerces, mostra-se indevida a prova do aspeto de facto em causa, já que tal implica, necessariamente, que aquela tenha sido previamente informada (fosse pelos Autores, fosse por alguém a seu mando).
Quanto aos arts. 66° a 68° da base instrutória:
IV - Tais factos possuem um cariz algo conclusivo, cuja resposta deveria decorrer diretamente do decidido quanto à resposta à demais matéria de facto relacionada com este aspeto Na expectativa e pressuposto de que irá ser modificada a decisão de facto, quanto ao supra assinalado art. 1680 da base instrutória e, ainda, em conjugação e coerência com os factos provados 34, 36, 76, 77 e 78, a resposta aos sobreditos quesitos não poderia deixar de ser positiva, já que daí decorre, inelutavelmente, um acompanhamento efetivo do desenrolar da obra, em maior ou menor grau.
Quanto ao art., 109° da base instrutória:
V - Entende-se que o art. 109' da base instrutória deveria ter sido julgado provado, ainda que com uma resposta restritiva/explicativa. Com efeito, é incontroverso que as vicissitudes decorrentes dos factos provados 8 a 28 (máxime o 12), em especial, o facto provado 45, 46 e 55, afetam negativamente o valor de mercado da edificação o que - inclusive - constitui facto público e notório, independentemente do seu significado objetivo.
VI - Sobre a existência de desvalorização pronunciaram-se os Senhores Peritos na sessão de 24/09/2013, mencionada na respetiva ata e gravada na aplicação citius, tempo de gravação 46:15 a 49:15 minutos, tendo um dos Peritos referido que "há claramente um aspeto subjetivo de desvalorização; o problema é quantifica-lo" o
VII - Assim, à luz do aduzido, entende-se que o artigo da base instrutória em causa deveria ter merecido a seguinte resposta: "Provado que mesmo após a efetivação da reparação necessária, o prédio dos Autores sofrerá uma desvalorização, tendo em conta que ocorreram as vicissitudes constantes dos factos provados 80 a 280".
Quanto ao art., 175° da base instrutória:
VIII - O art. 175° da base instrutória deveria ter sido julgado provado, até em coerência com a demais resposta à matéria de facto. Mesmo que se opte por uma resposta restritiva. Ainda que não se provasse que a obrigação de acompanhamento da obra derivou de acordo de vontades ocorrido em simultâneo com o referido em U) dos factos provados, mesmo assim deveria ter-se julgado provado que o 1° Réu e a 2a Ré se obrigaram ao acompanhamento da obra.
IX - Tais obrigações impedem sobre ambos os Réus (1° Réu marido e 2a Ré mulher), de forma solidaria e independentemente das suas diferentes habilitações, o que emerge dos factos provados em O), E), F), U) ao que se junta, ainda - e designadamente - a matéria das als. V), X) e Z) dos factos provados, por se mostrar preenchida a factualidade conducente a uma sociedade irregular, com o regime constante do art. 36° n.º 1 do C.S.C.
X - A assunção da responsabilidade pelo acompanhamento efetivo da obra emerge, de forma necessária e inelutável, dos factos provados DO), 38, 76 e 78, dos quais decorre que a 2a Ré aceitou constituir-se como responsável pela direção técnica da obra, que compete ao diretor técnico da obra assegurar a conformidade dos projetos licenciados com a obra executada, que a 2a Ré mulher exarou, pelo seu punho, a execução das fundações, das sapatas e da colocação de placas e lajes e, ainda, que o facto de ter elaborado projetos pressupunha - por si só - um acompanhamento da obra, "de grau variável".
Quanto aos artº. 1790 e 1870 da base instrutória:
XI - Dá-se por integralmente reproduzido o supra expendido a propósito do art. 168° da base instrutória (ver conclusões I a III), por recurso aos mesmos meios de prova e demais argumentos aduzidos. Razão pela qual tais factos deveriam ter sido julgados provados.
QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO:
A . Questão da aplicabilidade do regime legal da empreitada ao contrato dos autos:
Nas conclusões XII a XIX (que se resume dada a extensão das mesmas)
Entendem os Recorrentes que o contrato dos autos não está sujeito ao regime da empreitada - mormente quanto ao prazo de caducidade da ação – o que implica a tempestividade do exercício do seu direito por via da presente ação, à luz do prazo ordinário de prescrição de 20 anos (309° do CC), filiado em responsabilidade civil contratual.
Não está em causa um contrato de arquitetura mas - coisa diversa - um projeto de especialidades específico: o projeto de estabilidade.
Ao nível do projeto de estabilidade de uma obra concluída não existe qualquer efeito útil na denúncia, o que torna imprópria a exigência deste ónus e mais imprópria a sua sujeição a um prazo de um ano.
Após a moradia pronta não pode haver correção ou substituição dos projetas de estabilidade ou resolução do contrato, restando somente a via indemnizatória.
A aplicabilidade ao caso dos autos das regras da empreitada implica, necessariamente, a sujeição a todos os prazos aí previstos. E não apenas, de forma seletiva aos prazos de denúncia do defeito e de caducidade da ação. Seria absurdo aplicar os prazos do art. 1225° n.º 2 do CC e afastar o prazo de garantia de 5 anos constante do nº1. O que degeneraria num regime hibrido traduzido numa mescla arbitrária geradora insegurança jurídica extrema e inconcebível. Assim, a tese seguida pelo Tribunal a quo impõe, inelutavelmente, o pressuposto de que o prazo de garantia do contrato dos autos se cinja a cinco anos (não se sabendo muito bem a partir de que momento).
A ratio de um prazo de garantia de 5 anos sucumbe no âmbito dos projetos de estabilidade, sendo que a defesa da sua conformidade com as regras técnicas e as normas legais obedece, inclusive, a prementes razões de interesse público.
A aplicabilidade das regras da empreitada ao contrato dos autos põe em causa razões de ordem pública e constitui uma clamorosa ofensa à tutela dos interesses dos consumidores, fomentando um verdadeiro retrocesso civilizacional perante os padrões de reconhecida qualidade da generalidade dos nossos técnicos, passando a permitir uma validade circunscrita a 5 anos para um projeto de estabilidade que é suposto ser indefinidamente duradouro.
XX _ Pelo que o entendimento da douta sentença compromete valores de segurança e de ordem pública, que incorre - inclusive - em inconstitucionalidade, por ofensa ao art. 60° n.º 1, 81° aI. i), 9° aI. e), 65° e 66° n.º2 al. b) e e), todos da CRP, que tutelam a defesa dos interesses do consumidor e o direito da construção que se projeta nos direitos sociais de habitação e urbanismo e, ainda, no direito ao ambiente, onde é visível o entrecruzar de interesses públicos com interesses particulares.
Inconstitucionalidade que, expressa e cumulativamente se invoca, para todos os efeitos legais e processuais.
XXI - O regime da empreitada, no que concerne ao regime e prazos da denúncia e, ainda, caducidade do direito da ação, constitui um desvio assinalável, uma verdadeira exceção, ao regime geral do exercício e caducidade de direitos, assim como uma exceção ao regime geral da prescrição. Ou seja, os prazos estabelecidos no art. 1225° n. ° 2 do CC, constituem uma exceção à regra consignada nos arts. 300° a 327° do CC (quanto à prescrição) e 3280 a 3330 (quanto à caducidade).
XXII - A douta sentença violou o art. 11 ° do CC, segundo o qual as normas excecionais não comportam aplicação analógica, muito embora admitam interpretação extensiva. A aplicação do regime da empreitada a um contrato de prestação de serviços que tem por objeto um projeto de estabilidade não é, manifestamente, um caso de interpretação extensiva, a qual se verifica sempre que a letra da lei fique aquém do seu espírito. É óbvio e manifesto que o Legislador não se esqueceu de incluir expressamente todos os contratos de prestação de serviços, direta ou indiretamente refletidos numa obra corpórea, sendo que o regime legal e doutrinário da empreitada, embora sujeito a evoluções, está perfeitamente consolidado.
XXIII - Pelo que a douta sentença recorrida violou, designadamente, os arts. 1156°,1225° nº 1 e 2,309°,11° e 483°, todos do CC, arts. 60º N.º 1,81° al. i), 90 al. e), 65° e 66° nº 2 b) e c), todos da Constituição da República Portuguesa.
B . Questão da responsabilidade decorrente do exercício da direção técnica da obra:
XXIV a XXIX - Não está só em causa a celebração de contrato com vista à elaboração dos projetos de arquitetura e de especialidades. Está - também e paralelamente em causa o facto de a 2a Ré mulher ter assumido o cargo de "diretor técnico da obra" - facto provado DO) - fonte cumulativa de responsabilidade, a par daquela que decorria naturalmente dos demais serviços contratados.
A 2a Ré não violou, apenas, as suas obrigações enquanto autora dos projetos de especialidades. Também as violou numa qualidade completamente distinta - diretora técnica da obra - cargo esse com um recorte legal bem definido e pelo qual, inclusive, subscreveu o inerente termo de responsabilidade, conforme resulta do processo administrativo apenso aos autos.
Ainda que se considerasse aplicável à elaboração de projetos de especialidades o regime da empreitada - o que não se concede - o mesmo nunca poderia valer no capítulo da direção técnica da obra, quid absolutamente diverso.
A matéria de facto provada permite imputar a responsabilidade civil à 2a Ré, à luz, designadamente, dos artigos 76°, nº 1, do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, na redação que lhe foi dada pelo decreto-lei nº 177/2001, de 4 de Junho e demais legislação citada.
Assim, ainda que se pudesse entender não existir responsabilidade da 2a Ré por via contratual - o que não se concede - decorrente da realização do projeto de estabilidade, a mesma sempre se imporia relativamente à assunção das funções de direção técnica da obra.
Com efeito, estão plenamente verificados todos os pressupostos do art. 483° do CC, de que depende a obrigação de indemnizar: o facto voluntário (cf. factos provados U), Z) e AA)), a ilicitude (facto provado 29 e conclusão XXXVIII), a culpa (facto provado 30), o nexo de causalidade (facto provado 40) e os danos (factos provados 44, 53, 54, 61 e 62).
XXX _ Pelo que a douta sentença violou o art. 483° do CC, arts. 60° N.º 1,81° aI. i), 9° aI. e), 65° e 66° n.º 2 b) e c), todos da Constituição da República Portuguesa e, ainda, artigos 76°, nº 1, do Decreto-Lei n? 555/99, de 16 de Dezembro, na redação que lhe foi dada pelo decreto-lei nº 177/2001, de 4 de Junho, os artigos 30, nº 1, alínea c) e Anexo IV da Portaria 1115-A/94, de 15/02 (à qual sucedeu a Portaria nº 1105/2001, de 18 de Setembro, donde releva o art. 8°) o artigo 15° do Regulamento Geral das Edificações Urbanas e os artigos 86°, nº 5 e 87°, nº 2, do Estatuto da Ordem dos Engenheiros, aprovado pelo decreto-lei nº 119/92, de 30 de Junho.
c . Questão da responsabilidade do 1° Réu (e dos demais Réus):
XXXI _ O Tribunal a quo considerou que sempre seria de absolver o 1° Réu (e mulher) dos pedidos, tendo em conta que a sua área de atuação não se relacionava com os projetos de especialidades. No entanto, escamoteou o regime das sociedade irregulares e a factualidade provada a esse propósito factos provados O), E), F), V), X) e Z) (no qual o Tribunal a quo incorreu em lapso de escrita, porquanto se pretendia referir ao 1 ° Réu e à 28 Ré).
XXXII _ Toda a referida matéria conduz à existência de uma sociedade irregular, sujeita aos efeitos estabelecidos no art. 36° n.º 1 do CS.C, normativo que a douta sentença violou. Assim, todo o tipo de obrigações assumidas no âmbito dos acordos de vontades, subjacentes a toda a matéria de facto dada como provada, recaem não só sobre a 28 Ré mas, também, sobre o 1° Réu.
XXXIII _ Por outro lado, dos factos provados O), E), F), G), I), J), L), U), Z), DO) e SS) resulta, ainda, a responsabilidade dos cônjuges do 1 ° Réu e da 28 Ré, o que decorre diretamente do art. 1691° n.º 1 aI. d) do CC, por estarmos em presença de atas de comércio, ou, num cenário de responsabilidade civil extracontratual, por efeito da assunção da direção técnica da obra, por via do art. 1692° aI. b) do CC, a contrario. Normativos esses violados pela douta sentença recorrida.
TERMOS EM QUE
Deve ser revogada a douta sentença recorrida e, em consequência, ser a ação ser julgada parcialmente procedente e, em consequência:
I - ser declarado o incumprimento culposo (cumprimento defeituoso na elaboração do projeto de estabilidade) do 1° Réu marido e da 18 Ré mulher no contrato de prestação de serviços celebrado;
II - serem os Recorridos condenados a pagar aos Recorrentes, de forma solidária, a quantia de 18.302,14 €, acrescido de I.V.A. à taxa legal vigente à data do trânsito em julgado da decisão, a título de indemnização pelas obras de reforço estrutural e correção das inerentes patologias, acrescidas dos inerentes honorários do projeto de reforço e despesas relativas à substituição do projetista da estabilidade, valores estes a liquidar em execução de sentença;
III - serem os Recorridos condenados a pagar aos Recorrentes, de forma solidária, a quantia de 12.352,82 €, a título de indemnização pelas despesas desaproveitadas relativas aos juros remuneratórios cobradas pela Banca no contrato de mútuo hipotecário celebrado pelos Recorrentes para construção da moradia, até à instauração da ação, acrescida do valor a liquidar em execução de sentença desde essa data e até à execução do escoramento provisório da moradia,
IV - serem os Recorridos condenados a pagar aos Recorrentes, de forma solidária, uma indemnização pela desvalorização do imóvel a liquidar em fase de execução de sentença,
V - serem os Recorridos condenados a pagar aos Recorrentes, de forma solidária, a quantia de 13.350,00 €, a título de indemnização pelo dano da privação de uso do imóvel até à data da instauração da ação e de quantia a liquidar em execução de sentença a partir dessa data e até à efetuação do escoramento provisório;
VI - serem os Recorridos condenados a pagar aos Recorrentes, de forma solidária, a quantia de 3.840,00 €, a título de indemnização pelas despesas com estudos técnicos e peritagens suportados pelos Recorrentes para a deteção e diagnóstico dos problemas estruturais;
VII - serem os Recorridos condenados a pagar aos Recorrentes, de forma solidária, a quantia de 15.000,00 €, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos;
VIII - subsidiariamente, porque o pedido formulado e a matéria de facto provada comportam essa possibilidade, requer a condenação solidaria dos Recorridos no pagamento das quantias supra referidas, ao abrigo da responsabilidade civil extracontratual decorrente do exercício do cargo de direção técnica da obra pela 2a Ré Mulher;
IX - serem os Recorridos solidariamente condenados no pagamento dos demais acréscimos legais, nomeadamente juros constados desde a data da citação e até integral pagamento e demais acréscimos legais.
Com o que se fará Justiça, pela qual ora se clama

Não foram apresentadas contra alegações
O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artº 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.
Face às conclusões das alegações de recurso, são as seguintes as questões a decidir:
-reapreciação a matéria de fato quanto aos pontos impugnados;
- reapreciação da decisão de mérito.

FUNDAMENTAÇÃO
O art.º 640.º do C.P.C. enumera os ónus que ficam a cargo do recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto, sendo que a cominação para a inobservância do que aí se impõe é a rejeição do recurso quanto à parte afectada.
Os Apelantes cumpriram com os ónus que lhe são impostos, considerando quer a motivação quer as conclusões de recurso.
Na reapreciação da matéria de facto cumpre à Relação observar o que dispõe o art.º 662.º do C.P.C., sem perder de vista que, como consta da “Exposição de Motivos”, foi intenção do legislador reforçar os poderes da Relação no que toca à reapreciação da matéria de facto, reconhecendo-se-lhe o poder, que é vinculado, de investigação oficiosa, com o objectivo primordial de evitar o julgamento formal, apenas baseado no ónus da prova, privilegiando o apuramento da verdade material dos factos, que é pressuposto de uma decisão justa.
Assim, não estando limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados pelo recorrente, na reapreciação da matéria de facto a Relação avalia livremente todas as provas carreadas para os autos e valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua própria convicção.
As regras de julgamento a observar pela Relação são as mesmas por que se rege o tribunal da 1ª. Instância: tomar-se-ão em consideração os factos admitidos por acordo, os que estiverem provados por documentos (que tenham força probatória plena) ou por confissão, desde que tenha sido reduzida a escrito, extraindo-se dos factos que forem apurados as presunções legais e as presunções naturais, advindas das regras da experiência, sendo que o princípio basilar continua a ser o da livre apreciação das provas, relativamente aos documentos sem valor probatório pleno, aos relatórios periciais, aos depoimentos das testemunhas, e agora inequivocamente, às declarações da parte – cf. art.º 466º., nº. 3 e 607º., nº 4 e 5 do C.P.C., que não contrariam o que acerca dos meios de prova se dispõe nos art.º 341º a 396º do Código Civil (C.C.).
A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, de acordo com o princípio consagrado no artº 414 do C. P.C. e na parte final do artº 346º do C. C.
É o seguinte o teor dos artigos em referência:
Os AA, por sua iniciativa, mandaram desaterrar e terraplanar o terreno e executaram as fundações e betonagens sem terem informado os RR de tais factos (artº 168º da base instrutória /artº 74 dos factos provados na sentença)
O 1º Réu marido e a 2a Ré mulher deveriam ter verificado a homogeneidade e demais características do solo onde foi implantada a moradia dos Autores imediatamente antes da betonagem das fundações? (artº 66 da base instrutória)
Conforme podiam e deviam? (artº 67 da base instrutória)
De modo a corrigir eventuais falhas nessa homogeneidade por existência de pontos menos densos ou outras desconformidades nos pressupostos assumidos em projecto? (artº 68 da base instrutória)
Mesmo após a efectivação da reparação necessária, o prédio dos Autores sofrerá uma desvalorização, tendo em conta que ocorreram erros de projecto em elementos estruturais fundamentais? (artº 109º da base instrutória).
Por via do acordo referido no artº 1 da B.I os RR obrigaram-se, designadamente ao acompanhamento da respectiva obra (artº 175º da BI)
Fases essas que presenciou (artº 179 º da BI)
A 2ª ré Mulher percepcionou directamente a natureza do subsolo? (artº 187º da BI).
O Tribunal recorrido, debruçando-se sobre tais artigos, proferiu as seguintes respostas:
Provado ao artº 168, não provado aos demais e ao artº 187 respondeu de forma restritiva (ver artº 76 dos fatos provados).
Fundamentou o Tribunal a resposta dada ao artigo 168 nos depoimentos do empreiteiro S.. e seus funcionários A.. e J.. que deram conta de forma credível das idas da 2º ré à obra (o primeiro disse que alguma das vezes foi opção do próprio autor não a chamar, para não suportar o custo da respectiva deslocação) e da decisão do Autor em fazer nesta algumas alterações (dado ser também ele, trabalhador da construção civil), servindo assim também para a matéria dos factos 64 e 74.
Mais disse o Tribunal que os depoimentos de M.. e M.. (tios da Autora) e de C.. (filho do primeiro) foram sobretudo relevantes e credíveis no que respeita aos reflexos e problemas da casa na vida dos Autores e também quanto à matéria dos factos 32 e 55; quanto ao mais, foram sobremaneira pautados pela necessidade de responsabilizar os réus pelo sucedido, pese embora os 12 anos passados desde a construção da casa, o que os descredibilizou de maneira decisiva.
Quanto aos factos não provados atinentes a matéria diferente da dos problemas de construção da casa, não foi feita qualquer prova cabal quanto a eles.
Ora revisitada toda prova mais concretamente: todos os depoimentos que foram prestados em audiência de julgamento, conjugados com o relatório pericial de fls. 452 a 479 considerando os dois esclarecimentos complementares – de fls. 512 a 532 e fls. 579 e 580 e os prestados em audiência de julgamento; a demais prova documental junta aos autos, inclusive o processo de obras nº 293/22/00 proveniente da Câmara Municipal de Ponte de Lima e o relatório técnico junto a fls. 107 a 157 dos autos, o qual serviu de instrumento à peritagem – afigura-se, que considerada a prova produzida se justifica a modificação da decisão de facto, nos termos a seguir expostos, seguindo a ordem de apreciação apresentada pelos recorrentes/AA.
Quanto ao artº 168° da base instrutória:
O elemento de prova de que se socorreu o Tribunal foi o depoimento do empreiteiro S.. e seus funcionários A.. e J... Revisitados estes depoimentos não encontramos neles qualquer afirmação que confirme corresponder à realidade aquela factualidade.
Ouvimos depoimentos não coincidentes em quase nada.
O depoimento do empreiteiro foi um depoimento prestado por alguém que assumidamente se disse não satisfeito com os AA, após estes lhe terem intentado um processo em tribunal por causa da obra.
Tanto afirmou que não existia engenheiro responsável pela obra como logo disse que era costume os engenheiros estarem nas fundações e que avisou o dono da obra para a chamar e ele não chamou. Desconhecia quem era o diretor técnico da obra, não obstante o seu nome estar incluindo nos documentos que segundo esta testemunha lhe foram entregues (projecto e o livro de obra).
Foi um depoimento que procurou sempre culpabilizar o dono da obra, tendo dado a entender que o autor (dono da obra) esteve sempre presente em obra, acabando mesmo por afirmar que no fundo foi o Sr. M.. que dirigiu a obra.
Contrariamente os seus dois empregados afirmaram em concordância com o depoimento das testemunhas M.., C.. e M.. que o autor estava ausente em trabalho de sábado a sábado e que às vezes aparecia às sextas-feiras.
Estes empregados sabiam quem era o engenheiro (s) da obra (disseram ser a engenheira R.. e engenheiro F..) e “que não era costume nas obras em que participou os engenheiros passar pela obra aquando das fundações (disse a testemunha J..). Fizeram a obra sem ele estar, seguem o projeto” - disse a mesma testemunha
Nenhuma destas testemunhas se referiu direta ou indiretamente à factualidade constante do art. em apreciação, não tendo sido produzida prova acerca de eventuais circunstâncias que impedissem os Recorridos de terem, de forma efetiva, acompanhado a obra, designadamente na fase de desaterro, terraplanagem e execução das fundações. O que resultou do conjunto dos depoimento quer do empreiteiro quer dos seus empregados é que na execução do contrato celebrado com o empreiteiro e descrito na alínea M) dos fatos assentes a sociedade ali identificada desaterrou, terraplanou o terreno e executou as fundações e betonagens, sem qualquer dúvida acerca da natureza e características do solo. Se os engenheiros souberam destes trabalhos ou não, nada sabiam e se os AA lhes comunicaram ou não também nada sabiam.
Aliás não se provou que os AA nunca tenham avisado a 2º ré do andamento da obra (ver fatos não provados fls. 828v dos autos).
Consideramos pois que deve ser dado como não provado este art.º (que correspondo ao fato provado com o nº 74).
Quanto aos arts. 66° e 68° da base instrutória:
A resposta aos arts 66ºe 68º da base instrutória não pode deixar de ser alterada.
De efeito, perguntada essa factualidade aos Srs. Peritos foi por eles respondida nos termos que constam das respostas XLII (fls. 468 dos autos).
Como dizem nesse documento que a Sr.ª Juiz classificou e bem de detalhado relatório pericial “Para a elaboração do projecto de estabilidade e betão armado, o projectista deve requerer ao dono da obra os elementos que concluam pela definição das capacidades resistentes do terreno onde vão assentar as fundações, já que tal condiciona o tipo de fundações a adoptar no projecto (factualidade esta que foi considerada assente no nº33 dos fatos elencados na sentença como provados)
Acontece que normalmente para tipo de projeto/obra em análise seria muito oneroso para o dono de obra obter esses resultados, pelo que o projetista ao elaborar o projeto deverá considerar valores de referência para as características do terreno, que julgue aproximados, função da sua experiência (factualidade esta que foi considerada assente no nº34 dos fatos elencados na sentença como provados) para poder apresentar uma solução técnica para as fundações da estrutura. Estes aspetos deverão ser mencionados nas peças de projeto, pese embora o Diretor Técnico da obra, ao verificar in loco, visualmente caraterísticas diferentes no terreno de fundação, deva chamar de imediato o projetista para prestar a devida assistência técnica ao projeto, ao nível das fundações e proceder aos ajustamentos necessários, antes da execução dos referidos elementos em obra. O técnico autor do projeto deverá ter conhecimento da data em que vão ter inicio os trabalhos ao nível das fundações ou outros, como é referido nos pontos 5.4 e 6 da memória descritiva do projeto de estabilidade e betão armado”.
Desta resposta (ultima parte) resulta com clareza apurada a seguinte factualidade relatada nos aludidos arts em apreciação:
A 2.ª Ré (na qualidade de autora dos projectos da especialidade e diretora técnica do processo) devia ter verificado, por si, a homogeneidade e demais características do solo onde foi implantada a moradia dos Autores imediatamente antes da betonagem das fundações, de modo a corrigir eventuais falhas nessa homogeneidade por existência de pontos menos densos ou outras desconformidades nos pressupostos assumidos em projecto;
Quanto ao artº. 67 da base instrutória
Quanto ao dever da 2ª ré a resposta já consta da anterior apreciação acerca dos arts 66º e 68º do BI.
Quanto ao demais nos termos já supra - afirmado nenhuma prova foi feita relativamente ao conhecimento que o 1º Réu e 2ª Ré possam ter tido do início da obra.
Nenhuma testemunha se referiu a esta factualidade e prova documental também não existe. Aliás, nem sequer os AA nas suas peças processuais se referem a este conhecimento.
É verdade que as testemunhas A.., C.. e M.. procuraram transmitir ao tribunal a presença dos 1º e 2º réus nas fases que constam assinada pela 2ª ré no livro de obra.
Porém ao contrário do afirmado pela Sra. Juiz na motivação da matéria de fato, em nosso entender, estes depoimentos foram claros, concretos e correctos. Não nos pareceu que procuravam beneficiar os AA. São pessoas de família dos AA muito próximos, quer no relacionamento quer na vivência, Inclusive os AA habitam na casa da mãe da autora em conjunto com a tia M... Todavia no que às visitas da Sra. Eng. respeita os seus depoimentos não foram coincidentes e foram contraditados com a demais prova produzida, conforme resulta da factualidade apurada e descrita no ponto 4 dos fatos elencados como provados na sentença, e que corresponde ao que em coincidência se retirou da prova produzida.
Quanto ao facto de a 2ª ré assinar pelo seu punho a execução das fundações, das sapatas e da colocação da placa e lajes (fato elencados no nº 76 dos fatos provados) tal factualidade não significa só por si que a 2ª ré tenha presenciado estas fases da obra. Segundo o depoimento da testemunha J.., engenheiro civil de profissão (que prestou um depoimento sério, pormenorizado e muito esclarecedor acerca das questões em apreciação neste processo, apesar de nele não ter intervindo) as datas que constam do livro de obra correspondem por norma a quem vai à obra. Mas o que acontece a quem não acompanha a obra a tempo inteiro é não presenciar as ditas fases e assinar o livro de obra conforme lhe dizem.
Cremos que foi o que aconteceu no caso em apreço, por tudo o que ouvimos e lemos e até pelas regras da experiência.
O livro de obra acaba por constituir um memorando da execução dos trabalhos, em princípio da autoria da fiscalização da obra e do seu director [1] mas não faz prova plena dos factos que atesta, designadamente por não consubstanciar acordo das partes ou confissão das mesmas sobre os factos referidos e aí consignados.
Daí que a resposta a este artigo tenha de ser dada em conjunto com a resposta aos arts 66º e 68.
Pelo que quanto aos arts 66º, 67º e 68 resultou provado que:
A 2.ª Ré (na qualidade de autora dos projectos da especialidade e diretora técnica do processo) devia ter verificado, por si, a homogeneidade e demais características do solo onde foi implantada a moradia dos Autores imediatamente antes da betonagem das fundações, de modo a corrigir eventuais falhas nessa homogeneidade por existência de pontos menos densos ou outras desconformidades nos pressupostos assumidos em projecto;
Quanto ao art., 109° da base instrutória:
O teor deste artigo foi indicado para ser objeto da prova pericial.
Ao mesmo responderam os Srs. peritos por unanimidade da seguinte forma: “Os peritos entendem que a resposta se encontra dada no quesito LXI” (ver fls.473 deste processo).
A pergunta LXI era a seguinte:
“Os erros de projeto transpostos para a obra, bem como as suas manifestações desvalorizam o referido imóvel em valor não inferior a 75.000,00 euros”?
A resposta ao LXI foi:
“ Os peritos entendem que a reparação das patologias como causa estrutural poderá ter um valor cerca de 18 mil euros (valor sem IVA) para o projeto de reforça existente, o que de fato já um valor de desvalorização do imóvel.
Factualidade esta que se considerou provada (embora com diferente redação) no fato 48 e não foi impugnada.
Do que resulta do processo, os recorrentes alegam a desvalorização do imóvel devido aos erros do projeto transpostos para a obra bem como as suas manifestações (art. 128 da p.i que corresponde ao artº 93 da BI) e a desvalorização do imóvel após a reparação uma vez que os erros se verificaram em elementos estruturais fundamentais ( arts 151 a 159 da p.i que correspondem aos arts 109 a 115 da B.I).
Á primeira (desvalorização) os Srs. Peritos responderam nos termos supra enunciados (resposta ao LXI) e à segunda responderam nos termos que constam da resposta LXX do relatório pericial concluindo que “ não dispõem de dados para se pronunciarem, é difícil de sustentar tecnicamente o afirmado (à pergunta se os defeitos encurtam a longevidade do imóvel) e com o devido respeito os peritos não compreendem o objeto do quesito).
Assim com base nestas respostas e por falta de outra prova a factualidade reportada à desvalorização do imóvel após a reparação (que o descrito em 45 dos factos provados irá provocar, até ao reforço estrutural do imóvel, o aparecimento de novas fendas, fissuras e esmagamentos nos vários elementos que compõem a moradia (paredes, pavimentos e tectos, vigas, vigotas, lajes e pilares), a desagregação de argamassas e superfícies em geral, estragos nas impermeabilizações, cantarias, caixilharias, tubagens e elementos das carpintarias (rodapés, armações e portas);
Que, após a efectivação da reparação, o prédio dos Autores fique desvalorizado;
Que, por força dos erros de concepção, a edificação dos Autores tenha sido submetida a uma torção e força acima daquela que seria a tecnicamente recomendada, provocando danos em elementos não visíveis nem detectáveis e encurtando a longevidade do imóvel) mereceu a resposta de não provado.
Também se entende que a apontada desvalorização não deve ser subjectiva mas sim objectivada em fatos concretos que permitam ao Tribunal concluir pela sua verificação, o que não aconteceu.
Para este Tribunal não é incontroverso (pois não foi feita prova da fatualidade alegada no artº 158 da p.i “predisposição negativa junto de potenciais adquirentes do imóvel) que as vicissitudes decorrentes dos factos provados 8 a 28 (máxime o 12), em especial, o facto provado 45, 46 e 55, afetam negativamente o valor de mercado da edificação. E se nem os Srs. Peritos com os seus conhecimentos técnicos, específicos e especializados se pronunciaram sobre a apontada desvalorização de mercado do imóvel, nem mesmo o agente imobiliário que como testemunha foi ouvido, não se pode considerar facto público e notório que as verificadas vicissitudes desvalorizem o imóvel relativamente ao valor de mercado normal.
Aliás a resposta ao artº 46 baseou-se no entendimento de dois dos três Peritos intervenientes nos autos que responderam que “ os peritos entendem que a obra, após o escoramento efetuado, se encontra apta para utilização habitacional” (resposta LVIX (LIX) pág. 14 do relatório pericial junto aos autos, fls. 471 deste processo).
À luz do aduzido entende-se que o artigo da base instrutória em causa não deve ser considerado provado, antes se mantendo a resposta de “não provado”.
Quanto ao art., 175° da base instrutória:
Conforme resulta da nota 3 da sentença (fls. 824 v destes autos) na decisão acerca da matéria de fato a Sra. Juiz dada a extensão da matéria da causa, optou por numerar os fatos provados com total independência dos números da base instrutória. Igual critério seguiu na enumeração dos fatos não provados. E assim em relação ao artº 175º da BI deu como não provado que:
“ o 1º réu tenha assumido perante os AA o compromisso do acompanhamento da obra”.
Nenhuma prova foi feita no sentido de que a obrigação de acompanhamento da obra derivou de acordo de vontades ocorrido em simultâneo com o referido em U) dos factos provados.
Porém e no que ao acompanhamento da obra se reporta temos dada como provada a factualidade descrita nas alíneas D. E.F. U. DD da matéria assente e fatos provados elencados nos arts 38.76. e 78 da sentença que não foi impugnada.
Pelo que consideramos incorreta a resposta que foi dada ao artº 175º da B.I a qual deve ser substituída pela seguinte, que agrega a fatualidade que se apurou referente á questão da responsabilidade:
Artº 175º: No que se refere à obrigação de acompanhamento da obra por parte do 1º e 2ª ré resulta provado o que consta das alíneas D. E. F. U. DD. Da matéria assente e dos fatos provados elencados nos arts 38. 75. e 77. da sentença.
Art.º 179 da base instrutória:
Consideramos que a resposta a este artº está correcta pela justificação apresentada aquando da apreciação do artº 67 da BI acima exarada, para a qual se remete.
Quanto ao artº 187º da base instrutória:
Vista a factualidade não foi dado como não provado que “a 2º mulher percepcionou directamente a natureza do subsolo”.
Pelo contrário, na resposta a este artigo da base instrutória foi dado como provado que “A 2.ª Ré presenciou pelo menos a betonagem dos muros da cave, vendo nessa altura o subsolo “ (ver nº 76 dos fatos elencados na sentença como provados).
Esta factualidade corresponde à prova produzida baseada nos depoimentos de parte dos RR e na prova testemunha que nesta parte foi coincidente (empreiteiro S..; J..; M.. e C.. e M..).
Mantêm-se pois a versão relatada no artº 76 dos fatos provados.
Concluindo, fixa-se a matéria de fato nos seguintes termos:
A), B) - No decurso do ano 2000 os Autores decidiram construir uma moradia unifamiliar, composta por cave e rés-do-chão, a implantar num prédio rústico sito no lugar de.., concelho de Ponte de Lima, propriedade do Autor.
C) - Para o referido em A) e B) foi necessário elaborar e organizar todos os elementos necessários à instrução do necessário licenciamento municipal de obra particular junto do Município de Ponte de Lima.
D), E), F) - O 1.º Réu e a 2.ª Ré contribuem entre si com bens e serviços para o exercício em comum da actividade económica referida em C), cujos custos e proveitos dividiam entre si, com vista à obtenção de lucro.
G) - Em 2 de Outubro de 2000 vieram a constituir, entre si, uma sociedade comercial por quotas, denominada “L.., Lda.”.
H) - Os emolumentos e taxas relativos ao processo de licenciamento municipal referido em C) cabia e foi pago pelos AA.
I), J) - O preço acordado pela realização do descrito em C) foi de 300.000$00 (€ 1.496,39), que os Autores aceitaram e pagaram logo no momento da celebração do contrato.
L) - Posteriormente, alguns meses mais tarde, foi acordado pelas partes o pagamento do preço adicional de 30.000$00 (€ 149,63) relativo ao projecto de especialidades atinente a telecomunicações.
M) - Os Autores adjudicaram a empreitada de construção da moradia referida em A) e B) à sociedade “S.., Lda.”.
N) - A obra referida em M) foi iniciada em 2001 e terminada em 2002.
O) - Finda a obra referida em M) foram detectados vários defeitos e vícios de construção.
P) - Por força do referido em O) pendeu termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima a acção com processo ordinário n.º 376/03.8TBPTL, em que figuraram como demandantes os ora Autores e como demandada a sociedade nomeada em M).
Q) - A acção referida em P) terminou por transacção, celebrada em 4 de Março de 2008, com sentença homologatória da mesma data, transitada em julgado.
R) - Já após a fase de instrução do processo referido em P), os Autores começaram a suspeitar da possibilidade de existirem deficiências estruturais no edifício relacionadas com erros de concepção do edifício, na sequência de opiniões avulsas que iam recolhendo.
S) - Os Autores nunca representaram a hipótese de erro de concepção, designadamente ao nível dos projectos de especialidades.
T) - O 1.º Réu marido é desenhador de profissão.
U) - Em meados de 2000, os Autores, pretendendo construir uma habitação, dirigiram-se ao 1.º Réu marido a quem solicitaram que este lhes desenhasse o projecto da casa por eles pretendido, bem como solicitaram ao 1.º Réu que pedisse à 2.ª Ré mulher – que consigo trabalhava no mesmo gabinete de projectos, de forma conjunta e articulada, com intuito lucrativo – que realizasse os projectos de especialidades dessa mesma habitação [2].
V) - Os Autores informaram o 1º Réu e 2ª Ré de que tais desenhos e projectos se destinavam a ser apresentados na Câmara Municipal de Ponte de Lima, para obterem a necessária licença de construção.
X) - Os Autores indicaram ao 1º Réu e à 2ª Ré a forma da casa e a exacta distribuição interior que pretendiam ver desenhada e projectada.
Z) - O 1.º Réu e a 2ª Ré aceitaram realizar esse trabalho pelo preço global de 300.000$00, preço que os Autores aceitaram e pagaram no momento da contratação.
AA) - Pouco tempo depois, o 1º Réu e 2ª Ré apresentaram aos Autores os desenhos e projectos de especialidades da casa por eles pretendida.
BB) - Os Autores apresentaram o dito projecto na Câmara Municipal de Ponte de Lima, pagando os custos e taxas inerentes.
CC) - Os Autores viram tal projecto aprovado e obtiveram o licenciamento da construção por eles pretendida.
DD) - Por pedido dos Autores, a 2.ª Ré mulher aceitou constituir-se como responsável pela direcção técnica da obra.
EE) - Os Autores aumentaram o pé-direito da entrada do portão da garagem, ignorando o projecto.
FF) - A obra apresenta vários defeitos e vícios de construção, que nada têm a ver com problemas estruturais.
GG) - Nem o empreiteiro nem os Autores alguma vez comunicaram ao 1º Réu e à 2ª Ré a existência de qualquer falha ou omissão no projecto.
HH) - A classe de resistência para a estrutura prevista pela 2.ª Ré corresponde à que constava dos normativos em vigor no momento da elaboração do projecto.
II) - Os Autores contrataram com o empreiteiro e aplicaram em obra um betão B15, com classe de resistência inferior ao que a 2.ª Ré tinha previsto.
JJ) - A 2.ª Ré advertiu que, se a qualidade do solo não garantisse a tensão considerada no cálculo, deveria esse mesmo cálculo ser refeito.
LL) - Os Autores, desde a conclusão da casa – em 2002 – até 2009, nunca habitaram a casa em questão.
MM) - Os desenhos e cálculos das especialidades da casa foram entregues, concluídos, aos Autores sempre antes de Dezembro de 2000.
NN) - O livro de obra tem como data de abertura o dia 29 de Dezembro de 2000.
OO) - A casa foi terminada em Janeiro de 2002.
PP) - Os Autores tiveram conhecimento de que haveria alguma deficiência estrutural em Outubro de 2007.
QQ) - Mesmo nessa altura, nada referiram aos ora 1º Ré e à 2ª Ré.
RR) - Os Autores, só em Dezembro de 2008, através do seu ilustre mandatário, comunicaram a alegada existência de problemas estruturais na obra.
SS) - Os lucros da actividade profissional do 1.º Réu marido e da 2.ª Ré mulher eram afectos às despesas e encargos dos respectivos agregados familiares.
- Os 1ºs. Réus contraíram entre si casamento católico, sem convenção antenupcial, a 10 de Setembro de 1995 (certidão de fls. 589).
- Os 2ºs. Réus contraíram entre si casamento católico, sem convenção antenupcial, a 26 de Agosto de 1993 (certidão de fls. 588) [3].
1 - Os projectos de especialidades incluem o projecto de estabilidade, com a componente da estrutura, fundações do edifício e do betão armado.
2 - O 1.º Réu e a 2.ª Ré elaboraram para os Autores o projecto de segurança da obra, cujo preço pagaram, bem como o do projecto de telecomunicações.
3 - O 1.º Réu e a 2.ª Ré executaram o descrito em C).
4 - Ao longo da execução da obra, a 2.ª Ré deslocou-se à mesma pelo menos duas vezes.
5 - Em 2007, os Autores solicitaram a um engenheiro civil que efectuasse uma avaliação sumária da obra e dos projectos respectivos, com vista a diagnosticarem a real condição do imóvel, tendo-se aí detectado problemas estruturais na moradia.
6 - Em face daquela avaliação, os Autores decidiram consultar uma empresa dotada de especialistas em estruturas, com vista a um exame minucioso aos projectos e à obra.
7 - Tal estudo foi entregue aos Autores em Novembro de 2008 e concluiu que existiam erros de concepção da estrutura, no capítulo do betão armado e do projecto de estabilidade, assinalando risco de rotura em alguns elementos estruturais e aconselhando a imediata realização de trabalhos de escoramento.
8 - A classe de resistência da estrutura que foi adoptada pelo projecto de estabilidade estava em desconformidade com a prevista no Regulamento de Estruturas de Betão Armado então em vigor, que visa acautelar a durabilidade máxima das estruturas.
9 - No projecto de estabilidade e betão armado, as cargas resultantes das lajes e vigas de cobertura não estão contempladas no cálculo das lajes do tecto do rés-do-chão.
10 - No mesmo projecto, o cálculo do valor da flecha da laje LP1 (tecto da cave) e da laje LT1 (tecto do rés-do-chão) é superior a 1,50 cm, ultrapassando o estado limite de deformação desses elementos estruturais, fixado no Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-Esforçado (REBAP).
11 - Considerando a carga real originada pela laje inclinada de cobertura, as lajes LT2, LT3, LT4 e LT5 (tecto do rés-do-chão) não cumprem as condições de segurança relativas ao estado limite último de resistência tal como definido no REBAP e no Regulamento de Segurança e Acções (RSA), por não terem sido tidas em conta no projecto de estabilidade as cargas relativas à laje de cobertura e às paredes de alvenaria de tijolo aplicadas.
12 - As vigas [4] V19, V20, V22 e V23 (V1 e V2), do tecto da cave, foram projectadas com uma armadura insuficiente, sendo os esforços de flexão e de corte actuantes superiores aos esforços resistentes correspondentes, em estado limite último, correndo, sem escoramentos, riscos de colapso.
13 - No projecto de estabilidade, não há listagens de esforços das vigas V21, V26 e V27 (VE1 e L), porque foram consideradas como lintéis sobre paredes resistentes.
14 - No projecto de estabilidade não constam as devidas verificações de segurança das paredes onde se encontram apoiadas as vigas V1, V2, V3, V6, V7, V8, V13, V14, V15, V20, V22, V24 e V26 (VC, L e V4)
15 - O aparecimento de fendas nos rebocos das paredes é uma das patologias das alvenarias resistentes quando estas são submetidas a tensões excessivas.
16 - No projecto de estabilidade, não há listagens de esforços das vigas V27, V28, V29, V30 e V31 (L), do tecto do rés-do-chão, por se definirem como lintéis, podendo tais vigas agravar as condições das referidas em 12.
17 - O pilar P19 (P1) possui armadura insuficiente, não cumprindo as condições de segurança no tramo do piso inferior.
18 - O pilar P20 (P2) possui armadura insuficiente, não cumprindo as condições de segurança no tramo do piso inferior.
19 - O pilar P21 (P1) possui armadura insuficiente, não cumprindo as condições de segurança no tramo do piso inferior.
20 - A armadura definida em projecto para a sapata do pilar P19 (P1) não é suficiente para resistir aos esforços actuantes, sendo a tensão transmitida ao solo pela sapata superior à tensão de segurança admitida em projecto.
21 - A armadura definida em projecto para a sapata do pilar P20 (P2) não é suficiente para resistir aos esforços actuantes, sendo a tensão transmitida ao solo pela sapata superior à tensão de segurança admitida em projecto. Instrumento de trabalho à peritagem, opta-se por colocar em itálico a sigla usada neste último, seguida, entre parêntesis, da usada no projecto de estabilidade.
22 - A armadura definida em projecto para a sapata do pilar P21 (P1) não é suficiente para resistir aos esforços actuantes, sendo a tensão transmitida ao solo pela sapata superior à tensão de segurança admitida em projecto.
23 - Esta sapata não respeita os valores de referência ao esforço de punçoamento.
24 - Face à tensão admissível adoptada em projecto, existem algumas fundações (as sapatas dos pilares P19, P20 e P21) que não cumprem as condições de consistência necessárias.
25 - O projecto de estabilidade não assinalou as sapatas dos pilares P23, P24, P25 e P26.
26 - Há pequenas fissuras na laje do tecto, que vão até à viga designada como “L” no projecto.
27 - Essa viga não tem capacidade de resistir às cargas, estando assente numa parede divisória que não permite a sua deformação controlada e natural.
28 - Ao restringir o movimento da viga, a parede absorve as cargas, transmitindo-as às vigas inferiores V1 e V2 e notando-se já a fissura da viga V1 na laje de piso, provocada por uma armadura subdimensionada e pela aplicação de maior carga do que a prevista no projecto de estabilidade.
29 - O projecto de estabilidade e betão armado deveria ter considerado o RSA (Regulamento de Segurança e Ações para Estruturas de Edifícios e Pontes) e o REBAP (Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-Esforçados), sendo obrigatório para quem o elabora o conhecimento de todas as normas, regulamentos e especificações que impõem regras relativas à concepção e dimensionamento de estruturas.
30 - A 2.ª Ré, enquanto engenheira civil, conhecia ou devia conhecer as normas referidas em 29.
31 - O 1.º Réu e a 2.ª Ré tinham a consciência de que a casa em questão era para habitação dos Autores e que se destinava a proporcionar-lhes uma melhoria no seu conforto e qualidade de vida.
32 - O 1.º Réu e a 2.ª Ré foram contratados pelos Autores porque estes acreditavam que eram profissionais competentes e que elaborariam os projectos de acordo com as normas legais e regulamentares e com a boa arte e técnica da construção civil.
33 - Para a elaboração do projecto de estabilidade e betão armado, o projectista deve requerer ao dono da obra os elementos que concluam pela definição das capacidades resistentes do terreno onde vão assentar as fundações, já que tal condiciona o tipo de fundações a adoptar no projecto.
34 - Para este tipo de projecto, e dado o elevado custo do estudo das características do terreno, o projectista deve considerar valores de referência em função da sua experiência, que deverão ser mencionados nas peças de projecto.
35 - Não foram efectuadas sondagens ao terreno, prévias à elaboração do projecto de estabilidade.
36 - Consta da memória descritiva e justificativa do projecto de estruturas que a tensão de segurança do solo das fundações deveria “ser confirmada por ensaio de solo, aquando da abertura dos caboucos”.
37 - Salvo alterações de pormenor, sem relevância para as patologias de causa estrutural, os projectos de estabilidade e demais projectos de especialidade foram transpostos para a obra executada.
38 - Compete ao director técnico da obra assegurar a conformidade dos projectos licenciados com a obra executada.
39 - Ao tomar conhecimento do risco aludido em 7, e para evitar o colapso da estrutura, os Autores imediatamente realizaram trabalhos de escoramento provisório com recurso a tubos metálicos, ao nível da cave, nas vigas V19, V20, V22 e V23, pontos recomendados pela empresa especialista em estruturas.
40 - Como consequência dos erros de projecto supra referidos, a obra apresenta as seguintes patologias:
a) ruptura dos panos de alvenaria existentes nos topos das paredes interiores da cave;
b) fissuração a meio do vão da viga no tecto da cave;
c) fissura horizontal exterior na varanda do quarto do rés-do-chão;
d) fenda horizontal na parede divisória corredor/quarto.
41 - Os vícios da laje de tecto concorreram, em cerca de 10%, para o aparecimento de fissuras nas sancas interiores do rés-do-chão.
42 - Os vícios da laje de piso concorreram, em cerca de 10%, para o aparecimento de fissuras paralelas às vigotas do rés-do-chão.
43 - No caso das sapatas referidas em 20 a 22, pode haver assentamentos diferenciais da estrutura, com aparecimento de fissuras.
44 - A reparação das patologias descritas em 40 orça em cerca de € 18.302,14, sem IVA, acrescida de honorários do projecto de reforço e de despesas relativas à substituição do projectista de estabilidade.
45 - Além das patologias que já são visíveis, os erros de projecto verificados e executados em obra determinaram, como consequência directa e necessária, uma tensão estrutural do edifício superior à que resulta das normas legais e regulamentares aplicáveis e da boa arte e técnica da construção civil.
46 - Os defeitos decorrentes dos erros de concepção supra enunciados tornaram a obra inapta para o fim a que se destina, impedindo a sua utilização habitacional, até ao seu escoramento.
47 - O valor de mercado actual da moradia dos Autores, tendo em conta a sua tipologia e localização, é de cerca de € 175.000,00.
48 - Os erros de projecto transpostos para a obra, bem como as suas manifestações, desvalorizam o imóvel em valor equivalente ao do custo da reparação referida em 44.
49 - O estado da moradia dos Autores impõe a realização de trabalhos de reforço da estrutura e correcção das manifestações dos defeitos relacionados com os erros estruturais, criando algumas dificuldade de execução ao nível do tecto, devido ao peso e dimensão dos elementos a manusear e ao exíguo espaço disponível no desvão.
50 - A reparação das causas e das manifestações dos erros de projecto deve utilizar os materiais, métodos, processos e técnicas descritos a fls. 133 a 138, 142 e 143 dos autos e das peças desenhadas de fls. 145 a 153, que preconizam a única solução adequada para o problema, de acordo com as técnicas de construção civil.
51 - Tal reparação orça no valor referido em 44.
52 - Esse valor é variável em função do mercado, podendo aumentar ou diminuir.
53 - Para a construção da moradia, os Autores celebraram contrato de mútuo com hipoteca com o Banco.. (ao qual sucedeu o Banco..) em 18 de Maio de 2001, celebrado no Cartório Notarial de Ponte de Lima, por força do qual lhes foi mutuada a quantia de 12.000.000$00, pelo prazo de 25 anos, a pagar em prestações mensais e sucessivas.
54 - Os Autores têm vindo a pagar essas prestações mensais, sendo os juros pagos ao Banco, até 17 de Fevereiro de 2012, no valor de € 12.510,03.
55 - A existência de problemas na moradia dos Autores foi do conhecimento público na comunidade local, tendo-se constado que a casa estava a cair.
56 - O agregado familiar dos Autores é composto pelos próprios e por uma filha, estudante.
57 - Tal agregado vive de favor em casa da avó paterna da Autora, conjuntamente com uma tia desta, sita no Lugar de.., Ponte de Lima.
58 - Essa casa tem dois pisos, de rés-do-chão e andar, sendo este último o piso habitável, com uma área de 68,40 m2, composto por três quartos, uma sala, uma cozinha e uma casa de banho.
59 - Os Autores e o seu agregado vivem constrangidos no espaço disponível, sem qualquer privacidade, o que prejudica o seu bem-estar, a sua mobilidade, o espaço livre para guardarem os seus haveres e pertences e a fruição de momentos de lazer e repouso em casa.
60 - O valor locativo mensal de uso e fruição de uma moradia com as características da dos Autores é não inferior a € 150,00.
61 - Para detecção e análise dos erros de projecto e para a definição da intervenção adequada, os Autores despenderam € 3.840,00 com estudos técnicos, peritagens e projectos de intervenção.
62 - A supra descrita situação provocou nos Autores tristeza, nervosismo, angústia e revolta por não poderem tirar partido da casa, tornando-se tema de conversas e zangas, o que deteriora o convívio familiar.
63 - Os Autores aceitaram os desenhos e projectos de especialidades que os Réus lhes apresentaram.
64 - Os Autores, por sua iniciativa e sem conhecimento dos Réus, procederam a alterações em obra que não estavam no projecto.
65 - Há um ligeiro aumento, em relação ao projecto, no alinhamento do alçado poente da cave.
66 - O projecto de estabilidade considera na cobertura umas lajes com vigotas simples e outras duplas, tendo na obra sido utilizadas todas as lajes com vigotas simples.
67 - Não executaram as vigas-cinta sobre os muros de apoio à laje de cobertura, que estavam previstas no projecto, facto que determina que haja uma maior concentração da carga nesses mesmos muros.
68 - Executaram de forma deficiente o recobrimento nalguns pilares embutidos no muro de betão periférico da cave.
69 - As patologias, que não as descritas em 40, têm origens diversas, nomeadamente má execução e/ou qualidade dos materiais.
70 - Na acção referida em P), o empreiteiro reclamava dos Autores o pagamento de € 32.646,29, tendo, em sede de transacção, aceitado receber € 17.500,00.
71 - Entre 2000 e a entrega aos Autores do estudo referido em 7, a obra nunca esteve escorada, não tendo colapsado.
72 - A aplicação do betão da classe B15 pode pôr em causa a durabilidade máxima das estruturas.
73 - Consta da memória descritiva e justificativa do projecto de estruturas que “nenhuma peça da estrutura será betonada sem a prévia vistoria, e autorização do técnico responsável”.
74 - A percepção dos erros de concepção do projecto de estabilidade depende de conhecimentos especializados, não estando ao alcance dos Autores.
75 - A 2.ª Ré exarou no livro de obra, pelo seu punho, a execução das fundações, das sapatas e da colocação de placas e lajes.
76 - A 2.ª Ré presenciou pelo menos a betonagem dos muros da cave, vendo nessa altura o subsolo.
77 - A elaboração dos projectos pressupõe um acompanhamento da obra, de grau variável mas o suficiente para assegurar a conformidade global da obra com os projectos.
78- A 2.ª Ré (na qualidade de autora dos projectos da especialidade e diretora técnica do processo) devia ter verificado, por si, a homogeneidade e demais características do solo onde foi implantada a moradia dos Autores imediatamente antes da betonagem das fundações, de modo a corrigir eventuais falhas nessa homogeneidade por existência de pontos menos densos ou outras desconformidades nos pressupostos assumidos em projecto
79- No que se refere à obrigação de acompanhamento da obra por parte do 1º e 2ª ré resulta provado o que consta das alíneas D. E. F. U. DD. Da matéria assente e dos fatos provados elencados nos arts 38. 75. e 77. da sentença.

*
Não se provou:
- Que os Autores mandaram desaterrar e terraplenar o terreno e executaram as fundações e betonagens sem terem informado os Réus de tais factos.
- Que o projecto de segurança da obra tenha custado 60.000$00;
- Que o engenheiro contactado em 2007 pelos Autores tenha detectado erro de concepção no projecto de especialidade relativo à estrutura e betão armado, decorrente do subdimensionamento de elementos estruturais, como vigas e pilares;
- Que as vigas V21, V26 e V27 (VE1 e L), do tecto da cave, possuam armadura insuficiente, ao nível longitudinal e ao nível transversal;
- Que as paredes nas quais se encontram apoiadas as vigas V1, V2, V3, V6, V7, V8, V13, V14, V15, V20, V22, V24 e V26 (VC, L e V4), do tecto do rés-do-chão, não tenham, em projecto, sido dimensionadas com a resistência suficiente;
- Que as vigas V5, V16 e V17 (V3 e V4), do tecto do rés-do-chão, apresentem uma armadura insuficiente ao nível transversal, e que a viga V4 (V3) tenha uma armadura insuficiente ao nível longitudinal superior sobre o apoio esquerdo, com reflexos na estabilidade da obra;
- Que as vigas V10 e V12 (VC), do tecto do rés-do-chão, apresentem as armaduras com uma área/espessura insuficiente tanto ao nível longitudinal como transversal, com reflexos na estabilidade da obra;
- Que as vigas V32, V33 e V35 (L), do tecto do rés-do-chão, tenham armaduras insuficientes ao nível longitudinal e ao nível transversal, e secção insuficiente, que tenha reflexos na estabilidade da obra e que corram risco de colapso;
- Que os pilares P2, P3, P5, P7, P10 e P12 (P) tenham a armadura longitudinal insuficiente, com reflexos na estabilidade da obra;
- Que os pilares P19 (P1), P20 (P2) e P21 (P1) tenham, no rés-do-chão, uma espessura inferior à prevista no REBAP em 0,15 m;
- Que o pilar P21 (P1) apresente uma quantidade excessiva de armadura relativamente à secção de betão;
- Que, ao nível das fundações, as sapatas dos pilares P2 e P6 (P) apresentem uma armadura insuficiente, com reflexo na estabilidade da obra;
- Que a sapata do pilar P10 (P) apresente uma armadura insuficiente e exceda a tensão de segurança do solo admitida em projecto;
- Que a tensão dos pilares P19 (P1), P20 (P2) e P21 (P1) seja, respectivamente, de 245,8 kPa, 271,4 kPa e 402,1 kPa;
- Que a tensão das fundações, em várias zonas da implantação, designadamente na zona de confluência entre o alçado poente e o alçado norte, seja inferior a 200 kPa, aí provocando assentamento diferencial da estrutura;
- Que a viga L esteja fissurada;
- Que o 1.º Réu tenha sido autor do projecto de estabilidade;
- Que o projecto de estabilidade e betão armado da moradia dos Autores devesse respeitar o REAE (Regulamento de Estruturas de Aço para Edifícios), a Norma NP EN 206-1 2007 (Betão Parte 1 – especificação, desempenho, produção e conformidade), a Norma NP ENV 13670-01 2007 (Execução de estruturas em Betão Parte 1 – Regras gerais) e a Especificação LNEC E464 (Betões – Metodologia prescritiva para uma vida útil de projecto de 50 e 100 anos face às acções ambientais);
- Que o 1.º Réu tivesse obrigação de conhecer as normas referidas em 29 dos factos provados;
- Que o 1.º Réu e a 2.ª Ré soubessem que a construção de uma moradia pelos Autores representava o investimento de uma vida, implicando um grande esforço financeiro;
- Que foi a falta de verificação das características do solo, mormente a sua densidade, consistência e tensão, que determinou a desadequação das fundações previstas, com o consequente assentamento estrutural;
- Que o descrito em 45 dos factos provados irá provocar, até ao reforço estrutural do imóvel, o aparecimento de novas fendas, fissuras e esmagamentos nos vários elementos que compõem a moradia (paredes, pavimentos e tectos, vigas, vigotas, lajes e pilares), a desagregação de argamassas e superfícies em geral, estragos nas impermeabilizações, cantarias, caixilharias, tubagens e elementos das carpintarias (rodapés, armações e portas);
- Que os erros de projecto transpostos para a obra e as suas manifestações desvalorizem o imóvel em valor não inferior a € 75.000,00;
- Que, após a efectivação da reparação, o prédio dos Autores fique desvalorizado;
- Que, por força dos erros de concepção, a edificação dos Autores tenha sido submetida a uma torção e força acima daquela que seria a tecnicamente recomendada, provocando danos em elementos não visíveis nem detectáveis e encurtando a longevidade do imóvel;
- Que o descrito em DD) dos factos provados tenha ocorrido por mero favor;
- Que os Autores nunca tenham avisado a 2.ª Ré do andamento da obra;
- Que os Autores tenham mandado cortar uma viga de betão que havia já sido construída;
- Que os Autores tenham mandado colocar cantaria em granito maciço, em todas as portas e janelas da habitação, não prevista no projecto;
- Que o descrito em 65 dos factos provados leve a que os vãos e cargas estruturais sejam maiores do que o inicialmente previsto e projectado;
- Que o descrito em 66 dos factos provados determine a diminuição da resistência das lajes, origine a sua deformação, afecte os seus apoios e seja causa de fissuras no tecto da laje do rés-do-chão;
- Que o referido em 67 dos factos provados seja causa fissuras na laje do tecto;
- Que o referido em 68 dos factos provados determine a perda de resistência dos elementos estruturais e constitua causa de fissuras;
- Que as alterações da obra referidas de 65 a 68 dos factos provados constituam causa das deficiências aludidas em 9, 10, 11, 26, 27, 41 e 42 dos factos provados;
- Que, no final da obra, os Autores tenham posto uma máquina escavadora, junto à casa a regularizar o terreno;
- Que o projecto e o dimensionamento estrutural esteja bem calculado e de acordo com os coeficientes de segurança legalmente previstos;
- Que a 2.ª Ré, para efectuar o projecto, tenha usado um programa de cálculos actualizado que nem permite um dimensionamento inferior ao legalmente previsto;
- Que a 2.ª Ré nunca tenha tido problemas com o dimensionamento noutros projectos;
- Que, durante o período em que a obra não esteve escorada, nunca tenha havido sintoma da ocorrência e colapso;
- Que, caso o projecto tivesse sido cumprido na construção, não teria havido risco para a obra;
- Que todas as cargas tenham sido consideradas no projecto, tanto no cálculo das vigas como no das lajes;
- Que a laje LP1 esteja bem dimensionada em relação ao projecto, respeitando o REBAP quanto à sua deformação;
- Que o problema das paredes não esteja relacionado com o cálculo projectado para a laje LP1;
- Que o cálculo dos vários elementos resistentes seja adequado e de acordo com o legalmente estabelecido;
- Que o cálculo das fundações tenha sido devidamente feito, considerando uma tensão de segurança de 0,02 KN/cm2;
- Que nem os Autores nem o empreiteiro tenham querido fazer ensaios de solo;
- Que as fissuras referidas em 41 e 42 dos factos provados se devam somente à execução da obra e às alterações nelas introduzidas pelos Autores;
- Que os Autores nunca tenham comunicado aos Réus qualquer problema em relação ao projecto;
- Que os Autores tenham tido conhecimento em 2003 dos defeitos que aqui alegam;
- Que os Autores reclamem nos autos danos já ressarcidos no processo identificado em T) dos factos provados;
- Que a 2.ª Ré tenha presenciado todas as fases referidas no livro de obra;
- Que a 2.ª Ré tenha tido conhecimento de todas as alterações ocorridas em obra, não se lhes tendo oposto.

QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO:
A. Questão da aplicabilidade do regime legal da empreitada ao contrato dos autos:
Importa então proceder à subsunção jurídica face à matéria de facto dada como provada, começando por ponderar sobre a qualificação do contrato em causa.
Não se colocam quaisquer dúvidas a este Tribunal, que o contrato celebrado entre as partes é um contrato de prestação de serviços, atento o disposto no art. 1154 nº 1 do CC.
Com efeito, provou-se que:
O 1.º Réu marido é desenhador de profissão.
Em meados de 2000, os Autores, pretendendo construir uma habitação, dirigiram-se ao 1.º Réu marido a quem solicitaram que este lhes desenhasse o projecto da casa por eles pretendido, bem como solicitaram ao 1.º Réu que pedisse à 2.ª Ré mulher – que consigo trabalhava no mesmo gabinete de projectos, de forma conjunta e articulada, com intuito lucrativo – que realizasse os projectos de especialidades dessa mesma habitação.
Os Autores informaram os Réus de que tais desenhos e projectos se destinavam a ser apresentados na Câmara Municipal de Ponte de Lima, para obterem a necessária licença de construção.
Pouco tempo depois, os Réus apresentaram aos Autores os desenhos e projectos de especialidades da casa por eles pretendida
Os projectos de especialidades incluem o projecto de estabilidade, com a componente da estrutura, fundações do edifício e do betão armado.
O 1.º Réu e a 2.ª Ré elaboraram para os Autores o projecto de segurança da obra, cujo preço pagaram, bem como o do projecto de telecomunicações.
O 1.º Réu e a 2.ª Ré executaram o descrito em C).
O 1.º Réu e a 2.ª Ré foram contratados pelos Autores porque estes acreditavam que eram profissionais competentes e que elaborariam os projectos de acordo com as normas legais e regulamentares e com a boa arte e técnica da construção civil.
Os Autores aceitaram os desenhos e projectos de especialidades que os Réus lhes apresentaram.
Foram estes serviços na qualidade de projectista e engenheira civil que caracterizam a actividade desenvolvida.
Os serviços prestados pelo 1º réu e 2º ré são incidíveis dos conhecimentos técnicos e científicos inerentes às suas qualidades profissionais e a representação demonstrada apenas se restringe à especificidade desses conhecimentos.
É um contrato oneroso e sinalagmático, na medida em que à realização do serviço pelo 1º ré e 2ª ré corresponde o pagamento do preço pelos beneficiários dessa prestação.
Assente a prestação de serviços, atentemos nas suas especificidades.
Não tem sido unívoco na doutrina e na jurisprudência o entendimento sobre a qualificação do contrato de empreitada e os demais contratos de prestação de serviços que consistem apenas na realização de qualquer outra obra de natureza intelectual.
Segundo uma corrente doutrinária e jurisprudencial, o conceito de obra previsto na empreitada é amplo e abarca as obras incorpóreas ou intelectuais, coadunando-se com o sentido corrente do termo, tal como é aceite em ordenamentos jurídicos estrangeiros. E, como a palavra “obra” utilizado no artigo 1207º do Código Civil não distingue entre obra material e obra de engenho ou intelectual, não existe razão para que alguma distinção seja feita pelo intérprete [5] . Para esta corrente a essencialidade normativa decorrente da análise das normas contidas no regime da empreitada consagrado no Código Civil, quer ao nível das obrigações principais – obrigação de atingir um resultado material contra o pagamento de um preço – quer ao nível dos termos de execução, está presente no contrato pelo qual alguém se obriga perante outrem a realizar certa obra intelectual.
Defende outra corrente um conceito restrito de “obra”, entendendo que a obra incorpórea ou intelectual se mostra subtraída do âmbito do contrato de empreitada, tal como o mesmo se mostra definido no Código Civil, no qual se omite, intencionalmente, a referência à prestação de um serviço [6].
Em sintonia, igualmente se pronunciou J. BAPTISTA MACHADO[7], Considerando por ex que no contrato de elaboração de estudos e projectos de arquitetura, as prestações típicas são o resultado ou produto de um trabalho intelectual, e não uma obra ou resultado material, configurando, por isso, um contrato de prestação de serviços, mas atípico ou inominado, ao qual, no entanto, defende a aplicação, com as devidas adaptações, do regime da empreitada, no que concerne à responsabilidade por defeitos da obra, impossibilidade de execução, desistência do dono da obra (artigos 1221º e ss., 1227º, 1229º, todos do C.C.)
Aderindo-se à primeira parte da segunda tese supra mencionada, entende-se -se que o contrato em causa configura, efectivamente, um contrato de prestação de serviços embora atípico, na medida em que nele o 1º ré e 2º ré se obrigaram a proporcionar aos Autores o resultado do seu trabalho intelectual, mediante retribuição - art.º 1154.º do Código Civil.
A sua atipicidade determinará, a aplicação das regras contidas nas suas próprias cláusulas e as normas gerais dos contratos, admitindo, ainda, a aplicação das regras do mandato devidamente adaptadas, se for caso disso e, na medida do possível e sempre que a semelhança das situações o justifique.
Na verdade o 1º Réu e 2ª Ré não são empreiteiros, e não se obrigaram à realização de trabalhos de construção, reconstrução, reparação, conservação ou adaptação de bens imóveis[8] .
Tais trabalhos materiais, pertenceram ao empreiteiro escolhido pelo dono da obra, para executar os projectos que o 1º e 2ª Réus elaboraram.
Também ao contrário do que acontece com o projecto de arquitectura o qual define o aspecto da obra (forma, volumes e dimensões) e que acaba por ser transporta para uma realização corpórea (o edifício) possuindo assim uma maior afinidade com o objecto típico da empreitada, o que está em causa no caso em apreço é um projecto de especialidades, mais propriamente o projecto de estabilidade. Disseram os Srs. Peritos que este é um projeto elaborado com base em cálculos e formulas matemáticas complexas, que define os esforços estruturais a considerar que têm de ser tidos em conta, bem como as características da estrutura resistente dos edifícios, com a eleição dos materiais, seu dimensionamento e disposição, por forma a ser assegurada e garantida a sua estabilidade e integridade ao longo do tempo.
“O projeto de estabilidade é um dos mais importantes, pois é o que vai definir a estrutura da obra.
Na verdade um edifício, tenha ele a ocupação que tiver, seja de habitação, de escritório, ou outra, é constituído na sua essência por uma estrutura própria e específica que fornece ela própria a estabilidade e resistência necessária ao equilíbrio global do edifício como um todo. A estrutura é assim o aspecto determinante e fundamental que mantém “de pé” o edifício.
Comparativamente, a estrutura de um edifício, desempenha para este edifício, o mesmo papel vulgarmente designado por “ossature”, que os próprios esqueletos ósseos representam na estabilidade e resistência dos corpos dos animais, que possuem assim também uma estrutura individual própria que lhe garante o equilíbrio global e resistente de todo o seu corpo animal. Num edifício, é assim necessário elaborar um projecto desta estrutura específica que garanta a estabilidade e resistência global do edifício” [9].
E embora este projecto seja depois transposto para uma obra corpórea, as suas manifestações radicando em fórmulas, cálculos e modelos matemáticos intrincados e complexos (como resulta dos documentos de fls. 108 a 152 dos autos) que são incomensuravelmente menos detetáveis e cognoscíveis, não saltam à vista de um cidadão médio, ao contrário da generalidade dos defeitos exibidos pelas coisas corpórea (conforme bem exemplificado nos fatos provados nº 61 e 74).
Os erros/defeitos neles existentes são classificados como vícios ocultos ou seja de difícil constatação/identificação, por pessoa sem conhecimento da arte da construção [10] contrariamente aos vícios aparentes que são os defeitos resultantes dos contratos de empreitadas.
Prova disse temos este processo, do qual resulta que, apenas ao fim de 5 anos após a obra ser considerada finda é que peritos especializados (após um anterior processo com prova pericial e de dois pareceres técnicos) detectaram que os “ alegados defeitos da empreitada” eram mais que isso; tratavam-se de erros do projecto de estabilidade estrutural.
Temos pois como certo que, um erro neste tipo de projectos é muito mais subtil e insidioso nas suas manifestações.
Também os problemas estruturais são muito específicos e susceptíveis, sendo que podem manifestar-se de forma repentina mas podem também apenas se manifestarem quando a obra colapsa ou estar perto de colapsar.
Como resultou dos esclarecimentos dos Srs. Peritos na sessão da audiência de julgamento de 09.04.2013 os coeficientes de segurança dos projetos de estabilidade são dimensionados por excesso, tendo em conta a elevada duração que é suposto conferir às edificações e a exposição à ocorrência de fenómenos que provocam cargas e esforços adicionais (por ex vibrações, fenómenos sísmicos).
Acresce que um projecto de estabilidade é elaborado para ser indefinidamente duradouro. A exigência da sua conformidade com as regras técnicas e as normas legais [11] obedece a razões de segurança de longo termo (atente-se na Especificação LNEC E 464 (Betões – norma que prescreve metodologia para uma vida útil de projeto de 50 e 100 anos face ás acções ambientais) das edificações relacionadas com a salvaguarda da integridade física e vida dos utilizadores da obra a que não são estranhas razões de interesse público.
Pelo exposto, considerando a natureza dos trabalhos de conceção ao nível dos projetos de estabilidade, a sua importância e seu relevo, temos por certo que ao contrato dos autos não deverá aplicar-se o regime legal da empreitada, uma vez que é difícil, senão mesmo impossível, conciliar a maioria das regras do contrato de empreitada com este tipo de obra intelectual (projeto de estabilidade), designadamente no que concerne: (i) às regras de transferência da propriedade (art.º 1212° do CC), (ii) ao direito do dono da obra fiscalizar a sua realização (art. 1209° do CC), (iii) ao direito de exigir a eliminação dos defeitos, ao direito de exigir "uma nova construção" ou a resolução do contrato (art. 1221° e 1222° do CC), (iv) à definição do momento da entrega da obra, e (v) até na definição dos prazos, mesmo de garantia (5 anos).
De fato, porque se trata de uma obra intelectual terão de ser ressalvadas as excepção decorrentes do direito de autor.
Depois tendo em conta que, no caso dos autos, a obra já estava concluída antes de detetado o problema, estas regras do contrato de empreitada devem aplicar-se aquando da entrega dos projetos escritos? No momento da sua transposição para a moradia? No momento da conclusão da moradia? [12]
E eliminar o defeito significa corrigir o projeto já com a moradia pronta? Obra nova significa realizar novo projeto com a casa pronta? A redução do preço e a resolução do contrato já nada serve com a casa pronta.
Em suma não estando em causa um contrato de empreitada, não faz sentido que os ora recorridos invoquem a caducidade do direito que os autores contra eles pretende fazer valer, com o argumento de que a acção não foi proposta no prazo de um ano a partir do conhecimento dos defeitos (art. 1224, nº1, do C.C.)
Antes assumindo a relação contratual existente entre os AA, 1º Réu e 2ª Ré um contrato inominado de prestação de serviços, sendo regida, fundamentalmente pelas especificidades próprias apontadas que afastam a aplicação do regime do contrato de empreitada, tal relação contratual está sujeita ao prazo geral de prescrição de 20 anos, previsto no art. 309 do mesmo diploma [13]
Assim caracterizado o contrato celebrado entre as partes fica afastada a qualificação jurídica, preconizada e defendida na decisão recorrida.
Prejudicada também fica a apreciação das inconstitucionalidades apontadas à decisão recorrida.
B. Questão da responsabilidade do 1° Réu e 2ª Ré (e dos demais Réus):
Alerta o art.º 406º CC que os contratos devem ser pontualmente cumpridos, ou seja, não só devem ser cumpridos a tempo, mas também “exactamente” ou “ponto por ponto”, no sentido de a prestação dever ser efectuada integralmente, conforme o convencionado [14]
O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, nos termos do art.º 798º., do C.C., sendo que a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados, de acordo com o disposto no art.º 804.º, do C.C.
Em sede de responsabilidade contratual, a culpa do devedor presume-se, tendo ele o ónus de provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua, de acordo com o n.º 1 do art.º 799.º do C.C [15]
Assim, considerando o regime geral que define os pressupostos da responsabilidade contratual, conclui-se que, in casu, não afastaram o 1ºRéu e a 2ª Ré a aplicação do art.º. 799.º, n.º 1, sendo por isso, face ao disposto no art. 798.º, responsáveis pelo prejuízo que o seu incumprimento causa aos Autores.
De efeito, tendo ficado provado que:
A)B)- No decurso do ano 2000 os Autores decidiram construir uma moradia unifamiliar, composta por cave e rés-do-chão, a implantar num prédio rústico sito no lugar de.., concelho de Ponte de Lima, propriedade do Autor.
C) - Para o referido em A) e B) foi necessário elaborar e organizar todos os elementos necessários à instrução do necessário licenciamento municipal de obra particular junto do Município de Ponte de Lima.
D),E),F) - O 1.º Réu e a 2.ª Ré contribuem entre si com bens e serviços para o exercício em comum da actividade económica referida em C), cujos custos e proveitos dividiam entre si, com vista à obtenção de lucro.
G) - Em 2 de Outubro de 2000 vieram a constituir, entre si, uma sociedade comercial por quotas, denominada “L.., Lda.”.
H) - Os emolumentos e taxas relativos ao processo de licenciamento municipal referido em C) cabia e foi pago pelos AA.
I), J) - O preço acordado pela realização do descrito em C) foi de 300.000$00 (€ 1.496,39), que os Autores aceitaram e pagaram logo no momento da celebração do contrato.
L) - Posteriormente, alguns meses mais tarde, foi acordado pelas partes o pagamento do preço adicional de 30.000$00 (€ 149,63) relativo ao projecto de especialidades atinente a telecomunicações.
T) - O 1.º Réu marido é desenhador de profissão.
U) - Em meados de 2000, os Autores, pretendendo construir uma habitação, dirigiram-se ao 1.º Réu marido a quem solicitaram que este lhes desenhasse o projecto da casa por eles pretendido, bem como solicitaram ao 1.º Réu que pedisse à 2.ª Ré mulher – que consigo trabalhava no mesmo gabinete de projectos, de forma conjunta e articulada, com intuito lucrativo – que realizasse os projectos de especialidades dessa mesma habitação, toda esta matéria conduz à existência de uma sociedade irregular nos termos definidos no artº 36 nº 1 do Código das Sociedades Comerciais [16]
Segundo Pinto Furtado, “na actual concepção da lei, deixou de ter cabimento fazer-se corresponder à sociedade eivada de vício de formação a velha categoria de sociedade irregular; se quisermos adoptar uma denominação susceptível de abarcar a realidade global, será preferível chamar-lhe sociedade imperfeita, por ser esta a designação que melhor exprime a ideia de inacabado, que caracteriza o regime jurídico correspondente aos distintos estádios do seu processo formativo ainda por completar [17] e [18] .
Relativamente à responsabilidade entre arquiteto e engenheiro defendem alguns técnicos que “num projecto de licenciamento de estabilidade existem três componentes/capítulos, a que correspondem igualmente três fases distintas do trabalho de desenvolvimento de um projecto de uma estrutura. Numa primeira fase concebe-se a estrutura, ou seja, define-se o sistema estrutural para o edifício (vigas e pilares em número, localização e respectiva geometria), e aqui, desempenha papel preponderante o projecto de arquitectura, cuja elaboração é anterior e vai condicionar fortemente o projecto de estrutura (ao limitar o número, localização e geometria dos elementos estruturais); seguindo-se posteriormente a fase da análise estrutural deste sistema, vulgarmente denominada de fase dos cálculos, hoje em dia realizada mediante recurso a programas de cálculo informático, e, por fim, procede-se ao dimensionamento dessa estrutura concebida na primeira fase e calculada na segunda fase. A fase de concepção estrutural é atribuída em termos práticos ao autor de projecto da estrutura, mas trata-se de uma visão muito estreita do que realmente se passa na prática profissional, onde o autor de projecto de estruturas tem reduzida margem de manobra para conceber e inserir a estrutura no espaço da planta do edifício. Com efeito, quem define a planta e a distribuição dos espaços nesta planta é o autor do projecto de arquitectura. Este, ao realizar este trabalho condiciona logo à partida a concepção da estrutura, não só interfere, condiciona, como essencialmente participa da sua concepção, ao definir os espaços onde podem ser inseridas vigas e pilares. O autor do projecto de estrutura, na concepção desta, tem que aceitar os espaços definidos pelo arquitecto e somente pode fazer pequenos ajustamentos a essa concepção. O seu trabalho não é independente e autónomo, depende do trabalho realizado previamente pelo autor do projecto de arquitectura.
Não é assim realista e correcto reduzir a responsabilidade da concepção do sistema estrutural da estrutura unicamente ao autor de projecto de estrutura, porque o autor do projecto de arquitectura é quem comanda a disponibilização e alocação dos espaços disponíveis em planta.
Há em nosso entender uma real e efectiva partilha do acto de conceber o sistema estrutural de um edifício, entre arquitecto e engenheiro de estruturas [19]
Aplicando este entendimento ao caso em apreço, verifica-se que a primeira fase não foi da responsabilidade da autora do projecto de estrutura; foi o 1º réu na qualidade de desenhador que fez o projecto da casa a adoptar para o edifício em causa. A 2ª ré engenheira procedeu à realização da segunda e terceira fases do projecto de licenciamento da estabilidade (cálculo e dimensionamento, nos termos afirmados pela mesma em sede de depoimento de parte).
Também por esta interpretação que nos parece lógica, no caso em analise não estamos perante vários contratos de prestação de serviços mas perante um contrato, aliás nos termos assumidos pelos RR nas suas declarações de parte (ver fls. 592 e 594) que nos disseram que “ (…) que foi contactado pelos autores (…) para desenvolver um projecto de arquitectura para a casa destes. (..) além do projecto de arquitectura, tal incluía os projetos de especialidade , bem como o projecto de estabilidade.
Também ambos elaboraram o projeto de segurança da obra bem como o projeto de telecomunicações (ver nº 2 dos fatos provados).
E o preço pago pelos serviços foi único (ver alíneas I) J) e L).
Pelo que todo o tipo de obrigações assumidas no âmbito dos acordos de vontade subjacentes ao contrato de prestação de serviços supra referido recaem não só sobre a 2ª Ré mas também sobre o 1º Réu.
Mas a 2ª ré não violou apenas as suas obrigações enquanto autora dos projectos de especialidade. Também as violou na qualidade de diretora técnica da obra, como referem os recorrentes.
Está - também e paralelamente ¬em causa o facto de a 2a Ré mulher ter assumido o cargo de "diretor técnico da obra" - facto provado DO) - fonte cumulativa de responsabilidade, a par daquela que decorria naturalmente dos demais serviços contratados.
Esta figura- diretor técnico da obra- era nos termos do Dec. Lei nº 555/99 de 16 de Dezembro e subsequentes revisões- o técnico a quem a Administração confiava o poder de fiscalização da coisa em construção e pedia que no final, atestasse que o projecto e as condições de licenciamento tinham sido cumpridas.
A fiscalização exercida pelo director técnico da obra, no que respeita o projecto de estabilidade, visa não só garantir a conformidade da obra executada com o projecto, mas também, necessariamente, garantir condições de segurança para os que trabalham na obra, para os que poderão vir a ocupar a obra, nomeadamente o seu dono e para todos aqueles que possam vir a achar-se em contacto com o edifício construído. O cumprimento do projecto de estabilidade dá garantias de que a construção não virá pôr em perigo todos aqueles que podem vir a ter contacto com a obra ou a estar nas suas proximidades.
A matéria de facto provada permite imputar a responsabilidade civil à 2a Ré, à luz, designadamente, dos artigos 76°, nº 1, do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, na redação que lhe foi dada pelo decreto-lei nº 177/2001, de 4 de Junho [20] os artigos 3°, nº 1, alínea c) e Anexo IV da Portaria 1115-A/94, de 15/02 (à qual sucedeu a Portaria nº 1105/2001, de 18 de Setembro, donde releva o art. 8°) [21] o artigo 15° do Regulamento Geral das Edificações Urbanas [22] e os artigos 86°, nº 5 e 87°, nº 2, do Estatuto da Ordem dos Engenheiros, aprovado pelo decreto-lei nº 119/92, de 30 de Junho [23].
Tal responsabilidade é corroborada pelo regime emergente da posterior Lei nº 31/2009, de 3 de Julho [24].
C. Resta pois determinar os danos e o "quantum" devido pelos réus.
Como resulta do que se deixou referido, a responsabilidade civil contratual tanto pode emergir da mora, como do incumprimento, ou mesmo do cumprimento defeituoso do contrato.
Pedro Martinez [25] define defeito, como sendo “um desvio á qualidade devida, desde que a divergência seja relevante” e acrescenta que esta noção de defeito tem uma natureza híbrida, pois que, em primeiro lugar, há que ver se o bem corresponde á qualidade normal das coisas daquele tipo e, em segundo lugar, se é adequado ao fim em vista, implícita ou explicitamente estabelecido no contrato.
Por sua vez, ensina Antunes Varela [26] que “existe cumprimento defeituoso em todos os casos em que o defeito ou irregularidade da prestação – a má prestação – causa danos ao credor ou pode desvalorizar a prestação, impedir ou dificultar o fim a que este objectivamente se encontra afectado, estando o credor disposto a usar de outros meios de tutela do seu interesse, que não sejam o da recusa pura e simples da aceitação”.
No mesmo sentido, afirma João Batista Machado [27], que existe cumprimento defeituoso ou inexacto quando a prestação efectuada não tem os requisitos idóneos a fazê-la coincidir com o conteúdo do programa obrigacional, tal como este resulta do contrato e do princípio geral da correcção e boa fé.
E esta inexactidão tanto pode ser quantitativa como qualitativa. No primeiro caso, coincide com a prestação parcial em relação ao cumprimento da obrigação.
São pressupostos da responsabilidade civil, seja a contratual, seja a extracontratual ou aquiliana: a verificação do facto; a ilicitude do facto; o nexo de imputação do facto ao agente; o dano; e o nexo causal entre o facto e o dano - cf. art.os 798.º e sgs. do C.C. para a primeira e 483.º e sgs., do mesmo Código para a segunda.
O facto é aqui traduzido pelo não cumprimento tempestivo, pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso da prestação contratual.
A ilicitude traduz-se na desconformidade entre a conduta devida (conduta considerada no sentido objectivo) ou seja, a prestação contratada, e o comportamento do devedor.
Na culpa aprecia-se a conduta no sentido subjectivo – reconduz-se a um juízo de censura ou de reprovação que é dirigido ao obrigado que, atentas as circunstâncias do caso, podia e devia ter agido de outro modo.
A culpa, como nexo de imputação subjectiva ao agente, desdobra-se em duas vertentes: o dolo, que é a adesão da vontade ao comportamento ilícito, e a negligência, ou mera culpa, caracterizada por uma actuação sem a diligência ou o discernimento exigíveis ao agente.
De acordo com os art.os 799.º, n.º 2 e 487.º, n.º 2, do C.C. a culpa é apreciada de acordo com um padrão objectivo dado pela diligência de um bom pai de família.
Os danos são toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica sendo indemnizáveis tanto os danos emergentes como os lucros cessantes, de acordo com o art.º 564.º, n.º 1, do C.C.
Finalmente, é ainda necessário que se verifique um nexo de causalidade entre o facto e o dano produzido, consagrando o art.º 563.º do C.C. a teoria da causalidade adequada.
Como fundamentou o S.T.J., no A.C. de 11/05/2000, “para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes do mais, que no plano naturalístico ele seja condição sem o qual o dano não se tem verificado”, sendo ainda necessário que em abstracto ou em geral “seja causa adequada do mesmo”. E, prossegue, “O facto deixa, pois, de ser causa adequada do dano sempre que, “segundo a natureza geral era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequado para esse dano” [28].
Para se apurar o quantum da indemnização há que ter presente o que dispõem os artos. 562º; 564º; e 566º., do C.C., dos quais resulta que a indemnização deverá tender para a reconstituição da situação patrimonial que existiria se o evento danoso se não tivesse verificado. [29]
Sempre que a reconstituição natural não seja possível, ou não repare integralmente os danos, ou ainda seja excessivamente onerosa para o devedor, a indemnização é fixada em dinheiro, devendo a respectiva importância ser fixada tendo em consideração a diferença entre a situação patrimonial actual do lesado e a que ele teria se não tivesse ocorrido o evento - dever-se-ão, pois, ter em conta os danos emergentes, os lucros cessantes, e, bem assim, os danos futuros.
Se não se conseguir apurar o valor exacto dos danos o tribunal deverá julgar com o recurso às regras da equidade, nos termos do nº. 3 daquele artº. 566º.
Interpretando aquela disposição legal, escreveu o Prof. Vaz Serra, que quando o artº. 566º., nº. 3, dispõe que “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, deve o tribunal julgar equitativamente «dentro dos limites que tiver por provados», limita-se a acentuar que, se o tribunal tiver por provados limites do valor dos danos, deve a fixação judicial desse valor ser feita dentro de tais limites”, fundando-se o referido preceito legal na consideração de que “podendo ser impossível a fixação do valor exacto dos danos a indemnizar, não deve esse facto excluir a efectivação do direito à indemnização, cometendo, assim, ao tribunal uma fixação equitativa em face das circunstâncias do caso concreto”, e, prossegue, “se, porém, o tribunal tiver por provados limites, dentro deles deverá efectuar a fixação do valor dos danos”.
Defende ainda o mesmo Ilustre Professor que ainda que o autor não tenha alegado ou provado factos que permitam o juízo de equidade, o referido artº. 566º., nº. 3 “Impõe ao tribunal que julgue equitativamente …” [30]
Também se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado em execução de sentença … artº 609 nº 2 do C.P.C.
Quando se relega para liquidação o apuramento do valor a receber pelo credor, tal significa, desde logo, que o Tribunal reconheceu a existência de um direito de crédito, que só não foi quantificado, ou seja, liquidado em montante certo, por não haver elementos para determinar o respectivo “quantum”, ou porque o Autor formulou pedido ilíquido, ou genérico.
Mesmo que se possa afirmar que se está a conceder uma nova oportunidade ao autor do deduzido pedido líquido de provar o quantitativo dos danos, não se vislumbra qualquer ofensa do caso julgado, material ou formal.
É que a existência de danos já está provada e apenas não está determinado o seu exacto valor, o qual se apurará perante a prova das peças entregues e seu valor [31], [32].
Também, neste sentido Lebre de Freitas [33] .
É actualmente inquestionável que, mesmo em sede de responsabilidade contratual, há lugar à indemnização pelos danos não patrimoniais que sofra a parte que cumpre o contrato.
A questão é que tais danos, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito nos termos do artº. 496º., nº. 1, ainda do Cód. Civil.
Estes danos caracterizam-se por serem insusceptíveis de avaliação pecuniária porque atingem bens que não integram o património do lesado.
Por isso, são passíveis de compensação com a obrigação pecuniária imposta ao agente, assumindo-se esta como uma satisfação em vez de uma indemnização, sensu proprio. Pretende-se que, de certa forma, o lesado possa utilizar a importância pecuniária, tirando dela algo que lhe seja agradável que compense a desagradabilidade que são os incómodos, os aborrecimentos, os vexames, etc.
A respeito do dano de privação do uso, à semelhança do que ocorre com a doutrina [34] também a jurisprudência se dividiu, conhecendo a questão maiores desenvolvimentos em sede de indemnização dos danos decorrentes de acidente de viação relativamente aos veículos automóveis que, definitiva ou temporariamente, ficaram inutilizáveis.
E percorrendo a jurisprudência surpreendemos, essencialmente, duas correntes jurisprudenciais distintas:
i) para uns a simples privação do uso constitui, por si só, um dano indemnizável já que representa, para o seu proprietário, a perda de uma utilidade que é a de usar a coisa quando e como lhe aprouver.
Com efeito, o art.º 1305.º, do C.C. reconhece ao proprietário o direito de gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, direito que só conhece os limites e as restrições legalmente impostos. E no que se refere aos veículos automóveis, como nos dá conta o A.C. do S.T.J. de 29/11/2005, enquanto uns caracterizam este dano, de impossibilidade de dispor do veículo, como não patrimonial, outros defendem que ela consubstancia um dano patrimonial [35]
ii) a outra corrente defende que a privação do uso de uma coisa por parte do seu proprietário, que um terceiro cause, somente será ressarcível se aquele cumprir com o ónus da prova do dano concreto e efectivo que decorreu da privação. Para estes a mera privação não é indemnizável.
Exemplares desta corrente, v.g., o A.C. do S.T.J. de 30/10/2008, onde se escreveu: “o dano como a diferença entre o património actual realmente existente e aquele que existiria se não fosse a lesão danosa do artº 566º do C. Civil, implica que apenas sejam indemnizáveis os danos em concreto realmente verificados” e prossegue “a privação duma utilidade do património pode ou não constituir um dano, conforme acabe por diminuir ou não o mesmo acervo patrimonial” [36] que vem assim sumariado (na parte que ora importa): I - A privação injustificada do uso de uma coisa, pelo respectivo proprietário, pode constituir um ilícito susceptível de gerar obrigação de indemnizar, uma vez que, na normalidade dos casos, o impedirá do exercício dos direitos inerentes ao domínio, isto é, impede-o de usar a coisa, de fruir as utilidades que ela normalmente lhe proporcionaria, de dela dispor como melhor lhe aprouver, violando o seu direito de propriedade. II - Podem configurar-se situações em que o titular não tem interesse em usar a coisa, não pretende retirar dela as utilidades ou vantagens que a coisa lhe poderia proporcionar ou, pura e simplesmente, não usa a coisa. III - Se o titular não aproveita das utilidades que o uso normal da coisa lhe proporcionaria, também não existirá prejuízo ou dano decorrente da privação ilícita do uso, visto que, na circunstância, não existe uso e, não havendo dano, não há obrigação de indemnizar. IV - Competindo ao lesado provar o dano ou prejuízo que quer ver indemnizado, não chega alegar e provar a privação da coisa, mostrando-se ainda necessário alegar e provar que a usava normalmente, que dela retirava as utilidades (ou alguma delas) que lhe são próprias e que deixou de poder usá-la, em virtude da privação ilícita.
Surpreende-se ainda o que pode ser havida como uma via intermédia, ou corrente iii) assim enunciada: a simples privação do uso do bem não basta para justificar a indemnização mas também o essencial é que se prove a frustração de um propósito real e concreto de proceder à sua utilização, não se exigindo a prova de danos efectivos.
Exemplo desta terceira via é o A.C. do S.T.J. de 06/05/2008 [37] que decidiu: A mera privação (de uso) do prédio reivindicado, impedindo, embora, o proprietário do gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição nos termos do artigo 1305.º do Código Civil, só constitui dano indemnizável se alegada e provada, pelo dono, a frustração de um propósito, real, concreto e efectivo de proceder à sua utilização, os termos em que o faria e o que auferiria, não fora a ocupação-detenção, pelo lesante.
Sem embargo, temos para nós, que a simples privação do uso, como na situação sub judicio, ostensivamente contra a vontade dos proprietários, consubstancia um dano porque só eles têm o direito de fruir a coisa que lhes pertence e de a utilizar quando lhes aprouver.
Em suma como relata João Cura Mariano, “todos os prejuízos sofridos pelo dono da obra, em consequência da prestação defeituosa, integram uma responsabilidade contratual, uma vez que esta tem origem na violação do direito creditício daquele à execução da obra sem defeitos”. E exemplifica: “Os prejuízos que normalmente resultam da execução da obra com defeitos são a sua desvalorização, danos sequenciais no objecto da obra, em outros bens do seu dono, ou mesmo na sua pessoa, despesas com vista a definir e localizar os defeitos, prejuízos inerentes à realização de obras de reparação e danos não patrimoniais que o dono da obra possa ter sofrido em consequência do cumprimento defeituoso da prestação a que tinha direito [38]
Esta é, de resto, a posição de Pedro Romano Martinez, [39] .
Ou seja, os danos indemnizáveis, … serão, inequivocamente, os que se apurarem segundo os critérios gerais emanados dos arts. 562.º a 564.º daquele Código: todos aqueles que estejam causalmente ligados à violação do contrato de prestação de serviços em analise, e que resultaram do seu cumprimento defeituoso, abrangendo quer os danos emergentes, quer os lucros cessantes, razão pela qual a indemnização a arbitrar terá de colocar a autora na situação em que estaria se não se tivesse verificado o facto que obriga à indemnização, consistente naquele cumprimento defeituoso, correspondendo ao interesse contratual positivo que resultaria para o credor do cumprimento integral do contrato.
Definido o quadro legal a analisar e aquele que foi invocado em sede de enquadramento jurídico da questão importa do mesmo extrair os pertinentes ensinamentos, para o que cumpre tecer breves notas.
Na situação versada nos autos, a factualidade aponta, inequivocamente, para a existência do nexo de causalidade adequada entre o cumprimento defeituoso por banda do 1ª e 2ª Réus e os prejuízos sofridos pelos autores, mormente no que tange à indemnização da quantia de 18.302,14 €, a título de indemnização pelas obras de reforço estrutural e correção das inerentes patologias, acrescidas dos inerentes honorários do projeto de reforço e despesas relativas à substituição do projetista da estabilidade, valores estes a liquidar em execução de sentença (artº 44 dos fatos provados); a quantia de 3.840,00 €, a título de indemnização pelas despesas com estudos técnicos e peritagens suportados pelos Recorrentes para a deteção e diagnóstico dos problemas estruturais (artº 61 dos factos Provados); a quantia que se liquidar em execução de sentença a título de indemnização pelo dano da privação de uso do imóvel, considerando o período que decorreu entre 2003 (ano seguinte à conclusão da obra) até à efetuação do escoramento provisório relatado no artº 46 dos fatos provados considerando o valor mensal de uso e fruição de uma moradia com as características da dos Autores fixado no ponto 60 dos fatos provados e os que a este titulo se vencerem aquando dos trabalhos de execução do reforço estrutural do imóvel (aliena NN) e LL dos factos e arts 39 46, 49 e 50 dos fatos provados).
No que se refere aos peticionados danos não patrimoniais, ficou provado o que consta sob a alínea LL) e nos nº 57º, 58, 59 e 62 dos fatos provados. Não deixam de ser relevantes os anos de espera que se tornam muito longos para quem viveu nas condições descritos supra nos nº 57 e ss, a tristeza e desgosto decorrentes da verificação dos defeitos e da sua difícil detecção e resolução.
E a gravidade destes sentimentos, que afectam a saúde de quem os sofre, torna-os merecedores da tutela do direito.
Na fixação do quantum da indemnização entra o critério da equidade devendo ter-se em consideração o que dispõe o artº. 494.º do C.C.
Ora, tendo em consideração a factualidade apurada, considera-se adequada a ressarci-los a importância de € 10 000,00 (dez mil euros).
Na fixação do valor desta importância entraram critérios comparativos com os valores indemnizatórios actualmente praticados pela jurisprudência de acordo com o disposto no artº. 566º., nº. 2 do Cód. Civil.[40]
No que respeita à quantia de 12.352,82 €, a título de indemnização pelas despesas desaproveitadas relativas aos juros remuneratórios cobrados pela Banca no contrato de mútuo hipotecário celebrado pelos Recorrentes para construção da moradia, cremos não serem indemnizáveis. Na verdade considerando que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”- art.º 563º do CC acima transcrito, o pagamento de juros sempre seria devido pelos AA mesmo sem a verificação destes danos, uma vez que os juros são devidos em consequência da celebração do contrato de mútuo mencionado no nº 53 dos fatos provados.
Acresce que, o dano da privação do imóvel, bem como os danos não patrimoniais decorrentes da privação já acima foram valorados.
No que se reporta aos danos da desvalorização do imóvel, os mesmos não são devidos nos termos explicados a fls. 14 e 15 desta decisão, aquando da apreciação acerca do artº 109 da Base Instrutória., para a qual se remete.
Cumpre por fim referir que em relação aos danos cuja execução se relegou para execução de sentença, não se descortina, pelo menos de forma óbvia, a impossibilidade dos autores oferecerem provas desses danos, que correspondem aliás aos pedidos efectuados por eles.
Pelos pagamento dos valores apontados supra são responsáveis solidariamente todos os réus, sendo que a responsabilidade dos cônjuges do 1º Réu e da 2ª Ré decorre dos fatos provados nas alíneas D), E), F), G), I), J), L), U), Z), SS) e dos fatos resultantes das certidões juntas a fls. 589 e 588 consignados como provados entre a alínea SS) e o fato nº79, o que decorre diretamente do art. 1691° n.º 1 al. d) do CC, por estarmos em presença de atos de comércio,
Assim sendo, terá de se revogar a sentença, nos termos expostos

Sumário (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
Na fixação da matéria de facto provada, o tribunal de 1.ª instância rege-se pelo princípio da livre apreciação da prova, podendo ocorrer alteração da convicção já formada, por parte do Tribunal da Relação, que se deve reger também pelo aludido princípio, nos termos do artigo 662.º do Código de Processo Civil
A obra incorpórea ou intelectual mostra-se subtraída do âmbito do contrato de empreitada, tal como o mesmo se mostra definido no Código Civil (artº 1207º) no qual se omite, intencionalmente, a referência à prestação de um serviço.
A realização de um trabalho de arquitectura, ou qualquer outra obra de natureza intelectual configura, um contrato de prestação de serviços inominado, na medida em que nele o autor se obrigou a proporcionar à ré o resultado do seu trabalho intelectual, mediante retribuição - art.º 1154.º do Código Civil.
Ao contrário do que acontece com o projecto de arquitectura o qual define o aspecto da obra (forma, volumes e dimensões) e que acaba por ser transporta para uma realização corpórea (o edifício) possuindo assim uma maior afinidade com o objecto típico da empreitada, um projecto de especialidades, mais propriamente o projecto de estabilidade, é elaborado com base em cálculos e formulas matemáticas complexas que define os esforços estruturais a considerar que têm de ser tidos em conta, bem como as características da estrutura resistente dos edifícios, com a eleição dos materiais, seu dimensionamento e disposição, por forma a ser assegurada e garantida a sua estabilidade e integridade ao longo do tempo.
Embora este projecto seja depois transposto para uma obra corpórea, as suas manifestações radicando em fórmulas, cálculos e modelos matemáticos intrincados e complexos que são incomensuravelmente menos detetáveis e cognoscíveis, não saltam à vista de um cidadão médio, ao contrário da generalidade dos defeitos exibidos pelas coisas corpórea
Dada a relevância deste projeto para um edifício os coeficientes de segurança dos projetos de estabilidade são dimensionados por excesso, tendo em conta a elevada duração que é suposto conferir a edificações e à exposição e ocorrência de fenómenos que provocam cargas e esforços adicionais.
Um projeto de estabilidade é elaborado para ser indefinidamente duradouro. A exigência da sua conformidade com as regras técnicas e as normas legais obedece a razões de segurança de longo termo das edificações, relacionadas com a salvaguarda da integridade física e vida dos utilizadores da obra a que não são estranhas razões de interesse público.
Não deverá aplicar-se o regime legal da empreitada, uma vez que é difícil, senão mesmo impossível, conciliar a maioria das regras do contrato de empreitada com este tipo de obra intelectual (projeto de estabilidade), designadamente no que concerne: (i) às regras de transferência da propriedade (art.º 1212° do CC), (ii) ao direito do dono da obra fiscalizar a sua realização (art. 1209° do CC), (iii) ao direito de exigir a eliminação dos defeitos, ao direito de exigir "uma nova construção" ou a resolução do contrato (art. 1221° e 1222° do CC), sobretudo nos casos em que a obra já estava concluída antes de detetado o problema, (iv) à definição do momento da entrega da obra (a entrega dos projetos escritos? O momento da sua transposição para a moradia? o momento da conclusão da moradia?) e (v) até na definição dos prazos, mesmo de garantia (5 anos).
A sua atipicidade determinará, a aplicação das regra contidas nas suas próprias cláusulas e as normas gerais dos contratos, admitindo, ainda, a aplicação das regras do mandato devidamente adaptadas, se disso for caso, e, na medida do possível e sempre que a semelhança das situações o justifique.

DECISÃO
Considerando quanto acima fica exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar este recurso parcialmente procedente por provado e por consequência revogar a douta sentença recorrida.
Da procedência parcial do recurso resultam as seguintes consequências:
I – Declara-se o incumprimento culposo (cumprimento defeituoso) do 1° Réu marido e da 2ª Ré mulher no contrato de prestação de serviços celebrado com os Autores;
II - os Recorridos são condenados a pagar aos Recorrentes, de forma solidária, a quantia de 18.302,14 €(dezoito mil trezentos e dois euros e catorze cêntimos) acrescida de I.V.A. à taxa legal vigente à data do trânsito em julgado da decisão, a título de indemnização pelas obras de reforço estrutural e correção das inerentes patologias.
Valores estes acrescidas dos inerentes honorários do projeto de reforço e despesas relativas à substituição do projetista da estabilidade a liquidar em execução de sentença;
III - os Recorridos são condenados a pagar aos Recorrentes, de forma solidária, a quantia de 3.840,00 €, a título de indemnização pelas despesas com estudos técnicos e peritagens suportados pelos Recorrentes para a deteção e diagnóstico dos problemas estruturais;
IV- os Recorridos são condenados a pagar aos Recorrentes, de forma solidária, a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença a título de indemnização pelo dano da privação de uso do imóvel, considerando o período que decorreu entre 2003 (ano seguinte à conclusão da obra) até à efetuação do escoramento provisório relatado no artº 46 dos fatos provados, atendendo ao valor mensal de uso e fruição de uma moradia com as características da dos Autores fixado no ponto 60 dos fatos provados e ainda os que a este titulo se vencerem aquando dos trabalhos de execução do reforço estrutural do imóvel.
V - os Recorridos são condenados a pagar aos Recorrentes, de forma solidária, a quantia de 10.000,00 € (dez mil euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos;
VI- A estes valores acrescem juros de mora á taxa legal aplicável contados sobre a data da citação até integral pagamento.
No demais improcede o recurso com a consequente absolvição dos RR dos pedidos.
Custas do processo a pagar pelos AA e RR na proporção do decaimento, sem prejuízo do decaimento a fixar definitivamente em sede de liquidação.
Notifique
Guimarães, 29 de outubro de 2015
Maria Purificação carvalho
Maria Cristina Cerdeira
Espinheira Baltar
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[1] cf. artº 8º Portaria nº 1268/2008 de 6/11
[2] Esta alínea juntamente com as sete seguintes desenham a relação existente entre os Autores e o 1º Réu e a 2ª Ré, motivo pelo qual a maior parte da matéria que estava vertida nos quesitos 1º a 3º, e 7º da base instrutória não merecer outra menção nem nos fatos provados nem nos não provados.
[3] Dada a extensão da matéria em causa, optou a Sra. Juiz “ a quo” por numerar os factos provados, com total independência dos números da base instrutória. Este Tribunal manteve a numeração. neles incluindo no final a factualidade que após a apreciação do recurso se considera provada.
[4] Dada a diferente designação dada a vigas e pilares no projeto de estabilidade, por um lado, e no estudo encomendado pelos Autores, por outro, para melhor compreensão porque o mesmo estudo serviu de instrumento de trabalho à peritagem opta-se por colocar em itálico a sigla usada no projeto de estabilidade.
[5] cf. A. FERRER CORREIA E M. HENRIQUE MESQUITA, em anotação ao Ac. STJ de 03.11.1983, ROA 45 (1985), I, 113 e ss. No mesmo sentido se pronunciou JORGE DE BRITO PEREIRA, Do Conceito de Obra no Contrato de Empreitada, ROA, 54 (1994), II,
[6]. Neste sentido João Calvão da Silva, também em anotação ao citado A.C. STJ de 03.11.1983, ROA 47 (1987), I, 129 e ss., PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, II, anotação ao artigo 1207º, 703 e ANTUNES VARELA, Parecer, ainda a propósito do A.C. STJ de 03.11.1983, ROA 45 (1985), I, 159 e ss. e Acs. STJ de 17.6.1998, BMJ 478, 351 e ss.; de 09.02.2006 (05B457); de 21.11.2006 (06A3716), estes últimos acessíveis na Internet, no sítio www.dgsi.pt.
[7] em anotação ao A.C. STJ de 09.11.1983, RLJ 118º (Nº 3738), 271-2282 e (Nº 3739), 317-320,
[8] cf. Art.º 1º n.º 4 do D.L. 405/93 de 10/12
[9] Ver Morais António, Professor Associado na FA/UTL no seu trabalho intitulado “ A fronteira da responsabilidade entre arquitecto e engenheiro no estabelecimento e definição da concepção do sistema estrutural de um edifício, https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/.../António%20Morais.p.. ( consulta em 24.09.2015)
[10] Neste sentido ver Neto Mário, in “Vícios, Defeitos e não conformidade na construção”, Seminário Integrado sobre Direito do Urbanismo, Centro de Estudos Judiciários, 26.01.2012 acessível no site www.ordemengenheiros.pt/.../20120126_mneto_19347417944f3e1d73, ( consulta em 23.09.2015)
[11] O RSA-Regulamento de Segurança e Ações para Estruturas de edifício e Pontes
O REBAP- Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-Esforçado
OREAR- Regulamento de Estruturas de Aço para edifícios
A norma NEP 206-1 2007 (Betão Parte 1-especificação, desempenho, produção e conformidade)
A Norma NP ENV 13670-01 2007 (execução de estruturas em Betão parte 1- Regras gerais)
A Especificação LNEC E 464 (Betões - Metodologia prescritiva para uma vida útil de projeto de 50 e 100 anos face ás acções ambientais)
[12] Neste sentido A.C S.T.J de 24.04.2012 proferido no processo 683/1987.
[13] Ver neste sentido acórdão do STJ datado de 05 de Novembro de 2 013, processo nº 4498/04.0TVPRT.P1.S1 e acórdão desta Relação de Guimarães por nós relatado datado de 05.03.2015 e proferido no processo nº 2203/12.6 YIPRT.
[14] Cf. A. Varela, Das Obrigações em Geral, II, 13 e segs.
[15] Cf. Galvão Telles, in Direito das Obrigações, 331.
[16] Art.º 36º do CSC: “ se dois ou mais indivíduos, quer pelo uso de uma firma comum quer por qualquer outro meio, criarem a falsa aparência que existe entre eles um contrato de sociedade responderão solidária e ilimitadamente pelas obrigações contraídas nesses termos por qualquer deles”.
[17] Curso de Direito das Sociedades, 5ª ed., págs. 208 e 209.
[18] - O que define a sociedade, como ente social, é a existência de uma pluralidade de associados que constituem um fundo patrimonial comum gerido e explorado para dar lucro (a dividir entre eles) através do exercício de uma actividade. Neste sentido A.C. Do STJ proferido no processo 99/B/94 de 07.10.1999, http://vlex.pt/tags/sociedades-irregulares-3815130 em 06 d e0utubro de 2015
[19] Ver Morais António, Professor Associado na FA/UTL no seu trabalho intitulado “ A fronteira da responsabilidade entre arquitecto e engenheiro no estabelecimento e definição da concepção do sistema estrutural de um edifício, https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/.../António%20Morais.p.. ( consulta em 24.09.2015)
[20] Nos termos do disposto no artigo 76º do decreto-lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção introduzida pelo decreto-lei nº 177/2001, de 04 de Julho, “o interessado deve, no prazo de um ano a contar da data da notificação do acto de licenciamento ou autorização, requerer a emissão do respectivo alvará, apresentando para o efeito os elementos previstos em portaria aprovada pelo Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território.”
[21] Por seu turno, de acordo com o previsto no artigo 3º, nº 1, alínea c), da Portaria nº 1105/2001, de 18 de Setembro, “o pedido de emissão de alvará de licenciamento ou de autorização de obras de edificação deve ser instruído com os seguintes elementos:
c) Termo de responsabilidade assinado pelo técnico responsável pela direcção técnica da obra”, termo de responsabilidade que obedece às especificações definidas no anexo à citada portaria (artigo 8º, da Portaria nº 1105/2001, de 18 de Setembro).
[22]Nos termos do artigo 15º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo decreto-lei nº 38382, de 07 de Agosto de 1951, “todas as edificações, seja qual for a sua natureza, deverão ser construídas com perfeita observância das melhores normas da arte de construir e com todos os requisitos para que lhes fiquem asseguradas, de modo duradouro, as condições de segurança, salubridade e estética mais adequadas à sua utilização e às funções educativas que devem exercer.”
[23] Nos termos do disposto no artigo 86º, nº 5, do Estatuto da Ordem dos Engenheiros, aprovado pelo decreto-lei nº 119/92, de 30 de Junho, “o engenheiro deve procurar as melhores soluções técnicas, ponderando a economia e a qualidade da produção ou das obras que projectar, dirigir ou organizar.”
“O engenheiro deve prestar os seus serviços com diligência e pontualidade, de modo a não prejudicar o cliente nem terceiros, nunca abandonando, sem justificação, os trabalhos que lhe forem confiados ou os cargos que desempenhar” (artigo 87º, nº 2, do Estatuto da Ordem dos Engenheiros).
[24] Neste sentido Acórdãos da Relação de Coimbra de 09/03/2004 (processo nº 3365103) e de 26/01/2010 (proc. 1801/08.7TBCBR.C1)].
[25] in "Cumprimento Defeituoso - em especial na compra e venda e na empreitada", 1994, pág. 181
[26] in "Das Obrigações em Geral", vol. II, 6.ª ed., pág. 128,
[27] "Resolução por Incumprimento", in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor J.J. Teixeira Ribeiro, vol. II, pág. 386,
[28] in B.M.J., nº. 497 – Junho de 2000 – pág. 354
[29] Prof. Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10ª. Edição, pág. 904
[30] in “Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano 108, págs. 224 e 227.
[31] neste sentido A. Reis, C.P.C. Anotado, Vols. I pág. 614 e segs. e V pág. 71, Vaz Serra, RLJ, ano 114º, pág. 309, Rodrigues Bastos, Notas ao C.P.C, vol. III, pág. 233). e José Lebre de Freitas em CPC Anotado Vol. 2 pp 649.
[32] ver, entre outros, os acórdãos do STJ, de 18/04/2006, 7/11/2006, 4/10/2007 e 19/05/2009, Procs. Nº 06A325, 06A3623, 07B2990 e 268/04.1TBTVD.S1, respectivamente, em dgsi.pt.
[33] in A acção declarativa como à luz do Código revisto, Coimbra Editora 2000 pp 288-290 e José Lebre de Freitas , Montalvão Machado e Rui Pinto em CPC Anotado Vol. 2 pp 649.
[34] Ver por todos António Abrantes Geraldes “ Indemnização do dano da privação do uso” in cadernos de Direito Privado, II Seminário dos Cadernos de Direito Privado “ Responsabilidade Civil”. 02 pp 137 a 151.
[35] que cita vasta jurisprudência nesse sentido, in C.J., Acs. do S.T.J., ano XIII, Tomo III págs. 152-153; seguiram esta corrente, ainda v. g. o A.C. do S.T.J. de 28/09/2011 (proferido no Proc.º 2511/07.8TACSC. L2.S1, Cons.º Oliveira Mendes, in www.dgsi.pt); o A.C. da Rel. do Porto de 17/03/2011 (proferido no Proc.º 530/09.9TBPVZ.P1, Desemb. Freitas Vieira); e o A.C. desta Relação de Guimarães de 11/11/2009 (Proc.º 8860/06.5TBBRG.G1, Desemb.ª Isabel Fonseca, também in www.dgsi.pt).
[36] in Proc.º 08B2662, Cons.º Bettencourt de Faria, com texto integral in www.dgsi.pt.
O A.C. do mesmo Alto Tribunal de 15-11-2011 (Processo: 6472/06.2TBSTB.E1.S1, Cons.º MOREIRA ALVES, também em www.dgsi.pt),
[37] Proc.º 08A1389, Cons.º Sebastião Póvoas, in www.dgsi.pt
[38] - in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3.ª ed.,págs. 91/92.
[39]– Em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, 1994, pág. 270/271.

[40] Acórdão do S.T.J de 24.04.2013 proc. 198/06.TBPMS.C1.1 in www.dgsi.pt A indemnização por danos não patrimoniais sem embargo da função punitiva que outrossim reveste, tem por fim facultar ao lesado meios económicos que, de alguma sorte, o compensem da lesão sofrida, por tal via reparando, indirectamente, os preditos danos, por serem hábeis a proporcionar-lhe alegrias e satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que consubstanciam um lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar o havido sofrimento moral.
II - Tal indemnização deve, ainda, englobar, nomeadamente, os prejuízos estéticos, os sociais, os derivados da não possibilidade de desenvolvimento de actividades agradáveis e outros.
III - A sua fixação não deve ser simbólica, miserabilista, ou arbitrária, mas nortear-se por critérios de equidade, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art. 494.º do CC.