Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1649/14.0T8VCT.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
RENDIMENTOS LÍQUIDOS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
TITULARIDADE DO DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Nas acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado, no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao mesmo, o tribunal, em princípio, valora os rendimentos líquidos auferidos à data do acidente, que se encontrem fiscalmente comprovados, após cumprimento das obrigações declarativas legalmente fixadas para tal período.

II - O direito de indemnização por danos não patrimoniais deve ser circunscrito, por ora (ou seja, dado o actual quadro legal), às pessoas indicadas no n.° 2 do art.º 496.°, do Cód. Civil, por razões de segurança jurídica e dado que a atribuição daquele direito não pode ser feita com recurso à analogia, segundo o disposto no art.° 10.°, n.° 1, do Cód. Civil, porque a referida norma é excepcional, não comportando, como tal, a possibilidade de extensão analógica (art.° 11.° do CC), nem uma interpretação extensiva (art.° 9.°, n.° 2 do CC).
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

JORGE, divorciado, médico, contribuinte fiscal n.º ..., residente no Lugar … Arcos de Valdevez, e MARIA, divorciada, professora (reformada), contribuinte fiscal n.º …, residente na Rua Dr. … Arcos de Valdevez, instauraram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra X COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede no Largo … Lisboa, pedindo que a Ré seja condenada a pagar:

- ao Autor Jorge :

i. a quantia global de € 1.344.874,24 (um milhão, trezentos e quarenta e quatro mil, oitocentos e setenta e quatro euros e vinte e quatro cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do sinistro em crise nos presentes autos;
ll. as quantias a liquidar em ampliação do pedido ou execução de sentença e referente aos danos alegados nos pontos i. ii., iii. e xiv. do artigo 210.º da p.i.;
iii. a quantia a título de juros de mora calculados à taxa legal e contabilizados desde a citação até efectivo e integral pagamento;

- à Autora Maria:

i. a quantia de e 25.400,00 (vinte e cinco mil e quatrocentos euros), a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do acidente de viação sub judice;
ii. a quantia a liquidar em ampliação do pedido ou execução de sentença e referente aos danos alegados nos pontos vii. do artigo 210.º da p.l.:
lll. a quantia a título de juros de mora calculados à taxa legal e contabilizados desde a citação até efectivo e integral pagamento;

Alegaram para tanto, e em síntese, a ocorrência de um acidente de viação que se ficou a dever a culpa única e exclusiva do condutor do veículo XR, de que advieram alegadamente para os AA. danos patrimoniais e não patrimoniais, cuja indemnização impetram à Ré, sendo que à data do acidente a responsabilidade civil emergente da circulação de tal veículo encontrava-se transferida para a Ré, mediante contrato de seguro válido e eficaz.
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Contestou a R. confessando os factos inerentes à dinâmica do acidente, aceitando a responsabilidade decorrente do mesmo, impugnando contudo os factos descritos na p.i. referentes à natureza, extensão e valor dos danos reclamados pelos AA.
Requereu, ainda, a intervenção acessória do condutor do veículo XR, que, à data do acidente, acusou uma TAS de 1,74g/l, invocando, para o efeito, o seu direito de regresso ao abrigo do disposto no art. 27.º, al. c), do DL 291/2007, de 21/8, em caso de condenação.
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Admitida a requerida intervenção, foi o chamado citado, vindo aos autos juntar procuração a favor da IL. Mandatária por si constituída.
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A fls. 319 e ss, o A. JORGE procedeu à ampliação do pedido, liquidando os danos relativos à necessidade de adaptação da sua residência, dos seus cinco veículos e uma caravana, passando a ascender o pedido global à quantia de €1.422.290,24, sendo €1.370.270,24 referente ao pedido formulado na p.i. e €52.020,OO referente à ampliação.
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A fls. 471 e ss o A. procedeu a nova ampliação do pedido para a quantia global de €1.839.791,20, sendo €1.422.290,24 referente ao pedido formulado na p.i. e no requerimento de ampliação de fls. 319 e ss e de €417.500,96 referente aos montante ampliados nos artigos 17º, 20º e 21º.
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Procedeu-se a julgamento, com observância do legal formalismo, sendo posteriormente proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a R:

a) a pagar ao A. a quantia de € 841.051,06 (oitocentos e quarenta e um mil e cinquenta e um euros e seis cêntimos), sendo €100.000,00 a título de danos não patrimoniais e €741.051,06 a título de danos patrimoniais;
b) a pagar ao A. o montante que se vier a liquidar em sede de liquidação da presente sentença relativamente aos danos melhor descritos em 1.79., 1.80, 1.124., 1.125. dos factos provados.
c) a pagar ao A. os juros de mora à taxa de 4% (Portaria 291/03, de 8Abr):

• desde a citação até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos patrimoniais;
• desde hoje até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos não patrimoniais.
No mais, se julgando a acção improcedente, e designadamente quanto aos pedidos formulados pela A. Maria, absolvendo a R. do restante peticionado.
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II. O Recurso

Não se conformando com a decisão proferida vieram os AA. apresentar recurso, nele formulando as seguintes conclusões:

-O aqui Recorrente JORGE não se conforma com o teor da decisão proferida pelo tribunal de primeira instância que veio a fixar, segundo um juízo de equidade, o valor da indemnização devida a título de perda ou redução da sua capacidade de ganho em € 600.000,00 (seiscentos mil euros);
-É certo que a determinação dessa indemnização obedece a juízos de equidade, assentes numa ponderação casuística, à luz das regras da experiência comum, no entanto, o seu objectivo último é tornar o lesado indemne, ou seja, sem dano, visando colocar o mesmo na situação em que estaria se não tivesse ocorrido o facto danoso;
-Donde, impõe-se, em primeiro lugar, condenar a seguradora, a pagar ao Recorrente JORGE a perda patrimonial que o mesmo incorreu a partir do dia seguinte ao do acidente e calculada até à data em que o mesmo passou a beneficiar de uma pensão por invalidez e, bem assim, desde essa data até à altura em que o mesmo se reformaria e, finalmente, desde essa data até à data do seu falecimento (e que por facilidade de raciocínio se considerará a esperança média de vida);
-Esse prejuízo patrimonial deverá ser calculado através da teoria da diferença, ou seja, o dano patrimonial medir-se-á pela diferença entre a situação real actual do lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria se não fosse o facto lesivo, com o objectivo preciso de reconstituir a situação económica em que o Autor estaria se não tivesse ocorrido o facto ilícito gerador de responsabilidade civil, o que, in casu, perfaz o arbitramento de um montante indemnizatório nunca inferior a € 841.502,59 (oitocentos e quarenta e um mil, quinhentos e dois euros e cinquenta e nove cêntimos);
-Ademais, os danos patrimoniais sofridos pelo Recorrente JORGE em consequência da afectação da sua capacidade de ganho não se esgota, nem se subsume apenas a essas perdas ou diferenças de rendimento ou de montantes de subvenções;
-A lesão corporal sofrida em acidente de viação constitui um dano real ou dano evento, designado por dano biológico, na medida em que afecta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”;
-O dano biológico é um dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, na medida em que respeita a incapacidade funcional, uma vez que a força de trabalho humano é sempre fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga o lesado a despender um maior esforço para manter o nível de rendimento;
-A compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a restrição total ou parcial das possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão da sua actividade profissional habitual, implicando, nesses casos, flagrantes perdas de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas;
-O dano biológico projecta-se em duas vertentes: (i) por um lado, a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua actividade profissional habitual ou específica, durante o período previsível dessa actividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir; (ii) por outro lado, a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da actividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa actividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expectável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual;
-O dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua actividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras actividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas actividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis;
-O Recorrente JORGE, para além de padecer de uma incapacidade para o exercício da sua actividade profissional habitual, também veio a ser considerado totalmente incapacitado para qualquer profissão ou trabalho, tal como resulta evidente do cotejo da junta médica realizada pela Caixa Geral de Aposentações junta aos autos a fls. 460 e seguintes (ofício esse que deu entrada neste tribunal a 12.9.2017, constando do formulário intitulado de relatório médico na sua página 4).
-O Recorrente JORGE evidencia inelutavelmente uma significativa diminuição psico-somática para as tarefas pessoais do seu quotidiano;
-Considerando a incapacidade total do Recorrente JORGE para, no período de vida expectável, até um horizonte acima dos 70 anos, realizar trabalhos ou tarefas de alcance económico, fora da sua órbita profissional, afigura-se que o valor indemnizatório pelo dano biológico sofrido pelo mesmo, apenas poderá ser conseguido por via da equidade;
-No presente caso, tendo em conta o tipo de profissão do Autor - médico -, o resultado da junta médica realizada pela Caixa Geral de Aposentações, a sua invalidez, a dependência e ajudas técnicas que o mesmo carece diariamente e, ponderando a sua idade (hoje com 60 anos de idade), estamos certos que o mesmo jamais poderá regressar ao mundo do trabalho. Por outro lado, e em face desse quadro clínico e sequelar, o Recorrente JORGE não poderá usufruir do seu período de reforma como sempre tinha sonhado, fazendo aquilo que sempre ambicionou e que muito gozo lhe daria (como seja, viajar e fazer caminhadas);
-Destarte, considerando o quadro de sequelas sofridas e o que, à luz das regras da experiência comum, é de supor que o Recorrente JORGE pudesse desempenhar com utilidade económica, pessoal ou sentimental, fora do seu giro profissional, e mesmo nas suas tarefas pessoais e lúdicas, se não fossem tais lesões, tem-se por justificado um acréscimo de € 200.000,00 (duzentos mil euros), a título de indemnização pelo dano biológico decorrente da perda da capacidade económica e de gozo do Autor;
-Pelo exposto, a indemnização devida pelos danos patrimoniais sofridos com a perda ou redução da capacidade de ganho do Autor JORGE se deve fixar no montante global de € 1.041.502,59 (um milhão, quarenta e um mil, quinhentos e dois euros e cinquenta e nove cêntimos);
-De igual modo, a Recorrente Maria não se conforma com a decisão proferida pelo tribunal a quo que veio a considerar que não lhe assiste legalmente o direito a ser devidamente indemnizada pelos danos não patrimoniais por si sofridos em consequência dos danos corporais graves sofridos pelo seu companheiro à mais de 30 anos e, bem assim, que não condenou a seguradora a reembolsá-la das despesas por si incorridas com as visitas diárias que fez ao seu companheiro enquanto este permaneceu internado e que se prolongaram por mais de três anos;
-A factualidade considerada provada nos presentes autos constitui, para a Recorrente Maria, causa de graves danos próprios, de cariz não patrimonial, considerando que a qualidade de vida da mesma, companheira do Recorrente JORGE, ficou profundamente afectada, os seus direitos de companheira amputados, irremediavelmente comprometidos, assistindo-lhe o direito a ser devidamente indemnizada, a título de danos não patrimoniais, que devem ser equitativamente fixados no montante de € 20.000,00 (vinte mil euros), nos termos do disposto nos artigos 483.º, n.º 1 e 496.º, n.º 1 do Código Civil.
-Aderindo-se assim à interpretação, sentido e alcance fixados pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ de 16.01.2014, proferido no processo n.º 6430/07.0TBBRG.S1, da 7.ª Seção, disponível no site www.dgsi.pt e que uniformizou a seguinte jurisprudência: "Os artigos 483.º, n.º 1 e 496.º, n.º 1 do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave.";
-Entendimento esse que por maioria de razão se deverá estender às uniões de facto, considerando que este é um daqueles casos em que a relação entre o dano provocado a uma pessoa que se mantém viva e o sofrimento também infligido a outra é tão estreita, que se pode dizer que o atingimento desta tem lugar, se não necessariamente, pelo menos em regra;
-Resulta evidente do disposto no n.º 3 do artigo 496.º do Código Civil que, se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no n.º 2 desse normativo legal cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos e outros descendentes. Ou seja, vivendo a vítima em união de facto – como é aqui o nosso caso – é afastada a aplicação do n.º 2 do artigo 496.º e, em sua substituição, dever-se-á aplicar o n.º 3 dessa mesma norma legal, precisamente devido à relação próxima e estreita estabelecida entre a vítima e a pessoa que com ela vivia;
-O legislador veio a privilegiar a relação de proximidade – companheiro ou unido de facto – em detrimento da relação contratual decorrente da celebração do casamento, porquanto, segundo as regras da normalidade e da experiência comum, a existência da primeira anula na prática a relação contratual emergente da segunda, a qual apenas se mantém sob o ponto de vista formal;
-Em face do supra exposto, não se pode aceitar nem compreender a posição do tribunal, designadamente após a evolução legislativa ocorrida desde o final do século passado e que tem aproximado os dois institutos (casamentos e uniões de facto);
-Donde, atendendo que o companheiro da Recorrente Maria sofreu danos corporais consideravelmente graves e, considerando que esta sofreu, em consequência desses mesmos danos, danos não patrimoniais também eles relevantes, dúvidas não podem existir que à luz do entendimento descrito supra, lhe assiste o direito de reclamar uma indemnização pelos danos que a própria sofreu;
-Todavia não se quedam por aqui os danos próprios que para a Autora Maria resultaram deste fatídico acidente que envolveu o seu companheiro JORGE;
-Está provado que a Recorrente Maria foi visitar o seu companheiro todos os dias ao hospital (em Viana do Castelo e na Unidade Local de Saúde de Arcos de Valdevez) e à clínica V., tendo assim acompanhado de perto o sofrimento deste.
-A Recorrente Maria tem estado sempre ao lado do seu companheiro, motivando-o, incentivando-o e não deixando que o mesmo perca as esperanças numa eventual recuperação, motivo pelo qual a mesma terá direito a ser ressarcida pelos prejuízos incorridos com quase três anos de deslocações aos hospitais e demais unidades de saúde onde o seu companheiro esteve internado, nos termos do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil;
Termos em que, deve o tribunal ad quem julgar totalmente procedente a apelação promovida pela Recorrente Maria e, em conformidade, condenar a Ré seguradora a reembolsar todas as despesas que a mesma incorreu com as visitas diárias que fez ao seu companheiro JORGE enquanto este permaneceu internado (nos termos do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil) e, bem assim, a pagar-lhe uma indemnização pelos danos não patrimoniais por si sofridos em consequência das lesões sofridas pelo Recorrente JORGE, em € 20.000,00 (vinte mil euros).
A decisão recorrida violou assim o disposto nos artigos 483.º, 495.º, 496.º, 562.º e 566.º do Código Civil.

Termos em quem deve a presente apelação ser julgada provada por procedente, revogando-se a decisão recorrida e condenando-se a Ré seguradora nos termos acima assinalados, assim se fazendo inteira Justiça!
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A Ré apresentou as suas contra-alegações, peticionando, a final, que a decisão recorrida seja alterada na parte em que diz respeito ao autor Jorge , conforme pedido pela Recorrida no seu recurso principal e mantida na parte em que diz respeito à Autora Maria.
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Por sua vez, também a X - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. veio recorrer, formulando as seguintes conclusões:

-A decisão recorrida faz uma errada aplicação da lei e do Direito, violando, os artigos 323.º n.º 4 e 332.º do CPC e o n.º 7 do artigo 64.º do DL 291/2007 de 21 de Agosto.
-A Sentença recorrida é totalmente omissa quanto à intervenção acessória de Rui, sendo por isso nula, nos termos do artigo 615.º n.º 1 al. d) do CPC.
-Para efeitos do direito de regresso da Ré sobre o aludido interveniente, deve a Sentença recorrida ser alterada, fazendo-se constar da mesma a intervenção acessória para efeitos dos artigos 323.º n.º 4 e 332.º do CPC.
-Nos termos do n.º 7 do artigo 64.º do DL 291/2007 de 21 de Agosto, para efeitos de determinação da indemnização por danos patrimoniais, o Tribunal a quo deveria ter considerado apenas os rendimentos líquidos auferidos à data do acidente que se encontrem fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obrigações declarativas relativas àquele período, constantes de legislação fiscal.
-Da declaração de IRS junta aos autos pelo Autor em Requerimento de fls… de 27 de Agosto de 2015, resulta claro que o Autor recebeu ilíquidos € 84.336,35 (oitenta e quatro mil, trezentos e trinta e seis euros e trinta e cinco cêntimos), líquidos € 51.030,99 (cinquenta e um mil e trinta euros e noventa e nove cêntimos), o que determina uma média de rendimento mensal de € 4.252,58 (quatro mil, duzentos e cinquenta e dois euros e cinquenta e dois cêntimos).
-Das declarações de IRS de 2008, 2009 e 2010, juntas aos autos com em Requerimento de fls… de 27 de Agosto de 2015, constata-se que em 2008, os rendimentos brutos do Autor foram de € 103.388,93, em 2009, foram de € 111.805,76, e em 2010, de € 105.280,51.
-Assim, deve o ponto 109. ser alterado, passando a seguinte redacção: “O Autor auferiu em 2011 a quantia anual ilíquida de € 84.336,35 (oitenta e quatro mil, trezentos e trinta e seis euros e trinta e cinco cêntimos), o que dividido pelos doze meses do ano, se poderá concluir que o mesmo recebia a quantia mensal de € 7.028,02 (sete mil, vinte e oito euros e dois cêntimos), sendo certo que nos anos fiscais de 2008, 2009 e 2010 o aqui Autor auferiu as quantias brutas de € 103.388,93, € 111.805,76 e € 105.280,51.”
-Para efeitos de cálculo das perdas remuneratórias e rendimentos futuros, o Tribunal recorrido teria que considerar o montante de € 4.252,58 (quatro mil, duzentos e cinquenta e dois euros e cinquenta e dois cêntimos).
-O valor apurado no ponto 110. dos factos assentes é também errado, uma vez que se trata de um valor ilíquido, tido por referência ao documento 10 junto com a p.i., que quando deduzido de todos os impostos, e por referência à carga fiscal exposta na declaração de IRS de 2011 do Autor, constatamos que àquele título, o Autor arrecadava apenas € 957,78 (novecentos e cinquenta e sete euros e setenta e oito cêntimos).
-O ponto 110. dos factos provados deverá, assim ter a seguinte redacção: “Dessa quantia o Autor ganhava em média o montante de € 957,78 (novecentos e cinquenta e sete euros e setenta e oito cêntimos) a título de abonos decorrentes de horas extras e adicionais.”
-O ponto 113. dos factos provados deve ser alterado, pois que do depoimento da Testemunha Vítor ente minutos 3:30 a 5:30, bem como da própria motivação da matéria de facto, resulta que as importâncias pagas pelo Centro Paroquial e Social Y eram entregues a uma empresa e não ao Autor, não se tendo feito prova de que o Autor recebia € 500,00 (quinhentos euros) por conta dos serviços prestados naquela instituição.
-Deve o ponto 113. dos factos provados ser alterado passando a ter a seguinte redacção: “O Autor ainda exercia a sua actividade profissional na Centro Paroquial e Social Y.”
-Devendo ainda fazer-se constar dos factos não provados: “O Autor auferia a quantia mensal de € 500,00 (quinhentos euros), por conta do exercício da sua actividade profissional no Centro Paroquial e Social Y.”
-O exposto a págs. 15 e 17 e último parágrafo do termo de discordância quanto a incapacidade para o trabalho pela perita representante do Autor, do Relatório da Perícia Médico-Legal realizada nos autos, junto a fls…, bem como as declarações prestadas em sede de esclarecimentos pela Perita representante do Tribunal a minutos 00:18:00 a 00:25:00 e 00:38:00 a 00:42:00, determinam invariavelmente a alteração aos pontos 114. e 120. dos factos provados.
-O ponto 114. deve, em consequência, passar a constar dos factos não provados, dando-se ao ponto 120. dos factos provados a seguinte redacção: Em consequência do acidente, o A. ficou a padecer de um défice permanente de integridade físico-psíquica de 44 pontos.
-Concluindo-se pela capacidade para o exercício da profissão de médico pelo Autor, o único dano patrimonial sofrido a título de retribuições, é o resultante da incapacidade temporária que se verificou desde a data do sinistro (24/12/2011) até à consolidação das lesões (04/07/2015), não se verificando qualquer dano patrimonial futuro.
-Deve o Tribunal a quem, na sequência da alteração à matéria de facto e por consequência, revogar parcialmente a Sentença, absolvendo a Ré no pedido quanto aos danos patrimoniais futuros e reduzir o montante apurado a título de perdas salarias, para o montante de € 40.226,76 (quarenta mil, duzentos e vinte e seis euros e setenta e seis cêntimos).
-Caso se entenda que o Autor ficou efectivamente incapacitado para o trabalho, atento o facto assente no ponto 126. dos factos provados, o Autor não sofreu perdas remuneratórias entre Janeiro de 2012 e Julho de 2017, salvo o montante auferido a título de abonos de horas extras e adicionais.
-Assim considerando, para efeitos de danos patrimoniais futuros, atenta a promovida alteração da matéria de facto, tendo por base a idade do Autor aquando da pensão por aposentação (62 anos), os seus proventos mensais consideráveis (€ 2.565,47), um limite de vida activa até aos 70 anos de idade, a taxa anual líquida de juros de 3%, e o valor da penalização sofrida pela aposentação antecipada aferida através do rendimento líquido expectável durante 10 anos (€ 123.175,22), deve a indemnização por danos patrimoniais futuros ser ajustada a quantia não superior a € 380.000.00 (trezentos e oitenta mil euros).
-Face à alteração dos pontos 110. e 113. dos factos provados, a título de perdas salariais, deve o montante pecuniário logrado pelo Tribunal a quo ser ajustado a € 40.226,76 (quarenta mil, duzentos e vinte e seis euros e setenta e seis cêntimos).
Termos em que, concedendo-se provimento ao presente recurso, revogando a douta Sentença recorrida pela sucessiva ordem de razões e com todas as naturais consequências, nomeadamente, absolvendo-se parcialmente a Ré X do pedido, assim se fará Justiça!
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Os recursos foram recebidos como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
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Após baixa dos autos para apreciação e decisão sobre a nulidade arguida, o tribunal a quo pronunciou-se nos termos que constam de fls. 610, do p.p., no sentido de considerar não se verificar a apontada nulidade.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III- O Direito

Como resulta do disposto no art.º 639.º, n.º 1 do NCPC, o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, compreendendo-se tal exigência, porquanto são as conclusões que delimitam o objecto do recurso (cf. ainda arts. 608.º, n.º 2 e 635.º, n.º. 4 do mesmo Código).
O objecto do recurso é, assim, delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos art.º 608,º, n.º 2, 635.º, nº. 4 e 639.º, n.º. 1, todos do Novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26/6.

Face às conclusões das alegações de recurso, o objecto do presente recurso circunscreve-se a apurar:

- Se se verifica a nulidade arguida;
- Se a prova foi bem analisada em 1ª instância, quanto aos pontos da matéria de facto cuja reapreciação se requer, e, consequentemente, consoante o caso, extrair as conclusões de facto e de direito daí decorrentes.
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IV. Fundamentação de Facto

Factos Provados

1. No passado dia 24 de Dezembro de 2011, pelas 02:00 horas, na Avenida …, na freguesia de …, concelho de Arcos de Valdevez, ocorreu um acidente de viação, em que interveio o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula XR, de marca Citroen, modelo C2, propriedade de Fernando e conduzido por Rui e o aqui Autor enquanto peão.
2. No local onde ocorreu o sinistro, a referida artéria descreve-se, atento o sentido de marcha norte (Arcos de Valdevez) - sul (Ponte da Barca), numa ligeira recta a qual é precedida de uma curva, de relevo descendente.
3. Atento esse sentido de marcha, a faixa de rodagem tem uma largura de 5,90 metros, sendo constituída por dois corredores de circulação afectos ao mesmo sentido de marcha, sendo ladeada à esquerda por uma berma com 0,50 metros de largura seguido de um separador central composto por lancil e uma estreita placa ajardinada e à direita por uma berma com 0,50 metros de largura seguido de passeio e baía de estacionamento.
4. A velocidade máxima permitida nesse local era de 50 km/horários.
5. O piso era (como é) em asfalto, o tempo estava bom e seco e havia iluminação pública suficiente.
6. Ainda atento esse sentido de marcha e antes do local onde ocorreu o acidente, o condutor do veículo automóvel deparou-se com a seguinte sinalização: i. Vertical: Sinal vertical A 16, passagem para peões a 77,5 metros da passadeira; ii. Vertical: Sinal vertical B9b, entroncamento com via sem prioridade, a 55,5 metros da passadeira; iii. Vertical: Sinal vertical H7, passagem para peões, a 5,5 metros da passadeira; iv. Vertical: Sinal vertical B2, Stop no entroncamento (entrada do parque do edifício); v. Marca rodoviária longitudinal: M2 - Linha descontínua a separar sentidos de trânsito; vi. Marca rodoviária diversas e guias: M 19 - Guias delimitadoras da faixa de rodagem.
7. Nesse dia, a essa hora havia pouco trânsito.
8. O veículo ligeiro de mercadorias de matrícula XR circulava pela Avenida …, no sentido Norte - Sul, a uma velocidade nunca inferior a 70 km horários.
9. A dado passo, e porque o seu condutor não circulava atento ao trânsito que se processava naquela via aquela hora, seja ele pedonal ou automóvel, já que tinha a sua capacidade de concentração tolhida e condicionada pela taxa de alcoolémia que o animava - 1,74 g/I -, perdeu o controlo do veículo que conduzia, começando a derivar para a esquerda, vindo a embater com o pneu da frente do lado esquerdo, no lancil do separador central, sensivelmente a 44,5 metros da passadeira.
10. O seu condutor quase de imediato acciona o sistema de travagem do veículo, começando a derivar para a direita, vindo a embater novamente com o rodado da frente do lado direito no lancil do passeio situado no lado direito da faixa de rodagem, prosseguindo a sua marcha completamente desgovernado, rodopia em sentido contrário aos ponteiros do relógio, e passa a circular com a traseira virada para a frente.
11. E ingressa de marcha atrás na baía de estacionamento, vindo a colidir com a sua traseira no motociclo de matrícula XR que aí se encontrava regularmente estacionado.
12. E, continuando a sua marcha, galga o lancil do passeio, passa por cima de um canteiro, vindo a colher o peão (aqui Autor) que se encontrava no passeio, sensivelmente em frente ao restaurante "O Pisco", a conversar com dois colegas.
13. O veículo automóvel continua em movimento, embateu na base do painel publicitário do restaurante, e finalmente, colidiu com o canto traseiro esquerdo no vértice da grade do passeio e no sinal 82, rodando novamente e imobilizando-se perpendicularmente em relação à faixa de rodagem, ficando a ocupar parcialmente a plataforma da estrada.
14. Desde que o veículo de matrícula XR embateu no lancil do separador central até que se imobilizou deixou uma marca de derrapagem com cerca de 72 metros de comprimento, intervalada com pequenos períodos (7 metros).
15. A distância de imobilização do veículo foi de 94 metros.
16. O proprietário do veículo de matrícula XR, através da celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel titulado pela apólice n.º …, transferiu a sua responsabilidade civil emergente da circulação do referido veículo para a Ré X, encontrando-se tal contrato de seguro válido e eficaz na data em que ocorreu o acidente.
17. Imediatamente após ter sido colhido, o Autor ficou imediatamente prostrado no chão a contorcer-se com dores.
18. O Autor queixava-se da cabeça, de fortes dores cervicais e de dores nos membros inferiores.
19. Atenta a gravidade da situação, foram imediatamente accionados os meios técnicos de socorro, designadamente o INEM.
20. Após a sua chegada, os técnicos procederam à imobilização do Autor em plano duro e com colar cervical, tendo sido transportado de urgência para o Centro Hospitalar do Alto Minho, EPE, local onde lhe foram ministrados os devidos cuidados médicos, hospitalares e medicamentosos - cfr. episódio de urgência n.º 11009008 - cfr. doc. 2 junto com a p.i.
21. Deu entrada na sala de emergência por voltas das 03:00 horas, muito agitado, GCS 12, em choque hipovolémico, má perfusão periférica, em ventilação espontânea e com saturações baixas.
22. Foi imediatamente sedado e feita entubação orotraqueal e ventilação invasiva.
23. Foi decidida realizar uma laparotomia emergente com evidência de hemoperitoneu por laceração de vasos mesentéricos.
24. Durante a cirurgia, por hipotensão grave fez fluidoterapia com cristaloides e coloides e foi transfundido com 1 U de GR e 3 PFC.
25. No pós operatório, com o Autor estabilizado e numa avaliação ortopédica sumária, o mesmo apresentava: i. Fratura exposta de ambas as pernas (grau II); ii. Hematoma ocular bilateral; iii. Múltiplas escoriações.
26. Foram-lhe colocados: a) SVesical; b) TOT; c) cateter central;d) Cateter arterial no MSD; e) Lavagem peritonial.
27. Foi-lhe ministrado: 1) 3000cc de SF; 2) 2 unidades de GR sem tipagem; 3) 2 voluvens; 4) 1 lactato; 5) 3 bicarbonatos 8.4; 6) 15mg Midazolan; 7) 10mg de Vecurónio; 8) 40mg de Etomidato; 9) 0,25mg Fentanil.
28. Seguidamente foram suturadas as feridas e realizadas talas engessadas aos membros inferiores.
29. Fez análises e realizou um rx à coluna cervical, dorsal e lombar, bacia e aos membros inferiores.
30. Como apresentava lesões multi-sistémicas, sujeitou-se a tratamentos cirúrgicos, tendo realizado osteossíntese de fractura dos ossos da perna, exposta grau III, bilateral (encavilhamento com Kuntcher aparafusado de ambas as tíbias em 27 de Janeiro de 2012).
31. Entretanto, esses cuidados cirúrgicos por ortopedia, só puderam ser realizados quando o Autor estabilizou as lesões apresentadas do foro toracoabdominal e craneoencefálico.
32. Por o Autor apresentar fractura da órbita direita com saída de liquor, foi o mesmo reencaminhado para cirurgia plástica.
33. O Autor foi ainda observado por neurocirurgia de Braga.
34. Do TAC craneo-encefálico resultou que o Autor apresentava redução difusa de volume encefálico, diminuto foco hiperdenso cortical no lobo parietal esquerdo, fractura dos ossos próprios do nariz e fractura das paredes da orbita direita.
35. Por sua vez, do T AC realizado à coluna cervical e torácica não foi detectada qualquer fractura.
36. Ao nível neurológico realizou profilaxia da meningite com ceftriaxone e vancomicina em doses meningeas.
37. O Autor apresentava tetraparesia flácida, inicialmente apenas mobilizando as mãos.
38. De igual modo, também apresentava um pneumotórax de pequeno volume à esquerda.
39. Realizado um TAC ao tórax foi descortinada a existência de fracturas de múltiplos arcos costais de ambos os lados, várias delas em duas partes e com topos desalinhados.
40. Foi igualmente apurado a existência de um pneumotórax do lado esquerdo e extenso enfisema dos tecidos moles da parede torácica esquerda.
41. Também do lado esquerdo existia uma contusão pulmonar no lobo superior.
42. Do lado direito existia uma hemorragia epipleural.
43. Esteve internado na Unidade de Cuidados Intensivos (Hospital de Santa Luzia) até ao dia 30 de Janeiro de 2012, em ventilação mecânica até ao dia 10 do mesmo mês.
44. Desenvolveu feridas em ambas as pernas, com perda de cobertura cutânea, as quais inicialmente estavam infectadas mas com evolução posterior favorável.
45. Desenvolveu também úlceras de pressão em ambas as regiões calcaneanas.
46. Do internamento prolongado resultou amiotrofia difusa marcada, por desuso.
47. Foi admitido na Unidade de Convalescença de Arcos de Valdevez no dia 27.02.2012 para reabilitação intensiva onde esteve internado até 5.4.2012, para continuidade aos tratamentos, foi transferido para a Unidade de Média Duração e Reabilitação V. nessa mesma data.
48. No dia 11.06.2012 foi transferido para o Serviço de Ortopedia do Hospital de Viana do Castelo por infecção da ferida da perna esquerda resistente a antibioterapia ambulatória, onde permaneceu até ao dia 28.06.2012, data em que foi reintegrado na Unidade de Média Duração e Reabilitação V..
49. Durante o segundo internamento nessa unidade apresentou alterações analíticas da função renal pelo que foi encaminhado para a consulta de Nefrologia do Hospital de Santo António.
50. Realizou biopsia renal que revelou insuficiência renal aguda com lesão de necrose tubular.
51. Desde então realiza estudos analíticos regulares e é seguido por Nutrição.
52. Iniciou treino de marcha com andarilho, que faz com ajuda de segunda pessoa, uma vez que apresentava um equilíbrio de tronco precário, no serviço desloca-se de cadeira de rodas.
53. A 26.09.2012, tem alta da Rede Nacional de Cuidados Continuados, por limite de tempo de internamento.
54. Em face das barreiras arquitectónicas do domicílio do Autor, do potencial de reabilitação e do potencial de aquisição de marcha autónoma e, bem assim, atenta a necessidade de seguimento da função renal, o corpo clínico que assistia o Autor entendeu que se justificava o internamento deste até aquisição de autonomia na marcha.
55. O Autor foi intervencionado cirurgicamente em Novembro de 2013 onde lhe foram colocados fixadores externos.
56. Fez (como ainda hoje faz) fisioterapia de estimulação muscular no membro direito para prevenir atrofias.
57. No entanto, mantém limitações de marcha em consequência das sequelas provocadas pelas fracturas supra referidas.
58. Com efeito, e em consequência desta última intervenção cirúrgica retroagiu em sede de autonomia e apenas voltou a caminhar alternadamente com apoio e em cadeira de rodas.
59. Mantém ainda hoje a insuficiência renal, pese embora a mesma esteja aparentemente controlada.
60. Actualmente encontra-se a ser acompanhado por ortopedia pelo Sr.
Prof. E. M., na Clínica Saúde AT., sendo igualmente acompanhado por cirurgia plástica pelo Sr. Dr. Horácio no Hospital de Santa Maria, na cidade do Porto.
61. O Autor tomou e ainda hoje toma variada medicação, designadamente analgésicos.
62. Durante os múltiplos internamentos hospitalares, teve necessidade de ser algaliado e mais tarde apenas fazia as suas necessidades fisiológicas através de uma aparadeira.
63. O Autor esteve internado ininterruptamente cerca de três anos: inicialmente no Hospital de Santa Luzia, mais tarde na Unidade Local de Arcos de Valdevez e posteriormente na Unidade de Média Duração e Reabilitação V., já para não falar das intervenções cirúrgicas que teve de realizar na cidade do Porto (e nos períodos em que aí permaneceu internado).
64. A Ré tem suportado integralmente todas as despesas inerentes a esses internamentos e tratamentos hospitalares (incluindo as deslocações do Autor de Arcos de Valdevez para a cidade do Porto). 65. A residência do Autor situa-se no Lugar …, em Arcos de Valdevez, tendo três pisos e cerca de 32 degraus, sem qualquer acesso para cadeiras de rodas.
66. O Autor, em consequência do acidente, tem muitas dificuldades em se deslocar, nomeadamente quando tem de utilizar as escadas, demandando a adaptação da sua residência com a construção de um acesso para macas e cadeiras de rodas.
67. Por outro lado, a residência do Autor tem 3 pisos - rés-do-chão (garagem), 1.º e 2.º andar -, não tem elevador, nem qualquer placa ou plataforma elevatória para o poder transportar.
68. Como a largura das escadas é de apenas 900mm só será possível instalar um elevador de escadas com assento (ISSO 18.30.10) usualmente designado por Cadeira Elevatória de Escadas ou Cadeira-Elevador de Escada.
69. O custo estimado para este tipo de elevador de escadas com assento é de cerca de €18.000,00, com instalação e IVA incluído à taxa de 6%.
70. De igual modo, e já dentro da habitação constatamos que (i) as portas não têm largura suficiente para passar uma cadeira de rodas ou maca; (ii) As casas de banho não se encontram minimamente adaptadas as limitações físicas que afectam o aqui Autor.
71. Pelo que será necessário realizar as seguintes obras de adaptação:
- automatização de dois portões de acesso à habitação em viatura: €615,00;
- automatização da porta da garagem: €310,00;
- alteração das portas interiores com respectivos trabalhos de construção civil para garantir a acessibilidade de cadeira de rodas aos diferentes compartimentos €6.150,00;
- alteração de corrimão de escadas interiores com respectivos trabalhos de construção civil para garantir a passagem de cadeiras de rodas: €1.230,00;
- substituição da base de chuveiro: €615.00,
- tudo no total de €8.920,000.
72. De igual modo, os seus veículos automóveis - que se encontram registados em seu nome e que têm as matrículas FX, IM, EQ, JX e QC (vide documentos 3, 4, 5, 6 e 7) ­também não estão adaptados às suas novas limitações físicas, sendo certo que o aqui Autor é igualmente um caravanista com mais de 30 anos de dedicação - sendo proprietário de uma caravana com matrícula ...2 (vide documento 8).
73. Em face das limitações locomotoras de que padece o A., os referidos veículos carecem de ser adaptados com recurso a embraiagem automática que permite adaptação de qualquer veículo automóvel com caixa manual e dispensa a utilização do pedal de embraiagem.
74. O custo global estimado dos equipamentos, instalação e homologação pelo IMTT ascende a €19.700,00.
75. No caso específico do Jeep Mitsubishi Pagero, para além da embraiagem automática, é necessário ainda instalar banco giratório com elevação e rebaixamento em consequência das notórias dificuldades de transferência.
76. Relativamente à adaptação da caravana Hymer, modelo Eriba Touring, com matrícula …2 de 2009, necessita a ainda da substituição do sistema de manobra instalado por modelo com engate / desengate automático.
77. De igual modo, e para a estabilidade da caravana os técnicos vieram a considerar a instalação de quatro patas automáticas.
78. O custo total das adaptações na caravana ascende a €5.400,00.
79. O Autor necessita e irá necessitar da ajuda de uma terceira pessoa no cuidado da sua higiene pessoal, para vestir algumas peças de vestuário e para se deslocar na rua (dado que se desequilibra com alguma facilidade e sente-se inseguro), num período de, em média, 4 horas por dia.
80. O Autor está ainda dependente de outras ajudas técnicas para conseguir ter alguma qualidade de vida, designadamente: canadiana; um andarilho para marchas longas, e ocasionalmente cadeira de rodas; e cadeira de banho, com renovação periódica.
81. O Autor teve de comprar roupa adequada para realizar fisioterapia e, bem assim, t-shirts e pijamas, cujo valor ascendeu a cerca de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros).
*
82. A Autora Maria tem-se deslocado todos os dias para visitar o Autor Jorge .
83. E tal ocorre desde o dia do acidente, primeiramente a Viana do Castelo e, mais tarde, à Unidade Local de Saúde de Arcos de Valdevez.
84. Com o que suporta a respectiva despesa, que se repete há cerca 36 meses, com referência à data da propositura da acção.
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85. Em consequência do acidente, e por força das lesões sofridas e sequelas de que ficou a padecer, o Autor passou a apresentar um comportamento apático, triste e de indiferença perante a vida, e ainda dificuldades acrescidas na vida social, refugiando-se, não raras vezes no choro em virtude de não poder levar a vida que levava antes do acidente.
86. De um homem alegre, trabalhador e bem-disposto que era antes do acidente, transformou-se numa pessoa triste, sisuda, abalado psicologicamente, impaciente, com tendências para o isolamento e com o sistema nervoso alterado e revoltado com a situação que lhe foi criada pelo acidente.
87. O Autor esteve internado praticamente três anos, esteve à porta da morte, temeu pela sua vida e suportou um grande choque e abalo quando tomou consciência de que ficaria inválido e dependente de terceiros até ao fim dos seus dias.
88. Como se trata de um senhor com uma vida pessoal, profissional e familiar intensa e preenchida, muito lhe custou o tempo de clausura hospitalar e a permanente consciencialização de que está condenado a ter uma vida muito limitada no futuro.
89. Não poderá mais fazer as tarefas que tanto gozo lhe proporcionava como anteriormente, como sejam, exercer medicina, viajar com a sua caravana e passear a pé.
90. O facto de se encontrar dependente de terceira pessoa para a realização de muitas tarefas do dia-a-dia e que vai continuar a necessitar dessa ajuda pela vida fora, perturba-o e desgosta-o profundamente, destruindo-lhe a sua auto estima e o seu amor próprio.
91. Sente-se um fardo para os seus familiares, sem qualquer préstimo.
92. A sua tristeza e desgosto são profundos, vivendo continuamente em estado de angústia e depressão.
93. O Autor sofreu e sofre, por virtude das sequelas com que ficou a padecer, de grande desinserção social, de crises emocionais graves.
94. Em consequência do acidente e das lesões por ele causadas o Autor apresenta sequelas permanentes, designadamente distúrbios de memória e do sono, os quais se traduzem em insónias, sendo frequentemente assaltado com pesadelos onde revive novamente o acidente de que foi vítima.
95. Sofre ainda de grande propensão para estados de grande ansiedade e acentuado agravamento de seu estado de nervos, o que tem justificado o seu acompanhamento psicológico.
96. Por outro lado, o Autor sofreu dores físicas incomensuráveis, designadamente (i) quando sentiu o seu corpo a ser embatido violentamente pelo veículo automóvel; (ii) quando ficou prostrado no chão a aguardar a chegada das equipas de socorro; (iii) quando foi sujeito a tratamentos hospitalares, cirúrgicos e fisiátricos, fixando-se o seu quantum doloris no grau 6 numa escala de sete graus de gravidade crescente.
97. De igual modo, também sentiu fortes constrangimentos psicológicos, nomeadamente, quando se encontrava sozinho numa cama de um Hospital ou numa cama das clínicas por onde já passou; (ii) ou quando se põe a pensar no que fazia antes deste acidente e do pouco que agora pode fazer.
98. Antes do acidente o A. era um homem que tinha uma vida profissional e pessoal muito intensa, sendo aqui particularmente relevante a quebra da alegria de viver, o seu bem-estar e a sua vitalidade.
99. E, bem assim, o prejuízo para a saúde geral decorrente de todas as substâncias médicas e medicamentosas que lhe foram ministradas e que lhe provocaram as lesões que actualmente padece a nível renal.
100. Em consequência das lesões sofridas, ficou a padecer de um dano estético permanente fixado no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente.
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101. Os aqui Autores vivem em condições análogas às dos conjugues há mais de 30 anos, mantendo cada um a sua residência, vivendo o casal, alternadamente em casa de um ou de outro.
102. A Autora sentiu-se triste e constrangida por ver o seu companheiro atirado para o leito de uma cama ou para uma cadeira de rodas.
103. A Autora sente-se angustiada ao ver o seu companheiro permanentemente em sofrimento físico e psicológico.
104. A Autora sente-se amargurada por estar a viver sozinha há praticamente três anos.
105. A Autora sente-se desolada ao ver o seu companheiro totalmente dependente de terceiros, ele que era um homem autónomo e independente.
106. A Autora foi visitar o seu companheiro todos os dias ao hospital e à clínica V., tendo assim acompanhado de perto o sofrimento deste, o que lhe provoca uma revolta interior em face da situação de impotência e desespero que a mesma sente por não poder fazer nada para o ajudar.
107. O aqui Autor tinha cinquenta e seis (56) anos de idade quando ocorreu o sinistro, exercendo a actividade profissional de médico por conta de outrem, ao serviço do Centro Hospitalar do Alto Minho, EPE, designadamente na Unidade Local de Arcos de Valdevez, exercendo funções no serviço de urgência dessa unidade hospitalar.
108. Carecendo para o efeito, de ter grande disponibilidade física, designadamente ao nível do tronco e membros superiores e inferiores, para além de disponibilidade mental para aguentar o stress e a agitação daquele tipo específico de serviço.
109. O Autor auferiu em 2011 a quantia anual líquida de € 85.301,62 (oitenta e cinco mil, trezentos e um euros e sessenta e dois cêntimos), o que dividido pelos doze meses do ano, se poderá concluir que o mesmo recebia a quantia mensal de €7.108,47 (sete mil, cento e oito euros e quarenta e sete cêntimos) - cfr. documento 10 junto com a p.i., sendo certo que nos anos fiscais de 2008, 2009 e 2010 o aqui Autor auferiu as quantias brutas de € 143.449,42, € 153.764,36 e € 145.837,19 - cfr. documentos 11, 12 e 13 juntos com a p.i. (antes da reapreciação da prova).
109. -“O Autor auferiu em 2011 a quantia anual ilíquida de € 84.336,35 (oitenta e quatro mil, trezentos e trinta e seis euros e trinta e cinco cêntimos), correspondente a uma quantia mensal de € 7.028,02 (sete mil, vinte e oito euros e dois cêntimos), e líquida de € 51.030,99 (cinquenta e um mil e trinta euros e noventa e nove cêntimos), correspondente a uma média de rendimento mensal de € 4.252,58 (quatro mil, duzentos e cinquenta e dois euros e cinquenta e dois cêntimos), sendo certo que, nos anos fiscais de 2008, 2009 e 2010, Autor auferiu respectivamente as quantias brutas de € 103.388,93, € 111.805,76 e € 105.280,51’ (depois da reapreciação da prova).
110. Dessa quantia o Autor ganhava em média o montante de € 1.601,93 (mil, seiscentos e um euros e noventa e três cêntimos) a título de abonos decorrentes de horas extras e adicionais - cf. documento 10 juntos com a p.i. (antes da reapreciação da prova).
110. “Dessa quantia o Autor ganhava em média o montante de € 957,78 (novecentos e cinquenta e sete euros e setenta e oito cêntimos) a título de abonos decorrentes de horas extras e adicionais” (depois da reapreciação da prova).
111. Valor esse que o Autor já não recebe há 36 meses, com referência à data da propositura da acção.
112. Prejuízo esse que se irá prolongar no futuro, já que o aqui Autor jamais irá voltar a ocupar o seu lugar na urgência da Unidade Local de Arcos de Valdevez.
113. Por outro lado, o Autor ainda exercia a sua actividade profissional na Centro Paroquial e Social Y, auferindo a quantia mensal de € 500,00 (quinhentos euros), a título de ajudas de custo (antes da reapreciação da prova).
113. O Autor exercia, ainda, a sua actividade profissional na Centro Paroquial e Social Y (depois da reapreciação da prova).
114. O Autor, em consequência do acidente de viação, encontra-se totalmente incapacitado de continuar a exercer a sua actividade profissionaI.
115. Com o acidente o Autor viu ainda ficarem danificados os seguintes objectos pessoais - calças, blusão e relógio -, no valor global de € 500,00 (quinhentos euros).
116. Em consequência do acidente o A. ficou a padecer das seguintes sequelas:

- ao nível do tórax: na face lateral do hemitorax direito apresenta duas cicatrizes nacaradas de 7cm x 2 cm e de 9cm x 8cm; na face lateral esquerda apresenta cicatriz nacarada de 17cm por 6cm de maiores dimensões; tem limitação da rotação esquerda do tronco;
- ao nível do abdómen: cicatriz de tipo cirúrgico, vertical de 18 cm por 0,5 cm, de coloração arroxeada; quatro hérnias evidentes; múltiplos vestígios cicatriciais abrangendo uma área de 15 cm por 3 cm na metade direita do abdómen e de 9 cm por 10 cm na região da fossa ilíaca esquerda;
- membro superior direito: na face postero-Iateral do terço distal do braço apresenta uma cicatriz irregular, nacarada, de 7cm x 4 cm de maiores dimensões, a qual no seu extremo proximal apresenta uma área quelóide com 1,5 cm;
- membro inferior direito: cicatriz linear com 7 cm ao nível do ilíaca; amiotrofia da coxa de 3 cm, em comparação com o lado contralateral; no joelho apresenta cicatriz vertical, de tipo cirúrgico, de 4 cm de comprimento; apresenta múltiplas cicatrizes nacaradas que se localizam na face anterior da perna e que abrangem uma área de 26cm por 12 cm de maiores dimensões, sendo a maior de 5cm x 6cm de maiores dimensões; na face anterior da perna apresenta deformidade por depressão dos tecidos moles(compatível com rotura muscular). Na região maleolar externa apresenta cicatriz de 3 cm x 2 cm de maiores dimensões. A nível do calcanhar apresenta deformidade. Limitação dos últimos graus do movimento do tornozelo para a dorsiflexão do pé (10º). Hipostesia ao toque das cicatrizes na face anterior da perna;
- ao nível do membro inferior esquerdo: cicatriz linear de 8 cm ao nível do ilíaco; cicatriz nacarada de 7cm x 4 cm de maiores dimensões na região posterior da coxa; na face medial da coxa apresenta cicatriz rectangular que abrange uma área de 11 cms por 8 cms de maiores dimensões; múltiplas cicatrizes nacaradas que abrangem uma área de 22cm por 4 cm de maiores dimensões; cicatriz linear, vertical, de 6 cm na face anterior do joelho; cicatriz nacarada de 2,5 cm por 2 cm na face lateral do joelho; na face medial da perna apresenta cicatriz vertical, tipo cirúrgico, de 26 cms de comprimento; complexo cicatricial acastanhado de superfície irregular e dismorfia acentuada, retráctil, aderente aos planos profundos, com 12 cm por 7 cm de maiores dimensões, rodeada por uma cicatriz com 28 cm no terço superior da face anterior da perna; cicatriz linear na face externa da perna com 19 cms; cicatriz linear no terço superior da face interna da perna com 9 cm; área de lesões atróficas na metade inferior da perna (atingindo as faces interna, externa e anterior) e o tornozelo onde se observam 3 cicatrizes nacaradas na face anterior, a maior com 3 cm por 1 cm de maiores dimensões; cicatriz nacarada no maléolo externo com 3 cms por 1 cm de maiores dimensões; no calcanhar apresenta cicatriz com retracção dos tecidos, irregular, de 4 cm por 3 cm de maiores dimensões; no tornozelo apresenta uns arcos de mobilidade de articulação tibio-társica de Oº para a dorsiflexão e de 10º para flexão plantar.
117. Em consequência do acidente, o A. passou a padecer de alterações de comportamento, em virtude de ter sofrido traumatismo crânio-encefálico, dificuldades de memória e concentração, o que configura uma perturbação mental decorrente de lesões cerebrais orgânica - problemas cognitivos.
118. Em consequência do acidente, ocorreu agravamento dos diabetes mellitus de que o A. já padecia previamente ao acidente, tendo após o acidente passado a sofrer de insuficiência renal crónica, em consequência dos tratamentos medicamentosos que lhe foram ministrados em face das lesões sofridas pelo acidente.
119. A consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 4/7/2015 (data da alta clínica do internamento na Santa Casa da Misericórdia de Arcos de Valdevez), tendo o A. sofrido:
- um défice funcional temporário total de 1289 dias;
- uma repercussão temporária na actividade profissional total de 1289 dias;
- um quantum doloris no grau 6 numa escala de sete graus de gravidade crescente;
120. Em consequência do acidente, o A. ficou a padecer de um défice permanente de integridade físico-psíquica de 44 pontos, incompatíveis com o exercício da sua actividade profissional habitual.
121. Ficou a padecer de uma dano estético permanente de grau 4 (numa escala de sete graus de gravidade crescente), tendo em conta a claudicação da marcha, a utilização de ajudas técnicas e cicatrizes.
122. Ficou a padecer de uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer no grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente.
123. Ficou a padecer de uma repercussão permanente na actividade sexual de grau 2.
124. Ficou ainda dependente de ajudas medicamentosas permanentes: insulinoterapia.
125. No futuro, o A. pode vir a ser submetido a cirurgia correctiva das hérnias abdominais, o que implicará revisão da situação / défice sequelar.
126. A partir de Janeiro de 2012, o A. passou a receber apenas a quantia mensal ilíquida de €5.709,88 até ao passado mês de Junho de 2017, data em que o A. passou a receber da CGA a quantia mensal ilíquida de €3.363,06.
127. O A. reformar-se-ia em 25/8/2025, sendo que nesta data o valor ilíquido da pensão de aposentação seria de €4.892,95.
128. Por decisão proferida pela CGA, no passado dia 25/3/2017, o A. foi considerado absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções (fls. 460 a 461 vº)
129. O Autor auferia a quantia mensal de € 500,00 (quinhentos euros), por conta do exercício da sua actividade profissional no Centro Paroquial e Social Y (aditado).
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Factos Não Provados

1. Imediatamente após o veículo se imobilizar, o condutor do veículo de matrícula XR ausentou-se do local
2. O recurso a auxílio de terceira pessoa terá um custo mensal não inferior a C 650,00 (seiscentos e cinquenta euros).
3. As ajudas técnicas de que o A ficou dependente permanentemente têm um custo de C 9.000,00 (nove mil euros).
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V. Fundamentação de Direito

Apreciando e decidindo

Os vícios determinantes de nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia) — als. a) a e) do n.º 1 do art.º 615 do CPC.

Relativamente à concreta nulidade prevista na alínea d), do n.º 1, do art. 615.º, do Cód. Proc. Civil, desdobra-se em duas situações de sentido oposto: o excesso de pronúncia e a omissão de pronúncia.

Tal nulidade traduz o incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no n.º 2 do art.º 608.º do C.P.C., de que o juiz deve pronunciar-se sobre as questões que as partes lhe coloquem, quer as formais, quer as que respeitam ao mérito da causa, devendo ainda conhecer de todos os pedidos que tenham sido formulados e de todas as excepções invocadas, sem embargo de dever conhecer ainda das questões de que lhe seja permitido conhecer oficiosamente.

Posto isto, reportando-nos à questão suscitada pela Ré/Recorrente, quanto à omissão da sentença no tocante à intervenção acessória de Rui para efeitos do disposto nos arts. 323.º, n.º 4 e 332.º, do Cód. Proc. Civil, importa ter em conta que tal art.º 323.º, n.º 1,do NCPC, preceitua que “o[O] réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.”

Por sua vez, o n.º 2 dessa mesma norma preceitua que “a[A] intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento”.
Já no art.º 323.º, estabelece-se no seu n.º 1, que “o[O] chamado é citado, correndo novamente a seu favor o prazo para contestar e passando a beneficiar do estatuto de assistente, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 328.º e seguintes.”.
E, no n.º 4 desse art.º 323.º, preceitua-se que “a[A] sentença proferida constitui caso julgado quanto ao chamado, nos termos previstos no artigo 332.º, relativamente às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior acção de indemnização.”.

Por último, este art.º 332.º - para o qual se remete no n.º 4, desse art.º 323.º -, estabelece, sob a epígrafe “valor da sentença quanto ao assistente”, que “a[A] sentença proferida na causa constitui caso julgado em relação ao assistente, que é obrigado a aceitar, em qualquer causa posterior, os factos e o direito que a decisão judicial tenha estabelecido, excepto:

a) Se alegar e provar, na causa posterior, que o estado do processo no momento da sua intervenção ou a atitude da parte principal o impediram de fazer uso de alegações ou meios de prova que poderiam influir na decisão final;
b) Se mostrar que desconhecia a existência de alegações ou meios de prova susceptíveis de influir na decisão final e que o assistido não se socorreu deles intencionalmente ou por negligência grave.”.
In casu, o réu fundamenta o chamamento no direito de regresso que, em caso de condenação, como o foi, terá sobre o chamado, em futura acção, para receber dele aquilo que foi condenado a pagar.
De qualquer das formas, é evidente que o chamado nos termos dos citados preceitos não pode ser condenado nesta acção, porque não é sujeito da relação jurídica estabelecida entre Autor e Réu, não tendo o A. qualquer direito a uma condenação desse interveniente.

Como refere o Sr. Cons. Salvador da Costa, in ‘Os Incidentes da Instância, 2016, Almedina, 8ª Edição, pág. 117,«[…] o interveniente não é condenado nesta primeira acção, apenas ficando vinculado, em regra, a aceitar os factos dos quais derivou a condenação do primitivo réu, isto é, o que implementou o chamamento. Não é condenado a cumprir qualquer obrigação decorrente de pedido do autor, mas estendem-se-lhe os efeitos do caso julgado da sentença final (…).
Este incidente permite que se estendam ao chamado os efeitos do caso julgado da sentença, de modo a que não seja possível nem necessário que na subsequente acção de indemnização proposta pelo réu contra ele se voltem a discutir as questões já decididas no anterior processo.(…)
No fundo, o caso julgado torna indiscutíveis, na acção posterior, no confronto do chamado, os pressupostos concernentes à existência e ao conteúdo do direito a indemnização da titularidade do autor.

Assim, em regra, na nova acção de indemnização em que figure como réu o chamado à intervenção, fica este vinculado ao conteúdo da respectiva sentença como prova plena dos factos nela estabelecidos relativamente ao direito definido e no que concerne às questões de que a acção de regresso dependa.
Ele pode, porém, na nova acção, impugnar os referidos factos e o direito, se alegar e provar que a atitude do autor, ou seja, que o réu na acção anterior o impediu de fazer uso de alegações ou de meios de prova influentes na decisão final, ou que desconhecia a existência de alegações ou provas susceptíveis de influir naquela decisão, e que o autor as não usou intencionalmente ou com grave negligência[…]».

Daqui resulta que o tribunal, ao não se posicionar, na decisão proferida, sobre os efeitos dessa intervenção, não incorreu em qualquer omissão, dado que a sentença proferida na causa por si só constitui caso julgado em relação ao assistente, que é obrigado a aceitar, em qualquer causa posterior, os factos e o direito que a decisão judicial tenha estabelecido, como se referiu, nada havendo que ficar a constar do sentenciado especificamente quanto ao chamado.
Isto quanto ao aspecto processual e inerentes repercussões daí resultantes.
Já quanto à sua vertente formal, o facto de na decisão igualmente não se ter sequer feito qualquer referência à intervenção requerida e respectivo posicionamento do chamado, em nada afecta os efeitos e consequências decorrentes da decisão para a Ré em relação ao interveniente, dado que para tanto sempre bastaria a respectiva certidão dos actos praticados nos autos, quer quanto ao pedido, decisão, citação e intervenção tida no processo.

Como tal, face ao exposto, tem de improceder a arguida nulidade.

Já relativamente à matéria de facto dada como provada, a Ré veio impugnar a factualidade que consta dos pontos 109, 110, 113 e 114, com a consequente alteração da redacção à matéria constante do ponto 120.
Ora, no ponto 109 deu-se como provado que: ‘O Autor auferiu em 2011 a quantia anual líquida de € 85.301,62 (oitenta e cinco mil, trezentos e um euros e sessenta e dois cêntimos), o que dividido pelos doze meses do ano, se poderá concluir que o mesmo recebia a quantia mensal de €7.108,47 (sete mil, cento e oito euros e quarenta e sete cêntimos) - cfr. documento 10 junto com a p.i., sendo certo que nos anos fiscais de 2008, 2009 e 2010 o aqui Autor auferiu as quantias brutas de € 143.449,42, € 153.764,36 e € 145.837,19 - cfr. documentos 11, 12 e 13 juntos com a p.i.’.

Considera a este respeito a Ré que o tribunal a quo, atendendo ao disposto no art. 64.º, n.º 7, do DL 291/2007 de 21 de Agosto, deveria ter em conta o rendimento líquido auferido pelo sinistrado constante da respectiva declaração de IRS de 2011, junta aos autos pelo Autor, da qual resulta claro ter recebido a quantia ilíquida de € 84.336,35 (oitenta e quatro mil, trezentos e trinta e seis euros e trinta e cinco cêntimos), líquida € 51.030,99 (cinquenta e um mil e trinta euros e noventa e nove cêntimos), correspondente a uma média de rendimento mensal de € 4.252,58 (quatro mil, duzentos e cinquenta e dois euros e cinquenta e dois cêntimos) e que, das declarações de IRS de 2008, 2009 e 2010, em 2008, obteve os rendimentos brutos de € 103.388,93, em 2009, € 111.805,76, e em 2010, € 105.280,51.

De facto, como decorre do disposto no art. 64.º, n.º 7, do DL 291/2007 de 21 de Agosto, para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao lesado, o tribunal deve basear-se nos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente que se encontrem fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obrigações declarativas relativas àquele período, constantes de legislação fiscal.

E, pese embora o Acórdão n.º 383/2012, proferido no Processo n.º 437/10, da 2.ª Secção do Tribunal Constitucional, tenha julgado materialmente inconstitucional, por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, na vertente da garantia de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, ambos da Constituição, e do direito à justa reparação dos danos, decorrente do artigo 2.º da Constituição, a interpretação normativa extraída do n.º 7 do artigo 64.º do Decreto -Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, na redacção introduzida pelo Decreto -Lei n.º 153/2008, de 6 de agosto, correspondente ao entendimento segundo a qual, nas acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado, no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao mesmo, o tribunal apenas pode valorar os rendimentos líquidos auferidos à data do acidente, que se encontrem fiscalmente comprovados, após cumprimento das obrigações declarativas legalmente fixadas para tal período, o facto é que, no presente caso, o A. apenas alegou e provou ter esses rendimentos, sendo a eles unicamente que se deve atender, sem que se verifique, portanto, a interpretação julgada como inconstitucional.

Ora, face ao exposto, resulta que, embora o tribunal tenha indicado como sendo, a quantia anual líquida de € 85.301,62, o facto é que tal importância corresponde ao seu rendimento ilíquido obtido em 2011, segundo a folha do respectivo resumo de abonos respeitante a esse ano.

Contudo, atendendo-se à respectiva prova documental junta de fls. 226 a 233 e 36 a 42, quanto às declarações de IRS dos anos de 2008 a 2011, inclusive, constata-se que o Autor auferiu em 2011 a quantia anual ilíquida de € 84.336,35 (oitenta e quatro mil, trezentos e trinta e seis euros e trinta e cinco cêntimos), líquida € 51.030,99 (cinquenta e um mil e trinta euros e noventa e nove cêntimos), correspondente a uma média de rendimento mensal de € 4.252,58 (quatro mil, duzentos e cinquenta e dois euros e cinquenta e dois cêntimos) e que nos anos fiscais de 2008, 2009 e 2010 o aqui Autor auferiu as quantias brutas de € 103.388,93, € 111.805,76 e € 105.280,51.

Errou, pois, o tribunal a quo na indicação dos valores indicados no ponto 109, como líquidos e brutos, pelo que, consequentemente, se impõe a sua correcção, por forma a que passe a constar desse ponto 109, a seguinte factualidade:

-“O Autor auferiu em 2011 a quantia anual ilíquida de € 84.336,35 (oitenta e quatro mil, trezentos e trinta e seis euros e trinta e cinco cêntimos), correspondente a uma quantia mensal de € 7.028,02 (sete mil, vinte e oito euros e dois cêntimos), e líquida de € 51.030,99 (cinquenta e um mil e trinta euros e noventa e nove cêntimos), correspondente a uma média de rendimento mensal de € 4.252,58 (quatro mil, duzentos e cinquenta e dois euros e cinquenta e dois cêntimos), sendo certo que, nos anos fiscais de 2008, 2009 e 2010, Autor auferiu respectivamente as quantias brutas de € 103.388,93, € 111.805,76 e € 105.280,51’.

Por sua vez, do ponto 110 resulta que: ‘Dessa quantia o Autor ganhava em média o montante de € 1.601,93 (mil, seiscentos e um euros e noventa e três cêntimos) a título de abonos decorrentes de horas extras e adicionais - cf. documento 10 juntos com a p.i.’.
Pelas mesmas razões mencionadas, constata-se que o valor indicado nesse ponto 110. dos factos assentes é também errado, uma vez que se trata de um valor ilíquido, tido por referência ao documento 10 junto com a p.i., que efectivamente quando deduzido de todos os impostos, e por referência à carga fiscal constante da declaração de IRS de 2011 do Autor, se constata que àquele título, o Autor arrecadava apenas € 957,78 (novecentos e cinquenta e sete euros e setenta e oito cêntimos).

Assim, deve igualmente o ponto 110 dos factos provados, ser corrigido, por forma a que passe a ter a seguinte redacção: “Dessa quantia o Autor ganhava em média o montante de € 957,78 (novecentos e cinquenta e sete euros e setenta e oito cêntimos) a título de abonos decorrentes de horas extras e adicionais”.

Relativamente ao ponto 113, dos factos provados, dele consta que: ‘Por outro lado, o Autor ainda exercia a sua actividade profissional na Centro Paroquial e Social Y, auferindo a quantia mensal de € 500,00 (quinhentos euros), a título de ajudas de custo’.

Acontece que, quanto a esta matéria, o tribunal apontou, na sua motivação, as seguintes razões para sustentar a factualidade dada como provada nesse ponto, que ‘foi relevante o depoimento da testemunha Vitor, sacerdote na freguesia de …, Arcos de Valdevez, tendo uma relação de amizade e profissional com o A, descrevendo-o como um dos melhores médicos de Arcos de Valdevez e esclarecendo que o Centro Paroquial Y a partir de Outubro de 2010 precisava de um médico, tendo contratado o A o qual prestava serviços médicos à instituição, o que sucedia à data do acidente, deslocando-se para o efeito todas as semanas, no mínimo uma vez por semana, explicando que por tais serviços a instituição pagava-lhe o montante mensal de €5OO,OO, através de cheque emitido à ordem de uma empresa, mas sem ter qualquer dúvida que era para pagar ao A os serviços médicos por si prestados na instituição’.

Ora, daqui decorre que o pagamento desses €500,00 era feito a uma empresa e não ao A., ficando por demonstrar e apurar quanto é que essa empresa pagava ao A. por esse serviço prestado e, concretamente, a ligação existente entre essa empresa e o A.
Acresce que se fica sem saber também por que razão esse montante não consta das suas declarações de rendimento, a não ser pelo facto de que não ser ele a embolsar tal importância, pelo menos, através do pagamento feito pela referida instituição.

Como tal, deve o ponto 113 dos factos provados ser alterado passando a ter a seguinte redacção: “O Autor exercia, ainda, a sua actividade profissional na Centro Paroquial e Social Y” e, dos factos não provados, sob o ponto 129, que: “O Autor auferia a quantia mensal de € 500,00 (quinhentos euros), por conta do exercício da sua actividade profissional no Centro Paroquial e Social Y.”

Por último do ponto 114, dos factos provados, consta que: ‘O Autor, em consequência do acidente de viação, encontra-se totalmente incapacitado de continuar a exercer a sua actividade profissionaI’, e, do ponto 120 que : ‘Em consequência do acidente, o A. ficou a padecer de um défice permanente de integridade físico-psíquica de 44 pontos, incompatíveis com o exercício da sua actividade profissional habitual’.

Nesse sentido, o tribunal a quo teve em consideração os relatórios de urgência, elementos e informações clínicas constantes dos autos a fls. 73 a 75, 116 a 224, o relatório da perícia médico-legal de fls. 374 a 384, esclarecimentos escritos das Sras. Peritas a fls. 417 a 421, bem como os prestados em sede de audiência de julgamento, e ainda na documentação solicitada à Caixa Geral de Aposentações de fls. 491 a 506, que lhe ‘permitiram formular e alcançar a convicção segura quanto à impossibilidade do A JORGE poder exercer a sua actividade profissional de médico, designadamente como a exercia à data do acidente, em consequência das sequelas e défice de que ficou portador, nesta parte se afastando o Tribunal do juízo, também ele conclusivo (e de resto contraditório com o expendido na parte "fáctico-técnica") dos Srs. Peritos do GML e da Ré. Considerou desde logo o Tribunal a natureza da profissão exercida pelo A, e todas as exigências a nível intelectual, psicológicas, psíquicas e físicas que lhe estão inerentes, considerando que profissões há que não consentem ao "trabalhador" exercer as suas funções a "meio termo" ou "com esforços suplementares", quando o défice da integridade físico-psíquica é elevado e afecta a parte cognitiva como sucede no caso em apreço. Profissões como a do A. são exercidas directa e imediatamente para terceiros, incidem sobre pessoas em situações perigosas, de debilidade, de doença, demandando concentração, equilíbrio, objectividade e muitas vezes resposta imediata, estados e exigências que no caso do A. estão seriamente comprometidos. Note-se que o A. na data da consolidação médico-legal das lesões ia perfazer logo a seguir 60 anos de idade (pelo que a sua capacidade de resposta às exigências trazidas pela "nova situação pessoal radicada no défice permanente" e às exigências profissionais já são mais limitadas), tendo ficado portador de sequelas que lhe determinaram 44 pontos de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica’, indicando e concretizando especificamente as sequelas que lhe foram fixadas (tipo e natureza) que permitem retirar as ilações a que chegou, e bem, o tribunal a quo.
A tudo isto, acresce o facto da Caixa Geral de Aposentações ter considerado o A. absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções (cfr. fls. 460 vº a 461 vº, 491 a 506), já para não falar na prova testemunhal produzida.

Para o efeito, há, ainda, que ter em conta que, nos termos do artigo 655º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o tribunal aprecia livremente as provas produzidas, decidindo o Juiz segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

Tal preceito consagra o princípio da prova livre, o que significa que a prova produzida em audiência (seja a prova testemunhal ou outra) é apreciada pelo julgador segundo a sua experiência, tendo em consideração a sua vivência da vida e do mundo que o rodeia.

De acordo com Alberto dos Reis prova livre “quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei” (Código de Processo Civil, anotado, vol. IV, pág. 570), e que o julgador deve “tomar em consideração todas as provas produzidas” (art.º 515º do Código de Processo Civil), e não somente parte ou parcela dessas provas.

Importa, também, ter em consideração que a impugnação da decisão da matéria de facto não se pode transformar numa mera manifestação de inconsequente inconformismo, tal como o refere Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., pág. 139 a 141) pág. 129, por forma a que apenas a visão da parte recorrente vingue, olvidando a demais prova produzida que aponte num outro sentido.

Assim, perante o exposto, do conjunto de toda a prova, deve, pois, manter-se a factualidade vertida nos pontos 114 e 120, dos factos provados, tal como deles consta.
Daqui resulta que, face à alteração dos factos, relativamente ao rendimento líquido que efectivamente o A. auferia, quer quanto ao seu vencimento médio mensal, quer a título de abonos decorrentes de horas extras e adicionais, tal importa uma significativa redução da indemnização a fixar, tendo em conta a que foi fixada, por erro, quanto aos rendimentos líquidos do A.

Assim, considerando o montante de € 4.252,58, como valor médio do rendimento mensal que o A. auferia à data do acidente, bem como, em média, o montante de € 957,78, a título de abonos decorrentes de horas extras e adicionais, deve a indemnização, a título de dano patrimonial futuro fixar-se em 380.000,00€ (aliás, indicado pela própria Ré), e, em 40.226,76, a devida a título de perdas de abonos decorrentes de horas extras e adicionais, relegando-se, no entanto, para execução de sentença, o rendimento que terá, eventualmente, deixado de auferir pela actividade profissional que exercia no Centro Paroquial e Social Y.

Isto, na estrita medida em que se considera não ser de atender ao recurso interposto pelo A., porquanto o mesmo se baseia, para peticionar o aumento do valor da indemnização do dano biológico, na total incapacidade do A. para qualquer profissão ou trabalho, sem que tal tenha qualquer suporte fáctico.
Pois, dos factos provados não consta essa total e integral afectação do A., nem este veio impugnar a matéria que consta dos factos provados, observando, para o efeito, o ónus imposto no art. 640.º, do Cód. Proc. Civil, pelo que, consequentemente, tem o seu recurso de improceder, nessa parte.

Por último, importa apurar se à Recorrente Maria assiste legalmente o direito a ser indemnizada pelos danos não patrimoniais por si sofridos em consequência dos danos corporais graves sofridos pelo A., enquanto seu companheiro há mais de 30 anos e, bem assim, ser reembolsada das despesas por si suportadas com as visitas diárias ao A. enquanto este permaneceu internado e que se prolongaram por mais de três anos.

A este respeito, estipula-se no artigo 495.º, n.º 3, no tocante à indemnização a terceiros em caso de morte ou lesão corporal, que têm direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.

Como se referiu, relativamente a esta norma, no Ac. STJ, de 3.11.2016, publicado in dgsi, aí se consagra uma excepção ao princípio geral de que só ao titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado assiste direito a indemnização, aí se abrangendo terceiros só reflexamente prejudicados com o evento danoso, especificando-se que, contudo, esse direito não é de atribuição directa e automática as pessoas indicadas nesse normativo.
Só existirá se (e na medida em que) for demonstrada a facticidade em que necessariamente terá que assentar.
Já o preceito subsequente, quanto aos danos não patrimoniais, estipula no seu n.º 1, que [N]a fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, para logo no seu n.º 2, referir ‘p[P]or morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem’, preceituando-se, no seu n.º 3, que ‘s[S]e a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes’, e, por último, no seu n.º 4, 2.ª parte, que ‘no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores’.

Está-se, por conseguinte, no domínio dos chamados “danos reflexos”, alvo de controvérsia na doutrina e jurisprudência, defendendo o entendimento mais clássico a esse respeito que só tem direito a indemnização por danos não patrimoniais o titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado com a violação da disposição legal - os danos de natureza não patrimonial a ressarcir são apenas os sofridos pelo próprio ofendido, por serem direitos de carácter estritamente pessoal.

Considera-se, em síntese, que só o titular do direito violado tem direito à indemnização (art.º 496.º, n.º 1), pelo que não estão incluídos na obrigação de indemnização os danos sofridos directa ou reflexamente por terceiros, salvo no caso de morte, dada a natureza excepcional da norma do n.º 2 do art.º 496º - a exclusão impõe-se em virtude da impossibilidade de interpretação analógica das normas excepcionais e da impossibilidade de interpretação extensiva, por o legislador apenas ter querido abranger as pessoas indicadas no referido preceito (cfr. neste sentido, entre outros, Antunes Varela, RLJ, ano 103.º, pág. 250, nota 1, e os acórdãos do STJ de 02.11.1995-processo 046783 (publicado no “site” da dgsi) e de 21.3.2000 (in CJ-STJ, VIII, 1, 138); da RP de 04.4.1991; da RC de 26.10.1993 e 20.9.1994 e da RL de 06.5.1999, publicados na CJ, XVI, 2, 254; XVIII, 4, 69; XIX, 4, 35 e XXIV, 3, 88, respectivamente, e, por último, o acórdão do STJ de 17.9.2009-processo 292/1999-S1, publicado no “site” da dgsi (com duas declarações de voto - de vencido - em sentido contrário).

Já contrariamente, Vaz Serra, in Cf. RLJ, 104º, págs. 14 e seguintes, Américo Marcelino, in Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil, 6.ª edição, pág. 380. e Abrantes Geraldes, in Temas da Responsabilidade Civil (Vol. II) - Indemnização dos Danos Reflexos, Almedina, 2005, págs. 86 e seguintes e o estudo “Ressarcibilidade dos danos não patrimoniais de terceiros“, publicado nos Estudos de Homenagem ao Prof. Inocêncio Galvão Telles, vol. IV, págs. 263 e seguintes, entre outros, sustentam a possibilidade de uma interpretação diversa, tal como tem sido já acolhido por alguma jurisprudência mais recente (cfr. acórdãos do STJ de 25.11.1998, in BMJ 481º, 470, e de 26.5.2009-processo 3413/03.2TBVCT.S1; da RP de 23.3.2006-processo 0631053, de 26.6.2003-processo 0333036, e da RC de 25.5.2004-processo 3480/03, publicados no “site” da dgsi).

Refere Vaz Serra, designadamente: “Ora, o dano não patrimonial pode ser causado a parentes do lesado imediato, não somente no caso de morte deste, mas também em casos diversos desse e, pode ser em tais casos tão justificado o direito de reparação do dano não patrimonial dos parentes como no de morte do lesado imediato. Se, por ex., (…) um filho menor é vítima de um acidente de viação, ficando aleijado gravemente, a dor assim causada a seus pais pode ser tão forte como o seria se o filho tivesse morrido em consequência do acidente ou mais forte ainda. Seria, pois, incongruente a lei que, reconhecendo aos pais o direito a satisfação pela dor sofrida por eles no caso de morte do filho, lhes recusasse esse direito pela dor por eles sofrida no caso de lesão corporal ou da saúde do filho(…). A lei refere-se expressamente só ao caso de morte por ser aquele em que, em regra, maiores danos existem, não excluindo, portanto, que os parentes da vítima imediata tenham também direito de reparação dos seus danos em outros casos. A razão de ser é a mesma”, propugnando que o reconhecimento do direito de indemnização por danos não patrimoniais de terceiros pode assentar directamente na norma do art.º 496.º, n.º 1.

Na mesma ordem de ideias, Américo Marcelino (ob. cit., pág. 380), afirma que o grande princípio do n.º 1 do artigo 496.º não põe outras reservas, outras condições que não seja o tratar-se de danos tais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. O que depois se diz nos n.ºs 2 e 3 do art.º 496.º não afecta em nada este princípio. Trata-se de disposições para determinados circunstancialismos ou sobre o modo de encontrar indemnizatório.

Já Abrantes Geraldes que analisou com profundidade esta temática, conclui, na ob. citada, que ‘são ressarcíveis os danos não patrimoniais suportados por pessoas diversas daquela que é directamente atingida (por lesões de natureza física ou psíquica graves), nos termos gerais do art.º 496.º, n.º 1, designadamente quando fique gravemente prejudicada a sua relação com o lesado ou quando as lesões causem neste grave dependência ou perda de autonomia que interfira fortemente na esfera jurídica de terceiros; tal direito de indemnização deve ser circunscrito, por ora, às pessoas indicadas no n.º 2 do art.º 496.º do CC.

Contudo, como o mesmo defende, tal direito de indemnização deve ser circunscrito, por ora (ou seja, dado o actual quadro legal), às pessoas indicadas no n.° 2 do art.º 496.°, sendo que, como defende o mesmo autor, por razões de segurança jurídica, face a uma questão que não encontra na lei positiva uma resposta directa e objectiva, e enquanto o legislador não enfrentar directamente a questão, é conveniente detectar no ordenamento jurídico parâmetros delimitadores do leque de interessados a quem possa ser reconhecido o referido direito - a proximidade que se verifica relativamente à norma do art.º 496.°, n.° 2, aliada à transposição das mesmas razões que levaram o legislador a prever expressamente a indemnização por danos morais em casos de morte e, simultaneamente, a identificar objectivamente os interessados, sugere que tal direito apenas deve ser reconhecido às pessoas que com o lesado directo se encontrem numa das situações configuradas no preceito.

Acresce, na linha do que se defende, que a atribuição daquele direito não pode ser feita com recurso à analogia, segundo o disposto no art.° 10.°, n.° 1, do Cód. Civil, porque a norma do n.° 2 do art.° 496.°, do mesmo diploma, é excepcional e, como tal, não comporta a possibilidade de extensão analógica (art.° 11.° do CC).
E também não admite interpretação extensiva (art.° 9.°, n.° 2 do CC), porquanto a letra da lei é clara no sentido de que o legislador pretendeu atribuir o direito à indemnização por danos não patrimoniais apenas ao cônjuge sobrevivo e às demais pessoas referidas na lei, em momento algum se falando em membro da união de facto, como um instituto que se reconhece apenas para certos efeitos.

Por conseguinte, não se pode concluir que o princípio da unidade do sistema jurídico imponha o alargamento da indemnização a que se reporta o n.° 2 do art.° 496.° à união de facto, já que estão em causa duas situações diferentes, que o legislador pretendeu tratar como tal (Cfr., de entre vários, os acórdãos do STJ de 04.11.2003, site” da dgsi/processo 03B3825, da RP de 10.5.2006-processo 0545740 e 09.02.2009- processo 0835934 e da RL de 23.5.2006-processo 1644/2006-5, publicados no “site” da dgsi).

Perante o descrito enquadramento normativo e a apontada visão doutrinal, e porque a A. não está incluída no conjunto de pessoas indicado no n.° 2 do art.º 496°, conclui-se que a lei actual obsta a que se lhe reconheça o direito à indemnização que peticiona.

Entende-se, assim, que a interpretação feita pela decisão sob censura, no sentido de excluir a recorrente da titularidade do direito a indemnização pelos danos por si peticionados, tanto mais que, quanto a despesas, apenas logrou provar que ia visitar o seu companheiro todos os dias, no sentido de demonstrar o seu sofrimento, não merece censura.

Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação interposta pelos AA. e parcialmente procedente a da Ré, reduzindo-se, consequentemente, a indemnização a título de danos patrimoniais à quantia de 472.996,76, a pagar pela Ré ao A., acrescida do montante que se vier a liquidar em execução de sentença pelas perdas que se vier a provar ter tido pelo facto de não ter podido desenvolver a actividade referenciada no ponto 113, dos factos dados como provados em resultado da alteração fáctica supra mencionada quanto a esse ponto, no mais se confirmando, a sentença recorrida.
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V. Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pelos AA. e parcialmente procedente o recurso da Ré, reduzindo-se, consequentemente, a indemnização, a título de danos patrimoniais, à quantia de 472.996,76 (quatrocentos e setenta e dois mil, novecentos e noventa e seis mil euros e setenta e seis cêntimos), a pagar pela Ré ao A., acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, bem como o montante que se vier a liquidar em execução de sentença pelas perdas que se vier a provar ter tido pelo facto de não ter podido desenvolver a actividade referenciada no ponto 113, dos factos dados como provados em resultado da alteração fáctica supra mencionada quanto a esse ponto, no mais se confirmando, a sentença recorrida.
Custas pelos AA. e Ré, na proporção do decaimento quanto a cada um dos recursos.
Registe e notifique.
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Guimarães, 10 de Julho de 2018
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária)


Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
José Carlos Dias Cravo
António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida