Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
233/13.0TCGMR-T.G1
Relator: ANTÓNIO BARROCA PENHA
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA/JOVEM
SUSPENSÃO PARCIAL E TEMPORÁRIA DO REGIME DE REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIA ALTERNADA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. A intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem deverá salvaguardar o “interesse superior da criança ou do jovem”, nomeadamente dando prioridade à continuidade de relações de afeto de qualidade e gratificantes para a mesma criança e jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto (art. 4º, al. a), da LPCJP).
II. Este interesse, porque consubstancia um conceito jurídico indeterminado, reclama a extensão dos poderes interpretativos do julgador e a atenção às particularidades do caso concreto.
III. As medidas de promoção e proteção aplicadas a favor da criança e do jovem deverão manter-se, em defesa do superior interesse dos mesmos, enquanto não se mostrar totalmente ultrapassada a situação de perigo em que se encontram, podendo essa mesma situação de perigo, resultar nomeadamente da instabilidade psico-emocional que lhe é transmitida, direta ou indiretamente, por qualquer um dos progenitores, mormente no âmbito das suas relações pessoais e familiares (art. 3º, nºs 1 e 2, al. f), da LPCJP), importando, pois, acautelar convenientemente os correspondentes fatores de risco, potenciadores de instabilidade emocional da criança e do jovem, promovendo as medidas necessárias e atuais para o efeito.
IV. Assim, tendo ainda em vista uma intervenção atualista e proporcional (art. 4º, al. e), da LPCJP), a medida de promoção e proteção poderá impor uma suspensão parcial e temporária da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas ao jovem, mormente no que se refere à residência alternada, quando se conclua que o interesse superior do jovem impõe antes que exista uma reaproximação gradual entre pai e filho, promovendo-se primeiramente contatos crescentes, de modo a que, numa fase inicial, seja restabelecida a comunicação entre ambos, propiciando momentos agradáveis, gratificantes e seguros do jovem com o seu pai, para que se possa aquilatar novamente a retoma do regime de convívios do jovem com o seu pai cada vez mais alargados.
V. A imposição coerciva do regime de exercício das responsabilidades parentais no que se refere à residência alternada, após um período prolongado de afastamento entre pai e filho e onde a resistência do jovem para estar com o seu pai ainda é bastante significativa, é suscetível de potenciar desarranjos psico-emocionais irreversíveis no jovem, contraproducentes ao estreitar de laços afetivos e gratificantes entre pai e filho e de modo a que o progenitor possa voltar a ser uma figura parental relevante para o jovem, sendo certo igualmente que, atenta à sua maturidade, a opinião do jovem deverá assumir relevância, como elemento intrínseco do seu bem-estar físico e emocional.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

O Ministério Público veio, a 21.12.2018, junto do Tribunal de Família e Menores de Guimarães, nos termos do disposto nos arts. 2º, 3º, 11º, n.º 1, al. i) e n.º 3, da Lei n.º 147/99, de 01.09 – Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (doravante designada por LPCJP), requerer a apensação do processo de promoção e proteção instaurado pela CPCJ de Guimarães, a favor do menor H. O., nascido a -.12.2008, filho de A. G. e C. O., invocando, em suma, que o menor reside com ambos os progenitores, por períodos semanais, conforme decisão proferida no âmbito do processo de alteração das responsabilidades parentais n.º 233/13.0TCGMR, a cuja apensação se requer, sendo que ambos os progenitores mantêm e alimentam um forte conflito entre si, o que é percecionado pela criança, sendo que os pais do H. O. instrumentalizam a criança, estando esta sujeita a forte pressão psicológica e a uma alienação parental em escalada, que urge colmatar, impondo-se assim a apreciação e execução de medida judicial de promoção e proteção.
Por despacho de 21.12.2018, foi declarada aberta a instrução, e solicitados aos serviços sociais competentes a elaboração de relatório social sobre a atual situação do menor e do seu agregado familiar (art. 108º, da LPCJP).
Em 21.05.2020, perante mais uma denúncia de incumprimento por parte da progenitora no que se refere à regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor H. O., o tribunal a quo proferiu despacho, do qual consta designadamente o seguinte teor:
(…) Em segundo lugar, e novamente, o Tribunal refere às partes para cumprirem o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais em vigor, sob pena de multa de uma U.C. por cada incumprimento. Importa, a este propósito, referir – independentemente de não ter ainda ocorrido a conferência de pais, de ter sido produzida prova, incluindo audição do menor – que o regime em vigor tem de ser cumprido, sendo que voluntariamente é menos custoso para todos.
As crianças não têm poder de veto, mesmo após audição, relativamente ao que o tribunal decidir tendo em conta os critérios legais. Refere-se isto porque a alegada vontade do menor não pode ser vinculativa ou motivo de incumprimento de um regime em vigor, sem mais, seja porque diz que não quer (pergunta-se, a dar-se acolhimento a tal, o que fazer se a seguir o menor não quiser ir à escola, e se não quiser estudar, ou cumprir ordens?). Quanto à alimentação, deve ser variada e saudável em ambas as casas e, como qualquer pessoa, nem sempre o menor come o que gosta ou prefere, assim é para todas as pessoas, adultas e crianças. Quanto a rotinas de sono e de trabalhos de casa, devem ser as mesmas em ambos os agregados, tal como as práticas educativas de privação de privilégio quando a criança desobedece (v.g. deitar mais cedo, não brincar com certo brinquedo, privação de telemóvel, etc. etc.).
Posto isto: o regime em vigor deverá ser de imediato cumprido, sendo que se considera desnecessário, por ora, passagem de mandados de recolha e de entrega, pois já antes a outros propósitos, o tribunal referiu que a melhor solução, atendendo até à idade do jovem, é as entregas serem nas casas dos pais, sem conflitos e sem intervenções de terceiros…
Remeta cópia dos articulados e deste despacho à E.M.A.T. para valoração no relatório que se aguarda (…)” (cfr. fls. 85 e 86).

O processo seguiu os seus trâmites, sendo que, em 16.06.2020, procedeu-se à realização da conferência a que alude o disposto nos arts. 110º, al. b) e 112º, da LPCJP, tendo-se alcançado acordo de promoção e proteção, de acordo com o qual se determinou a aplicação a favor do menor H. O. da medida de apoio junto dos pais (art. 35º, n.º 1, al. a) e 39º, da LPCJP), sujeito às injunções melhores discriminadas na ata de fls. 2 a 6, deste apenso.
De entre tais injunções ficou consignado que os progenitores “comparecerão às avaliações psicológicas de personalidade e das competências parentais, no INML de Guimarães, bem como às sessões individuais de acompanhamento psicológico e treino das capacidades parentais no plano que lhes vier a ser elaborado pelo CAFAP” (al. d)); e que ambos os progenitores se “comprometem a cumprir rigorosamente o acordo de regulação das responsabilidades parentais que está em vigor …” (al. e)).
Em diligência de tentativa de conciliação realizada no processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, em 19.09.2013, foi alcançado o acordo entre os progenitores no que se refere, designadamente à regulação do exercício das responsabilidades relativas ao menor H. O., ficando consignado a residência/guarda da criança partilhada por ambos os cônjuges, sendo que às Segundas, Terças e Quartas-feiras está com um progenitor e às Quintas, Sextas e Sábados com outro progenitor, alternadamente; e o Domingo será passado alternadamente com cada um dos progenitores (cfr. ref.ª citius 1617579 do processo principal apenso).
No âmbito do processo de alteração das responsabilidades parentais apenso (apenso F), por sentença de 07.11.2018, transitada em julgado, foi alterada tal regulação do exercício das responsabilidades parentais fixando-se, designadamente, sob o ponto 1) que “o menor H. O. residirá uma semana com cada um dos progenitores, iniciando-se tal período à sexta-feira; no período de aulas escolares, deverá o progenitor com quem o menor resida na semana que se iniciar nesse dia ir busca-lo à escola no fim das actividades lectivas; já no período de férias escolares, deverá o progenitor com quem o menor resida na semana que se iniciar nesse dia ir busca-lo à casa do outro progenitor às 19:00 horas” (cfr. ref.ª citius 160399039 do apenso F).
Por requerimento de 22.06.2020, o progenitor veio requerer a entrega imediata do menor ao pai, através das forças policiais, uma vez que voluntariamente a mãe não o faz (cfr. fls. 7 a 11).
A progenitora respondeu, admitindo que o menor não foi, de facto, entregue ao progenitor, alegando, porém, que tal sucedeu porque o menor se opõe a tal, estando ansioso, nervoso, suplicando à progenitora para não o obrigar a ir com o pai, por ter receio do que lhe possa vir a acontecer por parte do progenitor ou da sua companheira, concluindo que, para além da necessidade da criança dever receber acompanhamento psicológico, a retoma das visitas, passando uma semana com o progenitor e sem se procurar uma aproximação gradual, não lhe parece ser, por ora, a melhor solução para o superior interesse da criança (cfr. fls. 12 a 14).
A técnica social que acompanha a situação do menor H. O., em relato de diligência (datado de 13.07.2020) tendente à entrega do menor ao seu pai, e que se frustrou perante a postura de recusa do jovem, fez constar designadamente que:
Não nos pareceu que a posição do H. O. corresponda à manipulação da progenitora (atendendo à colaboração desta em sensibilizar o filho da necessidade de cumprimento da decisão judicial), mas sim, ao medo demonstrado perante a possibilidade de ser alvo de castigos e represálias, mesmo informado de que o pai se teria comprometido a não fazê-lo.
Tendo em conta o medo demonstrado pelo jovem e o facto de se agudizar o mesmo, caso se recorra às forças policiais para fazer cumprir a decisão judicial, consideramos que tal solução poderá vir a condicionar ainda mais o relacionamento entre pai e filho, podendo causar lacunas ainda mais profundas à reaproximação entre ambos. Pelo facto, sugerimos que, apoiando-os no início da intervenção do CAFAP – ADCL, conforme já oficiado aos autos, se possa trabalhar a reaproximação entre pai e filho, apoiando de forma serena e gradual a retoma do regime convivial definido.” (cfr. fls. 44 e 45).
O progenitor reiterou o seu requerimento de que a entrega do menor ao pai seja efetivada, se necessário através das forças policiais, sempre que se verifique o incumprimento da progenitora, por forma a evitar os constantes requerimentos de incumprimento e pedidos de entrega da criança, devendo a transição do menor acontecer no CAFAP, nos períodos de intervenção letiva (cfr. fls. 47 e 48).
A patrona do menor H. O. pronunciou-se no sentido do indeferimento da entrega do menor com recurso à força policial, quando é certo que a relação entre pai e filho está bastante fragilizada, sendo essencial o pai reconquistar a confiança e o afeto do menor (cfr. fls. 49 verso).
No dia 22.07.2020, a técnica do CAFAP informou os autos do início do acompanhamento familiar e da recusa da progenitora em trazer o menor para a pernoita com o progenitor à Quarta-feira, “e referiu que relativamente à sexta-feira ainda não sabia se iria trazer o filho para a transição da semana do pai, referindo que o filho não quer ir e que ninguém o poderia obrigar.
Mais adiantou que, no atendimento com o menor no dia 21.07.2020, este referiu que “não quer estar com o pai que tem medo deles (pai e companheira do pai) a técnica perguntou porque é que tinha esse medo, referiu que o pai dá castigos e o obrigava a comer a refeição toda sendo que por vezes ficava sozinho à mesa porque demorava muito tempo a terminar a refeição. No final o menor tornou a dizer que não quer ir para a casa do pai” (cfr. fls. 51).

A técnica social, que acompanha a situação do jovem, emitiu, em 31.07.2020, informação intercalar, de cujo teor se pode ler designadamente que:

(…) De igual forma, a equipa técnica daquele serviço tem encontrado constrangimentos na realização das sessões de acompanhamento (mediação de conflitos, reforços das competências parentais, etc.) uma vez que o interesse do progenitor se centra no cumprimento do regime convivial e cumprimento das transições do jovem, previsto no acordo da guarda partilhada, desvalorizando todo o trabalho psicossocial e de mediação com que se comprometeu em sede de Tribunal. Também a progenitora tem apresentado uma postura resistente e pouco flexível perante o cumprimento do regime convivial, alegando a recusa e o sofrimento do filho. Tendo em conta a continuidade da recusa do jovem e a continuidade dos incumprimentos quanto ao regime convivial, aproximado que está o período de férias com o progenitor, e ao que tudo indica, poderá mais uma vez não se cumprir.
Pelo facto, vimos por este meio sugerir, mui respeitosamente que, atendendo ao período já longo de afastamento entre o jovem e o seu progenitor e o receio manifestado pelo primeiro, quanto ao facto de vir a ser alvo de castigos e retaliações perante a recusa que tem manifestado pelo primeiro, quanto ao facto de vir a ser alvo de castigos e retaliações perante a recusa que tem manifestado, que o CAFAP possa trabalhar, em simultâneo com a intervenção psicossocial direcionada ao jovem, se inicie uma intervenção de reaproximação gradual entre ambos, prevendo inicialmente visitas supervisionadas nas instalações do CAFAP, recurso a videochamadas; que gradualmente e dependendo de uma avaliação constante, evoluirá para convívios no exterior por algumas horas (com recolhe e entrega naquele serviço); pernoitas por alguns dias, até se atingir o regime convivial previsto no acordo das responsabilidades parentais. (…) ” (cfr. fls. 58 a 59 verso).
Não obstante, por despacho de 05.08.2020, com fundamento nos sucessivos incumprimentos, ordenou-se que a entrega do menor no CAFAP se efetivasse com mandados de condução à entidade policial (cfr. fls. 71).
Em informação intercalar, datada de 07.08.2020, a técnica social responsável, perante a iminência do cumprimento dos referidos mandados de condução do menor, veio consignar designadamente que: “ (…) Como já referido anteriormente, em anteriores informações remetidas aos autos, a adoção de meios e medidas impositivas que obriguem o jovem a transitar para o agregado do progenitor, poderão, não só comprometer os laços afetivos e a relação paterno-filial, como agravar a posição de rejeição do jovem, principalmente se se recorrer às forças policiais, para além de desestabilizar o equilíbrio emocional do jovem, possibilitando o agravamento dos sintomas psicossomáticos já apresentados e reportados aos autos.
Pelo facto, e como forma de se trabalhar a aproximação salutar entre pai e filho, e o restabelecimento da estabilidade afetiva entre ambos, sugerimos, através de informação intercalar datada de 31.07.2020, um Plano de Reaproximação Gradual a desenvolver pelo CAFAP, possibilitando ao jovem experienciar momentos agradáveis, seguros e de afeto com o progenitor e com isso desenvolver maior segurança no cumprimento do regime convivial, acerca do qual ainda não obtivemos qualquer decisão (…) ” (cfr. fls. 76 e verso).
Tais mandados de condução acabaram por não se concretizar, por desnecessidade, na medida em que a progenitora acabou por se deslocar voluntariamente, na companhia do H. O., ao CAFAP, no dia e hora agendados (cfr. fls. 88 e verso e 113).
Na sequência, o H. O. esteve com o seu pai no CAFAP, mantendo com o mesmo um breve diálogo, mas recusou-se a sair das instalações do CAFAP na companhia de seu pai, acabando por ser entregue novamente à sua mãe (cfr. fls. 88 e verso).
A patrona do H. O. pronunciou-se no sentido da elaboração de um plano de reaproximação pelo CAFAP, de modo que o menor readquira confiança e afeto pelo pai (cfr. fls. 136 e verso).
O Ministério Público considerou igualmente vantajoso a elaboração do dito plano de reaproximação, promovendo a realização de diligências pela segurança social nesse sentido (cfr. fls. 155).

Na sequência, foi proferido despacho a 02.09.2020, onde designadamente, naquilo que interessa para o presente recurso, se fez constar:

(…) O Tribunal tentou, até à exaustão, que o regime fosse voluntariamente cumprido, sendo que se passaram mais de dois meses desde a última diligência, aos 16/06/2020.
Mais do que saber se se trata de um incumprimento da progenitora ou de uma recusa do menor (independentemente das razões serem atendíveis ou não), distinção que é relevante, como notado pela defensora do menor, o que é um facto é que estamos num impasse de não convívio entre o menor e o pai.
O pai pretende a imposição coerciva do regime, através de mandados, mas em três informações distintas do CAFAP e da EMAT (a fls. 343, 351 – em que se sugere a reaproximação gradual entre pai e filho, suspendendo-se provisoriamente o regime em vigor de residência alternada –, 368 e 380, de, respetivamente 31/07, 07/08 e 11/08) reporta-se aos autos a recusa do jovem por ter medo do pai, tendo sido sugerido ao pai que em vez de uma via impositiva adotasse uma postura de maior transigência e pacificação, e de paciência, junto do filho, de modo a ultrapassar-se a angústia por este verbalizada e expressada em choro e em comportamentos de resistência.
O dever-ser e o ser, o mundo ideal e o real, são distintos, não se confundem. As coisas deveriam ser como o tribunal antes referiu mas o decurso do tempo é, por si só, um facto juridicamente relevante, designadamente o enfraquecimento dos laços entre o pai e o filho (como o pai admite no seu contraditório de 10/08, fls. 371 v., ao dizer que os laços entre pai e filho já estão comprometidos) – isto não obstante ter vindo reiterar aos autos que pretende o cumprimento integral do regime e que não aceita a solução de reaproximação feita pela E.M.A.T.
A par disto, e na sequência do despacho proferido em maio, não se crê que uma medida impositiva como o cumprimento de entrega mediante mandados fosse uma mais valia para a reaproximação de pai e filho, pois poderia ter efeitos perniciosos, incluindo ao nível psicológico.
Por outro lado, e como também dito, o menor não tem poder de veto para obstar ao cumprimento do judicialmente decidido.
As posições estão extremadas, sendo que o acompanhamento psicológico recentemente iniciado ainda não produziu efeitos práticos.
Como resulta do art.º 100.º da L.P.C.J.P., e 986º e 987.º do C.P.C., estes processos são de jurisdição voluntária, regendo-se por critérios também de oportunidade, o que legitima os considerandos que vêm sendo tecidos, designadamente quanto ao não ser adequado neste momento a passagem de mandados para entrega da criança ao pai.
Neste momento, na prática, não tem havido contactos entre o pai e o filho, pelo que importa cessar esta situação através de uma reaproximação gradual entre pai e filho (com a inerente alteração do plano do CAFAP de fls. 331, de 10/07/2020), sendo esta a implementar nos moldes sugeridos pela EMAT a fls. 351, of. de 31/07/2020.
Exceto da primeira vez, em que a progenitora faltou e levou o menor ao médico, a progenitora tem comparecido com o menor no CAFAP, o que deverá continuar a acontecer sob pena de multa faltando (e de voltarem a ser emitidos, se for o caso, mandados para comparência no CAFAP).
Esta reaproximação deverá estar concluída em 3 meses, de modo a que nessa altura se mostrem ultrapassadas as resistências atuais, mantendo-se no entretanto, plenamente em vigor as injunções do acordo (que nem 3 meses tem…) de promoção e proteção de fls. 296 exceto na parte respeitante à al. d) (erradamente escrita “e)”, a seguir a “c)”) na referência a “em ambos os agregados familiares”.
Solicite nova informação sobre o acompanhamento psicológico e informação intercalar da EMAT a enviar até 30/09.
Apesar de o pai ter manifestado aos autos discordar desta opção, deverá cooperar, pois neste momento o que se passa é um afastamento total, que importa reverter, sendo que todas as informações constantes dos autos, enviadas pelos técnicos, desaconselham a entrega ao pai recorrendo a mandados. (…)

Inconformado parcialmente com o assim decidido, veio o progenitor C. O. interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes

CONCLUSÕES

1. A decisão/despacho recorrido vem aplicar um plano de reaproximação gradual, com visitas supervisionadas pelo CAFAP, devendo esta reaproximação estar concluída em três meses.
2. Esta decisão vem alterar, ainda que provisoriamente, a medida acordada nos presentes autos em 16 de Junho de 2020, alterando o regime do exercício das responsabilidades parentais existente, suspendendo a partilha de residência do menor e impondo um plano de reaproximação gradual a elaborar pelo CAFAP, a implementar nos moldes sugeridos pela EMAT.
3. Com esta medida, veio o Tribunal a quo alterar o sentido dos vários despachos proferidos, que ordenavam o cumprimento escrupuloso do regime das responsabilidades parentais vigente, mesmo após verificados os sucessivos incumprimento por parte da progenitora.
4. Os vários despachos constantes dos presentes autos foram sempre no sentido do cumprimento integral e escrupuloso no regime estabelecido para as responsabilidades parentais, ordenando-se a entrega efetiva do menor ao progenitor.
5. Não se verificando apenas a efetivação na entrega do menor ao progenitor, pois o progenitor continua sem ter o menor consigo nas suas semanas, nem no período de férias letivas, como estabelecido.
6. O afastamento agora verificado entre pai e filho não teria sucedido se o Tribunal a quo tivesse feito cumprir, mesmo com recurso às forças policiais, a ordem de entrega do menor ao progenitor, aquando da decisão de que o regime das responsabilidades parentais em vigor era para ser rigoroso e escrupulosamente cumprido, uma vez que ficou desde logo patente quando se verificou o primeiro incumprimento por parte da progenitora, que a sua intenção era de não entregar o menor, chegando mesmo a informar as técnicas da CAFAP dessa sua intenção.
7. Por requerimento de 23 de Março de 2020, com a referência 35228643, a progenitora invoca a pandemia COVID-19 para reter o menor na sua residência, não o entregando ao progenitor.
8. Novamente por requerimento de 04 de Maio, com a referência 35473104, a progenitora alega que o menor referiu que não se sente confortável em casa do pai, que não pode ouvir a música que quer e que tem que comer mesmo o que não gosta, não tendo, por este motivo, iniciado a semana com o pai em 01 de Maio.
9. Sobre este requerimento foi proferido despacho em 22 de Maio, com a referência 168231153, em que refere que “(…) novamente, o Tribunal refere às partes para cumprirem o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais em vigor, sob pena de multa de uma U.C. por cada incumprimento. Importa, a este propósito, referir – independentemente de não ter ainda ocorrido a conferência de pais, de ter sido produzida prova, incluindo audição do menor – que o regime em vigor tem que ser cumprido, sendo que voluntariamente é menos custoso para todos. As crianças não têm poder de veto, mesmo após audição, relativamente ao que o tribunal decidir tendo em conta os critérios legais. Refere-se isto porque a alegada vontade do menor não pode ser vinculativa ou motivo de incumprimento de um regime em vigor, sem mais, seja porque diz que não quer (pergunta-se, a dar-se acolhimento a tal, o que fazer se a seguir o menor não quiser ir à escola, e se não quiser estudar, ou cumprir ordens?) (…)”, concluindo que “o regime em vigor deverá ser de mediato cumprido”.
10. Por requerimento de 27 de Maio, o progenitor informou os autos de novo incumprimento por parte da progenitora na entrega do menor, que deveria ter ocorrido no dia 15 de Maio, alegando novamente que o menor não queria ir para casa do pai.
11. No dia 19 de Junho verificou-se novo incumprimento, conforme requerimento do progenitor do dia 22 de Junho, com a referência 35851432, tendo a progenitora informado o progenitor através de mensagem enviada pela 18.45h (quando a entrega deveria acontecer às 19h), que o menor estava com ataques de ansiedade e que continuava a dizer que não queria ir para casa do pai.
12. Novamente foi proferido despacho, em 06 de Julho, com a referência 168853337, “solicitando-se que a técnica da E.M.A.T. ou outra colega se desloque à residência, em articulação com ambas as advogadas, para mediar a entrega semanal da criança, sexta-feira dia 10.”
13. E novamente nesse dia 10 de Julho não se verificou a entrega do menor, conforme relato de 13 de Julho da técnica da E.M.A.T. das diligências efetuadas, que informou os autos que o menor adotou novamente uma postura de recusa em ir para casa do progenitor.
14. No dia 22 de Julho, a técnica da ADCL que acompanha o menor informou os autos do início do acompanhamento familiar e da recusa da progenitora em cumprir com o exercício das responsabilidades parentais, no que se referia às quartas-feiras, em que o menor pernoitava em casa do progenitor, dizendo que não o iria levar ao CAFAP para proceder à entrega ao progenitor, “e referiu que relativamente à sexta-feira ainda não sabia se iria trazer o filho para a transição da semana do pai, referindo que o filho não quer ir e que ninguém o poderia obrigar”.
15. No dia 29 de Julho, a técnica da ADCL informou os autos de novo incumprimento por parte da progenitora na transição para a semana do progenitor. A progenitora voltou a referir que “não vai obrigar o filho a estar com o pai se ele não quer”.
16. No dia 01 de Agosto verificou-se novo incumprimento por parte da progenitora, tendo a técnica da ADCL comunicado aos autos que a progenitora nem sequer compareceu com o menor no CAFAP para o entregar e assim iniciar o período de 15 dias de férias com o progenitor, tendo sido informada que teria que o levar.
17. Em 05 de Agosto foi proferido despacho que ordenou a entrega do menor no CAFAP, se necessário com mandados de condução, não prevendo, contudo, os mandados para a efectiva entrega do menor ao progenitor.
18. Nunca a entrega do menor ao progenitor foi posta em causa pelo Tribunal a quo, ao longo dos presentes autos, nos vários despachos que se seguiram aos vários incumprimentos da progenitora.
19. Não obstante, a progenitora continuou a afirmar que ninguém vai obrigar o menor a ir para casa do pai, e ela também não, apesar das contínuas decisões para cumprimento do regime estabelecido.
20. Ao contrário do referido no douto despacho de que agora se recorre, a progenitora não levou o menor ao CAFAP em três ocasiões e não apenas numa.
21. Apesar do no despacho de 21 de Maio de 2020 ser dito que “novamente, o Tribunal refere às partes para cumprirem o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais em vigor, sob pena de multa de uma U.C. por cada incumprimento”, após se terem verificado sete incumprimentos, não foi aplicada qualquer multa à progenitora.
22. Assim, torna-se necessário alterar a última decisão proferia, em que se ordena que seja aplicado um plano de reaproximação gradual, com visitas supervisionadas entre pai e filho, por um período de três meses, por uma que ordene a entrega imediata do menor ao progenitor, se necessário com mandados de condução e/ ou entrega.
23. Caso contrário, a progenitora, com o consentimento do tribunal, estará a ensinar a esta criança de 11 anos que pode fazer apenas o que quer, contrariando as regras de boa educação que o pai tenta incutir no seu filho, ao incumprir com as ordens do tribunal e não permitindo a efetivação da entrega, afirmando que apenas está a proteger o menor.
24. A alternativa proposta ao progenitor é um plano de reaproximação gradual, com visitas supervisionadas pelo CAFAP, devendo esta reaproximação estar concluída em três meses.
25. Ora, quem garante que no final dos três meses o menor não continuará a dizer que tem medo de ir para casa do progenitor? E nessa altura, continuar-se-á com visitas supervisionadas? Até quando?
26. Até quando de estará a apoiar e ser conivente com este menor, ao dizer-lhe que lhe bastará afirmar que não gosta dos castigos e das regras em casa do pai para que não tenha que ir para casa do mesmo?
27. Pelo atrás exposto, e tendo em conta o que já foi feito para a efetivação da entrega do menor ao progenitor sem recurso às autoridades policiais, que vieram a revelar-se sem sucesso, afigura-se-nos razoável proceder-se à revogação da decisão que aplica a medida agora proposta, o plano de reaproximação gradual pelo período de três meses, substituindo-se por uma que determine a entrega imediata do menor ao progenitor, se necessário com intervenção das autoridades, conforme foi extensivamente decidido, nas vinte e quatro horas após a decisão proferida nos presentes autos.
28. Deverá ainda decidir-se que o progenitor poderá socorrer-se das autoridades policiais para cumprimento do exercício das responsabilidades parentais e efetiva entrega do menor ao progenitor, sempre que a progenitora não cumpra com o regime das responsabilidades parentais em vigor e não entregar o menor.

Finaliza, pugnando pela parcial revogação da decisão que ordenou a aplicação de um plano de reaproximação gradual entre pai e filho, devendo a mesma ser substituída por outra que ordene a entrega efetiva do menor ao progenitor, podendo este socorrer-se das autoridades policiais para cumprimento imediato e integral do exercício das responsabilidades parentais, sempre que a progenitora não cumpra com a entrega do menor.
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A patrona oficiosa, em representação do menor H. O., apresentou contra-alegações, finalizando com as seguintes
CONCLUSÕES

1. O progenitor do menor veio apresentar recurso do despacho proferido em 2 de setembro de 2020, com a referência 169378447, por entender que o referido despacho altera “o regime do exercício das responsabilidades parentais existentes, suspendendo a partilha de residência do menor e impondo um plano de reaproximação gradual a elaborar pelo CAFAP, a implementar nos moldes sugeridos pelo EMAT”.
2. Na conferência realizada a 16 de junho de 2020, foi decretada a medida de apoio junto dos pais, a executar junto de ambos, que se comprometeram a cumprir rigorosamente o acordo de regulação das responsabilidades parentais em vigor, e a cumprirem, entre outras, as seguintes injunções:
I) O jovem beneficiara de apoio psicológico providenciado pelo CDSS/EMAT;
II) Ambos os progenitores comparecerão às avaliações psicológicas de personalidade e das competências parentais, no INML de Guimarães, bem como às sessões individuais de acompanhamento psicológico e treino das capacidades parentais no plano que lhes vier a ser elaborado pelo CAFAP.
3. O menor está a residir com a mãe desde março de 2020, altura em que deixou de residir, alternadamente, uma semana com cada um dos progenitores.
4. Alega o Recorrente que a progenitora incumpre repetidamente e sistematicamente o regime do exercício das responsabilidades parentais existentes.
5. Alega a progenitora, que o filho frequentemente implora que o proteja, e todas as sextas-feiras (dias de transição do agregado) apresenta sintomatologia de ansiedade/ pânico, como, dores de barriga, suores frios, perda de forças, entre outros, o que já motivou a recurso a urgências (relato de diligências da coordenadora do caso, de 13-07-2020).
6. Face ao quadro de recusa do menor/ incumprimento da progenitora, pretende o Recorrente que o menor lhe seja entregue, e para o efeito possa socorrer-se das autoridades policiais.
7. Discorda-se de todo com a pretensão do Recorrente.
8. Para mediar a entrega semanal do Menor, determinou o Juiz do tribunal a quo a colaboração de uma técnica do EMAT.
9. Não logrou a técnica do EMAT qualquer êxito, conforme se constata no relatório de diligências:
… o jovem começou a chorar e a verbalizar a sua recusa em acompanhá-lo, alegando ter medo dos castigos e das represálias a que ficará exposto, caso o acompanhe. Insistindo com o jovem, através de um discurso sereno e explicando-lhe que poderá ser necessário adotar posturas mais rígidas para fazer cumprir a decisão judicial (nomeadamente com recurso a mandados de condução, conforme já solicitado aos autos pelo pai, o H. O. chora e apresenta uma postura contraída e amedrontada, receando que a técnica o obrigasse a acompanha-lo à força. Mantém uma postura de recusa, alegando que, caso tenha que acompanhar o pai, fugirá da viatura, nem que seja em andamento, ou fugirá de casa.”
Mais refere, o relatório de diligências: “não nos pareceu, que a posição do H. O. corresponda a manipulação da progenitora (atendendo à colaboração desta para sensibilizar o filho para a necessidade de cumprimento da decisão judicial), mas sim ao medo demonstrado perante a possibilidade de ser alvo de castigos e represálias, mesmo informado que o pai se teria comprometido a não fazê-lo”.
10. Face ao exposto, cumpre esclarecer se estamos na presença de incumprimentos por parte da progenitora ou de verdadeiras e legítimas recusas do menor.
11. Uma coisa é certa, para o menor as recusas são fundadas e como tal temos de agir e atuar de modo que as barreiras existentes entre o H. O. e o pai sejam, se possível e viável, restabelecidas do modo mais pacífico e harmonioso possível, e não com recurso à força policial.
12. Urge reaproximar pai e filho, e dar cumprimento às injunções impostas, de modo a reverter o afastamento total existente entre ambos.
13. A entrega do menor ao pai através da força - mandados – não irá, certamente, contribuir para essa reaproximação.
14. Os efeitos diretos e colaterais duma medida dessa natureza, colide com os princípios e objetivos do presente processo de promoção e proteção, que tem como objetivo fundamental garantir o bem-estar do H. O. e o seu desenvolvimento físico e psicológico do modo mais harmonioso possível.
15. Ao pai cumpre reconquistar a confiança e o afeto do menor.
16. O despacho, ora recorrido, é a decisão que no presente momento melhor salvaguarda o interesse superior do menor.

Termina, pugnando pela confirmação do despacho recorrido, assim se salvaguardando e respeitando o superior interesse do menor.
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O Ministério Público respondeu ao recurso de apelação interposto pelo progenitor, sem apresentar as conclusões, constando da mesma resposta o seguinte:

1. O recurso vem interposto da douta decisão proferida em 2020.09.02 que determinou que se efetuasse um plano de reaproximação de C. O. com o seu filho H. O. com a duração de três meses alterando deste modo o acordo de proteção que não previa qualquer prazo de aproximação entre pai e filho e que vigorava desde 2020.06.16.
2. Em vez dessa decisão, o recorrente entende que devia ter sido emitido um mandado de entrega do menor ao pai com recurso às autoridades policiais.
3. Fundamenta o recurso no facto de o afastamento entre o menor e o pai se dever à atividade da mãe que desrespeitou sucessivamente todas as decisões de entrega do menor ao pai.
4. Na douta decisão ora recorrida foi ponderada a possibilidade de se recorrer à força para impor a entrega do jovem ao pai, ao considerar-se que «não se crê que uma medida impositiva como o cumprimento de entrega mediante mandados fosse uma mais valia para a reaproximação de pai e filho, pois poderia ter efeitos perniciosos, incluindo ao nível psicológico.»
5. E como se vê essa possibilidade foi rejeitada por poder ter efeitos psicológicos perniciosos para o menor, com o que se concorda, pois causaria ainda um maior afastamento do filho em relação ao pai, afastamento que o jovem exprime através de «choro» e de «comportamentos de resistência», como se refere no douto despacho recorrido.
6. A entrega do filho ao pai, que nas doutas alegações de recurso não é explicitada no sentido de determinar para que efeito, se para este exercer o direito de visitar o filho, se para outro efeito, visto que o regime do exercício das responsabilidades parentais está suspenso, seria uma violência para a criança, violência essa que não parece justificar-se.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, a única questão decidenda traduz-se na seguinte:

- Saber se a decisão recorrida deverá ser revogada nos moldes requeridos, atendendo aos fundamentos preconizados pelo recorrente.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos Provados
Os acima consignados no Relatório.
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IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Do novo regime do exercício das responsabilidades parentais

Conforme resulta da decisão recorrida e das próprias alegações de recurso do apelante o conflito subjacente ao presente processo prende-se com o cumprimento coercivo (se necessário através do recurso às forças policiais) da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas ao jovem H. O., mormente no que se refere à entrega efetiva do menor ao pai no dia em que a respetiva guarda caberia ao progenitor.
Por via da decisão recorrida, foi antes determinado a execução de um plano de reaproximação gradual entre pai e filho, a implementar nos moldes sugeridos pela técnica social da EMAT em 31.07.2020, reaproximação essa que deverá mostrar-se concluída no prazo de 3 meses, de modo a que se mostrem ultrapassadas as atuais resistência do jovem para estar com o seu pai, mantendo-se, as injunções constantes do referido acordo de promoção e proteção, realizado a 16.06.2020, com exceção da referência “em ambos os agregados familiares”.
Claro está que, deste modo, também se alterou (suspendeu) parcialmente, ainda que temporariamente, o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas ao jovem, que havia ficado estabelecido por sentença de 07.11.2018, mormente no que se refere à residência alternada do jovem com cada um dos progenitores.
Saliente-se, igualmente, que esta alteração parcial e temporária do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais tem perfeito suporte legal, sobretudo tendo em atenção que estamos perante um processo de promoção e proteção instaurado a favor do H. O., designadamente para pôr cobro a uma situação de perigo para o jovem, que residia alternadamente com cada um dos progenitores, emergente de patente conflito entre os progenitores, que instrumentalizavam o jovem, estando este sujeito a forte pressão psicológica e a uma alienação parental em escalada (cfr. requerimento inicial).
Como resulta da lei (art. 3º, n.º 1, da LPCJP), a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem impõe-se quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte da ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.(1)
De facto, sabemos que a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem deverá salvaguardar o interesse superior da criança ou do jovem, nomeadamente dando prioridade à continuidade de relações de afeto de qualidade e gratificantes para a mesma criança e jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto (art. 4º, al. a), da LPCJP). (2)
Logo, os “direitos da criança prevalecem sempre sobre os direitos dos pais, sendo a decisão sempre tomada em favor daquela, conforme o seu interesse e não contra os pais.” (3)

A nível internacional, entre outros, na Convenção sobre os Direitos da Criança (4) (CDC), o princípio do interesse superior da criança tem expressa consagração no seu art. 3º, n.º 1, onde se dispõe que “todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.” (5)

Todavia, este interesse, porque consubstancia um conceito jurídico indeterminado (6), reclama a extensão dos poderes interpretativos do julgador e a atenção às particularidades do caso decidendo. Efetivamente, o interesse da criança é uma realidade, um valor cujo conteúdo não é imutável, que se altera e evolui à medida que as conceções prevalecentes na sociedade também mudam.
Assim, e tendo em consideração as conceções e valores dominantes na sociedade contemporânea, pode-se afirmar que, na esteira do entendimento preconizado por Rui Epifânio e António Farinha (7), “trata-se afinal de uma noção cultural intimamente ligada a um sistema de referências vigente em cada momento, em cada sociedade, sobre a pessoa do menor, sobre as suas necessidades, as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem-estar material e moral.

Torna-se assim necessário averiguar, casuisticamente, em que é que esse interesse da criança ou do jovem se traduz, tendo designadamente como referência “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.” (8) (9)
O escopo fundamental da atividade do tribunal deve ser o de conseguir a melhor solução possível face às circunstâncias concretas do caso, procurando assegurar o mínimo de desestabilização e descontinuidade da vida do menor, já abalada pela separação dos pais. (10)
No fundo, o superior interesse do menor deverá nortear assim todas as decisões relativas a crianças e jovens, devendo ser densificado em cada caso concreto. (11)

Por outro lado, impõe-se uma intervenção proporcional e atual, ou seja deverá ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram, no momento em que a decisão é tomada, e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida em que for estritamente necessário a essa finalidade (art. 4º, al. e), da LPCJP).
Outrossim, a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem (art. 4º, al. f), da LPCJP); respeitando ainda o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante (art. 4º, al. g), da LPCJP).

Por conseguinte, as medidas de promoção e proteção aplicadas a favor da criança e do jovem deverão manter-se, em defesa do superior interesse dos mesmos, enquanto não se mostrar totalmente ultrapassada a situação de perigo em que se encontram, podendo essa mesma situação de perigo, resultar nomeadamente da instabilidade psico-emocional que lhe é transmitida, direta ou indiretamente, por qualquer um dos progenitores, mormente no âmbito das suas relações pessoais e familiares (art. 3º, nºs 1 e 2, al. f), da LPCJP), importando, pois, acautelar convenientemente os correspondentes fatores de risco, potenciadores de instabilidade emocional da criança e do jovem, promovendo as medidas necessárias e atuais para o efeito.
Enfatize-se ainda que os processos judiciais de promoção e proteção das crianças e jovens em perigo são legalmente qualificados como processos de jurisdição voluntária e, nesta medida, o tribunal está legitimado a investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar inquéritos e recolher as informações convenientes e, no seu julgamento, não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna (art. 100º, da LPCJP, e arts. 986º, n.º 2 e 987º, do C. P. Civil).

Ora, no caso em apreço, o tribunal a quo analisou convenientemente estes fatores, concluindo, designadamente, que:

(…) Mais do que saber se se trata de um incumprimento da progenitora ou de uma recusa do menor (independentemente das razões serem atendíveis ou não), distinção que é relevante, como notado pela defensora do menor, o que é um facto é que estamos num impasse de não convívio entre o menor e o pai.
O pai pretende a imposição coerciva do regime, através de mandados, mas em três informações distintas do CAFAP e da EMAT (a fls. 343, 351 – em que se sugere a reaproximação gradual entre pai e filho, suspendendo-se provisoriamente o regime em vigor de residência alternada –, 368 e 380, de, respetivamente 31/07, 07/08 e 11/08) reporta-se aos autos a recusa do jovem por ter medo do pai, tendo sido sugerido ao pai que em vez de uma via impositiva adotasse uma postura de maior transigência e pacificação, e de paciência, junto do filho, de modo a ultrapassar-se a angústia por este verbalizada e expressada em choro e em comportamentos de resistência.
O dever-ser e o ser, o mundo ideal e o real, são distintos, não se confundem. As coisas deveriam ser como o tribunal antes referiu mas o decurso do tempo é, por si só, um facto juridicamente relevante, designadamente o enfraquecimento dos laços entre o pai e o filho (como o pai admite no seu contraditório de 10/08, fls. 371 v., ao dizer que os laços entre pai e filho já estão comprometidos) – isto não obstante ter vindo reiterar aos autos que pretende o cumprimento integral do regime e que não aceita a solução de reaproximação feita pela E.M.A.T.
A par disto, e na sequência do despacho proferido em maio, não se crê que uma medida impositiva como o cumprimento de entrega mediante mandados fosse uma mais valia para a reaproximação de pai e filho, pois poderia ter efeitos perniciosos, incluindo ao nível psicológico.
(…) As posições estão extremadas, sendo que o acompanhamento psicológico recentemente iniciado ainda não produziu efeitos práticos.
Como resulta do art.º 100.º da L.P.C.J.P., e 986º e 987.º do C.P.C., estes processos são de jurisdição voluntária, regendo-se por critérios também de oportunidade, o que legitima os considerandos que vêm sendo tecidos, designadamente quanto ao não ser adequado neste momento a passagem de mandados para entrega da criança ao pai.
Neste momento, na prática, não tem havido contactos entre o pai e o filho, pelo que importa cessar esta situação através de uma reaproximação gradual entre pai e filho (com a inerente alteração do plano do CAFAP de fls. 331, de 10/07/2020), sendo esta a implementar nos moldes sugeridos pela EMAT a fls. 351, of. de 31/07/2020.
(…) Esta reaproximação deverá estar concluída em 3 meses, de modo a que nessa altura se mostrem ultrapassadas as resistências atuais.
(…) Apesar de o pai ter manifestado aos autos discordar desta opção, deverá cooperar, pois neste momento o que se passa é um afastamento total, que importa reverter, sendo que todas as informações constantes dos autos, enviadas pelos técnicos, desaconselham a entrega ao pai recorrendo a mandados. (…)

Por conseguinte, como é bom de ver, o tribunal a quo concluiu que ainda não se mostravam totalmente afastados os pressupostos de facto e de direito que determinaram, em 16.06.2020, a aplicação a favor do H. O. da indicada medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais (arts. 35º, n.º 1, al. a) e 39º, da LPCJP), fazendo alguns ajustamentos a essa mesma medida, designadamente em termos de relacionamento entre o progenitor e o menor, impondo que, perante a atual resistência do jovem em estar com o seu pai, importará reestabelecer gradualmente as relações de afeto entre ambos, de modo que as mesmas se tornem cada vez mais estreitas e gratificantes, tendentes a alcançar a estabilização psico-afetiva do jovem nas suas relações com o progenitor.
Justificou factualmente esta sua conclusão, designadamente com base nas informações sociais juntas aos autos, as quais apontam exatamente para um plano de reaproximação gradual entre pai e filho, resultando dessas mesmas informações sociais que o H. O. assume uma postura de recusa em estar com o seu pai e de medo demonstrado perante a possibilidade de ser alvo de castigos e represálias, sendo ainda patente que continuam a existir fatores de instabilidade emocional e estados de ansiedade do H. O., nas ocasiões em que esteja previsto passar a estar com o seu pai.
Destarte, é patente que a avaliação e acompanhamento psicológico do jovem e dos progenitores (previsto nas injunções da referida medida de apoio junto dos pais) se mostra, ainda nesta fase, essencial ao bem-estar e salutar desenvolvimento psico-emocional do H. O., sendo até mesmo manifestamente previsível que as diversas sessões de acompanhamento psicológico previstas para pais e filho possibilitarão uma maior compreensão da situação vivencial de cada um e, concomitantemente, um estreitamento dos laços afetivos entre o jovem e o seu progenitor; sendo ainda essencial que a progenitora preste uma colaboração assertiva e proactiva nessa mesma reaproximação gradual entre pai e filho, para o que se torna essencial igualmente que não descure este acompanhamento psicológico.

Da importância desse mesmo acompanhamento psicológico deu conta o tribunal a quo à progenitora, designadamente quando afirma que:

Exceto da primeira vez, em que a progenitora faltou e levou o menor ao médico, a progenitora tem comparecido com o menor no CAFAP, o que deverá continuar a acontecer sob pena de multa faltando (e de voltarem a ser emitidos, se for o caso, mandados para comparência no CAFAP).

Não obstante, o progenitor recorrente mantem a sua intransigência e não aceita qualquer reaproximação gradual ao seu filho, antes pretende que o tribunal adote uma postura impositiva, de modo a que o seu filho lhe seja diretamente entregue, para cumprimento imediato e integral do exercício das responsabilidades parentais anteriormente fixado, nem que para isso seja necessário o recurso à força policial.
Pois bem, como vem retratado na decisão recorrida, não se nos afigura ser essa a posição que melhor irá acautelar os superiores interesses do jovem H. O..
De facto, como faz constar a decisão recorrida, as referidas informações sociais que têm vindo a ser prestadas pelas técnicas sociais que acompanham a situação (cfr. fls. 44 verso e 45, 51, 59 e verso e 76 e verso e 88 e verso) relatam uma postura de forte resistência do jovem, acompanhada de choro e de uma postura contraída, ansiosa e amedrontada, quando confrontado com a possibilidade de ser entregue ao seu pai para que este o leve para a sua casa, tal como é a pretensão do progenitor.
Ao invés, todas as informações sociais vão no sentido de que o exercício das responsabilidades parentais relativas ao jovem deverá antes sofrer uma suspensão parcial e temporária da sua execução, no que se refere à residência alternada, sendo antes conveniente para o interesse superior do jovem – e mesmo até em benefício do próprio progenitor, se é que o mesmo pretende efetivamente reconquistar a confiança e afeto do seu filho – que exista uma reaproximação gradual, promovendo-se primeiramente contatos crescentes entre pai e filho, de modo a que, numa fase inicial, seja restabelecida a comunicação entre ambos – a qual, neste momento, está francamente posta em causa –, ainda que com a supervisão da técnica do CAFAP, propiciando assim momentos agradáveis, gratificantes e seguros do jovem com o seu pai, para que se possa aquilatar novamente a retoma do regime de convívios do jovem com o seu pai cada vez mais alargados.

Claro está que o acompanhamento psicológico do jovem e dos progenitores (incluindo avaliação e treino das competências parentais) deverá igualmente manter-se, nos moldes já definidos.
Por outro lado, conforme é relatado na informação social intercalar, datada de 07.08.2020, “as medidas impositivas que obriguem o jovem a transitar para o agregado do progenitor, poderão, não só comprometer os laços afetivos e a relação paterno-filial, como agravar a posição de rejeição do jovem, principalmente se se recorrer às forças policiais, para além de desestabilizar o equilíbrio emocional do jovem, possibilitando o agravamento dos sintomas psicossomáticos já apresentados e reportados nos autos” (cfr. fls. 76 e verso).
Também nós partilhamos desta posição, até porque a imposição coerciva do regime de exercício das responsabilidades parentais no que se refere à residência alternada, nesta fase e após um período prolongado de afastamento entre pai e filho e onde a resistência do jovem para estar com o seu pai ainda é bastante significativa, poderia potenciar desarranjos psico-emocionais irreversíveis no H. O., contraproducentes ao estreitar de laços afetivos e gratificantes entre pai e filho e de modo a que o progenitor possa voltar a ser uma figura parental relevante para o H. O., sendo certo igualmente que este também já possui uma maturidade (conta com 11/12 anos de idade) em que a sua opinião deverá assumir relevância, como elemento intrínseco do seu bem-estar físico e emocional.

Em sua defesa, o recorrente progenitor chama igualmente à colação um despacho proferido pelo tribunal a quo, em 21.05.2020 (antes mesmo do acordo de promoção e proteção alcançado em 16.06.2020), o qual apelava, designadamente, para um cumprimento imediato e voluntário do regime da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas ao H. O., sendo as entregas do jovem feitas preferencialmente em casa dos pais, sem conflitos e sem intervenção de terceiros (cfr. fls. 85 e 86).

Realce-se que o tribunal a quo deu igualmente conta das decisões proferidas anteriormente, designadamente ao descrever que:

(…) O Tribunal tentou, até à exaustão, que o regime fosse voluntariamente cumprido, sendo que se passaram mais de dois meses desde a última diligência, aos 16/06/2020.
Mais do que saber se se trata de um incumprimento da progenitora ou de uma recusa do menor (independentemente das razões serem atendíveis ou não), distinção que é relevante, como notado pela defensora do menor, o que é um facto é que estamos num impasse de não convívio entre o menor e o pai.
(…) O dever-ser e o ser, o mundo ideal e o real, são distintos, não se confundem. As coisas deveriam ser como o tribunal antes referiu mas o decurso do tempo é, por si só, um facto juridicamente relevante, designadamente o enfraquecimento dos laços entre o pai e o filho (como o pai admite no seu contraditório de 10/08, fls. 371 v., ao dizer que os laços entre pai e filho já estão comprometidos) – isto não obstante ter vindo reiterar aos autos que pretende o cumprimento integral do regime e que não aceita a solução de reaproximação feita pela E.M.A.T.
A par disto, e na sequência do despacho proferido em maio, não se crê que uma medida impositiva como o cumprimento de entrega mediante mandados fosse uma mais valia para a reaproximação de pai e filho, pois poderia ter efeitos perniciosos, incluindo ao nível psicológico.

No fundo, o que o tribunal recorrido acabou por concluir – e bem, em nossa opinião – é que, não se encontravam reunidas, nesta fase, a possibilidade de se impor ao jovem um cumprimento imediato e coercivo do apontado regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais, pelo que fazendo uma leitura realista, atualista e proporcional da vivência e relacionamento familiar em apreço, tal como manda o disposto no art. 4º, al. e), da LPCJP, decidiu, justificada e acertadamente, pela suspensão temporária e parcial do apontado regime e pela implementação de um programa de reaproximação gradual entre pai e filho, tal como é proposto pelas técnicas sociais que acompanham a situação do jovem.

Tal como igualmente já salientámos supra, importa sempre ter presente que “o tribunal deve assumir (nesse sentido, parcialmente) a defesa do interesse que a lei lhe confia – no caso dos processos de promoção e protecção, o “interesse superior da criança e do jovem”, como expressamente afirma a al. a) do art. 4.º da LPCJP – ainda que essa defesa implique fazê-lo prevalecer sobre outros interesses que eventualmente estejam envolvidos ou mesmo em oposição.” (12)

Enfatize-se, por último, que conforme resulta das próprias alegações do progenitor apelante, o mesmo não apresenta uma argumentação minimamente objetiva e credenciada que nos permita concluir que o pretendido cumprimento coercivo, imediato e integral da regulação do exercício das responsabilidades parentais fixada anteriormente é que melhor salvaguarda os superiores interesses do jovem, nos termos e para os fins acima delineados.
De facto, se atentarmos às suas conclusões de alegações de recurso é patente que a posição do progenitor se reconduz unicamente ao alegado incumprimento por parte da progenitora do regime estabelecido, escudado na vontade do jovem, que, na sua opinião, não poderá ser levada em consideração, pois estaríamos a ser coniventes com o mesmo, permitindo-lhe simplesmente afirmar que que não gosta de castigos e das regras em casa do pai para que não tenha que ir para a casa do mesmo.
Em bom rigor, o progenitor recorrente acaba por fazer um juízo simplista e redutor da recusa do seu filho em ir residir consigo, invocando que o mesmo não quer ir para casa de seu pai, porque lá tem regras que não quer cumprir, o que se nos afigura ser uma argumentação claramente insuficiente e subjetiva, sem o competente suporte factual e que, por si só, nunca permitiria a alteração da decisão recorrida, que assim é de manter nos seus precisos termos.

Termos em que, se conclui pela total improcedência do recurso interposto pelo recorrente.
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V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso de apelação em presença, deste modo se confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo apelante, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.
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Guimarães, 05.11.2020

Este acórdão contém a assinatura digital eletrónica dos Desembargadores:
Relator: António Barroca Penha.
1º Adjunto: José Manuel Flores.
2º Adjunto: Sandra Melo.



1. Segundo Beatriz Marques Borges, Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Almedina, 2007, págs. 37-38, verifica-se perigo para a criança ou o jovem, relativamente: à sua segurança, “quando se verifica que estes são colocados numa situação de incerteza física ou psicológica sobre o seu bem-estar, não se sentindo garantida nas suas necessidades e desejos”; à sua saúde, quando “está em risco o seu equilíbrio físico/psíquico, a sua capacidade de resistência e o seu próprio equilíbrio mental e social, com diminuição do seu sentido de auto-estima ou o valor e utilidade como membro da comunidade em que se insere”; à sua formação, quando se encontre em “situações que podem fazer distorcer o seu desenvolvimento integral da personalidade, a sua equilibrada maturação afetiva, emocional e social”; à sua educação, quando exista “uma educação incompleta e carente, com a inconsequente incapacidade de o visado se poder afirmar com todo o seu potencial, sendo que uma boa educação escolar é, cada vez mais, imprescindível para obter condições de sucesso na sociedade e no mercado de trabalho futuro, do que, em grande parte, depende a integração e coesão social com todos os reflexos e consequências que daí advêm”; e ao seu desenvolvimento, quando o dito perigo seja “o corolário de todos os anteriores itens visando o crescimento, quer físico quer psíquico das crianças e jovens, com vista ao seu desenvolvimento são e harmonioso”.
2. Neste conspecto, vide, entre outros, Ac. RL de 20.09.2018, proc. n.º 19574/15.5T8LSB-B.L1-2, relator Arlindo Crua, acessível em www.dgsi, no qual se pode ler do seu sumário, nomeadamente, que: “Sob a forma de enunciação global, o conceito de superior interesse da criança ou jovem, como conceito vago e genérico que é, passa pela existência de um projeto educativo; pela efectiva prestação de cuidados básicos diários (alimentos, higiene, etc); pela prestação de carinho e afecto; pela transmissão de valores morais; pela manutenção dos afectos com o outro progenitor e a demais família (designadamente irmãos e avós); pela existência de condições para a concretização de tal projecto educativo, pela criação e manutenção de um ambiente seguro, emocionalmente sadio e estável; pela existência de condições físicas (casa, espaço íntimo) e pela dedicação e valorização com vista ao desenvolvimento da sua personalidade.
3. Paulo Guerra, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada, Almedina, 4.ª edição, pág. 26.
4. Aprovada em Nova Iorque em 20.11.1989, igualmente aprovada por Portugal e publicada no D.R, I Série de 12.09.1990.
5. Aludindo ao mesmo conceito, cfr. ainda arts. 9º e 20º da citada Convenção.
6. Karl Engisch, Introdução ao Pensamento Jurídico, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 5ª edição, pág. 173, afirma que se trata de “um conceito jurídico indeterminado, isto é de conceito carecido de preenchimento valorativo.
7. Organização Tutelar de Menores: Contributo para uma visão interdisciplinar do Direito de Menores e de Família, Almedina, 1997, pág. 376.
8. Almiro Rodrigues, Interesse do Menor – Contributo para uma Definição, Revista Infância e Juventude, n.º 1, 1985, págs. 18-19.
9. No mesmo sentido, cfr., por todos, Ac. STJ de 05.04.2018, proc. n.º 17/14.8T8FAR.E1.S2, relatora Rosa Ribeiro Coelho; e Ac. RC de 08.05.2019, proc. n.º 148/19.8T8CNT-A.C1, relator Isaías Pádua, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
10. Neste sentido, vide Maria de Fátima Abrantes Duarte, O Poder Paternal – Contributo para o estudo do seu atual regime, 1ª reimpressão, Lisboa, AAFDL, 1994, pág. 176.
11. Para melhores desenvolvimentos sobre esta questão do interesse da criança como conceito indeterminado e sua dupla função: como critério de controlo e critério de decisão, vide Maria Clara Sottomayor, in Exercício …, págs. 65 e segs.
12. Cfr. Ac. do STJ de 16.03.2017, proc. n.º 1203/12.0TMPRT-B.P1.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, disponível em www.dgsi.pt.