Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2931/18.0T8VCT-A.G1
Relator: PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: PRESCRIÇÃO EXTINTIVA
PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
PRÁTICA DE ACTOS INCOMPATÍVEIS COM A PRESUNÇÃO DE CUMPRIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. A prescrição é um instituto por virtude do qual a contraparte pode opor-se ao exercício de um direito, quando este não se verifique durante certo tempo indicado na lei, que varia consoante os casos, e visa punir a inércia do titular do direito em fazê-lo valer em tempo útil e de tutelar os valores de certeza e segurança das relações jurídicas pela respectiva consolidação operada em prazos razoáveis.
II. Em regra, as prescrições são extintivas, o que significa que, completado o prazo de prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito – v. artigo 304º, nº 1 do CC
III. O devedor não precisa de alegar que nunca deveu ou que já pagou. Basta-lhe alegar e provar que já decorreu o prazo da prescrição, já que o mero decurso do prazo extingue o direito.
IV. Mas, ao lado das prescrições extintivas, há também as prescrições presuntivas – artigo 312º do Código Civil. Estas, são prescrições de curto prazo – seis meses ou dois anos – que se fundam na presunção de pagamento. Tal significa que a lei presumiu que decorridos tais prazos o devedor teria pago.
V. A prescrição presuntiva não tem, pois, o mesmo efeito que a prescrição extintiva, posto que o decurso do respectivo prazo não confere ao beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito, como se no nº 1 do artigo 304º do Código Civil, criando tão somente, como decorre do artigo 312º do C.C., a presunção de que o devedor cumpriu.
Decisão Texto Integral:
Recurso de Apelação em processo comum e especial

- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –

I. RELATÓRIO

Nos autos supra identificados foi proferido a seguinte decisão:

Os RR. vieram ainda suscitar a prescrição.
Referem os mesmos que o A. construiu a casa na qualidade de empreiteiro, sendo o prazo de prescrição, no caso, de dois anos. Acrescentam os mesmos que se presume o cumprimento e que não houve qualquer interrupção do prazo de prescrição.
Ora, em face da matéria alegada pelo A. temos de concluir que o mesmo não agiu como empreiteiro, mas sim como gestor de negócios, motivo pelo qual não se aplica o prazo de prescrição invocado.
Improcede assim a excepção de prescrição.

Descontentes os réus apresentam recurso que terminam com as seguintes conclusões:

1.- No douto despacho saneador elaborado nos autos, foi julgada improcedente
a excepção de prescrição invocada pelos RR, “em face da matéria alegada pelo A.” que levou à “conclusão” que este “agiu como gestor de negócios”, razão pela qual, entendeu o Meritíssimo Juiz a quo que “não se aplica o prazo de prescrição invocado.”
2.- Conforme se alegou em sede de contestação:
- o Autor dedicou-se toda a vida à actividade da construção civil, como profissão, e exercia-a enquanto corriam os anos de 2006 a 2009, em causa nos autos;
- por essa razão, o Réu C. Q. incumbiu-o de levar a cabo a construção da raiz da casa, como o próprio autor alega nos artigos 6º a 13º da p.i.
- nenhum dos Réus se dedica ou dedicou alguma vez à actividade de construção civil;
- nos artigos 4º a 13º, inclusive, da p.i., o Autor pede e alegadamente justifica, o pagamento das quantias alegadamente pagas pelos materiais e artes aplicados na aludida obra, e nos artigos 19º a 24º, inclusive, da p.i., o valor do trabalho por si alegadamente prestado com a edificação da aludida obra;
3.- Tudo que data entre o ano de 2006 e 2009.
4.- Os fornecimentos a que se reportam as facturas juntas aos presentes autos
integram a previsão da alínea b) do artigo 317º do Código Civil citado preceito, na medida em que se trata de créditos de quem exerce profissionalmente uma indústria
(de construção civil), pelo fornecimento de mercadorias, de produtos e execução de
trabalhos, incluindo despesas que alegadamente efectuou.
5.- Por outro lado, nada disso (materiais vendidos e trabalhos executados) foi
destinado pelos réus ao exercício do seu comércio ou indústria, mas antes empregues
na sua habitação, mais concretamente, na habitação do primeiro Réu.
6.-Tais factos não podem ser afastados dos temas da prova unicamente com base no que alega o A., como se fundamentou o douto despacho de que ora se recorre.
7.-Pelo que, a não se julgar procedente a invocada excepção, é imperativo que, pelo menos, tais factos (alegados nos artigos 23º a 44º da contestação) sejam objecto de prova nos autos, a fim de se decidir tal questão em sede de sentença final.
8.- Para além disso, ainda que se entenda conceder aceite que o A. agiu como gestor de negócios, é imperativo concluir pela procedência da invocada excepção, nos termos do disposto no nº 2 do mesmo já citado artigo 317º do Código Civil, uma vez que, nesse caso, tais créditos prescreveram no prazo de dois anos a contar da data da sua constituição, ou seja, na pior das hipóteses, no final do ano de 2011.
9.- Tratando-se aqui de uma prescrição presuntiva, nos termos do disposto no
artigo 312º do Código Civil, presumindo-se o seu cumprimento, uma vez que não ocorreu, como se alegou em sede de contestação, qualquer causa de suspensão
daquela prescrição.
10.- Nunca os Réus foram interpelados judicial ou extrajudicialmente para procederem ao pagamento das quantias peticionadas nestes autos, e nenhum acto do
Autor anterior à instauração da presente acção foi idóneo a interromper o decurso do
prazo de prescrição do crédito reclamado pela A, nos termos do disposto no artigo 323º do Cód. Civil.
11.- Tal como se referiu os créditos a que se reportam os presentes autos há
muito que prescreveram, excepção esta que expressamente se invocou para todos os
efeitos legais, que deveria ter sido julgada totalmente procedente no âmbito do douto
despacho de que ora se recorre e que não poderá ser ilidida por via dos presentes
autos. - Cf. o disposto no artigo 313º do C. C.
12.- Deve, em consequência e em conformidade, revogar-se, nessa parte, o
douto despacho de que ora se recorre, substituindo-o por outro que decida considerar
prescrito o crédito reclamado pelo Autor, nos termos melhor alegados na contestação
e resposta dos RR, com todas as consequências legais.
13.- Caso assim e não entenda, devem, de qualquer modo, os factos supra aludidos ser objecto de prova nos presentes autos, não se podendo concluir, como se concluiu no douto despacho de que se reclama, pela improcedência da invocada excepção, por manifesta falta de fundamento de facto e de direito para tal conclusão,
uma vez que se trata de matéria controvertida entre as partes.
14.- Deste modo, a não se entender como se alega na primeira parte deste recurso, sempre o despacho saneador elaborado deve ser revogado e alterado por outro que inclua nos temas da prova todos os factos controvertidos que contendem com a alegada excepção de prescrição e, consequentemente, alterar-se ainda o tema
da prova enunciado sob o ponto 4 em função da inversão do ónus da prova que a
procedência do presente recurso acarreta.
15.- É este o entendimento já pacífico na nossa Jurisprudência que se encontra
vertido, entre outros, no douto acórdão do TRL, de 31/03/2011, proc. Nº 411348/09.3YIPRT-B. L1-2- in www.dgsi.pt-
16.- A douta decisão recorrida violou, assim, por errada interpretação, o disposto nos artigos 312º, 313º, 317º e 323º, do Código Civil, e nos artigos 574º, 595º, 596º, inclusive, todos do Cód. Proc. Civil.

TERMOS EM QUE dando-se provimento ao presente recurso deve revogar-se o douto despacho de que se recorre e, por via disso, deve a excepção de prescrição invocadas pelos Réus C. Q., M. S. e M. P. e J. P. ser julgada totalmente procedente, por provada, com todas as consequências legais, revogando-se e alterando-se em conformidade o douto despacho saneador de
que ora se recorre,

Ou, se assim e não entender,

Deve revogar-se o douto despacho de que ora se recorre substituindo-o por outro que relegue para decisão final o conhecimento da alegada excepção e inclua nos temas da prova os factos alegados quanto a essa matéria, com todas as demais
consequências legais, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!

Os recorridos contra-alegam pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito devolutivo – artºs 629º, nº1; 644º, nº1, al. a); 638º; 645º, nº1, al. a) e 647º, nº1, do Código de Processo Civil.
Foram colhidos os vistos legais.

II. ÂMBITO DO RECURSO.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelos apelantes que a única questão a resolver traduz-se em saber se ocorreu a prescrição dos créditos do autor.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO
De Facto

De relevante para apreciação deste recurso considera-se o teor dos articulados juntos aos autos que aqui se reproduz -:

→. Petição inicial
J. F., casado, NIF ……, residente na R. …, Ponte de Lima
Vem propor contra
1- C. Q., divorciado, NIF ……, residente na R. …, Viana do Castelo
2- M. S., viúva, NIF ……;
3- M. P., solteira, maior;
4- J. P., solteiro, maior; todos residentes na R. …, Viana do Castelo
ACÇÃO DECLARATIVA EM PROCESSO COMUM
Nos termos e com os seguintes fundamentos:
DAS PARTES
1/
O 1º Réu e os 2º a 4ºs RR. são, conforme recentemente veio o autor a apurar, comproprietários do prédio misto denominado «Quinta …», descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº … – ..., o qual está inscrito a favor daqueles na proporção de metade ao 1º R. e metade, em comum e sem determinação de parte ao direito, aos demais, conforme certidão da Conservatória que se junta como doc. nº 1 e cujo teor se dá por reproduzido.
2/
O 1º R. esteve casado com a filha do A., S. N., entre 30/09/2006 e 14/12/2016, data em que se divorciaram por mútuo consentimento, conforme assento de casamento que se junta como doc. nº 2 e cujo teor se dá por reproduzido.
3/
O autor tem actualmente 74 anos, tendo-se dedicado toda a vida à construção civil, como profissão.
DOS FACTOS
4/
Poucos meses antes de contraírem casamento, o casal do 1º R. e filha do A. começaram a idealizar a construção de uma casa na indicada Quinta, que aquela julgava pertencer aos seus sogros, e onde já se encontrava implantada a moradia onde habitavam, e habitam, os 2º a 4ºs réus.
5/
Na sequência do que veio a ser edificada na dita «Quinta …» dos réus, uma casa térrea, com cinco divisões e 224m2 de área de implantação, mais garagem, conforme planta extraída do googlearth que se junta como doc. nº 3 e onde passaram a habitar até à sua separação.
6/
Para o efeito, o 1º réu fez elaborar projecto, através do arquiteto L. C., nos termos da cópia que se junta como doc. nº 4.
7/
Como dono da obra, o 1º R. incumbiu o autor para lhe tratar da construção de raiz da casa, nomeadamente da contratação de todas as artes e de pessoal para a obra, bem como da aquisição (pelo melhor preço) dos materiais, tendo combinado com o autor que seria ele, autor, a orientar os serviços, articulando directamente com o arquitecto.
8/
O autor, deitando «mãos à obra», escolheu e contratou empreiteiro para a obra de pedreiro (fundações, paredes exteriores, placas, assentamento de terras e cobertura), que foi a empresa A. R., Lda., com quem fez a marcação da obra.
9/
Após o que o autor escolheu e contratou trolha (O.), electricista e picheleiro (A. M.), isolamento térmico (C. R.) e outros, os quais foram executando a mesma, nas respectivas artes, sob suas directas ordens e supervisão, dele recebendo o respectivo pagamento pela mão de obra e material que na obra foram aplicados.
10/
Para tanto, o autor adquiriu e pagou os materiais necessários, tais como cimentos, areia, tijolos, vigas, malha sol, abobadilhas, ferro, perpianho, tubos, grelhas, soleiras, tinta, cerâmicos, caleiras, tectos falsos, vidros, caixilhos e outros, que empregou na obra.
11/
O autor fazia deslocações quase diárias à obra, percorrendo para o efeito, 20 a 25 Km/dia no seu veículo automóvel, e estava na obra todo o dia, quer para dar ordens e acompanhar de perto os trabalhos, quer para ajudar na execução dos mesmos.
Acontece que,
12/
Atenta a relação de confiança que existia com o 1º Réu o autor foi adiantando dinheiro para a obra. De modo que,
13/
Só no material adquirido para a obra, na mão de obra que contratou para a mesma e despesas conexas com alimentação do pessoal, o autor despendeu entre 14-06-2007 e 30-10-2009 a quantia total de 80.632,81€ (oitenta mil seiscentos e trinta e dois euros e oitenta e um cêntimos), assim discriminada:
(…)
Tudo conforme se comprova através dos respectivos documentos que se juntam como doc. s nºs 5 a 10, e cujo teor se dá por reproduzido.
14/
Como se vê dos mesmos, todos os indicados materiais e serviços pagos pelo autor foram facturados em nome do 1º réu C. Q., como dono da obra, que,
15/
todavia, não as pagou ainda ao autor.
16/
Mantendo-se em dívida até ao presente momento, apesar do 1º réu ter sido por várias vezes instado ao seu pagamento.
17/
E, bem assim, do 1º réu ter passado a nela habitar, uma vez pronta, logo em Junho de 2006, data em que o casal se mudou para lá.
18/
Aliás, é do conhecimento público que o 1º réu deve avultadas somas de dinheiro ao autor.
Acresce que,
Além da indicada importância despendida pelo autor, é-lhe devida remuneração pelas
deslocações e seu trabalho desenvolvido na obra entre Junho de 2007 e Junho de 2009.
20/
Esse trabalho traduziu-se na contratação dos empreiteiros, na aquisição dos materiais, na marcação da obra, no acompanhamento das diversas artes, nas reuniões com o arquitecto, na realização de trabalhos.
21/
Para o efeito, o autor deslocava-se de Vilar das Aves para ..., no seu veículo automóvel, pelo menos 4 dias por semana no período compreendido Junho de 2007 e Junho de 2009, percorrendo cerca de 50Km dia.
22/
Considerando que despendeu, para o efeito, e durante 24 meses, cerca de 16 dias de trabalho por mês e os usos e tarifas profissionais praticados à data,
23/
Pelo trabalho realizado e tempo despendido, o autor reclama o pagamento de quantia nunca inferior a 13.200,00€ correspondendo a uma remuneração mensal média nunca inferior a 550,00€.
24/
No valor total de 80.3632,81 + 13.200,00 = 93.832,81€ que peticiona.
25/
Refira-se que tudo foi feito pelo autor por conta e em conformidade com o interesse e a vontade do 1º réu, dono da obra, o que se presume quanto aos 2º a 4ºs réus, visto habitarem no local e terem acompanhado a evolução da obra diariamente, sem qualquer oposição.
26/
Sempre, e ainda, de acordo com as orientações próximas do arquitecto, a quem o 1º réu encarregou da gestão da obra em conjunto com o autor e que foi quem depois tratou das demais especialidades e acabamentos.
27/
O prédio de habitação, uma vez concluído, passou a fazer parte da dita quinta, dele usufruindo os réus. Aliás,
Como referido,
O 1º reu mora lá desde Junho de 2009, tendo aquela sido a casa de morada de família do casal, com a filha do A.
29/
Sendo a sua habitação exclusiva e permanente, onde pernoita, recebe a correspondência e os amigos e passa tempos de lazer.
30/
Fruindo de quanto o autor lá incorporou, nos termos supra descritos.
31/
Resulta do exposto que os réus, na qualidade de comproprietários do prédio onde se incorporou esta moradia – parcialmente construída e paga à custa do autor - são solidariamente responsáveis pelo pagamento do indicado valor de 93.832,81€ acrescido de juros à taxa legal desde a data do termo da sua intervenção (Novembro de 2009) e que até ao presente momento ascendem a 32.874,71€ e até integral pagamento.
NOS INDICADOS TERMOS e nos mais de direito deve a presente acção ser julgada procedente por provada e em consequência os 1º e 2 a 4ºs RR. condenados solidariamente a pagar ao autor a quantia de 93.832,81€ com juros à taxa legal desde Novembro de 2009 e que, até ao presente momento, ascendem a 32.874,71€ e até integral pagamento, nas custas e no que mais for de lei a seu
cargo.

→. Contestação

CONTESTANDO a presente acção comum que lhes move J. F., dizem os Réus C. Q., M. S., M. P. e J. P.: 1. - A presente acção não tem o menor fundamento moral ou jurídico.
2.- O Autor altera conscientemente a verdade dos factos por si vividos e sabidos, em ordem a convencer o Tribunal da bondade do seu pedido.
3.- Por esse motivo litiga de manifesta má-fé, razão pela qual deve ser condenado em multa e indemnização, nos termos do preceituado no artigo 542º do CPC.
A) POR EXCEPÇÃO

- DA ILEGITIMIDADE DOS RÉUS M. S., M. P. E J. P.

4.- Conforme decorre de todo o teor da douta petição inicial, todos os factos aí invocados que respeitem ao Réus indicados na p.i. sob os números 2,3 e 4 suprarreferidos, ocorrem sempre e apenas enquanto comproprietários de um prédio misto melhor descrito no artigo 1º da petição inicial, juntamente com o primeiro Réu C. Q..
5.- O pedido e a causa de pedir nestes autos contendem única e exclusivamente com a construção de uma moradia naquele prédio, por ordem do primeiro Réu e alegadamente pagas em parte pelo Autor.
6.- Tal moradia foi mandada construir pelo primeiro Réu C. Q. para ser a casa de morada do casal enquanto se encontrava casado com a filha do Autor.
7.- Os 2ª. 3ª e 4º Réus autorizaram o primeiro Réu a levar a cabo tal construção numa parcela de terreno inserida na Quinta que compõe o prédio melhor descrito no artigo 1º da p.i., e a requerer o destaque dessa parcela de terreno do aludido prédio, de modo a que se tornasse um prédio autónomo, tendo acordado em “dividir” o prédio entre si dessa forma.
8.- Sucede que, tendo dificuldade em proceder a esse destaque devido ao acesso à via pública da parte do prédio onde pretendia construir, o primeiro Réu decidiu fazer o inverso e construir primeiramente a moradia e os acessos e, só depois, proceder ao seu destaque.
9.- Para os 2ª, 3ª e 4º Réus, aquela parte do prédio onde se encontra edificada a moradia que deu origem aos factos alegados nestes autos, não lhes pertence desde a data em que acordaram com o primeiro Réu a “divisão” daquele prédio dessa forma.
10.- Até à partilha ou efectiva divisão do dito prédio, os 2ª, 3ª e 4º Réus autorizaram por contrato verbal que se constituísse sobre aquela parte do prédio um direito de superfície a favor do primeiro Réu, nos termos do disposto nos artigos 1524º e ss. do Código Civil.
Assim, 11. - Ainda que se provem verdadeiros os factos alegados pelo Autor, que não se concede, mas apenas por mera cautela se equacionam, nunca por nunca os co- réus M. S., M. P. e J. P. poderiam ser responsáveis pelo pagamento dos valores peticionados nestes autos.
12.- Relativamente a esses factos, conforme decorre sem qualquer sombra de dúvida do teor integral da p.i., estes Réus não tiveram qualquer intervenção, nem sequer como donos da obra, o que é aceite pelo Autor.
13.- Por essa razão, estes Réus não têm interesse em contradizer os factos alegados nesta acção e carecem em absoluto de legitimidade para nela intervir na qualidade de Réus.
14.- Assim sendo, não obstante serem comproprietários do prédio indicado no artigo 1º da p.i., a moradia em causa e a sua construção, apesar de não estar licenciada nem individualizada da restante quinta, estes Réus nada têm que ver com eventuais dívidas contraídas com a construção da dita moradia.
15.- O que se comprova pelos factos alegados na douta petição inicial, donde decorre que os factos em questão nos presentes autos têm origem num “contrato” entre o Autor e o primeiro Réu.
16.- Sendo o Autor, à data, sogro do primeiro Réu bem sabia da condição em que a moradia em causa estava a ser edificada, e nunca, até à data da instauração a presente acção, sequer contactou os 2ª, 3ª e 4º Réus para lhes pedir consentimento para levar a cabo qualquer obra no aludido prédio, ou para lhe pagarem o que quer que fosse.
17.- O simples facto de serem comproprietários de um prédio misto, no caso sub judice, não os torna responsáveis, nem solidariamente, pelo pagamento da aludida obra, que em momento algum foi por si contratada.
18.- Os Réus M. S., M. P. e J. P. são, assim, parte ilegítima nestes autos, nos termos do disposto nos artigos 30º e ss. do CPC, Para além disso,
19.- Percorrendo toda a douta petição inicial não encontramos nenhum facto alegado pelo Autor donde possa emergir o pedido contra formulado contra os aludidos 2ª, 3ª e 4º Réus.
20.- O que, de resto, como se disse, é reconhecido pelo Autor ao longo da sua douta petição inicial.
21.- Logo não há facto jurídico donde proceda a pretensão deduzida pelo Autor contra estes Réus.
22.-- Não há causa de pedir quanto ao pedido dirigido aos Réus M. S., M. P. e J. P., pelo que devem estes Réus ser absolvidos da instância – cfr. art. 278º, nº 1 al. d) do Cód. Proc. Civil.

SEM CONCEDER, ainda por excepção

B) DA PRESCRIÇÃO

23.- Tal como resulta do teor do artigo 3º da p.i., que se aceita especificadamente para não mais poder ser retirado, o Autor dedicou-se toda a vida à actividade da construção civil, como profissão, e exercia-a enquanto corriam os anos de 2006 a 2009, em causa nos autos.
24.- Por essa razão, o Autor levou a cabo a construção da raiz da casa, como o próprio autor alega nos artigos 6º a 13º da p.i, na qualidade de empreiteiro.
25.- Nenhum dos Réus se dedica ou dedicou alguma vez à actividade de construção civil.
26.- Nos artigos 4º a 13º, inclusive, da p.i., o Autor pede e alegadamente justifica, o pagamento das quantias alegadamente pagas pelos materiais e artes aplicados na aludida obra,
27.- e nos artigos 19º a 24º, inclusive, da p.i., o valor do trabalho por si alegadamente prestado com a edificação da aludida obra.
8.- Tudo que data entre o ano de 2006 e 2009.

Ora,
29.- dispõe o artigo 317º do Código Civil que “prescrevem no prazo de dois anos:
a) (...)
b) os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio, e bem assim os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, <incluindo as despesas que hajam efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor;
c) (..)
30.- Ora, os fornecimentos a que se reportam as facturas juntas aos presentes autos integram a previsão da alínea b) do citado preceito, na medida em que se trata de créditos de quem exerce profissionalmente uma indústria (de construção civil), pelo fornecimento de mercadorias, de produtos e execução de trabalhos, incluindo despesas que alegadamente efectuou.
31.- Por outro lado, nada disso (materiais vendidos e trabalhos executados) foi destinado pelos réus ao exercício do seu comércio ou indústria,
32.- mas antes empregues na sua habitação, mais concretamente, na habitação do primeiro Réu.
33.- Deste modo, tais créditos prescreveram no prazo de dois anos a contar da data da sua constituição, ou seja, na pior das hipóteses, no final do ano de 2011.
34.- Tratando-se aqui de uma prescrição presuntiva, nos termos do disposto no artigo 312º do Código Civil, presumindo-se o seu cumprimento.
35.- Acresce que, sempre se dirá que não ocorreu qualquer causa de suspensão daquela prescrição.
36.- Na verdade, nunca os Réus foram interpelados judicial ou extrajudicialmente para procederem ao pagamento das quantias peticionadas nestes autos.
37.- De qualquer modo, nos termos do disposto no artigo 323º do Código Civil, “a
prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.
38.- Assim, “decorre claramente do artigo 323º do C.C. que não basta o exercício extrajudicial do direito para interromper a prescrição, tornando-se necessária a prática de actos judiciais que, directa ou indirectamente, dêem a conhecer ao devedor a intenção do credor exercer a sua pretensão”. - In Ac STJ, de 20/04/1994, BMJ, 436º-300 e AD 392/393 – 1051.
39.- “A interrupção da prescrição, promovida pelo titular do direito, ocorre quando se
exprime a intenção de exercer o direito pelo modo seguinte: Pela citação – pela notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a referida intenção, como por exemplo, a notificação judicial avulsa” – in Ac STJ de 9/7/1998, BMJ 479-572.
40.- Pelo que, nenhum acto do Autor anterior à instauração da presente acção foi idóneo a interromper o decurso do prazo de prescrição do crédito reclamado pela A.
41.- Assim, tal como se referiu os créditos a que se reportam os presentes autos há muito que prescreveram, excepção esta que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
42.- Acresce que, nos termos do disposto no artigo 313º do C. C. “a presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão.”
43.- Pelo que, não poderá a invocada presunção de prescrição ser ilidida por via dos presentes autos.
44.- Devendo antes considerar-se prescrito crédito reclamado pelo Autor.

SEM CONCEDER, ainda por excepção

C) DA INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA

45.- Nos artigos 19º a 24º inclusive, da p.i., o Autor vem pedir a quantia de € 13.200,00 “correspondendo a uma remuneração mensal média nunca inferior a 550,00€”, tendo em conta “16 dias de trabalho por mês durante 24 meses”.
46.- Salvo sempre o devido respeito por opinião diversa, parece-nos que, mais uma vez, o Autor labora em erro e carece de fundamento para tal pedido, que tem que se liminarmente rejeitado, a nosso ver.
47.- Ainda que lhe assistisse razão, o que expressamente não se aceita, estaríamos aqui face a créditos laborais por alegados trabalhos executados pelo Autor, executados alegadamente por conta e no interesse do primeiro Réu e sob as suas ordens e determinação.
48.- Daí que, o valor a pagar por tal trabalho apenas poderia ser peticionado pelo Autor na sede própria, ou seja, o Tribunal do Trabalho competente para o efeito.
49.- Não o tendo feito, é este Tribunal forçosamente incompetente para conhecer do pedido nessa parte, excepção que expressamente se invoca e que deve ser declarada com todas as consequências legais.

SEM CONCEDER, ainda por excepção:

A) PRESCRIÇÃO DO DIREITO

Sem prescindir de tudo supra alegado e reiterando que ao Autor nenhum direito assiste quanto ao ressarcimento dos montantes em causa nestes autos, seja a que título for, diga-se ainda, que:
50.- Sem que o alegue directamente ou tenha fundamento de facto ou direito para tal, o Autor parece fundamentar o seu alegado direito e pedido no enriquecimento sem causa dos Réus, à custa do seu alegado empobrecimento.
51.- Pelo que pede a restituição dos montantes por si alegadamente pagos por conta e em nome dos Réus, nos termos do disposto nos artigos 473º e ss. do CPC.
52.- Contudo, tal direito, a existir – o que, reitera-se, não se aceita, mas apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona - prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, nos termos do disposto no artigo 482º do CPC.
53.- Deste modo, e por estas razões, também por esta via o alegado direito do Autor prescreveu, pelo menos, no final do ano de 2011, excepção que expressamente se invoca e que deve ser declarada com todas as consequências legais.

SEM PRESCINDIR,

B) POR IMPUGNAÇÃO

54.- Vão desde já impugnados os factos vertidos nos artigos 4º, 5º, 7º, 10º, 12º, 14º e 30º, todos inclusive, da douta p.i., por não corresponderem na sua totalidade à verdade dos factos, que a seguir se descreverá.
55.- Impugna-se igualmente a matéria vertida nos artigos 8º e 9º, todos inclusive, da douta p.i, por se tratar de factos que o Réu não tem, nem deva ter conhecimento.
56.- Vão ainda impugnados os factos vertidos nos artigos 11º, 13º, 15º, 16º, 17º a 27º e 31º, todos inclusive, da douta p.i., por manifestamente falsos e infundados.
57.- Posto isto, contrariamente ao que vem descrito na douta petição inicial, os factos ocorreram da forma como a seguir se descrevem.
58.- Conforme o próprio alega, o Autor dedica-se e sempre se dedicou, com escopo lucrativo, à actividade de construção civil.
59.- O primeiro Réu foi casado com a filha do Autor, S. N., entre 30/09/2006 e 14/12/2016, tendo o ora 1º Réu e a filha do autor acordado em fixar, nos termos do disposto no artigo 1789º, nº 2 do Código Civil, que os efeitos do Divórcio se retroajam à data de 12 de Julho de 2010, conforme sentença proferida nos autos de Divórcio sem consentimento do outro cônjuge que sob o nº 928/16.6T8VCT, correu seus termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Instância Central- Juiz 1 já transitada em julgado.
60.- Tendo acordado com a sua irmã e sobrinhos a constituição do direito de superfície sobre parte do prédio misto descrito no artigo 1º da p.i, nos termos e pelas razões supra expostas, o primeiro Réu e a sua então mulher, decidiram levar a cabo a obra de edificação da moradia em causa e já por diversas vezes aludida nestes autos.
61.- Tendo em conta a actividade profissional do Autor, a pedido da sua então mulher, o primeiro Réu acedeu que o Autor se incumbisse de alguns trabalhos de da obra, na qualidade de empreiteiro.
62.- Nessa sequência, foi o Autor quem, efectivamente, contratou alguns dos subempreiteiros e trabalhadores que executaram parte dos trabalhos nela realizados e quem adquiriu diversos materiais utilizados na obra.
63.- Contudo, tudo quanto foi adquirido pelo Autor para ser empregue na obra, tanto quanto o mesmo alega, foi facturado em nome do primeiro Réu e foi por este pago a seu devido tempo, ao Autor.
64.- De todos os trabalhos que o Autor realizou na obra e de tudo quanto adquiriu em nome do primeiro Réu, este restituiu-lhe e pagou-lhe tudo até ao último centavo.
65.- É absolutamente falso e destituído de fundamento que o primeiro Réu deva o que quer que seja ao Autor a este ou qualquer outro título, pelo que a afirmação plasmada no artigo 18º da p.i. chega a ser injuriosa e ofensiva do seu bom nome e consideração social.
66.- Basta analisar em concreto de com atenção os documentos juntos pelo Autor para se verificar que a prova documental junta aos autos não prova, de modo nenhum, os factos por si alegados, mormente a alegada dívida do primeiro Réu para consigo.
67.- Desde logo, não há qualquer correspondência entre as facturas juntas, ou grande parte delas, e os pagamentos elencados na conta corrente da conta bancária junta pelo Autor.

Se não vejamos:

68.- Quanto às seguintes Facturas, não consta o comprovativo do respectivo pagamento na conta corrente do Autor: - doc. de fls. 92, correspondente ao recibo nº 31 de 26/12/2007; - doc. de fls. 95, correspondente ao recibo nº 9 de 14/01/2008; - doc. de fls. 99, correspondente ao recibo nº 43 de 07/02/2008; - doc. de fls. 102, correspondente ao recibo nº 35 de 11/02/2008; - doc. de fls. 104, correspondente ao recibo nº 143 de 22/04/2008; - doc. de fls. 107, correspondente ao recibo nº 90 de 25/03/2008; - doc. de fls. 129, correspondente ao recibo nº 80101 de 11/07/2008; - doc. de fls. 135, correspondente a uma venda a dinheiro de 28/08/2008;
- doc. de fls. 136, correspondente a uma venda a dinheiro de 01/09/2008; - doc. de fls. 139, correspondente a uma factura de 22/08/2008; - doc. de fls. 140, correspondente a factura de 08/08/2008; - doc. de fls. 143, correspondente ao recibo nº 35 de 08/09/2008; - doc. de fls. 146, correspondente a uma venda a dinheiro de 08/09/2008; - doc. de fls. 148, correspondente a uma venda a dinheiro de 08/09/2008; - doc. de fls. 149, correspondente a uma venda a dinheiro de 23/09/2008; - doc. de fls. 150, correspondente a uma venda a dinheiro de 24/09/2008; - doc. de fls. 151, correspondente à factura nº 018, de 05/12/2008; - doc. de fls. 153, correspondente à venda a dinheiro nº 7240, de 24/10/2008; - doc. de fls. 154, correspondente à venda a dinheiro, nº 261, de 21/10/2008; - doc. de fls. 155, correspondente à venda a dinheiro, nº 02346, de 15/10/2008; - doc. de fls. 156, correspondente à venda a dinheiro, nº 02375, de 30/10/2008; - doc. de fls. 157, correspondente à venda a dinheiro, nº 02378, de 31/10/2008; - doc. de fls. 158, correspondente ao recibo , nº 409, de 24/11/2008; - doc. de fls. 160, correspondente à venda a dinheiro, nº 280, de 24/11/2008; - doc. de fls. 161, correspondente à venda a dinheiro, nº 598, de 19/01/2009; - doc. de fls. 162, correspondente à venda a dinheiro, nº 2430, de 24/11/2008; - doc. de fls. 164, correspondente à venda a dinheiro de 10/01/2009; - doc. de fls. 165, correspondente à venda a dinheiro de 16/01/2009; - doc. de fls. 166, correspondente à venda a dinheiro de 24/02/2009; - doc. de fls. 167, correspondente à venda a dinheiro de 02/02/2009; - doc. de fls. 168, correspondente à venda a dinheiro de 24/02/2009 – que é uma duplicação do documento de fls 166; - doc. de fls. 174, correspondente ao recibo nº 732 de 09/11/2009.
69.- Quanto a todos estes documentos, não juntou o Autor qualquer prova de que tenha efectuado o respectivo pagamento a expensas suas e sem que o Réu lhe tivesse restituído as quantias neles tituladas, como de resto, reitera-se, restituiu.
70.- Trata-se de pagamentos efectuados a dinheiro, cujos montantes não se encontram repercutidos nos extratos juntos pelo Autor.
71.- Para além destes, diga-se relativamente, ao documento de fls 83, que se trata de um documento sem qualquer tipo de valor probatório, já que em lado algum identifica o Réu como destinatário do mesmo, nem diz a que respeita o seu teor, nem sequer que é a entidade emissora.
72.- No que respeita aos € 6.000,00 que constam no texto desse documento, desconhece-se de que forma foi efectuado o pagamento, inexistindo nos autos prova do mesmo.
73.- Quanto aos documentos de fls 112, 113, 114, 115, 116, 121, 147 e 163, os mesmos encontram-se emitidos ou em nome do Autor ou ao consumidor final e foram pagos alegadamente a dinheiro, pelo que inexiste qualquer prova de que os mesmos respeitem a despesas efectuadas por conta da obra do primeiro Réu e que não tenham sido por este pagas ao Autor.
74.- Finalmente, quanto ao documento de fls 169 e ss. o mesmo tem nele inserta uma declaração de pagamento de € 6.000,0, sendo que a entidade emissora apenas emitiu facturas correspondentes ao valor de € 5.556,00 (2.916,00€ + 2.640,00€) e não constam dos autos nem o respectivo recibo nem o comprovativo do pagamento pelo Autor.
75.- Assim, sem prescindir do que já foi supra alegado no que respeita ao facto de o primeiro Réu já ter pago e restituído tudo quanto devia ao Autor a título da empreitada sobredita, o certo é que, por via dos documentos juntos o Autor, ainda assim, não poderá provar o contrário.
76.- Os documentos juntos não são idóneos a fazer prova dos factos que são alegados pelo Autor no sentido de ter procedido ao pagamento de todas as quantias tituladas pelos documentos juntos e, muito menos, de que os Réus, mormente o primeiro, não lhe restituiu tais quantias.
77.- Vão, assim, especificadamente impugnados todos os documentos juntos pelo Autor sob os nºs 5 a 10, inclusive da p.i., mais concretamente de fls 39 a 212, inclusive daquele articulado inicial.

Acresce que,

78.- Quanto aos doc. de fls. 122 e 123, o alegado pagamento indicado na conta corrente do Autor não coincide com a respectiva data, uma vez que a transferência alegadamente efectuada para pagamento foi efectuada pelo Autor em 08/07/2007, sendo que a factura desse valor é muito posterior, data de 31/07/2007 e o recibo data de 05/08/2007.
79.- Pergunta-se, é o Autor adivinho, e pagou antecipadamente à data da factura??
80.- Este é mais um dos documentos que comprovam nos autos que o Autor se dedicava à actividade de construção civil e que efectuada várias compras de material e vários pagamentos de valor elevado ou mais diminuto, que nada tinham que ver com a obra a realizar na casa de morada do primeiro Réu.

MAIS,
81.- se analisarmos de forma mais cuidada o teor das facturas juntas, respectivas datas e materiais adquiridos, facilmente verificamos que a grande maioria não poderia nunca respeitar a materiais a serem utilizados na obra do primeiro Réu, face às datas de planificação e execução da mesma.
82.- Com efeito, a obra em questão foi iniciada em junho de 2006 e terminada no início de 2009.
83.- Pelo que não se compreende e é manifesta a falta de fundamento para o Autor vir pedir o pagamento de quantias despendidas em matéria prima usada em fases iniciais de obra, cujas facturas comprovam pelas datas que a mesma já se encontrava em fase final de acabamentos, como é o caso das compras de abobadilha, de areia e de cimento feitas já quase no meio do ano de 2009.
84.- Assim, por todas as razões supra elencadas, é manifesta a falta de fundamento da pretensão do Autor, pelo que devem os Réus ser absolvidos do pedido, com todas as consequências legais.

DO DIREITO

DO ABUSO DE DIREITO E ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA

85. Com a sua descrita situação o Autor provocou, por assim dizer, a situação em que ora se encontra.
86.- Agindo em manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

Na verdade,

87.- Segundo o artigo 334º do C. Civil, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou fim social ou económico desse direito.
88.-Porque o Código Civil vigente consagrou a concepção objectivista do abuso de direito, não se exige, por parte do titular do direito, a consciência de que, ao exercer o direito, está a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, bastando que, objectivamente, esses limites tenham sido excedidos de forma manifesta e grave.
89.-Segundo Menezes Cordeiro, o abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente e a sua proibição radica no princípio da confiança, pois “(V) um comportamento não pode ser contraditado quando ele seja de molde a suscitar a confiança das pessoas".
90.- E. segundo ele, os pressupostos da protecção da confiança através do venire passam por:
1° - uma situação de confiança, traduzida na boa fé própria da pessoa que acredite numa conduta alheia ( no factum proprium); 2° - uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do factum proprium seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis; 3° - um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma conduta na base ao factum proprium, de tal modo que a destruição dessa actividade ( pelo venire ) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara; 4° - Uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no factum proprium ) lhe seja de algum modo recondutível." . - Importa ainda referir como ensina este mesmo autor “que os requisitos descritos se articulam entre si nos termos de um sistema móvel, ou seja, não há entre eles uma hierarquia rígida, sendo a falta de algum deles suprível pela intensidade especial que assumam os restantes”.
91.- A nossa jurisprudência, de que são exemplo os acórdãos do S.T.J. de 01.03.2007, de 15.05.2007 e de 08.06.2010, aceita serem basicamente estes os pressupostos do venire. – Tudo cfr. Ac. RG, de 22/02/2011, proc. 2019/06.9TBVCT.G1, in www.dgsi.pt
92.-Há abuso de direito quando um comportamento, aparentando ser exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem" - Coutinho de Abreu, in Do Abuso de Direito, Almedina, 1983, pág. 43.
93.-Os interesses pessoais atendíveis são os pressupostos pela norma, aqueles que a lei visa acautelar. O legislador ao conceder um direito coloca nas mãos das pessoas "instrumentos " para a prossecução de determinados objectivos, e visando determinados interesses, considerados como merecedores de protecção legal. Não estranha, pois, que tais objectivos e interesses constituam ao mesmo tempo a justificação e o limite intrínseco desses direitos.
94.-O abuso de direito traduz-se essencialmente no exercício de um direito de forma anormal, quer na sua intensidade quer na execução, desde que desse exercício resulte a " negação " prática de direitos de terceiros, ou crie uma desproporção objectiva entre os benefícios que para o seu titular resultam, e as consequências que terceiros têm de suportar por força desse exercício (Ns. Rodrigues Bastos, Das Relações Jurídicas segundo o C.C. de 1966, Vol. V, pág. 10 e Ac. STJ de 13/3/91, Acord. Dout. nº 361, pág. 135).
95.-Consagrou a lei um critério objectivo, em que não se torna necessário provar a consciência de se estar a utilizar abusivamente o direito, sendo suficiente que tal abuso ocorra. A apreciação opera-se recorrendo às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade, no que respeita à boa-fé e aos bons costumes; e aos juízos de valor positivamente consagrados na lei, no que se refere ao fim social e económico do direito. - P. Lima e A. Varela, Cód. Civ. anot., Coimbra ed., 2ª ed., pág. 277, em nota ao art. 334 -. Ainda sobre o assunto, Acs. RP de 26/9/92, Col. Jur. 92, T. IV, pág. 288ss.; RL de 8/3/88, Col. Jur. T.II, pág. 131ss; STJ de 15/5/87, in BMJ nº 367, pág. 411ss; RP de 11/5/89, Col. Jur., T. III, pág. 192ss; STJ de 7/10/88, BMJ nº 380, pág. 362ss; RE de 9/6/88, Col. Jur., T. III, pág. 337ss. – vide, neste sentido, Ac. RG, de 22/03/2011, proc. nº 27256/09.0YIPRT.G1, in www.dgsi.pt
96.-Pelo que, tendo em conta o entendimento vertido na nossa vasta jurisprudência, é manifesto que o comportamento adoptado pelo Autor consubstancia um manifesto abuso de direito, nos termos supra referenciados, pelo nunca poderá ser condenado no pedido contra si formulado nestes autos.

- DA INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA

97.- Conforme o próprio Autor Alegou e já supra se disse, o primeiro Réu foi casado com a filha do Autor, S. N..
98.- Os factos alegados pelo Autor ocorreram na constância desse matrimónio e respeitam a bens que eram de uso comum do casal, mormente, a sua casa de morada de família.
99.- Por essa razão, todos os factos que são alegados contra o primeiro Réu, mas concretamente a aludida e alegada dívida ao Autor, a existir e ser provada, o que não se aceita, será igualmente da responsabilidade da sobredita S. N., filha do Autor.
100.- Tem esta, neste caso, interesse igual ao primeiro Réu em contradizer os factos aduzidos pelo Autor e este pode, porque tem interesse, chamá-la a intervir na presente causa como sua associada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 316º e ss. do CPC, o que por esta via desde já se requer.

NESTES TERMOS e nos melhores de direito aplicáveis devem as excepções invocadas ser julgadas totalmente procedentes, por provadas, com todas as consequências legais, Ou, se assim se não entender, deve a presente acção ser julgada totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se os RR. dos pedidos.

Deve, no entanto, o A. ser condenado em multa e indemnização por litigância de má-fé e nas custas e procuradoria condignas.

→. Resposta do Autor

J. F., autor nos autos de acção de processo comum acima referenciado, em que são réus C. Q. e outros, notificado, vem responder às excepções deduzidas na contestação, nos termos seguintes:

Da falta de legitimidade dos 2º a 4ºs réus

Os 2º a 4ºs réus invocam serem parte ilegítima, alegando que para a construção da moradia em causa nos autos – que confessam terem autorizado – teriam acordado com o 1º réu a “divisão” do prédio e que, até à partilha, se constituísse sobre a parte do prédio onde a mesma foi implantada, um direito de superfície a favor do 1º réu, o que se ignora e, como tal, impugna.

Ocorre que o direito de superfície carece de ser constituído por escritura pública, e não de forma verbal, pelo que essa alegação é inócua.

Os réus confessam, todavia, serem juntamente com o 1º réu, os comproprietários do prédio identificado em 1º da PI, o que basta para se concluir pela sua legitimidade, por litisconsórcio necessário passivo.

De todo o modo, e considerando a relação material controvertida tal como configurada na petição, sempre os réus seriam, como são, parte legítima, devendo a excepção improceder.
Da falta de interesse dos 2º a 4ºs réus

Alegam ainda os mesmos contestantes não terem interesse em contradizer os factos alegados e o pedido deduzido na presente acção.

Confessam, porém, que a moradia construída no prédio de que são comproprietários não tem autonomia jurídica. Donde,

Não podem ignorar que a mesma é parte integrante do prédio identificado em 1º da PI, de que são proprietários, em comum e partes iguais com o 1º réu e, como tal, constitui uma mais-valia incorporada no que é seu.

Pelo que é por demais manifesto o seu interesse em contradizer.
Da falta de causa de pedir quanto aos 2º a 4ºs réus

Rematam os mesmos réus, alegando que inexiste causa de pedir quanto a si, mas também aí lhes falece razão. Pois,
10ºA causa de pedir é a construção da raiz da moradia, que eles confessam conhecer e ter autorizado, no prédio de que confessam ser comproprietários.
11º
Deve, pois, a excepção improceder.
Da prescrição
12º
Chamando à colação o disposto no artigo 317º al. b) do C. Civil e no errado pressuposto de estarmos perante um tipo de crédito aí enquadrável, os réus invocam a prescrição presuntiva do crédito.
13º
Para o efeito, alegam no item 23º da contestação que o autor exercia a actividade de construtor civil entre os anos de 2006 e 2009 em causa nos autos, o que é falso e se impugna.
14º
Acresce que o autor em momento algum alega ter sido contratado como empreiteiro.
15º
Antes, e tal como descrito na PI, após o casamento da filha, o autor, para ajudar o genro, que não tinha jeito nenhuma para obras, assumiu o encargo de contratar empreiteiros, negociar e adquirir alguns materiais e de orientar alguns dos trabalhos, aí melhor discriminados.
O que,
16º
Os autores confessam no item 62º aceitando que «foi o Autor quem, efectivamente, contratou alguns dos subempreiteiros e trabalhadores que executaram parte dos trabalhos nela realizados e quem adquiriu diversos materiais utilizados na obra.»
17º
Sendo totalmente fantasioso estarmos perante um contrato de empreitada, pelo que se deixa expressamente impugnado o teor dos itens 6º, 15º, 24º e 58º e 61º da contestação por não corresponderem à verdade.
18º
Veja-se que os réus invocam ser uma empreitada, mas nem identificam o seu alegado objecto, nem o preço que, então, teria que ter sido acordado para efectivação da mesma, em função dos materiais e mão de obra...
19º
O que constituem elementos essenciais para a caracterização da relação jurídica como tal.
20º
Ora, o facto é que nada foi feito no interesse do autor, com o fim de receber qualquer
retribuição ou contraprestação. Bem pelo contrário,
21º
Todo o trabalho descrito na PI – e que, de resto, os réus aceitam ter sido realizado pelo autor – foi feito por conta do réu C. Q. e no exclusivo interesse dos réus, sempre e, porém, confiando que os valores e pagamentos que adiantava lhe seriam restituídos pelo seu genro e família, nunca imaginando que de outra forma pudesse ser.
22º
Assim, ao invés do que alegam os réus, a situação dos autos não se enquadra no citado normativo, não podendo funcionar a presunção de pagamento a que os réus se pretendiam agarrar, para se furtar ao mesmo.
23º
Tendo, pois, de improceder também esta excepção.

Ainda sem prescindir,
24º
Invocam ainda os réus a prescrição por referência ao instituto do enriquecimento sem causa, por apelo ao disposto no artigo 482º do C. Civil.
25º
Invocando que o alegado direito teria prescrito no final de 2011, o que se impugna por não corresponder à verdade.
26º
Não assiste razão aos réus, pois a considerar-se iniciado o prazo, o mesmo não terminou ainda.
27º
Note-se que, tal como alegou o autor no item 1º da PI, só muito recentemente e após aturadas buscas feitas no sentido de saber a quem pertencia o prédio onde foi implantada a casa – veja-se a data da certidão da Conservatória junta com a PI como doc. nº 1 e da escritura que ora se junta como doc. nº 1 - é que o autor soube que os responsáveis eram os réus e não a herança do falecido pai dos réus.

Da incompetência em razão da matéria
28º
A causa de pedir e pedido são únicos, não estando em causa nos autos qualquer crédito laboral, pelo que a excepção invocada terá de soçobrar.
29º
O autor aproveita para esclarecer que o teor dos itens 19º a 24º da p.i. é invocado a propósito de um possível enquadramento jurídico no instituto da gestão de negócios e presunção da sua onerosidade a que alude o artigo 1158º do CC.

Do abuso de direito
30º
Aqui chegados, é com verdadeira estupefação que o autor encara a invocação deste instituto, porquanto não consegue vislumbrar em que medida, com a propositura da presente acção, possa estar a abusar do seu direito, de molde ao mesmo ganhar tal anti juridicidade que justifique não ser tutelável.
31º
Pois ele só pede que todo o dinheiro que, confiadamente, adiantou ao genro e família para a construção daquela moradia, lhe seja restituído...
32º
Se isso é abusivo...

Acresce que,
33º
Inominadamente, o 1º reú excepciona o pagamento, nomeadamente nos itens 63º, 64º, 65º, 69º e 75º da contestação, o que expressamente se impugna e que deverá ser apreciado para efeitos de litigância de má-fé.
34º
De facto, como bem sabe, o réu não pagou qualquer importância ao autor com referência aos valores peticionados nos autos. Aliás, é sintomático que não junte qualquer comprovativo desse pagamento!!!

Da litigância de má-fé
36º
Também aqui, lida e relida a contestação, forçoso é concluir não ter o autor incorrido em nenhuma das condutas tipificadas no artigo 542º do CPC.
37º
Atento o supra exposto, a seu tempo se verá a que este “chapéu” melhor caberá.

Por cautela,
38º
O autor deixa impugnada a factualidade invocada na contestação que se encontra em
contradição com a PI, que mantém.
39º
Esclarecendo, quanto aos doc. s nº 122/123 não ser incomum, no meio, a factura/recibo ser emitida após pagamento e, quanto às aquisições de meados de 2009 a que aludem os réus no item
83º da contestação, referirem-se a uma intervenção feita quando já lá morava o casal, referente ao término das águas pluviais e aquisição de uma escada em alumínio para acesso à cobertura, como bem sabem os réus.

Por último,
Da intervenção Principal Provocada
40º
Os réus pretendem chamar à lide a filha do autor e ex-mulher do réu C. Q., invocando que a alegada dívida seria também da responsabilidade dela, com a alegação de que a casa era “um bem de uso comum do casal”.
41º
Salvo o devido respeito, não é pela circunstância daquela casa ter sido a casa de morada de família e de ter tido esse uso comum, que a ex-mulher do 1º réu passa automaticamente a ter interesse na lide, tanto mais quanto se trata de construção implantada em prédio que é bem próprio do ex-marido (e em compropriedade com outros).
42º
Efectivamente, a casa está incorporada em prédio que pertence aos réus em compropriedade e não ao extinto casal do 1º réu com aquela.
43º
Acresce que o 1º réu não alega que o casal por si constituído e pela indicada filha do autor tenha pago ao autor o que quer que seja do peticionado – afirmando que foi ele quem o fez – pelo que é por demais manifesto que esta não tem esta qualquer interesse paralelo ao daquele réu, em contraditar a petição, nem faz parte da relação material controvertida.
44º
Resulta assim do exposto que o pedido de intervenção não tem enquadramento legal.
45º
Nem os réus mostram qualquer interesse atendível no indicado chamamento.
46º
Pelo que o autor se opõe ao chamamento.

TERMOS EM QUE DEVEM SER JULGADAS IMPROCEDENTES AS ALUDIDAS EXCEPÇÕES E SE MANTÉM O TEOR DA PI.
**
De Direito

Os recorrentes defendem-se alegando que os fornecimentos a que se reportam as facturas juntas aos presentes autos integram a previsão da alínea b) do artigo 317º do Código Civil citado preceito, na medida em que se trata de créditos de quem exerce profissionalmente uma indústria (de construção civil), pelo fornecimento de mercadorias, de produtos e execução de trabalhos, incluindo despesas que alegadamente efectuou.

Por outro lado, nada disso (materiais vendidos e trabalhos executados) foi destinado pelos réus ao exercício do seu comércio ou indústria, mas antes empregues
na sua habitação, mais concretamente, na habitação do primeiro Réu.

Tais factos não podem ser afastados dos temas da prova unicamente com base no que alega o A., como se fundamentou o douto despacho de que ora se recorre.

Pelo que, a não se julgar procedente a invocada excepção, é imperativo que, pelo menos, tais factos (alegados nos artigos 23º a 44º da contestação) sejam objecto de prova nos autos, a fim de se decidir tal questão em sede de sentença final.

Para além disso, ainda que se entenda conceder aceite que o A. agiu como gestor de negócios, é imperativo concluir pela procedência da invocada excepção, nos termos do disposto no nº 2 do mesmo já citado artigo 317º do Código Civil, uma vez que, nesse caso, tais créditos prescreveram no prazo de dois anos a contar da data da sua constituição, ou seja, na pior das hipóteses, no final do ano de 2011.

Tratando-se aqui de uma prescrição presuntiva, nos termos do disposto no artigo 312º do Código Civil, presumindo-se o seu cumprimento, uma vez que não ocorreu, como se alegou em sede de contestação, qualquer causa de suspensão daquela prescrição.

Nunca os Réus foram interpelados judicial ou extrajudicialmente para procederem ao pagamento das quantias peticionadas nestes autos, e nenhum acto do
Autor anterior à instauração da presente acção foi idóneo a interromper o decurso do
prazo de prescrição do crédito reclamado pela A, nos termos do disposto no artigo 323º do Cód. Civil.

Tal como se referiu os créditos a que se reportam os presentes autos há muito que prescreveram, excepção esta que expressamente se invocou para todos os efeitos legais, que deveria ter sido julgada totalmente procedente no âmbito do douto despacho de que ora se recorre e que não poderá ser ilidida por via dos presentes autos. - Cf. o disposto no artigo 313º do C. C.

- Deve, em consequência e em conformidade, revogar-se, nessa parte, o douto despacho de que ora se recorre, substituindo-o por outro que decida considerar prescrito o crédito reclamado pelo Autor, nos termos melhor alegados na contestação
e resposta dos RR, com todas as consequências legais.

Vejamos se assim se deverá entender.

A prescrição é um instituto por virtude do qual a contraparte pode opor-se ao exercício de um direito, quando este não se verifique durante certo tempo indicado na lei, que varia consoante os casos, e visa punir a inércia do titular do direito em fazê-lo valer em tempo útil e de tutelar os valores de certeza e segurança das relações jurídicas pela respectiva consolidação operada em prazos razoáveis.

Em regra, as prescrições são extintivas, o que significa que, completado o prazo de prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito – v. artigo 304º, nº 1 do CC

O devedor não precisa de alegar que nunca deveu ou que já pagou.
Basta-lhe alegar e provar que já decorreu o prazo da prescrição, já que o mero decurso do prazo extingue o direito.

Mas, ao lado das prescrições extintivas, há também as prescrições presuntivas – artigo 312º do Código Civil. Estas, são prescrições de curto prazo – seis meses ou dois anos – que se fundam na presunção de pagamento. Tal significa que a lei presumiu que decorridos tais prazos o devedor teria pago.

A prescrição presuntiva não tem, pois, o mesmo efeito que a prescrição extintiva, posto que o decurso do respectivo prazo não confere ao beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito, como se no nº 1 do artigo 304º do Código Civil, criando tão somente, como decorre do artigo 312º do C.C., a presunção de que o devedor cumpriu.

Assentam, portanto, em distintas razões. A prescrição extintiva explica-se por razões de segurança jurídica e assenta na inércia do credor; a prescrição presuntiva, ao invés, tem por objectivo proteger o devedor da dificuldade de prova do pagamento e corresponde, em regra, a dívidas que normalmente se pagam em prazos curtos e, muitas vezes, sem que ao devedor seja entregue documento de quitação, ou relativamente às quais, pelo menos, é corrente que se não conserve tal documento –. v. neste sentido ANTUNES VARELA, RLJ, Ano 103º, pág.254 e VAZ SERRA, Prescrição e Caducidade, BMJ, 106º-44, ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 8ª ed, 1041.

Aliás, para MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 1960. 452 e 453, as prescrições presuntivas não são prescrições verdadeiras, pois que, enquanto nestas, mesmo que o devedor confesse que não pagou, não deixa por isso de funcionar a prescrição, naquelas, se o devedor confessa que deve, mas não paga, é condenado da mesma maneira, não funcionando a prescrição, embora ele a invoque.

O afastamento da presunção, conforme se consagra nos artigos 311º e 314º do C.C. só pode resultar de confissão, expressa ou tácita do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão, entendendo-se que há confissão tácita se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento.
Trata-se, como afirma o Prof. Menezes Cordeiro no Tratado de Direito Civil Português, de uma presunção “muito forte”, cujo alcance deve ser muito ponderado.
Assim, a interpretação mais consonante com a letra e a ratio de tal segmento normativo passa por entender que ele se reporta a dívidas de pequenos montantes, e a pequenos trabalhos que, destarte, é suposto poderem ser satisfeitas em curto lapso de tempo e relativamente às quais nem sequer é usual pedir e emitir factura e recibo de quitação, sendo que, a prova do seu pagamento poderia revelar-se difícil.

Ao caso interessa a previsão do artigo 317.º do Código Civil do qual decorre que prescrevem no prazo de dois anos:

Aplicando o exposto ao caso em apreço consideramos que não podem os serviços prestados serem qualificados de “pequenos serviços” pois, do teor discriminativo da petição inicial e das facturas em dívida, estamos a falar da construção de uma casa térrea com cinco divisões e 224 m2 de área de implantação, mais garagem .
Para além de que, tal construção consubstancia uma edificação de longa duração e que será definitiva.
Tudo isso para dizer que são obras vistosas, de longa duração, de difícil execução e caras, em tudo alheias a qualificação de “pequenos trabalhos”, mas consubstanciando, sem margem para dúvidas, uma alteração física de coisa corpórea, e como tal, enquadrando-se perfeitamente no conceito de contrato de empreitada.
Por outro lado, também se refira que não estamos a falar de uma quantia insignificante ou irrisória, mas sim, perante um valor significativo.
O valor do pedido é de € 93 832,81 não sendo tal valor quantia que um qualquer particular pode pagar assim de um dia para o outro.
Nem se trata de quantias tão reduzidas que qualquer devedor não se preocupe em guardar prova do pagamento.
Efectivamente, se a quantia foi paga é suposto que facilmente seja provado tal pagamento
Assim, bem vistas as coisas, tem de concluir-se, razoável e sensatamente, que no caso vertente, a invocada prescrição presuntiva do pagamento não pode relevar sendo que a dívida reclamada no processo não está prescrita, uma vez que se deve aplicar o prazo geral de 20 anos por se tratar de verdadeiros contratos de empreitada.
Sendo, aliás, este entendimento que melhor se coaduna com a interpretação das normas legais e com a realização da justiça. - No sentido seguido ver acórdão desta Relação e secção datado de 13.06.2019 e proferido no processo nº 91/17.5T8PTL.G1 (relator Afonso Cabral de Andrade) acessível in dgsi.pt
Pelo que, independentemente da classificação jurídica da relação material controvertida – estando em causa a realização de obras e despesas relacionados com materiais de construção para essas obras como as partes aceitam – a decisão do tribunal «a quo» é de manter, de acordo com a «ratio» do preceito e seguindo o entendimento pacífico do nosso Supremo Tribunal de nesses casos não se aplicar o prazo de prescrição previsto no artigo 317º al b) do Código Civil.
Daí também a afirmação dos apelantes de que mesmo como gestão de negócios o crédito do apelado estaria prescrito não possa colher, nos termos bem afirmados pelo recorrido não só porque na indicada alínea c) do preceito apenas se enquadram os créditos decorrentes do exercício de profissões liberais e inerentes despesas, o que nada tem a ver com a situação sub judicio.
Mas também, e principalmente, atendendo à razão de ser deste regime especial desenhado para este tipo de prescrições de curto prazo, que assenta em considerações de ordem prática, colhidos da experiência comum e conexionadas com o tipo de relações contratuais (seus sujeitos e objecto) que estão em causa, onde não se enquadra, de modo algum, a relação controvertida, tal como as partes a descrevem.
Também não assiste razão aos apelantes quando afirmam que a excepção teria que ter sido julgada procedente no âmbito do despacho recorrido, na medida em que não poderia ser elidida nos autos, conforme o disposto no artigo 313º do Código Civil.
Para poder beneficiar da prescrição presuntiva, o réu não deve negar os factos constitutivos do direito de crédito contra ele dirigido, nem opor quaisquer outros factos para além do pagamento, sob pena de, perante o disposto na parte final do art.º 314.º do Código Civil – que rege acerca da confissão tácita - entrar em contradição com a sua pretensão de beneficiar da presunção de pagamento que invoca. Aliás, para o efeito, o devedor tem que invocar que pagou a dívida peticionada, sem mais, o que os apelantes não fizeram na sua extensa contestação.

Ensinam Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado e Comentado, Vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, pag. 283:

«É incompatível com a presunção de cumprimento ter o devedor, negado, por exemplo, a existência da dívida, ter discutido o seu montante, ter invocado uma compensação, ter invocado a gratuitidade dos serviços, etc. (relativamente à prática pelo devedor, em juízo, de actos incompatíveis com a presunção de cumprimento, vide dois acórdãos do S.T.J., de 24 de maio de 1974 no B.M.J. nº 237, pag. 182 e seg.; de 8 de Novembro de 1974, no B.M. J. nº 241, pag. 270 e seg.…).» A jurisprudência tem-se mantido uniforme, como se pode ver dos Acórdãos do STJ de STJ 22/4/2004, processo n.º 04B547 e de 8/5/2013, processo n.º 199632/11.5YIPRT.L1.S1; acórdãos da Relação do Porto de ac. RP de 23-02-2016, processo nº 598/15.9TBPVZ.P1, de 3/2/2004, processo n.º 0326591, de 8/11/2007, processo n.º 0735486 e de 19/2/2008, processo n.º 0726136; da Relação de Coimbra de 10/12/2013, processo n.º 229191/11.0YIPRT.C1 e da Relação de Guimarães de 11/7/2013, processo n.º 1331/11.0TBVVD.G, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Ora, e aproveitando por correcta a resenha feita pelo recorrido vejamos o que afirmam os réus nos autos, na sua contestação:

Na primeira parte do articulado, os 2º a 4ºs réus impugnam os factos alegados pelo autor, cuja responsabilidade pelo pagamento refutam (art. 11); alegam que nada tem a ver com eventuais dívidas contraídas com a construção da dita moradia (art. 14º) e que nunca lhes foi pedido que pagassem o que quer que fosse, não sendo responsáveis, nem solidariamente, pelo pagamento da aludida obra, em momento algum por si contraída (art. 17º). Ou seja, discutem a existência da dívida.

Pelo seu turno, o 1º réu não alega que pagou o valor peticionado, mas que teria pago os trabalhos realizados pelo autor e tudo quanto foi adquirido pelo autor para a obra (art. 63º e 64º), impugnando todavia o valor peticionado, ao alegar a falta de correspondência entre as facturas juntas e o que autor alega ter despendido (art. 67º), elencando trinta e duas facturas de que diz faltarem comprovativos de pagamentos, que questiona, (art.68º a 70º), impugnando especificadamente (de 71º a 84), uma série de outras facturas e documentos, invocando mesmo que são compras de material que nada tem a ver com a construção da casa. Ou seja, o 1º Réu discute o montante da dívida.

Assim, forçoso é concluir que, contrariamente ao que afirmam os apelantes, nos autos e aliás, na própria contestação, eles próprios elidem a presunção de pagamento que invocaram, o que, mesmo que a situação fosse enquadrável na prescrição presuntiva, era impeditivo da mesma, soçobrando os seus argumentos, conforme acertadamente refere o autor nas suas contra-alegações.

●. Das custas

É critério para atribuição do encargo das custas o da sucumbência e na respectiva proporção (artigo 527º, nºs 1 e 2, do código de processo).

Na hipótese, o recurso de apelação é integralmente improcedente; o encargo das custas é, no total, vínculo dos apelantes que ficaram vencidos na sua pretensão de procedência do recurso.
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Sumariando:

▪. A prescrição é um instituto por virtude do qual a contraparte pode opor-se ao exercício de um direito, quando este não se verifique durante certo tempo indicado na lei, que varia consoante os casos, e visa punir a inércia do titular do direito em fazê-lo valer em tempo útil e de tutelar os valores de certeza e segurança das relações jurídicas pela respectiva consolidação operada em prazos razoáveis.
▪. Em regra, as prescrições são extintivas, o que significa que, completado o prazo de prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito – v. artigo 304º, nº 1 do CC
O devedor não precisa de alegar que nunca deveu ou que já pagou. Basta-lhe alegar e provar que já decorreu o prazo da prescrição, já que o mero decurso do prazo extingue o direito.
▪. Mas, ao lado das prescrições extintivas, há também as prescrições presuntivas – artigo 312º do Código Civil. Estas, são prescrições de curto prazo – seis meses ou dois anos – que se fundam na presunção de pagamento. Tal significa que a lei presumiu que decorridos tais prazos o devedor teria pago.

A prescrição presuntiva não tem, pois, o mesmo efeito que a prescrição extintiva, posto que o decurso do respectivo prazo não confere ao beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito, como se no nº 1 do artigo 304º do Código Civil, criando tão somente, como decorre do artigo 312º do C.C., a presunção de que o devedor cumpriu.
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IV. DECISÃO

Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes que integram esta 2ª Secção Cível em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo dos apelantes.
Notifique.
Guimarães, 14 de Maio de 2020
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)
O presente acórdão é assinado eletronicamente pelos respectivos

Maria Purificação Carvalho (Relatora)
Maria dos Anjos Melo Nogueira (1ª adjunta)
José Cravo (2º adjunto)