Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
728/10.7TBFLG.G1
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: ARTICULADO SUPERVENIENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Sumário: Tendo sido apresentado articulado superveniente em que se modifica a causa de pedir e o pedido, a interpretação conjugada dos Artº 506º, 663º e 273º/6 do CPC, implica que, apresentado o mesmo, o juiz profira despacho liminar para os efeitos consignados no Artº 506º/4 do CPC, devendo, após, seguir-se os termos que se impuserem.
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

A.., Autor nos autos de processo sumário supra referidos, não se conformando com:
A- A decisão proferida no despacho que indeferiu o articulado superveniente apresentado pelo ora recorrente, dela vem interpor recurso ( matéria de direito) e;
B- Com a sentença proferida pelo Tribunal “ a quo” que julgou parcialmente procedente a acção interposta pelo ora recorrente e condenou a ré recorrida a pagar ao recorrente a quantia global de 1.095,88€, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde o dia seguinte a data da citação até efectivo e integral pagamento, bem como 50% do valor dos danos causados no veículo do A. pelo embate, a apurar em sede de execução de sentença, da mesma vem interpor recurso quanto á matéria de facto.
Pede a revogação do despacho recorrido com as legais consequências.
Funda-se nas seguintes conclusões:
I – Do recurso do despacho com a referência nº 2831449:
a) O aqui Recorrente intentou contra o Município de.. e contra a Companhia de Seguros.., S.A, acção declarativa de condenação, emergente de acidente de viação, sob a forma de processo sumário.
b) Nos presentes autos, foram apresentadas as contestações e respostas, tendo sido proferido despacho saneador.
c) A Ré Companhia de Seguros, no seu requerimento probatório, requereu a sujeição do ora recorrente a exame pericial.
d) Realizado exame pericial ao aqui recorrente foi-lhe atribuída uma I.P.P. de 2,0 pontos, emergente do acidente de viação em discussão nos presentes autos.
e) O Recorrente, tendo tido conhecimento de tal facto nessa data, apresentou um articulado onde requereu a ampliação de pedido, constante de fls. 197 e seguintes dos autos, tendo o mesmo sido rejeitado pela Meritíssima Juiz “a quo”, conforme consta do despacho com a referência 2797166 dos autos.
f) O recorrente, em data posterior, apresentou um novo articulado superveniente, constante de fls. 233 dos autos, onde requer a alteração do pedido e causa de pedir e ampliação de pedido, ao abrigo do disposto nos artigos 506 e 273º nº 6 do C.P.C..
g) Sendo que, tal articulado superveniente veio a ser indeferido pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”, conforme resulta do douto despacho recorrido e se transcreve:
“Constata-se que o articulado superveniente apresentado é idêntico ao já apresentado anteriormente e objecto do despacho com a refª 2797166, o qual não foi objecto de recurso. Por outro lado, o disposto no artigo 273 nº 6 do CPC não pode ser aplicado sem ter na sua base os nºs. 1 e 2 do mesmo preceito, sendo que, como já foi referido no aludido despacho, não é possível a aplicação daquela norma. Assim sendo, e com base na argumentação já explanada no despacho supra identificado, indefere-se o requerido.”
h) Salvo o devido respeito por opinião em contrário, não pode o recorrente perfilhar de tal entendimento, por entender que tal carece de fundamento.
i) O douto despacho recorrido faz uma remissão para o douto despacho proferido a fls… com a referência nº 2797166 e que havia recaído sobre o anterior articulado apresentado pelo recorrente a fls.. 197 do autos.
j) O douto despacho para o qual a Meritíssima Juiz remete e que motivou a recusa do anterior requerimento apresentado pelo recorrente, assenta, sucintamente na seguinte fundamentação, “ …o A., na petição inicial, não alegou qualquer facto referente a esta ampliação de pedido que agora pretende realizar, pelo que não foi tempestivamente exercido o direito de contraditório quanto a esta matéria, totalmente omissa na petição inicial. Por outro lado, o requerimento de ampliação do pedido ora formulado pelo A. consubstancia um novo pedido, tendo a respectiva causa de pedir sido ampliada, pelo que, face ao supra exposto, não é possível o A. ampliar o pedido com o objectivo de o ajustar à integralidade mais recente da sua lesão, quando na petição inicial não fez qualquer referência a tal circunstância”.
k) No que se reporta fundamentação constante do douto despacho recorrido e que remete para o anterior despacho proferido e referido supra em j), o recorrente considera que a mesma não tem consonância com o articulado ora apresentado e sobre o qual recaiu o douto despacho recorrido, impondo-se decisão diversa.
l) Não obstante, sem prescindir sempre se diz que, o ora recorrente entende que o pedido por si formulado não consubstancia uma causa de pedir ou pedido “ex novo”, mas sim um pedido consequente do acidente de viação em apreço nos autos e subsumível na mesma relação jurídica material controvertida, sendo também assegurado o contraditório, conforme aliás resulta dos próprios autos - resposta da Ré a tal articulado.
m) De facto, o recorrente na sua petição inicial não formula qualquer pedido a título de incapacidade, por naquela data desconhecer a mesma, não obstante, formulando logo pedido pelos danos não patrimoniais e patrimoniais emergentes das lesões sofridas e das quais tinha conhecimento até ao momento.
n) Não obstante, do exame pericial junto aos autos resulta claro que, a incapacidade de que o recorrente ficou a padecer é uma consequência do acidente em litígio, havendo, assim um nexo com o pedido primitivo formulado.
o) Doutro modo, de salientar que o articulado superveniente apresentado e sobre o qual recaiu o douto despacho agora posto em crise, apesar, de ter na sua génese o mesmo objecto factual, tem um alcance jurídico diferente, um enquadramento legal diferente.p) É facto que, ora recorrente não interpôs recurso do douto despacho de fls…com a referência 2797166, não obstante e salvo o devido respeito por opinião diversa, não se pode considerar que o articulado superveniente apresentado não é idêntico ao anteriormente apresentado e objecto do despacho com a refª. 2797166, sendo que considera que não é motivo de indeferimento o facto de não interposição de recurso, sendo que o articulado agora apresentado também o foi em moldes diferentes.
q) No articulado de fls. 197 o recorrente apenas veio requerer a ampliação do pedido, sendo que agora, apresentou um articulado superveniente onde deduz uma pretensão diferente, vem requerer a alteração do pedido e da causa de pedir e ampliação do pedido, tudo com sustentabilidade legal diferente, com base no disposto nos artigos 506º e 273º nº 6 do C.P.C..
r) Do articulado superveniente apresentado e sobre o qual recaiu o douto despacho recorrido, resulta que o recorrente tomou conhecimento dos factos consubstanciados naquele articulado em momento posterior à instauração da presente acção, ou seja, após o despacho saneador e com a realização do exame pericial.
s) Os factos integradores de tal articulado e o respectivo pedido têm um nexo com o pedido com o pedido inicial e com a causa de pedir original, sendo uma consequência do sinistro em apreço nos presentes, ou seja, sucedâneos do pedido formulado inicialmente.
t) A pretensão deduzida pelo recorrente naquele seu articulado, onde requer a alteração do pedido, causa de pedir e ampliação do pedido deduzidos, não implica a convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
u) O articulado superveniente em causa foi apresentado tempestivamente, obedecendo aos pressupostos legais, designadamente ao artigo 506 nº 3 b).
v) Assim, salvo devido respeito por opinião diversa não se vislumbra qualquer circunstancialismo para o indeferimento do articulado superveniente apresentado, entendendo o recorrente que pretensão formulada no mesmo tem enquadramento legal e é passível de ser apreciada nos presentes autos.
w) Aliás neste sentido vide, Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 26/06/2008 in www.dgsi.pt: “I- Quando a ampliação do pedido, nos termos da 2ª parte do nº 2 do artº. 273º do C.P.C, não implique a alegação de factos novos ( v.g, o pedido de juros ou de actualização monetária) pode ser formulada em simples requerimento apresentado até ao encerramento da discussão da causa, mesmo verbalmente, em audiência de julgamento.II- Já quando a ampliação importe a alegação de factos novos, só pode ter lugar se estes forem supervenientes segundo o conceito dado pelo nº 2 do artigo 506º do C.P.C. e se forem alegados nos termos e nos prazos previstos no nº 3 do mesmo preceito.”
x) Deve o douto despacho recorrido ser revogado, por violação do disposto nos artigos artigo 506º e 273º do C.P.C..
II- Do recurso da douta sentença proferida:
y) Nesta sede vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos, a qual decidiu julgar a acção interposta pelo recorrente parcialmente procedente nos seguintes termos: “ Condena-se a R. a pagar ao A. a quantia global de 1.095,88€, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde o dia seguinte â data da citação até efectivo e integral pagamento, bem como 50%/ do valor dos danos causados no veículo do A. pelo embate, a apurar em sede de execução de sentença.”
z) Salvo o devido respeito, que é muito, por opinião em contrário, o recorrente não pode concordar com a douta sentença, no que e apenas se refere á condenação da Ré na reparação dos causados no veículo do A. pelo embate, a apurar em sede de execução de sentença, ou seja, considera o recorrente, que a Ré, recorrida deveria ter sido condenada a efectuar o pagamento de 50% do valor dos danos sofridos no seu veículo no montante de 1.435,00€ (mil quatrocentos e trinta e cinco euros).
aa) No modesto entender do recorrente os factos constantes dos pontos 8º e 9º da matéria de facto dado como não provada, deveriam ser considerados como matéria de facto provada, entendendo que houve erro na apreciação da matéria de facto.
bb) Sendo que, para esta matéria foram juntos aos autos pelo recorrente como prova documental, um orçamento de reparação respeitante aos danos sofridos em consequência do sinistro, um cheque à ordem da oficina reparadora, bem como foi produzida prova testemunhal sobre tais factos.
cc) Sendo que do depoimento da Testemunha, N.., (registo magnético do CD com o nº 20131015105730_150060_64378, de minutos 10:57:33 – início da gravação a 11:26:45 - fim da gravação, em 15/10/2013, bem como do depoimento da testemunha R..,(registo magnético do CD com o nº 20131204103237_150060_6478, de minutos 10:32:38 – início da gravação a 11:00:10 - fim da gravação, em 04/12/2013, resultou claro qual o valor dos danos sofridos no veículo do recorrente em consequência do sinistro em apreço, bem como a confirmação do pagamento efectuado pelo recorrente.
dd) Revelaram tais depoimentos um conhecimento directo, circunstanciado, explícito, imparcial, sincero sobre os factos em questão.
ee) O Venerando Tribunal “ a quo” nesta sede e para dar como não provados os factos dos pontos nº 8º e 9º constantes de matéria não provada considerou o seguinte:
“Quanto ao custo da reparação do veículo e seu pagamento o documento junto a fls. 30 referente a um orçamento, não identifica o nº de orçamento e discrimina vários componentes que não resultaram demonstrados terem sido danificados na sequência do embate em causa nos autos, como resulta a título de exemplo do volante, das duas ópticas, balança de suspensão, entre outros. Por outro lado, e não obstante tenha sido declarado por N.. e R.. que o A. pagou o serviço de reparação do veículo, não foi apresentado qualquer documento que o comprovasse, sendo que a mera junção de fotocópia de frente de um cheque não demonstra que o mesmo foi efectivamente descontado.”.
ff) Salvo o devido respeito , por opinião diversa, o recorrente não poderá perfilhar de tal entendimento , pois que atendendo à conjugação de todos os elementos de prova juntos aos autos e produção de prova em julgamento, considera o recorrente que ficou claramente demonstrado qual o valor dos danos sofridos em consequência do sinistro em apreço e por si pago.
gg) Assiste razão ao Tribunal “ a quo” que a simples junção de uma fotocópia da frente de um cheque não demonstra que o mesmo foi efectivamente descontado, contudo há que conjugar tal documento, com a restante prova produzida.
hh) De acordo com o disposto no artigo 392º do C.Civil “ a Prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada”.
ii) Não se verificando qualquer dos circunstancialismos da inadmissibilidade da prova testemunhal, vertido no artigo 393º do C.C. e/ou convenções contra o conteúdo de documento ou além dele, vertido no artigo 394º do C.C., impunha-se a valoração de tal prova testemunhal, ainda que complementarmente.
jj) Perante tal prova positiva, impunha-se que a douta sentença desse como
provado que, “ O custo de reparação dos referidos danos foi de €2.870,00.”, “ Valor que o Autor pagou.” e consequentemente fosse proferida decisão no sentido de condenação da Ré recorrida no pagamento de 1.835,00€ (mil e oitocentos e trinta e cinco euros), correspondente a 50% do valor dos danos causados no veículo do Autor pelo embate, acrescido de juros de mora respectivos.
kk) Em face do exposto, as respostas aos artigos 8º e 9º da matéria de facto dada como não provada configuram um verdadeiro erro de julgamento da matéria de facto.
ll) O que permite a este Venerando Tribunal modificar a decisão da matéria de facto dos artigos da matéria de facto dada como não provada, 8º e 9º no sentido de ser dada resposta positiva e nessa conformidade, condenar-se a recorrida a pagar ao recorrente a quantia de 1.835,00€ (mil oitocentos e trinta e cinco euros), correspondente a 50% do valor dos danos sofridos em virtude do acidente “sub judice”.

..SEGUROS, S.A., contra-alegou pugnando pela manutenção das decisões.
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Eis, para cabal compreensão, um breve resumo dos autos.
A.. propôs contra as RR. ..Seguros, S.A. e Município de.. a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário, na qual pede a condenação da 1ª R. no pagamento de € 6.749,27, acrescida de juros; subsidiariamente, a condenação do 2º R. no pagamento de tal valor ou, subsidiariamente, a condenação solidária dos RR. no pagamento do referido valor.
Para tanto, alega que ocorreu um acidente de viação entre os veículos MV e DD, por culpa do condutor deste último, devido a falta de sinalização ocorrida por culpa do 2º R., sendo que daí resultaram danos morais e patrimoniais para o A., que pretende ver ressarcidos.
Os RR. deduziram contestação.
A 1ª R. impugna o alegado pelo A. e conclui pela improcedência da acção.
O 2º R. invoca a excepção de incompetência absoluta do Tribunal, impugna o alegado pelo A. e requer a intervenção principal provocada da sua seguradora F.., S.A., concluindo pela improcedência da acção.
O A. deduziu resposta, na qual considera ser este tribunal competente para apreciação dos factos em discussão e impugna o alegado pelas RR..
Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada procedente a invocada excepção de incompetência absoluta do Tribunal e absolvido o 2º R. da instância, com selecção da matéria de facto.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento e, após, foi proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente e condenou a R. a pagar ao A. a quantia global de € 1.095,88, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde o dia seguinte à data da citação até efectivo e integral pagamento, bem como 50% do valor dos danos causados no veículo do A. pelo embate, a apurar em sede de execução de sentença.
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Sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, as conclusões delimitam o objecto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Artº 608º/2 e 635º/4 do CPC. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – É admissível o articulado superveniente?
2ª – A Ré, recorrida deveria ter sido condenada a efectuar o pagamento de 50% do valor dos danos sofridos no seu veículo no montante de 1.435,00€?
3ª – O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto?
***
A 1ª questão que importa dirimir prende-se com a admissibilidade do articulado superveniente.
Para o efeito cumpre registar que os autos se iniciaram com a apresentação de petição inicial na qual se conclui pela formulação de um pedido líquido, a saber, a condenação no pagamento da quantia de 6.749,27€ e juros.
Alegou-se, para o efeito, e em síntese, por um lado, a dinâmica do acidente, e, por outro, danos que se consubstanciavam num período de incapacidade absoluta, dores, e danos materiais. Tudo quantificado.
Foi admitida prova pericial, tendo por base a matéria constante dos quesitos 15º a 19º, 21º e 22º, de acordo com os quais se indagava:
15.º - Em consequência do embate, o Autor e o seu filho, N.., que circulava como ocupante do veículo conduzido por aquele, ficaram gravemente feridos?
16.º - Tendo de ser socorridos, de imediato, no Hospital de Felgueiras – em episódio de urgência, apresentando o Autor ferida lacerocontusa da região fronto-parietal esquerda e hematoma do tornozelo direito…
17.º - … sendo que, após ter sido suturada a ferida e após ter realizado radiografia do tornozelo direito o Autor foi transferido para o Hospital de Guimarães para ser observado em ortopedia?
18.º - O Autor foi medicado e andou 8 dias de canadianas, sem poder fazer qualquer esforço?
19.º - Tendo estado incapacitado para o trabalho durante os referidos 8 dias?
21.º - O Autor sofreu dores no momento do acidente, bem como durante todo o tempo que andou em tratamentos?
22.º - Ainda hoje sofre dores de elevado grau, sobretudo nas mudanças de tempo, ou quando faz esforços físicos, o que irá suceder para toda a vida?
É então que o A. apresenta um primeiro articulado superveniente, ao abrigo do disposto no Artº 273º/2 do CPC, que foi indeferido.
Tendo os autos prosseguido, eis que em 30/06/2011, vem a ser apresentado novo articulado superveniente onde se conclui peticionando:
A)Se digne admitir o presente articulado superveniente, com a consequente alteração de pedido e causa de pedir, admitindo a ampliação o pedido da quantia de 6.749,27€, para 14.249,27€ (catorze mil duzentos e quarenta e nove euros e vinte e sete cêntimos).B) Que a Ré seja condenada, a final, no pagamento ao Autor da quantia global de 14.249,27€ (catorze mil duzentos e quarenta e nove euros e vinte e sete cêntimos) por virtude da alteração do pedido e causa de pedir no presente articulado requerida, bem como nos juros vencidos e vincendos, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
Nesta data já se havia designado audiência de discussão e julgamento.
Em presença da nova peça, foi proferido despacho com o conteúdo assinalado nas conclusões, ou seja:
“Constata-se que o articulado superveniente apresentado é idêntico ao já apresentado anteriormente e objecto do despacho com a refª 2797166, o qual não foi objecto de recurso. Por outro lado, o disposto no artigo 273 nº 6 do CPC não pode ser aplicado sem ter na sua base os nºs. 1 e 2 do mesmo preceito, sendo que, como já foi referido no aludido despacho, não é possível a aplicação daquela norma. Assim sendo, e com base na argumentação já explanada no despacho supra identificado, indefere-se o requerido.”
O despacho anterior, que recusara o primeiro articulado, assenta, sucintamente na seguinte fundamentação, “ …o A., na petição inicial, não alegou qualquer facto referente a esta ampliação de pedido que agora pretende realizar, pelo que não foi tempestivamente exercido o direito de contraditório quanto a esta matéria, totalmente omissa na petição inicial. Por outro lado, o requerimento de ampliação do pedido ora formulado pelo A. consubstancia um novo pedido, tendo a respectiva causa de pedir sido ampliada, pelo que, face ao supra exposto, não é possível o A. ampliar o pedido com o objectivo de o ajustar à integralidade mais recente da sua lesão, quando na petição inicial não fez qualquer referência a tal circunstância”.
Pretende o Recrte. que a fundamentação não tem consonância com o articulado ora apresentado e sobre o qual recaiu o despacho recorrido, impondo-se decisão diversa.
Alega que o pedido por si formulado não consubstancia uma causa de pedir ou pedido “ex novo”, mas sim um pedido consequente do acidente de viação em apreço nos autos e subsumível na mesma relação jurídica material controvertida, sendo que na sua petição inicial não formula qualquer pedido a título de incapacidade, por naquela data desconhecer a mesma.
Vejamos, antes de mais, os fundamentos apresentados pelo A. aquando da apresentação do articulado superveniente.
Alegou, então:
“Sucede que, depois de realizado o exame pericial ao Autor, requerido pela Ré nos presentes autos, analisando o relatório médico do Instituto de Medicina Legal de Guimarães junto aos autos, retira-se que o Autor ficou a padecer, para toda a sua vida, de sequelas, as quais são causa directa de um défice funcional permanente da integridade físico-psiquíca, fixável em 2,0 pontos.
Ficou-se também o Autor a saber, por este relatório do I.M.L, que a data da consolidação médico- legal é fixável em 28/04/2007.
Que o período de défice funcional temporário parcial é fixável num período de 21 dias.
Que o período de repercussão temporária na actividade profissional total, é fixável num período de 8 dias.
Mais também ficou a saber, por este relatório do I.M.L., que o quantum doloris correspondente ao sofrimento físico e psíquico vivido pelo Autor durante os danos temporários, isto é, entre a data do evento e a cura ou a consolidação das lesões é fixável no grau 3, numa tabela de 1 a 7.
Sucede também que, o Autor continua a sofrer de dores, especialmente nas mudanças de tempo, o que continuará a suceder no futuro.
Resulta pois que, os factos descritos de 1 a 7 supra, de que o Autor tomou conhecimento após a sua notificação do referido relatório médico-legal do I.M.L.G. , e que se estão aqui a alegar, importam uma alteração do pedido em termos da sua ampliação.
O que nos termos do artº 273º nº 6 e 506º ambos do C.P.C., é admissível...”
O Artº 506º/1 do CPC dispõe que os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência (nº 2 do Artº 506º do CPC).
No caso concreto estará, pois, em causa, a superveniência assente em conhecimento dos factos após findarem os prazos para apresentação dos normais articulados da acção, ou seja, superveniência subjectiva.
O que o A. pretende por via da apresentação do articulado superveniente é introduzir um novo pedido alegando novos danos, danos estes que não são supervenientes – trata-se da incapacidade -, mas sim pré-existentes, mas cujo conhecimento se alega ter ocorrido supervenientemente.
Como nos dá conta José Lebre de Freitas, “tem sido controvertido se a alteração ou ampliação da causa de pedir é admissível fora do circunstancialismo dos Artº 272º e 273”, defendendo uns que a “alegação de factos constitutivos em articulado superveniente ficaria assim reduzida aos factos que completam a causa de pedir” e outros, como aquele autor, que “o princípio da economia processual, a consideração de que, reduzida a sua previsão, quanto ao autor, aos factos que completem a causa de pedir já invocada, o alcance da norma seria quase nulo..., levam a perfilhar a solução da não limitação pelo disposto nos Artº 272º e 273º”. E, assim, a alegação superveniente do facto está sujeita, apenas, “a momentos de preclusão específicos” (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 2ª Ed., Coimbra Editora, 371).
Nos termos do disposto no Artº 663º/1 do CPC, a sentença deve atender e considerar todos os factos constitutivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda á situação existente no momento do encerramento da discussão.
Entre os factos supervenientes à propositura da acção os autores incluem também aqueles que derivam de superveniência subjectiva (ob. cit., 689 e J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2ª Ed., Coimbra Editora, 499).
Ora, em regra, a causa de pedir e o pedido só podem ser alterados ou ampliados na réplica (Artº 273º/1 do CPC).
Para além disso, e excepcionalmente, pode o autor ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo (Artº 273º/2 do CPC).
Nenhuma destas situações se prefigura – o A. formulara um pedido líquido, concretizara os danos e quantificara-os, claramente.
Contudo, dispunha ainda o Artº 273º/5 do CPC que nas acções de indemnização fundadas em responsabilidade civil pode o autor requerer, até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em 1ª instância, a condenação do réu nos termos previstos no Artº 567º do CC, mesmo que inicialmente tenha pedido a condenação daquele em quantia certa.
A condenação ali prevista é a condenação em indemnização sob a forma de renda, aplicável a danos de natureza continuada, o que não está, manifestamente, em causa.
Mas, ainda o Artº 273º/6 do CPC dispunha que é permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
A relação jurídica controvertida continua a mesma, embora com distintos contornos – não se pediu tudo aquilo que se afirma ser devido.
Daí que caiba, agora, responder a esta concreta questão: é admissível articulado superveniente tendo em vista a modificação da causa de pedir e do pedido?
Desde que observados os limites enunciados no Artº 506º, a resposta parece dever ser afirmativa.
E, assim, em presença da respectiva apresentação cumpria ao juiz proferir despacho liminar para os efeitos consignados no Artº 506º/4.
Donde, não resta senão revogar o despacho recorrido e anular o processado subsequente, tendo em vista a continuação da acção com prolacção daquele despacho e subsequentes termos (se a eles houver lugar).
Dado o princípio do máximo aproveitamento possível dos actos, e considerando que no novo articulado apenas se defende ser “devida ao Autor uma indemnização decorrente da incapacidade parcial permanente de que padece e que se quantifica nos 2,0 pontos já supra referidos”, decorrendo daí a ampliação do pedido, o julgamento relativo aos factos ínsitos na base instrutória não deverá ser afectado.
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Partimos, assim, para a discussão da questão enunciada em 3º lugar – o erro de julgamento da matéria de facto.
Pretende o Recte. que sejam dados como não provados os factos dos pontos nº 8º e 9º constantes de matéria não provada.
Reportam-se estes factos, como da sentença consta, aos quesitos 26º e 27º, cuja redacção era a seguinte:
8. O custo de reparação dos referidos danos foi de € 2.870 (26. da base instrutória);
9. Valor que o Autor pagou? (27. da base instrutória)
Alega o Recrte. que dos depoimentos proferidos por N.. e R.., resultou claro qual o valor dos danos sofridos no veículo do recorrente em consequência do sinistro em apreço, bem como a confirmação do pagamento efectuado. Depoimentos estes que devem ainda conjugar-se com um orçamento de reparação respeitante aos danos sofridos em consequência do sinistro e um cheque à ordem da oficina reparadora.
Ouvidos ambos os depoimentos, é claro para nós que o veículo foi reparado e pela reparação foi pago o respectivo custo.
Na verdade, do depoimento de N.. decorre que a reparação aconteceu na oficina de um familiar e que o valor respectivo foi pago em Outubro de 2007, tendo ascendido a 2.500 ou 2.600,00€. Acompanhou o pai no momento do pagamento e, por isso, sabe que o pai passou um cheque. Confrontado com a cópia de um cheque junta aos autos (emitido em 30/10/2007 pelo valor de 2.870,00€), confirmou tratar-se do cheque entregue para aquele efeito e ainda que a oficina se recusou a emitir factura. Daí que tivessem tirado cópia do cheque como prova de pagamento.
Também R.. esclareceu que o A. mandou reparar o carro a um cunhado e que o custo da reparação ascendeu a 600 contos, que aquele pagou. Sabe ainda que o cunhado se recusou a passar recibo.
Sabido que é que o veículo sofreu danos na parte frontal e lateral esquerda (25. da base instrutória), não custa admitir que o custo da reparação ascendeu ao valor constante da cópia do cheque e que foi pago.
É certo que existe ainda o orçamento referido que, tal como se referiu na decisão impugnada, comporta peças que não resultaram ter sido danificadas. Contudo, tal orçamento também ascende a um valor muito superior ao reclamado (no caso, 3.892,58€).
Razão pela qual se alteram as respostas aos quesitos em referência para provado.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
Factos assentes por acordo:
A) No dia 07 de Abril de 2007, cerca das 20:05h, na Av. General Sarmento Pimentel, freguesia de Margaride, concelho de Felgueiras, ocorreu um embate entre o veículo automóvel ligeiro de passageiros, matrícula ..-MV, propriedade do Autor e à data por si conduzido, e o veículo ligeiro de passageiros, matrícula ..-DD-.., propriedade de R.. e à data conduzido por V..;
B) Circulava o veículo do Autor no sentido Estrada nacional 207 ( local do “Restaurante O Cangalho”) – Praça Rotary Club de Felgueiras, na Avª General Sarmento Pimentel, freguesia de Margaride, concelho de Felgueiras, pela hemifaixa direita de rodagem, atento o seu sentido de marcha;
C) Por seu turno, o condutor do veículo ..-DD-.. circulava na Rua João Gomes da Silva, no sentido Rua João Gomes da Silva -Avª General Sarmento Pimentel;
D) A Rua João Gomes da Silva é transversal à Avª General Sarmento Pimentel;
E) A Rua João Gomes da Silva, por onde circulava o veículo ..-DD-.., entronca com a Av. General Sarmento Pimentel;
F) Após o embate referido em A-), o veículo do Autor foi embater num outro veículo de matrícula ..-VZ, que se encontrava estacionado naquela Av. General Sarmento Pimentel, no sentido oposto ao que o Autor circulava;
G) Aquando do sinistro, não existia qualquer sinal de STOP, Rua João Gomes da Silva, por onde circulava o veículo ..-DD-..;
H) A Rua João Gomes da Silva, por onde circulava o veículo ..-DD-.., culmina com uma passadeira para peões;
I) À data do acidente, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com a circulação do veículo ..-DD-.. encontrava-se transferida para a Ré Seguradora por contrato de seguro através da apólice nº ..
Factos demonstrados por produção de prova:
J) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A-), o Autor circulava a velocidade de cerca 50Km/h, conduzindo o Autor o seu veículo atento ao que se passava na estrada à sua frente (1. e 2. da base instrutória);
K) O condutor do veículo ..-DD-.., ao chegar ao entroncamento com a Av.ª General Sarmento Pimentel e pretendendo entrar na mesma, no sentido Praça Rotary Club de Felgueiras – Estrada nacional 207 (local do “Restaurante O Cangalho”), fê-lo de imediato, atravessando a hemifaixa direita de rodagem, por onde seguia o Autor, e atento o sentido de marcha deste, cortou a trajectória do veículo do Autor, tendo o DD embatido a sua lateral esquerda com a parte da frente do lado esquerdo e lateral esquerda do veículo do Autor (3. e 5. da base instrutória);
L) O Autor ainda tentou evitar o embate, mas não conseguiu, em virtude de, o veículo ..-DD-.. ter obstruído totalmente a sua passagem, atravessando-se à sua frente (6. da base instrutória);
M) Com o embate do veículo ..-DD-.., o veículo do Autor entrou em despiste, rodopiando sobre si (7. da base instrutória);
N) A Rua João Gomes da Silva, por onde circulava o veículo ..-DD-.. culmina com um sinal de STOP (8. da base instrutória);
O) Este sinal de STOP existia naquele local antes da data do embate (9. da base instrutória);
P) É uma sinalização que ainda hoje existe, assim como, em todas as ruas transversais à via por onde circulava o veículo do Autor (10. da base instrutória);
Q) Na data do embate referido em A-), o sinal de STOP havia sido retirado (12. da base instrutória);
R) A Rua João Gomes da Silva, por onde circulava o veículo ..-DD-.., encontrava-se em obras (13. da base instrutória);
S) Na Av. General Sarmento Pimentel circulam constantemente veículos automóveis (14. da base instrutória);
T) Em consequência do embate, o Autor e o seu filho, N.., que circulava como ocupante do veículo conduzido por aquele, ficaram feridos (15. da base instrutória);
U) Tendo de ser socorridos, de imediato, no Hospital de Felgueiras – Hospital Agostinho Ribeiro – em episódio de urgência, apresentando o Autor ferida lacerocontusa da região fronto-parietal esquerda e hematoma do tornozelo direito (16. da base instrutória);
V) Sendo que, após ter sido suturada a ferida e após ter realizado radiografia do tornozelo direito o Autor foi transferido para o Hospital de Guimarães para ser observado em ortopedia (17. da base instrutória);
W) O Autor foi medicado e andou 8 dias de canadianas (18. da base instrutória);
X) Tendo estado incapacitado para o trabalho até 15/04/2007 (19. da base instrutória);
Y) O Autor, à data do acidente, prestava serviços esporádicos como motorista, auferindo, quando o fazia, € 50/dia (20. da base instrutória);
Z) O Autor sofreu dores no momento do acidente, bem como durante os 8 dias seguintes (21. da base instrutória);
AA) Ainda hoje sofre dores, sobretudo nas mudanças de tempo (22. da base instrutória);
BB) A profissão do Autor implica um esforço suplementar com os pés (23. da base instrutória);
CC) Por força do acidente, o Autor despendeu em medicamentos a quantia de € 86,48 e, em serviços médicos, a quantia de € 105,29 (24. da base instrutória);
DD) Em consequência do acidente, o veículo do Autor sofreu danos, designadamente, na parte frontal e lateral esquerda (25. da base instrutória).
EE) O custo de reparação dos referidos danos foi de € 2.870 (26. da base instrutória);
FF) Valor que o Autor pagou (27. da base instrutória).
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ANÁLISE JURÍDICA (subsequente)
Restaria, agora, responder à 2ª questão que enunciámos, a saber, se A Ré, recorrida deveria ter sido condenada a efectuar o pagamento de 50% do valor dos danos sofridos no seu veículo no montante de 1.435,00€.
Consignou-se na sentença que “...o grau de culpa do segurado na ré e do A. são idênticos. Em face disso, o tribunal julga adequada a repartição da culpa entre o A. e o segurado na ré, na proporção de 50% para cada um.”
Sobre a matéria da culpa não houve recurso, pelo que a mesma se considera definitivamente julgada.
Por outro lado, também ali se consignou que “Relativamente aos danos causados no veículo, não foi apurado o seu valor nos presentes autos, pelo que se relega para execução de sentença o apuramento do valor de tais danos, sendo da responsabilidade do condutor do DD a proporção de 50%.”
Resultando da reapreciação que efectuámos apurado o concreto valor do dano, não resta senão atender ao pedido do Recrte. e, assim, condenar, desde já, a R. no pagamento da quantia de 1.435,00€.
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência:
a) revogar o despacho interlocutório relativo ao articulado superveniente, anulando o processado respectivo subsequente à sua apresentação, mas com aproveitamento do acto de julgamento que incidiu sobre a matéria primitivamente alegada, devendo, quanto àquele, ser proferido o despacho a que alude o Artº 506º/4 do CPC (actualmente 588º/4), seguindo-se, depois, os demais termos processuais;
b) modificar a sentença, condenando ainda a R. a pagar ao A. a quantia de mil quatrocentos e trinta e cinco euros (1.435,00€), acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.
Custas pela Recrdª.
Notifique.
Manuela Fialho
Edgar Valente
Paulo Barreto