Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
413/14.0IDBRG-T.G1
Relator: PEDRO CUNHA LOPES
Descritores: CONCLUSÕES EXTENSAS
APREENSÃO DE BENS
PROCESSO CRIME
PERDIMENTO DE BENS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1 - A extensão das conclusões num recurso pode decorrer de um menor poder de síntese ou de razões de cautela do recorrente, pois são as referidas conclusões que delimitam o objeto do recurso.

2 - Assim e mesmo que o teor das conclusões seja demasiado extenso deve o processo prosseguir, se elas traduzirem ainda algum esforço de síntese e forem percetíveis.

3 - A apreensão de bens em processo crime visa comprovar "provas reais" e preservar bens que podem vir a ser declarados perdidos a favor do Estado a final ou até serem restituídos ao ofendido.

4 - Quanto a esta matéria, só é da competência do Juiz e da instância de recurso, o conhecimento de pedido de modificação ou revogação da medida (art.º 178º/6 C.P.P.).

5 - Em Inquérito, basta a mera probabilidade de perdimento a final, nos termos do disposto nos arts.º 109º/1, 110º/2 ou 111º/2 C.P. - mesmo que os bens possam pertencer a terceiro - ou que os bens apreendidos possam servir como meio de prova, para que se deva manter a apreensão.
Decisão Texto Integral:
1 – Questão Prévia

Invocou o M.P. que a recorrente M. O. não fez um esforço de síntese nas conclusões, com que terminou o recurso apresentado. Com efeito, refere que as mesmas são, basicamente a cópia da motivação, ainda que com algumas alterações na ordem de exposição. Do que retira dever ser o recorrente convidado a aperfeiçoar as referidas conclusões, sob pena de rejeição do recurso, nos termos do disposto no art.º 417º/3 C.P.P.
Notificado deste parecer, nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P., referiu a interveniente recorrente que enunciou conclusões em que especificou toda a matéria de facto aduzida. Fê-lo para respeitar jurisprudência mais rigorista na apreciação das conclusões e de modo a nada nelas faltar. Apesar de tudo, conclui que as conclusões apresentadas cumprem razoavelmente a exigência de sintetização, razão por que entende não dever ocorrer convite a aperfeiçoamento.
Esta, a questão prévia a decidir, antes da apreciação do recurso interposto.
Como dispõe o art.º 412º/1 C.P.P., a motivação do recurso especifica os fundamentos do mesmo, que termina pela formulação de conclusões, por artigos, em que o recorrente resume ou sintetiza as razões do seu pedido.
E, vem entendendo de forma unânime a Jurisprudência, que são as conclusões do recurso, que delimitam o objeto do recurso. Daí, que as referidas conclusões tenham muita relevância, nos recursos interpostos.
É verdade que 90 (noventa) conclusões para um recurso deste tipo são demasiadas. É que as conclusões só devem ter, em síntese, o resumo da matéria de facto e de direito alegada nas motivações. É nestas, que essas matérias devem ser explanadas e explicadas, quer sejam de facto, quer de direito.
Compreende-se que hajam pessoas com maior ou menor poder de síntese e outros ainda, que por uma razão de cautela queiram inserir o máximo de alegações feitas, nas conclusões – visto que até são estas, que delimitam o objeto do processo.
Ora e no caso concreto há vários parágrafos seguidos das conclusões, que são pura cópia das alegações.
Porém, não o são na íntegra. Não se pode dizer quantos artigos tem a motivação, porquanto as alegações na mesma não foram numeradas. Porém, pode-se dizer que o recurso tem 12,5 (doze vírgula cinco) páginas de motivações e 9 (nove) de conclusões. O que quer dizer que, apesar de tudo houve algum esforço de síntese e que as conclusões não são uma repetição integral, do que consta da motivação.
Se bem que possa pecar por defeito, as conclusões traduzem já algum esforço de síntese, não havendo simplesmente uma mera repetição do que consta da motivação. E, não são de tal modo extensas, que o leitor se perca ou deixe de ter o domínio sobre o objeto do recurso.
Assim e ainda que se concorde que o recorrente não teve muito poder de síntese, sendo que alguma frases foram repetidas na motivação e conclusões, o certo é que as conclusões ainda são percetíveis e melhor interpretadas na motivação. Ou seja: não sendo o recurso apresentado exemplar nessa matéria, permite ainda divisar o seu objeto, de forma sintetizada, nas conclusões.
Não obstante a respetiva extensão para as questões suscitadas, estas são ainda determináveis, não se perdendo o leitor num texto extenso e desorganizado.
Assim, numa dinâmica de aproveitamento dos atos processuais praticados e porque do convite ao aperfeiçoamento não se julga que adviessem muitos benefícios aos julgadores do recurso, admite-se o recurso tal como está.
Ou seja: indefere-se o pedido do Exm.º Procurador Geral Adjunto, no sentido de ser o recorrente notificado para aperfeiçoar o seu recurso, melhor sintetizando as conclusões.
Notifique.
Passa-se assim, à apreciação do recurso interposto.
Por decisão de fls. 54/61 foi indeferido o pedido da interveniente M. O., no sentido do levantamento da apreensão sobre bens que alegou pertencerem-lhe.
Inconformada com o assim decidido, interpôs o presente recurso, que culmina com as seguintes conclusões:

“1- O douto despacho impugnado indeferiu o requerimento da ora Recorrente no sentido de que lhe fossem restituídos os bens identificados nas alíneas a) a f) prescritas na parte expositiva da MOTIVAÇÃO.
2- Foram, assim apreendidos no âmbito da diligência de Busca Domiciliária levada a cabo no imóvel sito na Rua Dr. …, concelho de Santo Tirso, de que a Recorrente é proprietária e legitima possuidora, os seguintes bens: a) Um relógio de pulso da marca Diesel; b) Um veículo automóvel da marca “Mercedes Benz, modelo C 220 Bluetec, com a matrícula PC; c) Um veículo da marca “Jaguar” modelo X TYP 2.0, do ano de 2004, com a matrícula VV; d) Uma mochila da marca “Samsonite”, de cor cinzenta, contendo no seu interior a quantia de 30.000,00€ e que se encontrava na mala do veículo Mercedes atrás identificado; e) Um envelope com 4.100,00€ que se encontrava no interior do referido veículo da marca “Mercedes Benz”, numa divisória fechada à chave, divisória essa vulgarmente designado por “porta-luvas”; f) Cerca de 3.000,00€ existentes numa carteira/porta documentos de uso pessoal que se encontrava também no interior do veículo da marca “Mercedes Benz” que se vem referindo.
3- Para demonstrar que aqueles bens foram adquiridos pela interveniente ora recorrente, EXCLUSIVAMENTE, à sua própria custa (com exclusão da quantia de 30.000,00€ referida na alínea d) do ponto anterior da qual é detentora na qualidade de mandatária e depositária) SEMPRE DE FORMA ABSOLUTAMENTE LÍCITA E TRANSPARENTE, a ora recorrente instruiu um requerimento de Intervenção Incidental Espontânea ao qual anexou 16 documentos.
4- Tais documentos provam à saciedade que todos aqueles bens pertencem à Recorrente e que provieram de meios lícitos.
5- A Recorrente não se limitou a afirmar ou alegar, antes provou de imediato com o seu requerimento então apresentado e os documentos adjuntos ao mesmo, que tudo quanto reivindica lhe pertence legalmente.
6- Explicou, assim, a Recorrente que aqueles bens (indevidamente apreendidos) não estão intimamente ou directamente relacionados com os crimes em investigação nos autos principais.
7- Aliás, a Recorrente não é ARGUIDA NO PROCESSO-CRIME nem em qualquer momento ou por qualquer forma beneficiou dos factos ilícitos imputados indiciariamente ao seu pai (o arguido, J. O.) - (vide: artº 110º nº 1, do C.P.).
8- Bem como está excluída a possibilidade dos bens apreendidos (atrás identificados) serem declarados perdidos a favor do Estado, uma vez que a ora recorrente não concorreu, de forma censurável, para a utilização de qualquer desses bens, assim como dos factos criminosos imputados ao arguido (seu pai) a Recorrente não retirou nem virá a retirar qualquer vantagem (vide: artº 110º nº 2 do C.P.).
9- Assim não o entendeu, porém, o despacho ora recorrido, que salvo o devido respeito assenta em premissas que não são rigorosas e a sua fundamentação, embora escassa, também não é alicerçada em factos e provas concretas.
10- Sendo de salientar que nada de minimamente indiciário consta do processo-crime que ligue os bens apreendidos à Recorrente aos crimes indiciariamente imputados ao Arguido, J. O. (seu pai).
11- Os bens apreendidos á Recorrente (atrás identificados) pertencem-lhe porque adquiridos de forma licita e congruente com o seu rendimento.

SENÃO VEJAMOS,
Concretamente, sobre cada um dos objetos apreendidos no domicílio da ora recorrente:
12- O relógio de pulso da marca Diesel – resulta expressamente do talão de compra junto com o requerimento da Recorrente (docºnº5) que este objeto foi adquirido pela recorrente em 25/11/2016, no estabelecimento de ourivesaria “AP, Lª”, sito na Rua …, Santo Tirso, e foi pago pela adquirente através de cartão de multibanco, associado á conta de que é titular a Recorrente no Banco A, S.A. (docº nº6 também adjunto ao requerimento sub judice).
13- A ora recorrente é Gestora de Recursos Humanos auferindo um vencimento mensal líquido entre os 975,29€ e 1001,79€.
14- A conta bancária donde saiu a quantia de 322,00€ para pagar a compra daquele objeto é exclusivamente provisionada com o rendimento da sua actividade profissional.
15- O despacho em crise não indicia que por aquela conta bancária tenha passado qualquer importância proveniente da actividade criminosa indiciada no processo-crime.
16- É irrefutável que a Recorrente tinha (e tem) rendimentos suficientes para adquirir um relógio daquele preço (322,00€), logo, o rendimento anual da recorrente atinge o montante de 14.025,06€ (14 X 1.001,79€), é solteira e tem casa própria.
17- É, assim, incontornável que tal objeto é propriedade da recorrente e foi adquirido com os proventos, por esta, licitamente auferidos.
18- No que concerne ao veículo automóvel da marca Mercedes Benz modelo C 220 BLUETEC, com a matrícula PC este veículo automóvel é propriedade da Recorrente e está registado em seu nome (docº nº 7 adjunto aos autos) e ingressou no seu património através do TRATO SUCESSIVO que a seguir se descreve:
19- A Recorrente em 30/01/2013 estabeleceu com o seu (então) namorado, C. G., uma União de facto, passando a partir daquela data ambos a viver em condições análogas às dos cônjuges.
20- Os unidos de facto constituíram morada de família no imóvel propriedade da Recorrente, sito na Rua Dr. …, Santo Tirso, local onde viveram ininterruptamente enquanto durou a união de facto.
21- Na constância da união de facto, a Recorrente e o seu companheiro adquiriram, em comum e partes iguais, o veículo automóvel da marca Mercedes Benz, modelo C 220 BLUETEC, com a matrícula PC, através da celebração com a vendedora de um contrato de Aluguer de Longa Duração nº … datado de 30/09/2014.
22- Em 30 de Outubro de 2015 a Recorrente e o seu companheiro puseram fim á união de facto e procederam à divisão dos bens que adquiriram em comum na constância da união de facto (cfr. docº nº8 adjunto aos autos).
23- Dessa divisão de coisas comuns, resultou que o veículo automóvel supra referido foi adjudicado á Recorrente, após a liquidação antecipada das rendas em dívida no Contrato de ALD.
24- Naquela oportunidade a Recorrente vendeu um veículo que constituía seu bem próprio, i.e., um Renault com a matrícula JS (comprova pelo Docº nº9 adjunto aos autos), sendo o produto da venda aplicado na liquidação antecipada da dívida (rendas do contrato ALD) que incidia sobre o veículo que lhe foi adjudicado na operação de divisão de coisa comum (o aludido veículo automóvel da marca Mercedes Benz, modelo C 220 BLUETEC, com a matrícula PC).
25- É, assim, irrefutável que a recorrente adquiriu licitamente, ATRAVÉS DO TRATO SUCESSIVO atrás descrito, o veículo em apreço.
26- O veículo da marca Jaguar X TYP 2.0, do ano de 2004, com a matrícula VV, este veículo automóvel é propriedade da Recorrente e está registado em seu nome (Docº nº 10 adjunto aos autos).
27- A Recorrente a pedido do seu irmão, A. O., negociou e adquiriu este veículo com a intenção de mais tarde o ceder pelo valor adquirido ao seu irmão, pelas razões expostas no dispositivo da Motivação que para não se sobrecarregar estas conclusões para lá se remete.
28- A ora Recorrente procedeu ao pagamento da preço do veículo (5.000,00€) através dos movimentos/transferências debitados na conta de depósitos à ordem de que é titular no Banco B, (vide: Docºs. nºs. 12 e 13 adjuntos aos autos).
29- Do douto despacho recorridos e dos autos não se infere nem em algum momento foi indiciado que por esta sua conta bancária passou qualquer importância proveniente da actividade criminosa indiciada nos autos principais.
30- Este veículo indevidamente apreendido nos autos à ora recorrente foi, pois, adquirido de forma licita e transparente, por quantia inferior ao que qualquer individuo costuma pagar por um veículo automóvel (5.000,00€), sem esquecer que era um veículo usado com 12 anos de matrícula.
31- Sendo falso que alguma vez tenha sido utilizado pelo arguido J. O., pois tal veículo após ser adquirido esteve largos meses a ser reparado numa oficina de mecânica por ordem e a expensas do irmão da recorrente e, logo que ficou concluída a reparação, o referido veículo ficou depositado na garagem da recorrente á ordem e por conta e risco do seu irmão.
32- É falso que a Busca ao referido veículo realizada no dia 28/11/2016 tenha ocorrido com o consentimento do arguido, J. O., pois, quem consentiu na busca foi a própria recorrente que verbalmente transmitiu isso mesmo ao executor da diligência.
33- Caso, coisa diferente conste dos autos principais é falso por não corresponder à verdade dos factos vivenciados.
34- Tal veículo conforme se deixou alegado foi adquirido com proventos licitamente auferidos pela Recorrente, e como atrás se disse esta aquisição é congruente com os proventos auferidos pela recorrente.
35- A quantia de 30.000,00€ acondicionada numa mochila de uso pessoal, da marca Samsonite, de cor cinzenta, que se encontrava na mala do veículo da marca Mercedes Benz, com a matrícula PC, propriedade da ora Recorrente, esta quantia foi entregue à recorrente em 26/11/2016 pelo seu tio (J. S.), na presença de testemunhas, para o fim de esta em conformidade com as instruções contidas no mandato (DECLARAÇÃO) (vide: Docº nº 14 adjunto aos autos) praticasse os actos nele compreendidos,

OU SEJA,
36- O referido tio da ora Recorrente, por Contrato-Promessa de Partilha (vide: Docº nº 15 adjunto aos autos) foi-lhe adjudicado o único imóvel que constitui o acervo hereditário da herança aberta por óbito dos avós paternos da Recorrente, sendo que em face de tal adjudicação ficou de dar tornas aos co-herdeiros.
37- Nesta senda, incumbiu a ora Recorrente através do contrato de mandato (que designou de DECLARAÇÃO cfr. docº nº 14 atrás referido) de proceder aos seguintes pagamento de tornas aos co-herdeiros:
- À co-herdeira, R. T. a quantia de 10.000,00€;
- Aos co-herdeiros representantes legais da co-herdeira pré-falecida, Maria (A. T.; D. T.; e D. S., a quantia de 10.000,00€.
38- Devendo ainda a ora Recorrente pagar ao seu irmão, A. O., e a ela própria a quantia de 5.000,00€ a cada um (a ambos 10.000,00€), em virtude de terem sido chamados á herança por direito de representação do seu pai que por escritura pública repudiou o direito á herança (vide: docº nº 16 adjunto aos autos).
39- A Recorrente reitera que recebeu das mãos do seu tio no referido dia 26/11/2016 a aludida quantia de 30.000,00€ e, por ser fim-de-semana, concretamente sábado, entendeu só dar inicio ao pagamento aos credores de tornas supra aludidos, no início da semana, ou seja, na segunda-feira imediata.
40- Devido a um assalto perpetrado no seu domicílio em 13/11/2016, a Recorrente, entendeu por bem dissimular a mochila onde acondicionou o dinheiro recebido do seu tio (os 30.000,00€) na mala do seu veículo automóvel, i.e., do veículo Mercedes Benz atrás identificado, por lhe parecer um local mais seguro, pois o veículo tem alarme e ficava guardado em garagem fechada e, por isso, menos vulnerável a actos como os que aconteceram no seu domicílio.
41- Também, in casu, se verifica que a apreensão dos 30.000,00€ foi indevida, pois a Recorrente estava na posse de quantia que tinha proveniência lícita, sendo ainda evidente que 10.000,00€ lhe pertenciam a ela e ao seu irmão (quota parte das tornas a que tinham direito face á partilha operada por óbito dos seus avós paternos, conforme supra melhor se deixou alegado).
42- Ao contrário do que se diz no despacho recorrido não existe qualquer contradição entre os documentos juntos e o alegado pela então interveniente ora Recorrente, pois conforme lhe explicou o seu tio foi consignado no Contrato de Promessa de Partilha que havia sido entregue uma importância aos herdeiros por conta das tornas a que tinham direito, mas tal não se verificou, apenas se pretendeu escrever algo que se projetasse como entrega de um sinal para melhor vinculação dos contraentes “ promitentes vendedores ou adjudicantes” e melhor segurança jurídica do contraente “promitente-comprador ou adjudicatário”.
43- Aliás, na altura da assinatura do documento respetivo ninguém se opôs ao teor do mesmo e com ele concordou, inclusive a Recorrente e o seu irmão.
44- A Recorrente na qualidade de mandatária e depositária daquela importância pode usar dos direitos que lhe conferem o artigo 1276º do Cód. Civil, ex-vi do artº 1188º nº 2 do mesmo diploma.
45- De igual prorrogativa pode usar o seu tio (legitimo proprietário da quantia apreendida), ou seja, judicialmente também pode pedir o reconhecimento do seu direito de propriedade (direito de sequela), no que concerne à quantia que exceda a importância de tornas devidas a ela recorrente e ao seu irmão, ou seja, a Recorrente e ao seu irmão pertencem 10.000,00€ (mais precisamente 5.000,00€ a cada um).
46- Assim, também esta quantia apreendida deve ser restituída á Recorrente por ter proveniência licita.
47- Sobretudo, em lado algum do processo principal se indicia qualquer ligação entre a actividade criminosa em investigação e esta quantia monetária, pelo que, não se verificam os pressupostos legais para a sua apreensão e, como tal deve ser revogada a medida de apreensão e a sua restituição á legitima possuidora e em parte proprietária.
48- No porta-luvas, fechado à chave, do veículo da marca “Mercedes” atrás referido encontrava-se um envelope contendo, em notas diversas, a quantia de 4.100,00€, pertencente á Recorrente.
49- Aquela referida quantia foi entregue á Recorrente, pelo seu irmão (A. O.) para liquidação parcial da quantia que a interveniente havia pago pela aquisição do veículo automóvel da marca Jaguar atrás identificado.
50- Inicialmente a Recorrente guardava esta importância dissimulada entre peças de vestuário, numa gaveta de um armário existente no seu quarto de dormir.
51- Mas, a seguir ao assalto á sua residência em 13/11/2016, entendeu por bem retirar o dinheiro de casa e guardá-lo no porta-luvas do seu veículo automóvel (ou seja, no veículo Mercedes Benz que ao longo desta peça se tem referido), por entender que ali o dinheiro estaria mais seguro, pois estava guardado em receptáculo fechado á chave e o veículo dispunha de alarme.
52- Diga-se em abono da verdade que em parte alguma do despacho recorrido ou nos autos está minimamente indiciado que esta quantia esteja conexionada com a actividade criminosa em investigação.
53- De todo o modo, tal não teria qualquer cabimento, pois o irmão da ora Recorrente não é arguido no processo nem em qualquer momento ou por qualquer forma beneficiou dos factos ilícitos imputados indiciariamente ao seu pai (o arguido, J. O.) - (vide: artº 110º nº 1, do C.P.).
54- Estando ainda excluída a possibilidade desta quantia apreendida ser declarada perdida a favor do Estado, uma vez que quer a ora recorrente quer o seu irmão (atrás identificado) não concorreram, de forma censurável, para a utilização daquele bem, assim como dos factos criminosos imputados ao arguido (seu pai) não retiraram nem virão a retirar qualquer vantagem (vide: artº 110º nº 2 do C.P.).
55- Assim, é claro e inequívoco que aquela quantia de 4.100,00€ entregue pelo irmão da ora recorrente a esta, nada tem de ilícito ou menos transparente, pelo que deve ser ordenado o levantamento da apreensão e restituída de imediato á Recorrente sua legítima proprietária.
56- Numa carteira/porta documentos, de uso pessoal, pertencente á ora Recorrente foram apreendidos cerca de 3.000,00€ em notas diversas.
57- Ora tal quantia pertence á Recorrente, sendo que parte dessa quantia, concretamente 2.500,00€ é proveniente de doação remuneratória que lhe fez o seu tio (o já aludido J. S.) pelos serviços que a Recorrente lhe prestou nos preliminares e na formação do Contrato de Promessa de Partilha atrás referido.
58- O restante, cerca de 500,00€, era montante que levantou das suas contas bancárias para fazer face aos gastos normais e às despesas de saúde da sua mãe, a qual com alguma frequência tem que ser submetida a “Diálise Peritoneal” no hospital.
59- Nada é dito no despacho recorrido nem no processo-crime em apreço sobre a mera hipótese desta importância ter conexão com a actividade criminosa em investigação.
60- Assim, mais uma vez se reitera sempre a propósito, que a ora Recorrente não é arguida no processo nem em qualquer momento ou por qualquer forma beneficiou dos factos ilícitos imputados indiciariamente ao seu pai (o arguido, J. O.) - (vide: artº 110º nº 1, do C.P.).
61- Pelo que, a importância de cerca de 3.000,00€, existente numa carteira de uso pessoal da Recorrente, apreendida tem proveniência licita e, por isso, deve ser levantada a apreensão e restituída à Recorrente sua legítima proprietária.
62- Por outro lado, afirma-se no douto despacho recorrido, sem qualquer base de sustentação, que o arguido, J. O., pai da ora recorrente usa o imóvel propriedade desta como sua habitação, e que o veículo “Mercedes” era de uso exclusivo do arguido J. O..
63- Tal não corresponde á verdade, desde logo, após o divórcio do arguido com a mãe da ora recorrente (ocorrido em 22/10/2012), este passou a residir na Rua de …), Concelho de V.N. de Famalicão, na companhia de uma senhora com quem estabeleceu uma relação congénere á dos cônjuges, ou seja, em união de facto. Aliás, a recorrente até lhe repugna falar desta união tal a proximidade de parentesco entre aquela senhora e a sua mãe, e ademais foi esta situação de infidelidade que gerou o divórcio entre os seus pais.
64- Veritas, os pais da Recorrente acordaram em sede de partilhas extrajudiciais, celebradas após o seu divórcio, em doar o imóvel onde foi levada a cabo a Busca Domiciliária á ora Recorrente.
65- Nesse imóvel, sito na Rua Dr. …, Santo Tirso (doado á Recorrente), a partir de 22/10/2012 passaram apenas a coabitar permanentemente a Recorrente e a sua mãe.
66- O pai da Recorrente (o Arguido, J. O.) ausentou-se daquele domicílio no dia imediato ao divórcio fixando residência na Rua …, V. N. de Famalicão, facto que consta da base de dados da Conservatória do Registo Civil.
67- No entanto, devido a um assalto que ocorreu no domicílio da recorrente, concretamente em 13/11/2016, esta pediu ao arguido J. O. (seu pai) para nos dias imediatos ao assalto e principalmente nos fins de semanas seguintes que pernoitasse no domicílio desta, a fim de transmitir alguma segurança e atenuasse o medo e a intranquilidade que sentia, pelo menos enquanto tratava da instalação de sistemas de proteção (alarme e câmaras de vigilância).
68- Foi devido a esta contingência que o arguido foi surpreendido em casa da Recorrente no dia 28/11/2016 (data da realização da busca domiciliária) a dormir no quarto que era utilizado pelo irmão da Recorrente sempre que este ali se deslocava em visita.
69- A propósito do assalto atrás referido, diga-se que este lamentável episódio está devidamente comprovado nos autos através de um documento da GNR que demonstra a apresentação de queixa naquela autoridade (docº nº2 adjunto com o requerimento apresentado pela recorrente aquando deduziu a sua Intervenção Incidental Espontânea).
70- Contudo, perante a decisão prescrita no douto despacho em crise torna-se necessária a junção do documento que adveio agora à posse da recorrente (em 02/02/2017) que comprova a existência sem margem para qualquer dúvida do lamentável assalto ao domicílio da recorrente.
71- Assim, ao abrigo do disposto no artºs 425º e na 2ª parte do art.º 651º, n.º 1, ambos do Código Processo Civil, a recorrente requer a junção do seguinte documento:
- Notificação e despacho de arquivamento proferido no Procº de Inquérito nº 368/16.7GBSTS iniciado pela queixa apresentada pela ora recorrente, contra autores desconhecidos, da prática de um crime de furto qualificado perpetrado na sua residência.
72- É falso por não corresponder á verdade que o Arguido, J. O. (pai da Recorrente) utilizasse o imóvel propriedade da Recorrente como sua habitação, pois este tem habitação própria e permanente, conforme atrás já se referiu, onde vive com a sua actual companheira.
73- Também é falso e, por isso, sem qualquer base de sustentação, que o aludido arguido, utilizasse constantemente o veículo da marca “Mercedes Benz” propriedade da recorrente.
74- A recorrente é quem utilizava frequentemente este seu veículo, mas recorda-se que o emprestou um par de vezes em ocasiões pontuais ao Arguido (seu pai), por este não ter disponível o seu veículo habitual (AUDI A5 com a matricula JD). Após, a curta utilização o Arguido devolvia-o á Recorrente, e reitera-se estes empréstimos ocorreram duas ou três vezes no máximo.
75- O aludido arguido nunca dispôs de qualquer domínio sobre o veículo em causa, aliás, o veículo era compropriedade da Recorrente e do então seu companheiro, C. G., e só após a cessação da união de facto o veículo passou a ser propriedade exclusiva da Recorrente.
76- Daqui resulta que soçobram os fundamentos estruturais do douto despacho recorrido.
77- A propriedade privada é um direito constitucional (artº 62º da CRP).
78- “…se a Constituição da República, através do artº 62º confere o direito de aquisição de propriedade, bem como da atribuição de uma justa indemnização em caso de restrição ou ablação desse mesmo direito, não pode deixar de se inferir, desse mesmo normativo, que tais injunções constitucionais concedem igualmente segurança ao cidadão contra qualquer privação arbitrária do seu direito de propriedade” (Acórdão da Relação do Porto, de 24/05/2006).
79- Este Acórdão, com elevada mestria e apurada fundamentação, vai ao encontro da norma do artº 17º, nº2 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, mediante a qual “qualquer pessoa tem direito de não ser arbitrariamente privada da sua propriedade ou de um direito patrimonial de que seja titular”.
80- De acordo com o disposto no artº 186º nº1 os objetos apreendidos são restituídos a quem de direito, por isso, a ora Recorrente apresentou provas documentais contundentes, que de per se, eram suficiente para o reconhecimento do direito por si invocado.
81- Maxime, a apreensão de bens tem como regra base o princípio da necessidade. Logo que o mesmo cesse, impõe-se observar a restituição dos objetos apreendidos.
82- Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da CR e da CEDH – 3ª edição – Ed. Universidade Católica, fls 504 refere: “Os objectos apreendidos devem ser restituídos aos respectivos proprietários ou possuidores quando se verificar que os pressupostos da apreensão se não mantém, sejam os objectos propriedade do arguido ou de terceiras pessoas”.
83- É, assim, indiscutível e incontornável, atento os documentos probatórios adjuntos, que os bens apreendidos á recorrente não têm qualquer relação com os factos típico-legais indiciariamente imputados ao arguido (J. O.), pai da ora Recorrente.
84- Nestes termos, todos os bens supra enunciados foram indevidamente apreendidos á Recorrente, pois são bens lícitos e como tal não podem nem serão declarados perdidos a favor do Estado.
85- Ademais, dúvidas não restam quanto á oportunidade de revogação da medida de apreensão de bens.
86- Esta deverá ser a opção legal e correta, para evitar actos suscetíveis de acarretar prejuízos e responsabilidade civil pelos danos indevida e injustificadamente causados.
87- NESTE SENTIDO: ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DO PORTO, DE 14 DE OUTUBRO DE 2009, RELATOR: EXMº JUIZ DESEMBARGADOR LUÍS TEIXEIRA, DISPONÍVEL EM DGSI.PT.
88- Incontornável é que o acto de apreensão de bens pertencentes à Recorrente padece de ineficácia jurídica na modalidade de invalidade, ou seja, o acto de apreensão existe materialmente, mas sofre de vícios (falta de verificação dos pressupostos em que foi alicerçada, e não faz parte da matéria indiciária em investigação no processo, o que justifica a não produção de efeitos jurídicos e, por isso, deverão V.Exas. Senhores Desembargadores revogar a medida de apreensão e ordenar a imediata restituição dos bens apreendidos á ora recorrente (identificados nas alíneas a) a f) desta motivação), atentas as provas inequívocas e categóricas que produziu.
89- Ao presente recurso deverá atribuir-se subida imediata, ao abrigo do disposto no artº 407º nº1 e 401º nº 1 al. d), ambos do CPP.
90- TERMOS EM QUE, E NOS QUE V.EXAS. SUPERIORMENTE SUPRIRÃO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A MEDIDA DE APREENSÃO DOS BENS ATRÁS IDENTIFICADOS, E CONSEQUENTE ENTREGA IMEDIATA Á ORA RECORRENTE, CONFORME FOI EXPOSTO E É DE JUSTIÇA.”
Contra-alegou, ainda em 1ª instância, o M.P. Para si, os bens apreendidos têm relação com o Pai da requerente, arguido nos autos ou pertencem-lhe mesmo. Sustenta pois, a improcedência do recurso interposto.
Tendo tido vista no processo já neste Tribunal da Relação, a Dignm.ª Procuradora Geral Adjunta sustentou que as conclusões do recurso não estavam suficientemente condensadas, pelo que deveria o arguido recorrente ser notificado para aperfeiçoar o seu recurso nos termos do disposto no art.º 417º/3 C.P.P., sob pena de improcedência do mesmo.
Notificado nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P., referiu em síntese o arguido não ter sintetizado propositadamente os factos, para que eles não faltassem nas conclusões, para teses mais rigoristas. Termina referindo entender que não se justifica o citado despacho de aperfeiçoamento, referindo porém e também, que cumprirá o que lhe for determinado.
Por despacho que consta supra, decidiu-se já que os autos deverão continuar com o recurso interposto, não havendo pois necessidade de qualquer notificação para aperfeiçoamento.
O recurso vai ser julgado em conferência, como dispõe o art.º 419º/3, b), C.P.P.

2 – Fundamentação

Para uma melhor apreciação das questões em apreciação, transcrever-se-á de seguida e na íntegra, a decisão recorrida:
“M. O., solteira, maior, portadora do cartão de cidadão n° …, e com o NIF …, residente na Rua Dr …, concelho de Santo Tirso, veio deduzir intervenção incidental espontânea e requerer a revogação da medida de apreensão de bens ao abrigo do disposto no artigo 178°, n°6 do CPP e ordenar a imediata restituição dos bens apreendidos à interveniente por ter provado terem proveniência lícita e ser a legítima proprietária.
Refere-se a requerente a um relógio de pulso da marca Diesel, um veículo automóvel de marca Mercedes Benz, modelo C 220, bluetec, com a matrícula PC, um veículo da marca Jaguar X TYP 2.0, do ano de 2004, com a matrícula VV, uma mochila da marca Samsonite, de cor cinzenta, contendo no seu interior a quantia de € 30.000,00, e que se encontrava na mala do veículo Mercedes atrás identificado, um envelope com € 4.100,00, que se encontrava no interior do referido veículo Mercedes, numa divisória fechada à chave, divisória essa vulgarmente designada por porta-luvas, e cerca de € 30.000,00 existentes numa carteira/porta- documentos de uso pessoal, que se encontrava também no interior do veículo da marca Mercedes referido anteriormente.

Alega para tal e em síntese:

- no dia 28-11-2016, em cumprimento de mandado de busca emitido nos presentes autos em que é arguido o pai da requerente, J. O., foi realizada busca domiciliária no imóvel sito na Rua Dr …, Concelho de Santo Tirso, de que a interveniente é proprietária e legítima possuidora;
- com a requerente apenas coabita em economia doméstica conjunta a sua mãe A. A.;
- o pai da requerente divorciou-se da sua mãe a 22-10-2012 e a partir desse momento fixou residência na Rua de ..., VN Famalicão;
- por a casa ter sido alvo de um assalto a 13-1 1-2016, a requerente pediu ao pai para nos dias imediatos e fins-de-semana seguintes pernoitar no domicílio da requerente para que esta e sua mãe se sentissem mais protegidas enquanto não eram instalados sistemas de alarme e câmaras de vigilância;
- nos termos do artigo 110°, n°2 CP, está excluída a possibilidade dos bens apreendidos à requerente serem declarados perdidos a favor do Estado uma vez que não concorreu de forma censurável para a utilização de qualquer desses bens, assim como dos factos criminosos indiciariamente imputados ao arguido a requerente não retirou nem virá a retirar qualquer vantagem;
- a requerente é gestora de Recursos Humanos, auferindo um vencimento líquido mensal entre os €975,29 e os €1.001,79;
- o relógio de pulso da marca Diesel foi por si adquirido a 25-11-2016 na ourivesaria AP, Lda, e foi pago através de cartão de multibanco associado à conta de que é titular no Banco A, SA;
- o veículo automóvel da marca Mercedes Benz modelo C 220 bluetec, com a matrícula PC, é propriedade da requerente, tendo sido adquirido na constância da união de facto com o seu companheiro em comum e partes iguais, através da celebração de um contrato de aluguer de longa duração, tendo-lhe sido adjudicado aquando da divisão dos bens quando puseram fim à união de facto; a requerente vendeu um veículo que constituía seu bem próprio,um Renault com a matrícula JS, sendo o produto da venda aplicado na liquidação antecipada da dívida (rendas do contrato ALD) que incidia sobre o veículo que lhe foi adjudicado na operação de divisão de coisa comum (o referido Mercedes Benz);
- o veículo de marca Jaguar X- TYP 2.0, do ano de 2004, com a matrícula VV, é propriedade da requerente, que o adquiriu por € 5.000,00 em duas prestações, a primeira no ato de entrega do veículo e outra na entrega dos documentos do veículo ; a requerente tê-lo-ia pago por movimentos debitados na sua conta de depósitos à ordem de que é titular no Banco B;
- a quantia de € 30.000,00 acondicionada numa mochila de uso pessoal, da marca Samsonite, de cor cinzenta, encontrada na mala do veículo Mercedes teria sido entregue à requerente pelo tio, J. S., a 26-11-2016 para proceder ao pagamento das tornas aos co-herdeiros por óbito dos avós paternos da requerente; como era um sábado, a requerente entendeu só dar início ao pagamento aos credores de tornas no início da semana imediata; e por ter sido assaltado recentemente o seu domicílio resolveu dissimular a mochila onde acondicionou o dinheiro na mala do veículo Mercedes por ter alarme e ficar guardado em garagem fechada, menos vulnerável a atos como os perpetrados no domicílio;
- o envelope contendo, em notas diversas, a quantia de € 4.100,00 que se encontrava fechado à chave no porta-luvas do veículo Mercedes Benz com a matrícula PC, foi entregue à requerente pelo seu irmão A. O., para liquidação parcial da quantia que a requerente havia pago pela aquisição do veículo automóvel da marca Jaguar, veículo cuja propriedade iria transferir para o seu irmão mediante o recebimento do valor transacionado de € 5.000,00;
- após o assalto a requerente passou a guardar essa quantia no porta-luvas do seu veículo automóvel por entender que ali o dinheiro estaria mais seguro pois estava guardado em recetáculo fechado à chave e o veículo dispunha de alarme.
- numa carteira/porta-documentos de uso pessoal pertencente à requerente foram apreendidos cerca de € 3.000,00 em notas diversas; € 2.500,00 dessa quantia são provenientes de doação remuneratória que lhe fez o seu tio J. S. pelos serviços que a requerente lhe prestou nos preliminares e na formação do contrato de promessa de partilha; os restantes € 500,00 foram levantados das suas contas bancárias para fazer face aos gastos normais e às despesas de saúde da sua mãe, a qual com alguma frequência tem de ser submetida a diálise peritoneal no Hospital.
Notificado o Ministério Público para tomar posição sobre o requerido, veio pronunciar-se a fls. 50 e ss.
A requerente juntou 16 documentos e arrolou quatro testemunhas. No entanto, tendo em conta os factos alegados, torna-se desnecessária a sua inquirição.
Cumpre decidir.

Factos Indiciados (com relevância para a decisão a proferir)

1- Os bens cuja revogação da apreensão a requerente pede foram-no na casa propriedade da requerente, obtida por doação do arguido no inquérito, seu pai, e de sua mãe, e habitando a requerente com os seus pais na referida habitação.
2 - A requerente é gestora de recursos humanos na Empresa A-Indústrias Textêis, SA, auferindo o vencimento de cerca de € 1.001,79.
3- O relógio de pulso da marca Diesel foi por si adquirido a 25-11-2016 na ourivesaria AP, Lda., e foi pago através de cartão de multibanco associado à conta de que é titular no Banco A, SA.
4 - O veículo automóvel da marca Mercedes Benz modelo C 220 bluetec, com a matrícula PC, é propriedade da requerente, tendo sido adquirido na constância da união de facto com o seu companheiro em comum e partes iguais, através da celebração de um contrato de aluguer de longa duração, tendo-lhe sido adjudicado aquando da divisão dos bens quando puseram fim à união de facto.
5 - O veículo de marca Jaguar X- TYP 2.0, do ano de 2004, com a matrícula VV, é propriedade da requerente, que o adquiriu por € 5.000,00.

Fundamentação

De Facto

A matéria suficientemente indicada resulta de certidão do registo predial de fis 16 e 17, onde se comprova o registo do imóvel em nome da requerente por doação dos progenitores, dos recibos de vencimento da requerente de fis 19 e 20, da fatura de fis 21 e extrato de conta bancária de fis 22, do registo do veículo Mercedes em nome da requerente na Conservatória do Registo Automóvel a fis 23, contrato de divisão de coisa comum por extinção de união de facto de fis 24 e ss., contrato de aluguer de longa duração de fis 27 e ss., fatura de rescisão do aluguer em nome de C. G., a fis 31, registo do veículo de marca Jaguar em nome da requerente na Conservatória do Registo Automóvel a fis 34, declaração de venda provisória de fis 35.
Foi ainda considerada a declaração de fls. 38, em que o tio da requerente lhe confere poderes para o representar e pagar as tomas aos outros herdeiros nas partilhas extra- judiciais por óbito de seus pais, entregando-lhe na data de 26-11-2016 a quantia de €30.000,00. No entanto, o documento de fls. 40, titulado contrato-promessa de partilha dispõe claramente que na data de 7-1 1-2016 o tio da requerente entregou a título de sinal e princípio de pagamento de tornas a cada irmão a quantia de € 1.000,00. A restante parte das tomas seria paga no dia da escritura pública de partilha a designar pelo tio da requerente e a comunicar a todos os outorgantes com a antecedência de 15 dias. Assim, os próprios documentos juntos pela requerente contradizem frontalmente a sua alegação de que o dinheiro apreendido era o recebido para pagar as tomas e que a requerente ia distribuí-lo por cada herdeiro nas respetivas proporções na segunda-feira seguinte.
De resto, apesar de a requerente alegar que era a única utilizadora do veículo Mercedes, os autos de vigilâncias n° 2,6, 10 e 11, no anexo de vigilâncias junto ao inquérito indiciam que quem o usava constantemente era o seu pai.
Não há quaisquer indícios de ter havido um assalto na casa da requerente, mas ainda que tivesse existido não alterava o facto de estar suficientemente indiciado nos autos que o arguido seu pai usa o imóvel da requerente como sua habitação, e que o veículo Mercedes era de uso exclusivo do arguido J. O., como se afere do anexo de vigilâncias n° 2, 6, 10 e 11, indicados no requerimento do Ministério Público a fis 51.
Quanto ao veículo de marca Jaguar, resulta dos autos que a busca a essa viatura foi realizada com o consentimento expresso do arguido J. O., que se apresentou como seu utilizador e assinou o auto de busca, como bem aponta o Ministério Público. Assim, está suficientemente indiciado que, apesar de registada em nome da sua filha, o arguido utilizava a viatura, considerando-se seu dono.
Finalmente, quanto ao relógio de pulso de marca Diesel, foi apreendido no interior do quarto utilizado pelo arguido, como resulta do auto de busca, o que indicia fortemente pertencer-lhe.

De Direito

A apreensão de bens é determinada em processo penal para conservar provas e reter objetos que, em razão do crime com que estão relacionados, podem ser declarados perdidos a favor do Estado.
O Ministério Público detém a competência material para dirigir o inquérito, o que implica investigar a existência de um crime, determinar quem são os seus agentes, e os seus graus de responsabilidade, e descobrir e recolher provas.
Assim, a esta magistratura compete a decisão sobre a necessidade ou desnecessidade de manter uma apreensão para efeitos de prova e decidir sobre a entrega dos objetos e bens apreendidos.
No entanto, quem se sentir lesado no seu direito de propriedade com a apreensão pode requerer ao juiz de instrução a modificação ou revogação da medida- artigo 178°, n°6 introduzido pela Lei 59/98 de 25-8. Nas palavras de Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2ª edição, Universidade Católica Editora, p. 491: “o proprietário do objecto ou bem apreendido, seja arguido no processo ou não, pode a qualquer momento requerer ao juiz de instrução que proceda à modificação ou revogação da decisão do Ministério Público. Esta faculdade pode também ser exercida pelo possuidor legítimo do bem apreendido (acórdão do TRP de 2 1-1-2004, in CJ, XXIX, 1, 203). (...) o legislador teve em mente a propriedade de bens perecíveis e de fácil deterioração, cuja apreensão pode tomar-se uma medida de facto definitiva com o decurso do tempo e a consequente inutilização prática do bem. Mas se o propósito do legislador foi o de proteger a propriedade, fê-lo de modo que contraria a distribuição de poderes na fase de inquérito, enxertando um incidente judicial e contraditório sobre a propriedade no inquérito e tomando o juiz de instrução uma instância de “recurso” do MP. A decisão do Ministério Público de restituição de um objecto apreendido não é passível de sindicância nos termos do artigo 178°, n°6 (acórdão do TRL, de 5-12-2005, in CJ, XXX, 5, 143)”.
Também os Acórdãos do TRC de 1-7-2015 e TRP de 29-9-2010 e 24-5-2006 se pronunciaram no sentido da admissibilidade de um incidente judicial e contraditório para proteger a propriedade, sindicando judicialmente a decisão de apreensão.
A este propósito dispõe o artigo 178°, n°1 Código de Processo Penal: “São apreendidos os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objectos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros susceptíveis de servir a prova”.
E o artigo 109°, n°1 do Código Penal: “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a perda não tem lugar se os objectos não pertencerem, à data do facto, a nenhum dos agentes ou beneficiários, ou não lhes pertencerem no momento em que a perda foi decretada”.
Tratando-se de objeto pertencente a terceiro, dispõe o artigo 110º, n°2 do Código Penal: “Ainda que os objectos pertençam a terceiro, é decretada a perda quando os seus titulares tiverem concorrido, de forma censurável, para a sua utilização ou produção, ou do facto tiverem retirado vantagens; ou ainda quando os objectos forem, por qualquer título, adquiridos após a prática do facto, conhecendo os adquirentes a sua proveniência”.
No caso em apreço, resultou suficientemente indiciado que os bens apreendidos o foram na casa propriedade da requerente, obtida por doação do arguido no inquérito, seu pai, e de sua mãe, e habitando a requerente com os seus pais na referida habitação.
Bem como resultou suficientemente indiciado que todos os objetos apreendidos cuja revogação da apreensão é pedida se encontram indiciariamente conexionados com a atividade ilícita do arguido investigada nos autos. Pelo que servem de prova e estão indiciados como produto da atividade criminosa do arguido.
De facto, apesar de a requerente alegar que os bens são seus, os seus rendimentos provenientes da sua atividade laboral, de cerca de €1.000,00 mensais, não lhe permitem ter a capacidade económico-financeira para adquirir e sustentar os dois veículos automóveis de gama alta, e juntar as quantias de € 30.000,00, € 4.100,00 e € 3.000,00 que se encontravam dentro do veículo Mercedes, ou pagar relógios de pulso que custam quase metade do seu ordenado mensal.
Além do mais, encontrando-se os autos de inquérito ainda em fase de investigação, com diligências em curso, sem ter sido ainda proferida acusação, seria prematuro ordenar o levantamento da apreensão, mesmo de bens registados em nome de terceiro, e apesar da presunção que o registo fornece quanto à propriedade, pois mesmo os bens pertencentes a terceiro podem ser decretados perdidos a favor do Estado, se se reunirem os requisitos do artigo 1100, n°2 Código Penal. Em sentido idêntico João Conde Correia, em Apreensão ou Arresto Preventivo dos proventos do Crime?, RPCC, 25, 2015, p 505 e ss. E Joel Pereira, Perdidos a Favor do Estado: e se os bens forem de terceiro?, Revista O Advogado, II série, Setembro 2006.

Decisão

Pelo exposto, mantenho a apreensão dos bens cuja revogação da medida de apreensão foi requerida.
Custas pela requerente, que se fixam em 1 UC, atento o tempo e meios dispendidos a que deu causa - artigo 521°, n°1 Código de Processo Penal.
Notifique.”

2.1. – Questões a Resolver

2.1.1. – Da Apreensão de Bens em Processo Crime
2.1.2. – Deve Determinar-se o Levantamento da Apreensão Realizada, Restituindo-se à Requerente os Bens Respetivos?

2.2. – Da Apreensão de Bens em Processo Crime

A apreensão de bens vem prevista no art.º 178º C.P.P. Pode ser determinada em qualquer fase do processo pela autoridade judiciária que o dirige (art.º 178º/3 C.P.P.) e quando “tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituíram o seu produto, lucro, preço ou recompensa e bem assim todos os objetos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros, suscetíveis de servir a prova”.
É pois extensa, a causa das apreensões.
Tentando sintetizar, diz Vinício Ribeiro, “Código de Processo Penal – Notas e Comentários”, 2ª Ed., Coimbra Editora, 2 011, Coimbra, pág. 480,
“A apreensão, embora se destine essencialmente a conservar provas reais, visa também garantir a efetivação da privação definitiva do bem”.
Ou, como diz Santos Cabral, “Código de Processo Penal Comentado”, vários Conselheiros, 2ª Ed., Liv. Almedina, Coimbra, 2 016, pág. 700,
“A apreensão destina-se essencialmente a conservar provas reais e, bem assim, objetos que em razão do crime com que estão relacionados, podem ser declarados perdidos a favor do Estado”.
Temos pois, por um lado, os objetos relacionados com o crime e por outro, os que podem ser declarados perdidos a favor do Estado ou até restituídos ao ofendido, caso os factos indiciários se provem.
Perda a favor do Estado que incide, primariamente, sobre os objetos próprios do agente do crime (art.º 109º/1 C.P.). Com efeito e nos termos deste dispositivo, devem ser declarados como perdidos a favor do Estado, os “objetos que tiverem servido ou estivessem determinados a servir para a prática de um facto ilícito típico ou que por este tivessem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em risco a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos”.
Mas, que pode também incidir sobre bens de terceiro. É que, pode ser determinada a respetiva perda “quando os seus titulares tiverem concorrido, de forma censurável, para a sua utilização ou produção, ou do facto tiverem retirado vantagens; ou ainda quando os objetos forem, por qualquer título, adquiridos após a prática do facto, conhecendo os adquirentes a sua proveniência” – art.º 110º/2 C.P.
Devem ainda ser declarados perdidos, “sem prejuízo do ofendido ou dos terceiros de boa fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através de facto típico ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie” – art.º 111º/2 C.P.
É assim ampla, a possibilidade de perda de bens, quer para o agente da infração, quer para um terceiro que não esteja de boa fé ou conheça a origem ilícita, dos bens a declarar perdidos.
De ainda dizer-se que, estando este processo em fase de Inquérito, a competência para determinar ou validar a apreensão é única e exclusivamente do M.P. Só é da competência do Juíz de Instrução e, naturalmente, da instância de recurso, o conhecimento de pedido de modificação ou revogação da medida (art.º 178º/6 C.P.P.). É este o caso dos autos, em que a requerente M. O., filha do arguido J. O., pretende que os bens a que se reporta o seu recurso são seus e não há razão para que se mantenham as apreensões.

2.1.2. – Deve Determinar-se o Levantamento da Apreensão Realizada, Restituindo-se à Requerente os Bens Respetivos?
Depois da apreensão, não basta pois à requerente demonstrar indiciariamente, apenas que os bens lhe pertençam. Deve também concluir-se pois, que não é previsível que sejam objeto de perdimento, a final. Ou por outra: Deve decorrer dos autos, que há alguma probabilidade de tais bens servirem para a prova do crime ou poderem vir a ser declarados perdidos, a final.
Desde já deve dizer-se uma outra coisa: os crimes em investigação podem determinar grandes ganhos económicos, os objetos e bens apreendidos têm já um valor elevado ou apreciável e a requerente apenas ganha cerca de 1 000€ (mil euros)/mês – cfr. recibo de vencimento de fls. 20. Não parece pois ter suporte económico para os adquirir ou manter, sendo também óbvio, em termos abstratos, que é junto de familiares diretos que muitas vezes se ocultam bens com proveniência ilícita.
Aliás, ao seu Pai e arguido J. O. são indiciados os crimes de associação criminosa, falsificação de documentos e insolvência dolosa – cfr. despacho judicial que determinou as buscas, a fls. 167 destes autos.
A apreensão vem inserida no Título referente aos meios de obtenção de prova e, naturalmente que só depois da investigação concluída se poder ter uma noção exata, do que interessa para a prova e do que pode ser declarado perdido a favor do estado. Tal juízo tem pois a sua sede mais exata, no momento do despacho de encerramento do Inquérito. No momento atual, não deve antecipar-se tal juízo antes se devendo apenas sindicar se as apreensões podem fazer sentido, com vista aos referidos objetivos ou não.
Deve ainda ter-se em conta, que o despacho recorrido indicou factos indiciariamente provados, que a recorrente não põe em causa, não tendo cumprido nomeadamente, os ónus previstos no art.º 412º/3 e 4), C.P.P. Não se pode assim considerar que legalmente tenha sido posta em causa a matéria de facto indiciariamente provada, que consta do despacho recorrido.
Passemos agora mais concretamente, a cada um dos bens apreendidos e cuja restituição se requer.

Relógio de Pulso “Diesel”
Consta indiciariamente dos factos provados, que o relógio “Diesel” foi adquirido pela requerente, três dias antes da realização da busca – cfr. fatura de fls. 21 e extrato bancário da requerente de fls. 22. Porém, tudo indica que tenha sido apreendido, no interior do quarto que o arguido vinha usando.
Não se diz se o relógio adquirido ou apreendido é de homem ou mulher.
Deu-se também como facto indiciariamente provado, que o arguido habitava na casa da requerente, com esta e sua Mãe.
Ora, nada impede que a requerente tenha até eventualmente adquirido o relógio, para o dar a seu Pai. E, de qualquer forma, tudo indica que seria este o seu possuidor, porque apreendido no quarto que se indicia como utilizado pelo arguido. A posse confere a presunção da titularidade do direito real que representa (art.º 1268º/1 C.C.), pelo que o mesmo se presume do arguido, embora pago pela requerente.
E, mesmo que o não seja, deve ter-se em conta que, no extrato de conta da requerente de fls. 22, incidente sobre o período de 8/9/2016 a 25/11/2016, se verificam três “depósitos de valores”, nos valores de 285€ (duzentos e oitenta e cinco euros), 2100€ (dois mil e cem euros) e 1597€ (mil, quinhentos e noventa e sete euros), que não parecem justificados.
Quer como bem próprio do arguido, quer como bem de terceiro, pode ainda o mesmo vir a ser declarado perdido, nos termos do disposto nos arts.º 109º/1, 110º/2 ou 111º/2 C.P. E essa mera probabilidade basta para que, neste momento, se mantenha a apreensão.
Acresce que, conforme mandado de busca de fls. 171, o dito relógio foi encontrado naquela que é indiciada como a sua residência, sita na Rua Dr. … e justamente no quarto utilizado pelo buscado, conforme referência no auto de busca e apreensão àquela residência, constante nestes autos a fls. 172/174.
Pelo que, não deve ser levantada a apreensão do relógio marca “Diesel”, que se mantém apreendido.

Mercedes Benz C 220 Bluetec – matrícula “PC”
Decorre do n.º 4) da matéria de facto indiciada, que será propriedade da requerente, após adjudicação em divisão de bens decorrente do fim de união de facto.
Consta porém de quatro R.D.E.`s, que o arguido J. O., Pai da requerente, se desloca para encontros com outros indivíduos, nomeadamente o Advogado E. S., sempre ao volante do citado “Mercedes” “PC”. Trata-se de viatura de 2 014, naturalmente com bastante valor comercial e que, em 2 014 custou 40 243.90€ (quarenta mil, duzentos e quarenta e três euros e noventa cêntimos) – fls. 27.
A requerente e o seu ex-companheiro tiveram de pagar 14 850€ (catorze mil, oitocentos e cinquenta euros), para rescisão do ALD com a “Mercedes”, tendo o veículo sido adjudicado à requerente – fls. 24/25, 27/30, 31 e 32.
Mais uma vez, os montantes referentes à aquisição do veículo, rescisão do “ALD” e manutenção do mesmo, conjuntamente com o “Jaguar X TYP” são incompatíveis com o ordenado mensal da requerente, de cerca de 1 000€ (mil euros).
Importa pois, verificar ainda a forma de capitalização da requerente, para adquirir e manter estes bens. Como se disse, muito embora este veículo “Mercedes” seja seu, é também possível o perdimento de bens de terceiro, nos termos do disposto nos arts.º 110º/2 e 111º/2 C.P.
O arguido é o seu Pai, mantêm laços familiares estreitos e o mesmo aparece com regularidade, a usar o veículo.
Deve assim e por ora, manter-se também a apreensão do veículo “Mercedes C 220”.

Jaguar X TYPE 2.0 – matrícula “VV”
Trata-se do modelo icónico, da marca “Jaguar”.
Como decorre do ponto 5º da matéria indiciariamente provada, pertence à requerente, que o adquiriu em Agosto de 2 016, por 5 000€ (cinco mil euros) – fls. 34, 35, 36 e 37. Em 28 de Novembro de 2 016, ainda estava em seu poder.
Vai, alguém que não tem disponíveis 5 000€ (cinco mil euros) para a aquisição, comprar e manter um veículo antigo, com o perfil de clássico, com o que isso representa de despesas de manutenção (o indicado irmão da arguida)? E, sendo o carro para o seu irmão, regista-o a requerente em seu nome? E, mesmo sendo isso plausível, dispõe do capital necessário para adiantar uma aquisição ao irmão, que não é de um bem essencial?
Mais uma vez se entende que a questão de saber da origem do capital da requerente para fazer estas aquisições deve ser melhor investigada.
Até lá e porque é ainda provável futura decisão de perdimento, deve manter-se a apreensão, que nesta fase do processo se basta com esta mera probabilidade.
Embora o valor de aquisição não tenha sido demasiado alto – 5 000€ (cinco mil euros – estará em causa seguramente carro com mais de dez anos e com manutenção cara.
Quando o adquiriu – e independentemente do motivo – a requerente já era dona do “Mercedes C 220”, sendo que já em Outubro de 2 015 tinha pago metade de 14 850€ (catorze mil, oitocentos e cinquenta euros), para rescisão do A.L.D. referente a este.
Mais uma vez, a aquisição e manutenção do “Jaguar” e do “Mercedes” não é compatível com o seu vencimento mensal, de cerca de 1 000€ (mil euros). Tal como o não é o adiantamento da quantia para pagamento do carro a um irmão seu, não sendo este um bem essencial e ganhando a mesma mensalmente, cerca de 1 000€ (mil euros).
Deve assim e também por ora, manter-se a apreensão do citado “Jaguar X TYPE”.

Da Apreensão das Quantias de 30 000€, 4 100€ e 3 000€ dentro do Veículo “Mercedes”, Matrícula “PC”
Não obstante a crise bancária que ainda hoje se vive, não deixa de ser altamente suspeito que alguém tenha na sua posse quantias altas, como é o caso de 37 100€ (trinta e sete mil e cem euros), totalmente em dinheiro. Para mais e no caso dos autos, tais quantias estavam dentro do “Mercedes C 220” propriedade da arguida, mas como se disse já, regularmente utilizado por seu Pai, J. O., arguido nos autos. Isto, mesmo estando o carro na garagem e tendo alarme.
Normalmente, a existência de quantias altas em dinheiro denota vontade de esconder património ilicitamente obtido, de forma a posteriormente o branquear.
Vejamos as justificações da requerente.
No que se refere à quantia de 30 000€ (trinta mil euros), acondicionada numa mochila encontrada na mala do referido “Mercedes”, diz que foram entregues por seu Tio J. S., em 26/11/2016 – dois dias antes da busca realizada – para proceder ao pagamento das tornas aos co-herdeiros, por óbito dos avós paternos da requerente. Para isso, juntou os documentos de fls. 38/39 (declaração assinada peço Tio J. S., por si e duas testemunhas) e 40/41 (contrato-promessa de partilha, com entrega de sinal). Tratam-se assim, de meros documentos particulares.
Ora, lendo-se o dito contrato-promessa bem se vê que as tornas a pagar eram no valor de 49 999€ (quarenta e nove mil, novecentos e noventa e nove euros, ou sejam 40 000 + 833.33 + 4 583.33 + 4 583.33€), tendo já sido entregues a título de sinal 5 000€ (1 000€ a cada um dos quatro irmãos e ainda 1 000€ ao quinhão da irmã pré-falecida Maria). Ou seja: estariam em falta cerca de 45 000€ (quarenta e cinco mil euros ou sejam 49 999€ - 5 000€) e não os 30 000€ que a requerente alegou ter em seu poder, para pagamento das ditas tornas.
Acresce que, como consta do ponto 4º do aludido contrato-promessa, a restante parte das tornas seria paga apenas quando da celebração da escritura, não demonstrando a requerente que a mesma já foi feita, antes da busca realizada.
Mesmo que a quantia dos referidos 30 000€ (trinta mil euros) tivesse sido entregue apenas para pagamento a alguns dos herdeiros, continua a ser estranho que o pagamento a seis dos herdeiros seja feito em dinheiro, sabendo-se que o mesmo não deixa rasto e que assim, o pagador de tornas teria muita dificuldade em provar o efetivo pagamento das mesmas. O mais fácil e o mais comum, até numa perspetiva de prova do pagamento seria que o mesmo se realizasse por cheque ou transferência bancária. Desta forma é que é incomum.
Considera-se pois, que sendo a explicação da requerente muito pouco plausível e tendo este montante sido encontrado no automóvel “Mercedes” em que o seu Pai, ora arguido se movimentava, entende-se como muito mais provável que este montante lhe pertencesse a ele. Assim, porque suscetível de perdimento e demonstrativo da intenção de ocultar, facto comum no dinheiro obtido de forma ilícita, pode a apreensão servir para prova dos ilícitos em apreciação e ser o mesmo suscetível de perdimento (art.º 109º/1 C.P.).
Deve pois manter-se a apreensão desta quantia.
Quanto à quantia de 4 100€ (quatro mil e cem euros), fechada à chave no porta-luvas do dito “Mercedes”, diz a requerente que foi dinheiro que lhe foi entregue por seu irmão A. O., para pagamento parcial do “Jaguar” por ela adquirido, mas que se destinava ao seu irmão.
Mais uma vez, muito se estranha que o seu irmão tenha optado pelo pagamento em notas e não por transferência bancária ou cheque. E veja-se, que teria sido mais uma entrega de dinheiro à requerente, nos dias que antecederam a realização da busca.
Ora, a entrega em dinheiro é muito pouco cómoda, pois pressupõe geralmente o respetivo levantamento bancário ao balcão e sujeito a filas, ele também oneroso. É caso para que se diga que não se entende, a entrega de todos este dinheiro à requerente, por estes dias. Aliás, nem tão-pouco está em causa o correspondente à quantia adiantada pela requerente, na íntegra.
Mais uma vez e tratando-se de quantia escondida no “Mercedes C 220”, o mais provável é que tal quantia tenha sido dissimulada pelo Pai da requerente e arguido nos autos, J. O..
Importa ver a que título, sendo provável que lhe tenha advindo pela prática dos ilícitos em investigação, sendo por isso suscetível de perdimento (art.º 109º/1 C.P.) e meio de prova da intenção dissimulatória.
Deve assim também e por ora, manter-se a apreensão desta quantia.
Quanto à quantia de 3 000€ (três mil euros),pretensamente encontrada também no interior do veículo marca “Mercedes C 220”, numa carteira/porta documentos de uso pessoal.
Mais uma vez se estranha, a existência de mais dinheiro apreendido no dito veículo, utilizado pelo arguido J. O., Pai da requerente. Com efeito, tratar-se-ia da terceira apreensão de dinheiro, no dito veículo.
Ora e como bem refere o Dignm.º Procurador junto da 1ª instância, não aparece referência a tal quantia, no auto de apreensão efetuada no interior da dita viatura “Mercedes” – cfr. auto de busca e apreensão ao dito “Mercedes”, constante destes autos a fls. 177/178.
Não se mostrando a mesma apreendida como bem refere o M.P. em 1ª instância, não pode a mesma ser devolvida.
Improcede pois e na íntegra, o recurso apresentado pela interveniente M. O..
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Termos em que se decide,

3 – Decisão

a) julgar totalmente improcedente, o recurso apresentado pela interveniente M. O., mantendo-se pois a decisão recorrida.
b) Custas pela recorrente, com 3 (três) U.C.`s de taxa de justiça – arts.º 513º a 515º C.P.P., por identidade de razão, 8º/9 e tabela 3), R.C.P.
c) Notifique.

(Pedro Cunha Lopes)
(Fátima Bernardes)