Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
627/2.8TBBRG-A.G1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ACÇÃO ESPECIAL
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: No processo especial para efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, é admitida a intervenção de entidades diferentes das demandadas, quando ocorram dúvidas quanto a apurar qual delas é a responsável pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho e em caso de violação de regras de segurança se daí resultar a responsabilidade solidária delas, nos termos do art.º 18.º da LAT.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO
Apelante: E…, SA (responsável).
Apelado: P… e A… (autores/beneficiários).
Tribunal Judicial da comarca de Braga, Braga, instrução central, 1.ª Secção Trabalho, J3.
1. Em 09.02.2015, foi proferido o seguinte despacho: na sua contestação veio a ré entidade empregadora, requerer a intervenção principal provocada, como auxiliar da sua defesa, da sociedade "S…SARL", alegando que se trata da sociedade que com ela celebrou contrato de subempreitada da obra onde ocorreu o acidente, contra a qual terá direito de regresso, se se provar que contribuiu culposamente para a ocorrência do acidente.
No entanto, não justifica minimamente esse alegado direito de regresso.
Foi deduzida oposição a tal intervenção, por parte da autora .
Cumpre apreciar e decidir.
Em matéria de processos por acidente de trabalho e de harmonia com o disposto no artigo 129.º do Código de Processo do Trabalho, apenas é admissível a intervenção na ação de qualquer entidade que eventualmente seja suscetível de ser responsabilizada pela reparação dos prejuízos causados ao sinistrado ou beneficiários legais em caso de morte (neste sentido tem sido constante a jurisprudência do STJ, como se vê do Ac. de 9.11.94, CJStj, T. 3, pág. 290 e do STA, Ac. de 4.6.66 in A.D., n° 82, pág. 1342).
Com efeito, à admissibilidade de tal incidente se opõe, não só a "ratio", mas também o objetivo prosseguido pela lei processual laboral ao disciplinar a fase contenciosa do processo de acidente de trabalho.
A “ratio” é bem visível nos artigos 127.º n.º 1 e 129.º do C.P.T., onde se estabeleceu um mecanismo de chamamento de terceiros, quer oficiosamente, quer na disposição do próprio réu, mas que em nada corresponde aos incidentes previstos na lei processual comum civil.
Nos preceitos citados a intervenção de terceiros é admissível quando estiver em causa exclusivamente a determinação de um eventual responsável pela reparação, por isso se criando um mecanismo célere de chamamento ao qual não pode sequer o autor opor-se.
Por outro lado, dispondo o artigo 7.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro que "é responsável pela reparação e demais encargos decorrentes de acidentes de trabalho (…), a pessoa singular ou coletiva de direito privado ou de direito público não abrangida por legislação especial, relativamente ao trabalhador ao seu serviço", é manifesto que são os empregadores que, em, primeira linha, respondem pela reparação do acidente, embora sejam obrigados a transferir essa responsabilidade para uma companhia de seguros que passará então a ser a responsável, nos termos do contrato de seguro (arte.º 79º da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro).
No caso de o acidente ser causado por companheiros da vítima ou por terceiros (como pretende dizer a requerente), a entidade empregadora e/ou a seguradora não deixam de ser responsáveis pelas prestações previstas na lei dos acidentes de trabalho (artigo 17.º n.º 1 da Lei n.º 98/2009). É óbvio que, nesse caso, a vítima poderá exigir dos companheiros ou dos terceiros a indemnização a que tem direito, mas essa indemnização não pode ser pedida com base na lei dos acidentes de trabalho, mas sim com base na lei geral. E se a entidade empregadora ou seguradora tiverem pago a indemnização pelo acidente, ficará com direito de regresso contra os terceiros responsáveis, a não ser que o sinistrado já lhes haja exigido judicialmente essa reparação. Contudo, como atrás referimos, o eventual direito de regresso não justifica a intervenção, no processo especial por acidente de trabalho, dos terceiros responsáveis, intervenção essa aliás não permitida por lei.
Quer isto dizer que a reparação do acidente ao abrigo da lei dos acidentes de trabalho só pode ser pedida à entidade empregadora ou à sua seguradora.
Ora, no caso dos autos, havendo seguro válido, já foi apurado o responsável, que é a seguradora, para quem foi transferida a responsabilidade pelos danos decorrentes de acidente de trabalho sofridos pelo sinistrado falecido, e que abrange toda a retribuição por ele auferida.
Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 14.5.2001 de que foi relator o Sr. Desemb.Sousa Peixoto, proferido no Rec. nº 532 “sendo o processo de acidentes de trabalho um processo especial que visa averiguar da produção do acidente e das suas consequências na capacidade de ganho do trabalhador e que visa identificar o responsável pelo mesmo e fixar a reparação que ao sinistrado é devida, não fazia sentido que nesse processo fossem demandadas pessoas estranhas à relação laboral, ou seja, pessoas cuja responsabilidade na produção do acidente tem de ser apreciada à luz do regime geral da responsabilidade civil ou criminal e não à luz do regime especial da lei dos acidentes de trabalho "... "A responsabilidade de terceiros não emerge do acidente de trabalho qua tale pelo que os tribunais de trabalho nem sequer seriam competentes em razão da matéria para conhecer dessa responsabilidade". Esta jurisprudência mantém-se válida, apesar da redação do artigo 18.º da Lei n.º 98/2009.
Pelo exposto, indefere-se o requerido incidente de intervenção principal provocada pela sociedade "S…, SARL".
Custas do incidente pela requerente entidade empregadora, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UCs.
Notifique e após conclua de novo a fim de ser proferido despacho saneador, com a descrição dos factos assentes e dos controvertidos.

2. Inconformada, a empregadora veio interpor recurso de apelação e concluiu que o plano de segurança em obra era da exclusiva responsabilidade do empreiteiro geral ao qual foi adjudicada a obra, no caso concreto a empresa S… SARL. À apelante cabia somente a disponibilização de mão-de-obra, fiando os trabalhadores sob a supervisão da cessionária, e que toda a estrutura inerente ao plano de proteção e segurança em si, não era da responsabilidade da entidade patronal, mas sim da empresa que planeia e executava o plano de segurança.
Assim, em seu entender, a empresa requerida no chamamento é entidade responsável por parte dos factos carreados para os autos, designadamente os alegados pela autora relativamente à matéria de segurança no trabalho (art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14.11), pelo que nos termos dos art.ºs 326.º e 327.º do CPC, deve ser admitida a requerida a intervir nestes autos e citada para, querendo, se pronunciar.
A não se entender assim, deve a chamada ser admitida a intervir como parte acessória, nos termos do art.º 330.º do CPC.

3. Não foi oferecida resposta.
4. O digno magistrado do Ministério Público teve vista e emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, com adesão aos fundamentos da decisão recorrida.
5. Notificados os sujeitos processuais, só a apelante respondeu, mas fora do prazo, pelo que a sua resposta foi desentranhada.
6. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre decidir.
7. Objeto do recurso
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
A questão a decidir neste recurso consiste em apurar se deve ser admitido o chamamento a título principal ou não sendo admitido como tal se deve ser admitido como intervenção acessória.

II - FUNDAMENTAÇÃO
A) Os factos a ter em conta são os que constam do despacho recorrido, das alegações e, ainda, o seguinte, que resulta dos autos:
- Em 25.12.2012, faleceu em França o marido e pai dos AA. quando trabalhava numa obra em que a sua empregadora era a apelante, mas que havia cedido a mão-de-obra à chamada S…, SARL, como resulta dos factos alegados na contestação da apelante e petição inicial.

B) APRECIAÇÃO
A questão a decidir neste recurso consiste em apurar se deve ser admitido o chamamento a título principal ou não sendo admitido como tal se deve ser admitido como intervenção acessória.

A apelante faz referência à Lei n.º 2 127, de 03.08, de 1965 como sendo a aplicável ao caso.
O acidente ocorreu em 25.12.2012, pelo que a lei aplicável é a Lei n.º 98/2009, de 04.09, em vigor ao tempo do acidente e não aquela que a apelante refere, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, nos termos do art.º 284.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 07/2009, de 12.02.
De igual modo, em termos de aplicação da lei adjetiva, a aplicável é a atualmente em vigor – CPT e CPC, este na parte em que se aplicar subsidiariamente.
Prescreve o art.º 7.º da Lei n.º 07/2009, de 12.02 (LAT), que é responsável pela reparação e demais encargos decorrentes de acidente de trabalho, a pessoa singular ou coletiva de direito privado ou público, não abrangida por legislação especial, relativamente ao trabalhador ao seu serviço.
Resulta inequivocamente dos autos que o sinistrado no momento do acidente tinha como empregadora a apelante, mas estava cedido à chamada S…, SARL, a qual lhe dava as instruções de trabalho.
O art.º 127.º n.º 1 do CPT prescreve que quando estiver em discussão a determinação da entidade responsável, o juiz pode, até ao encerramento da audiência, mandar intervir na ação qualquer entidade que julgue ser eventual responsável, para o que é citada, sendo-lhe entregues cópia dos articulados já oferecidos.
Lendo os articulados – petição inicial e contestação – vemos que está em causa a discussão sobre quem é a entidade responsável. É bem evidente que do alegado resulta que a apelante era a empregadora do sinistrado à data do acidente e que transferiu a sua responsabilidade para uma seguradora, mas também resulta claro que está alegado que a apelante havia cedido o trabalhador sinistrado à chamada, a qual lhe dava as ordens e instruções sobre o quando e modo de prestar a atividade.
Em princípio, só têm legitimidade passiva para a ação emergente de acidente de trabalho a empregadora e a sua seguradora.
A empregadora pretende fazer intervir a chamada com o fundamento de que era esta a responsável pela observância das regras de segurança, pois era quem lhe dava as instruções e ordens sobre a forma de prestar o trabalho.
A empregadora é sempre responsável, face ao prescrito no art.º 18.º da LAT e art.ºs 4.º e 15.º da Lei n.º 102/2009, de 10.09, que regulamenta o art.º 284.º do CT. Tem direito de regresso, nos termos gerais de direito, contra o seu representante quando for este que tiver provocado o acidente (arte.º 18.º n.º 3).
No caso dos autos, não está em causa o seu representante. O direito de regresso referido no art.º 18.º n.º 3 da LAT refere-se apenas ao representante do empregador e já não às demis entidades aí mencionadas, as quais são responsáveis solidariamente, em caso de violação de regras de segurança.
O sinistrado e os seus familiares são estranhos ao modo como a empregadora gere o seu negócio, contrata terceiros ou elege os seus representantes.
O art.º 17.º da LAT prescreve sobre as hipóteses em que o acidente é causado por outro trabalhador ou terceiro, prevendo aí o direito de regresso.
No caso do art.º 18, quando se refere que a responsabilidade é solidária, o artigo tem em vista a situação em que o acidente resulta de atuação culposa do empregador ou entidade por aquele (empregador) contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras de segurança.
No caso concreto, os AA. alegam que a empregadora violou as regras de segurança.
Na contestação, a empregadora alega que cedeu apenas a mão-se-obra à sociedade S…, SARL, e que era esta quem, em concreto, exercia o poder de direção e fiscalização do trabalho do sinistrado e que, a ter ocorrido violação de regras de segurança, tal deveu-se a culpa da chamada.
Neste contexto, poderá haver responsabilidade solidária entre a empregadora e a chamada, como prescreve o art.º 18.º n.º 1 da LAT.
A ser assim, está em causa saber se foi apenas a empregadora quem violou as regras de segurança, se foi a chamada ou se foram as duas.
Desta forma, aplica-se o disposto no art.º 127.º do CPT, o qual prescreve que quando estiver em discussão a determinação da entidade responsável, o juiz pode, até ao encerramento da audiência, mandar intervir na ação qualquer entidade que julgue ser eventual responsável, para o que é citada, sendo-lhe entregue cópia dos articulados já oferecidos (n.º 1).
Está em causa saber se a empregadora e a chamada violaram as regras de segurança. Nesta hipótese, aplica-se-á, além do mais, o disposto nos art.ºs 18.º da LAT e 562.º e ss. do CC e desatender-se-á aos limites impostos pela LAT para os casos em que não existe culpa da empregadora, seu representante, entidade por aquele contratada ou empresa utilizadora de mão-de-obra, sendo a empregadora e a chamada responsáveis solidárias pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho. Esta regra da solidariedade dá mais garantias ao trabalhador sinistrado e seus familiares, pois em caso de impossibilidade de obter o ressarcimento através de uma adelas poderá obtê-lo através da outra.
Daqui resulta interesse evidente em que seja também demandada a S…, SARL, pelo que se concede provimento à apelação, revoga-se o despacho recorrido e manda-se intervir na ação esta última sociedade, para ser citada como R., seguindo-se os demais termos previstos nos artigos 127.º e ss. do CPT.
Sumário: no processo especial para efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, é admitida a intervenção de entidades diferentes das demandadas, quando ocorram dúvidas quanto a apurar qual delas é a responsável pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho e em caso de violação de regras de segurança se daí resultar a responsabilidade solidária delas, nos termos do art.º 18.º da LAT.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, revogar a decisão recorrida e decidem mandar intervir a sociedade S…, SARL na ação, para ser citada como R., seguindo-se os demais termos previstos nos artigos 127.º e ss. do CPT.
Custas pelos apelados, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiem.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Guimarães, 25 de junho de 2015.
Moisés Silva
Antero Veiga
Manuela Fialho