Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
9/15.0T9VPC-A.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
SENTENÇA
EQUIPARAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - O carácter definitivo da decisão da autoridade administrativa ou o trânsito em julgado da decisão judicial que aprecie o facto como contra-ordenação ou como crime precludem a possibilidade de reapreciação de tal facto como contra-ordenação.
II – A decisão administrativa definitiva é equiparada a uma sentença, como título executivo, pelo que, deduzidos embargos de executado, a este apenas é possível invocar, como fundamentos de oposição à execução, os previstos para a sentença judicial no artº 729º do CPC.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 9/15.0T9VPC-A
Comarca de Vila Real
Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Desembargadora Ana Cristina Duarte
2º Adjunto: Desembargador João Diogo Rodrigues
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No processo de execução que lhe move o MºPº, para execução de uma coima no valor de € 6.000,00, que lhe foi aplicada pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, veio Pedro M, apresentar embargos de executado mediante oposição à execução e à penhora, alegando, no essencial, que não é o proprietário do prédio nem dos materiais encontrados no mesmo e que constituem o alegado local e objecto da alegada prática dos factos constantes do processo de contra-ordenação que lhe foi instaurada.
O prédio em causa e respectivos materiais são propriedade de Maria B e marido, José M, os quais, para procederem à organização e limpeza do aludido prédio, ordenaram e deram instruções para proceder à organização e junção de materiais ali existentes (grades, ferro velho, pneus, etc) para nesse mesmo dia serem removidos e levados a vazamento e depósito próprio, o que efectivamente aconteceu.
Acresce que, pela natureza da composição dos aludidos materiais, nenhum dano, designadamente para o ambiente, resultou da aglomeração por alguns momentos dos mesmos, sendo, aliás, o objectivo do transporte dos mesmos pelos seus proprietários e depósito, o inverso.
Não sendo o executado responsável pelo pagamento da coima que se pretende executar, não podem os seus bens, mormente o bem penhorado, responder pelo pagamento das obrigações pertencentes a outros.
Assim sendo, a penhora que incide sobre os bens penhorados à ordem dos presentes autos é de todo ilegal e inadmissível.
Pede, a final, que a oposição à execução e à penhora seja julgada procedente, extinguindo-se a execução e levantando-se a penhora, com as inerentes consequências legais.
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Sobre o requerimento apresentado recaiu a seguinte Decisão:
“Cumpre decidir,
Nos autos de execução que a estes se encontram apensos, o Ministério Público executa a aplicação de uma coima proferida no âmbito de uma decisão administrativa da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, na qual foi o aqui executado condenado, para além do mais, numa coima no valor de € 6.000,00, pela prática de contraordenação, p. e p. no n.º 1 do artigo 5.º e alínea a) do n.º 2 do artigo 67.º, ambos do DL 178/2006 de 5 de Setembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto – Lei n.º 73/2011, de 17 de Junho, em conjugação com a alínea a) do n.º 3 do artigo 22.º da Lei 50/2006 de 29 de Agosto, na redacção da Lei n.º 89/2009 de 31 de Agosto e rectificada pela declaração de rectificação n.º 70/2009 de 1 de Outubro.
Veio o executado deduzir oposição mediante embargos de executado.
A este propósito, decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 706/06.0, de 04 de Março de 2008 que: “Sendo a decisão condenatória da autoridade administrativa uma decisão “de inspiração jurisdicional”, os fundamentos para a oposição à execução devem reconduzir-se aos que são enunciados no art. 814º do C.P.C., pelo que deve ser liminarmente indeferida a petição inicial de embargos, quando o executado embargante mais não faz senão questionar o mérito da condenação constante do título executivo”.
Tal decisão, embora se reporte ao CPC anterior à Lei n.º 41/2013, mantem plena actualidade.
Nestes termos, a oposição mediante embargos, sendo título executivo decisão administrativa, em tudo equivalente a sentença, tem necessariamente que se reportar a um dos fundamentos previstos no artigo 729.º do CPC.
Compulsado o requerimento apresentado pelo executado verifica-se que o mesmo não obedece aos fundamentos previstos no artigo 729.º do CPC, limitando-se a sindicar a factualidade que esteve na base da aplicação da coima pela autoridade administrativa.
Deste modo e pelos fundamentos expostos, indefere-se liminarmente os presentes embargos de executado.
Pelo executado é ainda apresentada oposição à penhora.
Dispõe o artigo 784.º, n.º 1 que, sendo “penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deveriam ter sido atingidos pela diligência;
Nos autos de execução a estes apensos, encontra-se penhorado um veículo automóvel propriedade do executado.
Analisado o requerimento por este apresentado verifica-se que o mesmo, para além de não fazer qualquer referência ao veículo automóvel penhorado, pretende sim, e mais uma vez, sindicar os fundamentos em que se baseou a decisão administrativa proferida alegando não ser proprietário do terreno, nem dos materiais que aí se encontravam.
Deste modo, fica vedada a possibilidade de vir deduzir incidente de Oposição à Penhora, nos termos do disposto no artigo 784.º do Código de Processo Civil.
Face ao exposto, indefere-se liminarmente o presente incidente.
Notifique.
Custas pelo Executado”.
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Não se conformando com a decisão proferida, veio o embargante dela interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:
1º O Tribunal “a quo” proferiu despacho/sentença decidindo “pelos fundamentos expostos, indefere-se liminarmente os presentes embargos de executado”, indeferindo, igualmente, o incidente de oposição à penhora.
2º Em síntese, o Tribunal “a quo” faz equivaler o título executivo, decisão administrativa a sentença condenatória e, em consequência, entende que apenas é possível deduzir embargos de executado à execução com algum dos fundamentos previstos no artigo 729 do CPC e não com os fundamentos previstos no art.º 731 do CPC, proferindo, assim, despacho/sentença de indeferimento liminarmente dos embargos de executado deduzidos.
3º Salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo”, no que aos títulos executivos concerne, não pode fazer equivaler decisão administrativa, com sentença judicial condenatória, por se tratarem de realidades totalmente distintas e que são tratadas como tal.
4º Nos termos do art. 202º da Constituição da Republica Portuguesa, os Tribunais são órgãos de soberania a quem compete administrar a justiça em nome do povo, incumbindo, ainda, aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.
5º O n.º 1 do art.º 152 do CPC reza: “Os juízes têm o dever de administrar justiça proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes e cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos tribunais superiores.”
6º Por seu turno, dispõe o n.º 2 do art.º 152 do CPC: “Diz-se «sentença» o acto pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresenta a estrutura de uma causa”.
7º Em sede de interpretação de lei, nos termos do art. 9º do Código Civil, o intérprete deve tentar reconstituir a mens legislatoris, sendo que a vontade do legislador só poderá ser tida em conta em termos de interpretação da lei, quando tenha o mínimo de correspondência no seu texto. Além disso, deve pressupor que elegeu as soluções mais criteriosas e exprimiu o seu pensamento em termos apropriados.
8º O art.º 703 do CPC, enumera as espécies de títulos executivos e nas várias alíneas do n.º 1, do art. 703 do CPC, é feita a distinção e diferenciação das sentenças condenatórias, de todas as de mais espécies de títulos executivos, quando na al. a) do n.º 1 do citado normativo, se refere apenas as sentenças condenatórias e nada mais.
9º Por outro lado, nos art.º 729, 730 e 731 do CPC, o legislador também procura fazer de forma clara a distinção e diferenciação entre sentenças condenatórias e os demais títulos executivos, prevendo fundamentação especifica e diferenciada para dedução de embargos de executado quando o titulo executivo seja uma sentença condenatória e/ou quando a execução se funde em qualquer outro titulo executivo que não uma sentença.
10º Quando o legislador pretende fazer equivaler a sentença condenatória um qualquer outro título, por ser diferente, quer o conceito, quer o fundamento de dedução de embargos de executado, di-lo expressamente, quando, por exemplo, no artigo 731 do CPC se refere “não se baseando a execução em sentença ou em requerimento de injunção o qual tenha sido aposta fórmula executória”.
11º Não restam dúvidas de que sentença condenatória é apenas o acto pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresenta a estrutura de uma causa, nos termos previstos no art.º 152 do CPC e neste conceito não se enquadram as decisões administrativas.
12º Por a sentença condenatória ser um título executivo distinto e de todo diferenciado dos de mais títulos executivos, quando o legislador pretende fazer equivaler à sentença condenatória qualquer outro título executivo di-lo expressamente.
13º O legislador, ao contrário do que acontece, por exemplo, com o requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, em momento algum equipara a decisão administrativa a sentença condenatória, o que, certamente, se fosse intenção do legislador equiparar sentença judicial a decisão administrativa, aconteceria, como o fez com o requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória, o que não acontece.
14º Nos termos do art. 9º nº 3 do C. Civil "na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados".
15º Ora, se o legislador não equipara decisão administrativa a sentença judicial, como acontece com outras figuras jurídicas, significa que, efectivamente, não o quis fazer.
16º O Tribunal “a quo” ao equiparar decisão administrativa, como título executivo, a sentença judicial condenatória, violou o princípio de reserva de juiz, sendo, por isso, tal interpretação ilegal e inconstitucional por violação do art.º 202 da Constituição da Republica Portuguesa.
17º Equiparar uma decisão administrativa a uma sentença judicial condenatória, ofende as garantias de defesa do ora executado/embargante.
18º No âmbito de um processo administrativo como aquele que deu origem à decisão exequenda, omitem-se as necessárias advertências próprias de um qualquer processo judicial, designadamente, omite-se o princípio da preclusão.
19º Na notificação que é feita ao particular dos factos que lhe são imputados no âmbito do procedimento administrativo, como aquele que determinou a decisão administrativa exequenda, não consta que a falta de dedução de oposição ou impugnação, determinará que a decisão a proferir será definitiva e executória a todos os níveis, isto é, tornará definitiva a posição da administração e impossibilitará o particular de, posteriormente, deduzir qualquer fundamento de defesa que naquela fase pudesse aduzir.
20º Perante a notificação realizada pela administração, o particular, nomeadamente, o executado/embargante, fica ciente de que contra si poderá ser intentada uma execução, mas não fica ciente, como, efectivamente, não ficou o executado/embargado, de que no âmbito dessa execução, na hipótese desta se concretizar, na sua defesa fica precludido dos fundamentos de defesa que, eventualmente, já pudesse ter oposto quando foi notificado do auto dos factos imputados ou da decisão sobre os mesmos, isto é, o particular não fica ciente das cominações em que incorre na hipótese de não organizar defesa no âmbito do processo administrativo, porquanto esta advertência não lhe é feita no âmbito daquele processo.
21º Como ressalta do n.º 2 do art.º 227 do CPC, para que exista um processo justo, é elemento essencial do chamamento do demandado a advertência para as cominações em que incorre se não organizar a sua defesa.
22º Deste modo, a diminuição das garantias de defesa do requerido que vêm aludidas consubstancia uma violação das exigências decorrentes do princípio da igualdade de tratamento processual, que são asseguradas e garantidas em qualquer processo judicial.
23º Não sendo a decisão administrativa uma sentença judicial condenatória, o executado quando confrontado com o requerimento executivo e é citado para a execução, com os termos e advertências daí decorrentes, está na mesma posição em que estaria perante a petição inicial da correspondente acção declarativa, pelo que, consequentemente, pode alegar em oposição à execução tudo o que poderia alegar na contestação àquela acção.
24º O Tribunal “a quo” ao equiparar a decisão administrativa dada a execução a sentença judicial condenatória, além de fazer uma interpretação ilegal e inconstitucional, nos termos referidos, também ao entender limitar os fundamentos de defesa do executado/embargante, determinando a não aplicação do regime de embargos de executado previsto no art.º 731 do CPC, designadamente, afastando a oportunidade do executado/embargante alegar quaisquer fundamentos “ que possam ser invocados como defesa no processo de declaração”, afectou desproporcionadamente a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.º da Constituição da Republica Portuguesa, na sua acepção de proibição de “indefesa”.
25º A interpretação que o Tribunal “a quo” faz no sentido de limitar os fundamentos de embargos de executado a execução instaurada com base em decisão administrativa aos fundamentos previstos no art. 729 do CPC, é inconstitucional por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20º, nº 1 da Constituição.
26º Não sendo o executado responsável pelo pagamento da coima que ora se pretende obter, por não ser responsável pelas alegadas infracções que lhe são imputadas, não podem os seu bens, mormente, o bem penhorado (carro), responder pelo pagamento das obrigações pertencentes a outros.
27º Deste modo, nos termos do direito substantivo os bens do executado/embargante não respondem pela divida exequenda, logo a penhora que incide sobre o bem penhorado á ordem dos presentes autos é de todo ilegal e inadmissível nos da al. c) do n.º 1 do art.º 784 do CPC.
28º Salvo o devido respeito, não andou bem o Tribunal “a quo” ao decidir nos termos em que o fez.
29º Salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo” violou, interpretou ou aplicou incorrectamente, além de outros, o disposto nos artigos 152º, 227º, 703º, 731º e 784º do CPC, 601º do CC e 18º, 20º e 202º da Constituição da Republica Portuguesa.
Pede, a final, que seja revogada a sentença recorrida, substituindo-se por acórdão que admita os embargos de executado e a oposição à penhora deduzidos, determinando-se o prosseguimento dos autos para os seus ulteriores termos, com as inerentes consequências.
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O Mº Pº veio responder ao recurso do embargante, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, a questão a decidir é apenas a de saber se a decisão administrativa, não impugnada judicialmente, que aplicou ao embargante uma coima, deve ser equiparada, como título executivo, a uma sentença judicial.
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Os factos a considerar para a decisão da questão colocada são os mencionados, quer no relatório deste acórdão, quer na decisão recorrida, para os quais remetemos.
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Da equiparação da decisão administrativa, a sentença, como título executivo:
Insurge-se o recorrente contra a decisão recorrida, que equiparou a decisão administrativa proferida pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, que lhe aplicou a coima no valor de € 6.000,00, a uma sentença judicial, começando por dizer que a lei - o artº 729º do CPC – se refere apenas a sentença, como ato emanado de um juiz e não a qualquer outra decisão, ainda que com força executória, como é o caso.
Ou seja, o recorrente não põe em causa que tenha sido condenado por entidade administrativa com competência para tal; por decisão transitada em julgado; com força executória; e para a qual o MºPº tem legitimidade para instaurar a respectiva execução.
O que o recorrente questiona é que a decisão administrativa proferida seja equiparada – como se faz na decisão recorrida – a uma sentença, título executivo ao qual são impostos os limites previstos no artº 729º do CPC, na dedução de embargos de executado, pugnando pelo entendimento de que se trata de um título executivo incluído no artº 731º do CPC, podendo ser deduzidos ao mesmo, como fundamentos de embargos de executado, além dos fundamentos invocáveis à sentença, quaisquer outros que pudessem ser deduzidos como defesa no processo de declaração.
Mas não podemos concordar com o recorrente.
Nos termos do artigo 59º do Decreto-Lei nº433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das Contra-Ordenações), a decisão administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial (nº1). Não sendo impugnada, a decisão administrativa torna-se definitiva e pode ser executada (nº1 do artigo 88º do citado diploma).
E nos termos do nº1 do artigo 79º do mesmo diploma legal, “O carácter definitivo da decisão da autoridade administrativa ou o trânsito em julgado da decisão judicial que aprecie o facto como contra-ordenação ou como crime precludem a possibilidade de reapreciação de tal facto como contra-ordenação”.
Assim, destas disposições legais resulta o alcance definitivo da decisão administrativa, conferindo-lhe um valor igual ao caso julgado de uma decisão judicial. Por isso, em caso de execução por coima, o trânsito em julgado da decisão da autoridade administrativa preclude a possibilidade de novo conhecimento do facto como contra-ordenação e impede nova discussão em tribunal daquele facto.
Desta forma, se pode referir que, apesar de a decisão da entidade administrativa não ter a natureza e a dignidade de uma sentença proferida por um órgão jurisdicional, a lei lhe atribui efeitos análogos.
E tendo a decisão da autoridade administrativa efeitos análogos ao de uma sentença judicial, não pode deduzir-se embargos de executado, como pretende o recorrente, invocando os fundamentos referidos no artigo 731º do CPC – Fundamentos de oposição à execução baseada noutros títulos -, devendo eles conter-se no estatuído no artº 729º.
Com efeito, o legislador pretendeu, ao estatuir este regime, evitar a possibilidade de duplicação de decisões sobre uma mesma questão, dessa forma obstando a que os executados/opoentes possam, nesta fase, invocar as razoes de que, em tempo oportuno, poderiam ter lançado mão para se oporem à decisão primitiva.
É certo, como defende o recorrente, que a decisão administrativa que aplica uma coima não tem a natureza e a dignidade de uma sentença – nos moldes em que ela vem definida no artº 152º do CPC – mas também é verdade que a lei, ao instituir o Regime Geral das Contra-Ordenações (com a publicação do DL nº nº433/82, de 27 de Outubro, e sucessivas alterações), não só rodeou a sua elaboração de especiais cuidados, em tudo semelhantes aos exigidos para as sentenças, como lhe atribuiu efeitos análogos (artºs 58º e 79º) maxime no que concerne ao seu carácter definitivo, por força do qual fica precludida a possibilidade de nova apreciação do facto em questão, em termos em tudo idênticos ao que acontece com uma sentença.
Em termos de garantias de defesa, contrariamente ao alegado pelo recorrente, elas estão também asseguradas, uma vez que o arguido condenado no âmbito de um processo de contra-ordenação, caso discorde da correspondente decisão administrativa, pode sempre provocar uma decisão judicial, uma vez que a lei assegura a este plenas garantias de defesa (artºs 50º e 59º do Regime Geral das Contra-ordenações).
Não faz por isso sentido que perante essas garantias de defesa, que lhe são asseguradas pela tramitação do processo de contra-ordenação, promovida a execução da decisão administrativa, o executado possa vir discutir novamente os factos, invocando razões que já opôs – ou poderia ter oposto - pela via da impugnação judicial.
A não ser assim, e a adoptar-se uma interpretação restritiva e literal do art. 729º do Código de Processo Civil, no que diz respeito à palavra sentença, como pretende o recorrente, estaria a sufragar-se uma solução não querida pelo legislador e que poria em causa valores como a economia processual e segurança jurídica, contrariando expressamente o disposto no artº 79º/1 do RGCOC.
A restrição dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença fazem-se sentir com a mesma preponderância quando a decisão a executar é proferida pela autoridade administrativa que aplicou a coima (vide, neste sentido, António Leones Dantas, “Considerações sobre o processo das contra-ordenações”, Revista SMMP, ano 15º, nº 57).
Por isso defendemos, com a jurisprudência que consultamos (cremos que toda) que o legislador não aludiu expressamente, nos artºs 729º, 730º, e 731º, às decisões emanadas de autoridades administrativas, por manifesta desnecessidade, querendo equipará-las, em toda a sua dimensão, às sentenças judiciais, títulos executivos contemplados no artº 729º do CPC (cf., neste sentido, Ac. desta RG, de 12.3.2003: CJ/2003, Tomo II, pág.272 e de 3.5.2011; da RL, de 27.9.2006 e de 8.11.2007; da RC de 4.3.2008; e da RP de 8.3.2005, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Efectivamente, como se referiu, estamos perante uma decisão em tudo similar a uma sentença. Assim deve ser estruturada, em termos de fundamentação, como se de uma verdadeira sentença judicial se tratasse, sob pena de nulidade (art. 58º, nº1 do Regime Geral das Contra-Ordenações); pode ser judicialmente impugnada, funcionando o tribunal de 1ª instância como tribunal de recurso – com possibilidade, em certos casos, de duplo grau de jurisdição –; e a condenação torna-se definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada, exactamente nos mesmos termos das sentenças judiciais condenatórias.
O seu tratamento deve, por isso, ser equiparado, para todos os efeitos, a uma sentença judicial.
No caso dos autos, o Executado/Apelante foi devidamente notificado da decisão proferida pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte que lhe aplicou a coima em discussão e não a impugnou judicialmente (sendo nessa impugnação que deveria utilizar todos os fundamentos de oposição, designadamente os que agora vem invocar em sede de oposição), conformando-se com ela. Assim, a decisão tornou-se definitiva.
E tornando-se definitiva, nos embargos de executado que deduziu, só poderia invocar os fundamentos de oposição à decisão administrativa proferida, referidos no artigo 729º do Código de Processo Civil, o que não fez, pretendendo ver sindicada a própria factualidade cuja verificação determinou e fundamentou a aplicação da coima.
Desta forma, a sua pretensão tinha de ser rejeitada, como foi, pelo que a decisão sob recurso não merece censura.
Acresce que a decisão recorrida não ofende também o disposto no art.º 202.º, n.º 1, da Constituição da Republica Portuguesa, onde se estatui que os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.
A circunstância de o legislador atribuir efeitos executórios definitivos à decisão da autoridade administrativa que não foi objecto de atempada oposição não contende com aquele princípio constitucional. Na verdade, como se disse, a decisão em causa poderia ter sido judicialmente impugnada pelo recorrente e não o foi. A entidade administrativa concedeu-lhe a faculdade de impugnar judicialmente a decisão de aplicação da coima, faculdade que de que ele entendeu não lançar mão.
Tornando-se, pois, a decisão da entidade administrativa definitiva, por não ter sido atempadamente impugnada judicialmente, a mesma decisão fica, por força do citado art.º 79.º, n.º 1, com efeitos análogos ao de uma verdadeira decisão judicial.
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Estribando ainda o executado a oposição à penhora, nos factos alegados na oposição à execução - de que não sendo responsável pelo pagamento da coima que se pretende executar, não podem os seus bens, mormente o bem penhorado, responder pelo pagamento das obrigações pertencentes a outros –, aderimos também aos fundamentos da decisão recorrida de que o executado pretende apenas sindicar os fundamentos em que se baseou a decisão administrativa proferida alegando não ser proprietário do terreno, nem dos materiais que aí se encontravam, pelo que lhe fica vedado o incidente de Oposição à Penhora, nos termos do disposto no artigo 784.º do CPC.
Improcedem, assim, todas as conclusões de recurso do apelante.
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Sumário do acórdão:
I - O carácter definitivo da decisão da autoridade administrativa ou o trânsito em julgado da decisão judicial que aprecie o facto como contra-ordenação ou como crime precludem a possibilidade de reapreciação de tal facto como contra-ordenação.
II – A decisão administrativa definitiva é equiparada a uma sentença, como título executivo, pelo que, deduzidos embargos de executado, a este apenas é possível invocar, como fundamentos de oposição à execução, os previstos para a sentença judicial no artº 729º do CPC.
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DECISÃO:
Pelo exposto, Julga-se improcedente a Apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas (da Apelação) a cargo do recorrente.
Notifique.
Guimarães, 10.11.2016