Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
119/14.0TBMDL-A.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
AUTO-ESTRADA
CONCESSIONÁRIO
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/19/2015
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1) São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional;
2) Compete aos tribunais administrativos a apreciação de litígios que tenham por objeto a responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público, importando verificar, apenas e tão só, se a mesma está, ou não, sujeita ao regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas;
3) A submissão de entidades privadas ao regime de responsabilidade civil da administração verifica-se quanto às entidades concessionárias que são chamadas a colaborar com a Administração na execução de tarefas administrativas através de um contrato administrativo, que poderá ser um contrato de concessão de obras públicas ou de serviço público;
4) A entidade privada concessionária de uma autoestrada, é notoriamente chamada a colaborar com a Administração na execução de uma tarefa administrativa de gestão, através de um contrato administrativo, pelo que as ações e omissões da ré concessionária se devem integrar e ser reguladas por disposições e princípios de direito administrativo;
5) Pretendendo o autor ser ressarcido em razão de uma invocada responsabilidade extracontratual da ré, em consequência de uma omissão de dever a que estava obrigada na qualidade de concessionária da autoestrada em questão, serão os tribunais administrativos os competentes para conhecer da causa.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A) A… veio intentar ação com processo comum contra O…, SA, emergente de acidente de viação, sendo a ré responsável por ser concessionária (pelo Estado português) da autoestrada onde circulava a viatura do autor e responsável pelo acidente, em virtude de, no dia, hora e local da sua ocorrência a via se encontrar em manutenção com três barreiras (new jersey móveis) tombadas na hemifaixa onde o autor circulava, pelo que conclui pedindo que a ação seja julgada provada e procedente e, em consequência:
1) Ser a ré condenada a pagar ao autor, a título de danos patrimoniais, o valor de €2.024,41, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento;
2) Ser a ré condenada a pagar ao autor, ainda a título de danos não patrimoniais pela privação do uso do veículo, o montante de €500,00, acrescido de juros desde a citação até efetivo e integral pagamento;
3) Ser a ré condenada nas custas.
A ré, O…, SA, apresentou contestação onde entende ser o presente litígio da competência exclusiva da jurisdição administrativa, sendo o Tribunal Judicial de Mirandela materialmente incompetente e conclui entendendo dever:
1) A exceção de incompetência material ser julgada provada e procedente e, em consequência, absolver-se a ré da instância ou, caso assim não se entenda,
2) A presente ação ser julgada não provada e improcedente e, em consequência ser a ré absolvida do pedido, com as legais consequências.
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Foi proferido despacho saneador que decidiu julgar improcedente a exceção da incompetência material invocada pela ré O…, SA.
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B) Inconformado com esta decisão, veio a ré O…, SA, interpor recurso que foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, em separado, com efeito devolutivo (fls. 23).
Nas suas alegações, a apelante O…, SA, formulou as seguintes conclusões:
1ª O despacho sub judice, ao declarar improcedente a exceção da incompetência material do Tribunal Judicial de Mirandela para apreciação do presente litígio, enferma de erro de direito e viola por errada interpretação e aplicação o disposto nos artigos 444º e 445º do Código Civil, 212º nº 3 da Constituição da República Portuguesa, 1º e 4º nº 1 alínea i) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, 1º, nº 5 da Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, 10º nº 7 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 64º do Código de Processo Civil.
2ª A imputação de responsabilidade por acidentes verificados em autoestradas concessionadas não pode ser aferida pelos normativos da responsabilidade contratual fundada na existência de um contrato inominado, quer porque as portagens são taxas e não preços, quer porque no caso não são aplicáveis ao contrato, na sua formação e regime, as regras contratuais (nomeadamente o princípio da liberdade de celebração e o princípio da liberdade de estipulação), quer ainda porque imputando-se uma responsabilidade contratual às concessionárias estar-se-ia a violar o princípio da igualdade rodoviária (cfr Lei nº 25/2006, de 30 de junho, que aprova o “Regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de infraestruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagens”, Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11/29/2005, proferido no âmbito do Processo 3290/05, relatado pelo Desembargador Cardoso de Albuquerque, disponível para consulta em www.dgsi.pt e António Menezes Cordeiro, in Igualdade rodoviária e acidentes de viação nas autoestradas, Almedina, 2004, pág. 46).
3ª A imputação de responsabilidade por acidentes verificados em autoestradas concessionadas não tem uma natureza contratual fundada na existência de um contrato a favor de terceiro, na medida em que os utentes não têm um direito autónomo à prestação, não podendo (sem se verificar um acidente) exigir da concessionária o cumprimento das obrigações assumidas nos termos do contrato de concessão, até porque nada existe nos mesmos que permita concluir em sentido contrário (cf. neste sentido, Manuel A. Carneiro da Frada, in Sobre a responsabilidade das concessionárias por acidentes ocorridos em autoestradas, em ROA, 2005, II, pág. 407 a 433 e António Menezes Cordeiro, in Igualdade rodoviária e acidentes de viação nas autoestradas, Almedina, 2004, págs. 49 e 50).
4ª A responsabilidade por acidentes verificados em autoestradas concessionadas não assume uma natureza contratual fundada na existência de um contrato com eficácia de proteção de terceiros, na medida em que este instituto apenas foi concebido para colmatar falhas na responsabilidade extracontratual (cf. António Menezes Cordeiro, in Igualdade rodoviária e acidentes de viação nas autoestradas, Almedina, 2004, págs. 48 e 49 e Manuel A. Carneiro da Frada, in Sobre a responsabilidade das concessionárias por acidentes ocorridos em autoestradas, em ROA, 2005, II, pág. 407 a 433).
5ª A responsabilidade da concessionária perante terceiros, é uma responsabilidade extracontratual, delitual ou aquiliana, como tem sido maioritariamente defendido pela doutrina e jurisprudência (cfr, na jurisprudência, Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-29-2005, proferido no Processo nº 3290/05, relatado pelo Conselheiro Dr. Cardoso de Albuquerque, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.12.96, proferido no Processo nº 96A373, relatado pelo Conselheiro Cardona Ferreira, Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-09-2005, proferido no Processo nº 4808/2005-6, relatado pelo Desembargador Granja da Fonseca, Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 04-27-2004, proferido no Processo n.º 0420858, relatado pelo Desembargador Alziro Cardoso, Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 06-26-1997, proferido no Processo n.º 9720068, relatado pelo Desembargador Araújo Barros, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 01-10-2009, proferido no Processo n.º 1082/04.1TBVFX.S1, relatado pelo Conselheiro Santos Bernardino e Acórdão do Tribunal de Conflitos de 27/02/2014, proferido no Processo 048/13, relatado pelo Conselheiro Tavares de Paiva, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt e, na doutrina, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Responsabilidade civil dos concessionários de autoestradas, Anotação ao Acórdão do TCA Norte de 6.5.2010, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 92, Março/Abril de 2012, págs. 47 e 48 e, no mesmo sentido, António Menezes Cordeiro, in Igualdade rodoviária e acidentes de viação nas autoestradas, Almedina, 2004, págs. 56 e Manuel A. Carneiro da Frada, in Sobre a responsabilidade das concessionárias por acidentes ocorridos em autoestradas, em ROA, 2005, II, pág. 407 a 433).
6ª Nos termos da lei, são da competência dos tribunais administrativos a apreciação de litígios que tenham subjacentes relações jurídicas administrativas, entendidas como “aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública, ou uma entidade particular no exercício de um poder público, atuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido”, assumindo, consequentemente, os tribunais judiciais uma competência meramente residual (v. neste sentido, artigo 211º nº 1 e 212º nº 3 da Constituição da República Portuguesa, artigo 1º do Estatuto dos Tribunais Administrativos, artigo 64º do Código de Processo Civil, artigo 18º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e citação de José Carlos Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa, Lições, 8ª Edição, Almedina, 2006, pág. 57 e 58 e, no mesmo sentido, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Volume I e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, Anotados, Almedina, pág. 25 e 26).
7ª Com as alterações introduzidas no contencioso administrativo, nomeadamente com a entrada em vigor do novo ETAF, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, as matérias relacionadas com a competência dos tribunais administrativos para efetivação da responsabilidade civil sofreram alterações, passando a ser da sua competência o julgamento das ações para efetivação da “responsabilidade civil administrativa extracontratual”, independentemente da necessidade de distinção entre atos de gestão pública e atos de gestão privada (cfr artigo 4º do ETAF, com citação de Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, in Responsabilidade Civil Administrativa, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Dom Quixote, pág. 17 e, no mesmo sentido, DR. Pedro Cruz e Silva, in Breve estudo sobre a competência material dos Tribunais Administrativos e Fiscais em matéria de responsabilidade civil e de contratos, Outubro de 2006, Verbo Jurídico, disponível para consulta em www.verbojuridico.com).
8ª De acordo com o disposto no artigo 4º nº 1 al. i) do ETAF, “compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objeto: i) a responsabilidade civil extracontratual de sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público”, circunstância que ocorrerá sempre que, nos termos previstos no artigo 1º nº 5 do Regime da Responsabilidade Civil do Estado e demais entidades públicas, os atos ou omissão praticados por sujeitos privados e causadores de danos sejam adotados “no exercício de prerrogativas de poder público” ou “sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo” (cfr, neste sentido, Acórdão do Tribunal de Conflitos, proferido no Proc. 025/09, de 01/20/2010, pelo Relator Garcia Calejo, in www.dgsi.pt).
9ª Com a entrada em vigor do Regime da Responsabilidade Civil do Estado e demais entidades públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro (o que, nos termos estabelecidos no seu artigo 6º, ocorreu em 30 de janeiro de 2008, atendendo a que a lei entraria “em vigor no prazo de 30 dias após a data da sua publicação”), passou a estar legalmente consagrada a aplicabilidade do regime específico de responsabilidade do Estado aos particulares.
10ª O Código de Processo nos Tribunais Administrativos atribui legitimidade passiva a entidades privadas no seu artigo 10º nº 7, ao estabelecer que as mesmas podem ser demandadas perante os tribunais administrativos, sendo que a causa de pedir e o pedido formulados pelo autor na petição inicial, são elementos relevantes na determinação da competência do tribunal (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, Lex Edições Jurídicas, Lisboa 1993, pág. 36, Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, págs. 88 e 89, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-05-2009, proferido no âmbito do Proc. 09B0677, relatado pelo Conselheiro Serra Baptista, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
11ª Atenta a causa de pedir e pedido formulados pelo autor, ora recorrido (elementos relevantes na determinação da competência do tribunal) na petição inicial, é manifesto que o mesmo pretende efetivar a responsabilidade civil extracontratual da ré, ora recorrente, nunca tendo invocado a existência de qualquer contrato entre as partes, seja em que modalidade for, ou o seu incumprimento (cf. artigos 29º, 30º, 31º e 38º da petição inicial, entre outros, e neste sentido, e por todos, Acórdão do Tribunal de Conflitos de 27/02/2014, proferido no âmbito do Proc. 048/13, relatado pelo Conselheiro Tavares de Paiva).
12ª O litígio que se pretende discutir nos presentes autos e que consubstancia a causa de pedir do autor envolve a apreciação do exercício por parte da ré/recorrente, operadora, de um poder público, que visa a manutenção das autoestradas que integram o domínio público do Estado que estão subconcessionadas em bom estado de conservação e em perfeitas condições de segurança e comodidade de circulação (cf. Acórdão do Tribunal de Conflitos, proferido no Proc. 025/09, de 01/20/2010, pelo Relator Garcia Calejo, Ac. do Tribunal de Conflitos de 30-05-2013, proferido no âmbito do Proc. n.º 017/13, relatado pelo Conselheiro Santos Carvalho e Ac. do Tribunal de Conflitos de 27-02-2014, proferido no âmbito do Proc. n.º 048/13, relatado pelo Conselheiro Tavares de Paiva, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
13ª Integrando estas atuações o conceito de relação jurídica administrativa, por se estar perante uma “entidade particular no exercício de um poder público, atuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido”, dúvidas não restam que nos termos estabelecidos nos artigos 212º nº 3 da Constituição da República Portuguesa, 1º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e 10º nº 7 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a competência para apreciar o presente litígio pertence aos Tribunais Administrativos (com citação de José Carlos Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa, Lições, 8ª Edição, Almedina, 2006, pág. 57 e 58).
14ª Ao contrário do sufragado pelo Tribunal a quo no despacho recorrido, o presente caso é subsumível ao disposto no artigo 4º nº 1 al. i) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, já que não restam dúvidas que o Regime de Responsabilidade Civil do Estado e demais Entidades Públicas é aplicável à recorrente por via do disposto no artigo 1º nº 5 da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro que estabelece a aplicação desse regime a “pessoas coletivas de direito privado (…) por ações ou omissões que adotem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo” (cf. neste sentido, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 10 de abril de 2008, proferido no processo 08B845, relatado por Salvador da Costa, e Acórdão do Tribunal de Conflitos, proferido no Proc. 025/09, de 01/20/2010, pelo Relator Garcia Calejo, Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-02-2012, proferido no âmbito do Proc. n.º 5715/10.2TCLRS.L1.1, relatado pelo Desembargador António Santos, Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 18-04-2013, proferido no âmbito do Proc. n.º 342/12.2TJPRT.P1, relatado pela Desembargadora Teresa Santos e Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-04-2014, proferido no âmbito do Proc. n.º 1158/13.4TBLRA.C1, relatado pela Desembargadora Maria Inês Moura in www.dgsi.pt).
15ª O Tribunal materialmente competente para julgar a presente causa só pode ser o Administrativo, devendo ser declarada a incompetência absoluta do Tribunal Judicial de Mirandela para apreciação do presente litígio.
Termina entendendo dever o presente recurso ser julgado provado e procedente, com as legais consequências.
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O apelado A… apresentou resposta onde entende dever ser julgado improcedente o recurso interposto.
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C) Foram colhidos os vistos legais.
D) A questão a decidir no recurso é a de saber se o Tribunal Judicial de Mirandela, como tribunal comum, é materialmente competente para conhecer da causa, ou se tal competência cabe aos tribunais administrativos.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede e, ainda, que:
1) A A…, SA, é a sociedade a quem foi adjudicada pela EP – Estradas de Portugal, SA, a subconcessão para a conceção, projeto, construção, aumento do número de vias, financiamento, exploração e conservação, do lanço de autoestradas e conjuntos viários associados, designada por Subconcessão Auto-estradas Transmontana;
2) No âmbito da referida subconcessão, a ré O…, SA, é a sociedade que foi contratada pela subconcessionária A…, SA, para, nos termos do Contrato de Operação e Manutenção lhe prestar serviços de Conservação e Exploração, nos termos ali definidos e no Contrato de Subconcessão, em particular os enunciados nos números 48 a 64 do referido Contrato;
3) No Contrato de Subconcessão celebrado entre EP – Estradas de Portugal, SA (Concedente) e A…, SA (Subconcessionária) consta do ponto 7.1. que a Subconcessionária deve desempenhar as atividades subconcessionadas de acordo com as exigências de um regular, contínuo e eficiente funcionamento do serviço público e adotar, para o efeito, os melhores padrões de qualidade disponíveis em cada momento…;
4) Refere-se ainda no ponto 27 do mesmo contrato que “a Subconcessionária é responsável pelo financiamento, conceção, projeto, duplicação, aumento, do número de vias, reabilitação, construção, exploração, conservação e operação dos Lanços referidos no número 6.1. respeitando os estudos e projetos aprovados nos termos dos números seguintes e o disposto no Contrato de Subconcessão.”
5) O ponto quilométrico (PK) 140,100 da A4 onde, em 10/05/2013, ocorreu o acidente a que os autos se referem, integra a referida subconcessão.
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B) O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
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C) No que se refere à organização judiciária, atualmente está em vigor a Lei nº 62/2013, de 26/08 (Lei da Organização do Sistema Judiciário - LOSJ), que revogou a Lei nº 3/99, de 13/01 (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais - LOFTJ).
Por força do disposto no artigo 40º nº 1 da LOSJ, são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Trata-se de uma competência residual.
Conforme se refere no Acórdão desta Relação de Guimarães de 07/02/2009, relatado pela Desembargadora Rosa Tching, disponível na base de dados do Ministério a Justiça em www.dgsi.pt, “nos termos do artigo 212º nº 3 da C.R.P. “compete aos tribunais administrativos (...) o julgamento das ações que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas (...)”.
E, de harmonia com o disposto no artigo 1º do ETAF, os tribunais de jurisdição administrativa são competentes para administrar a justiça nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas.
Por sua vez, estatui o artigo 4º nº 1 do mesmo diploma que compete aos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objeto:
“(…)
g) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício da função política e legislativa, nos termos da lei, bem como a resultante do funcionamento da administração da justiça;
h) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos;
i) Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público”.
Constata-se, assim, ter o ETAF operado um alargamento da competência dos tribunais administrativos em matéria de responsabilidade civil das pessoas coletivas através de duas diferentes vias.
Uniformizou o âmbito da jurisdição no que se refere à responsabilidade decorrente da atividade administrativa, passando a atribuir aos tribunais administrativos as questões de responsabilidade civil que envolvam pessoas coletivas de direito público, sem atentar na clássica distinção entre atos de gestão pública e atos de gestão privada [cfr. 1ª parte da citada alínea g)].
E passou a incluir no âmbito da jurisdição administrativa a responsabilidade civil extracontratual de sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado [cfr. citada alínea i)].
Com a Reforma do Contencioso Administrativo, alterou-se, no âmbito da responsabilidade extracontratual, o critério determinante da competência material entre jurisdição comum e jurisdição administrativa, que deixou de assentar na clássica distinção entre atos de gestão pública e atos de gestão privada, passando a jurisdição administrativa a abranger, por um lado, todas as questões de responsabilidade civil que envolvam pessoas coletivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado.
E, por outro lado, passou a abarcar a responsabilidade extracontratual das pessoas coletivas de direito privado às quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público.
Daqui decorre que, para determinar a competência dos tribunais administrativos no que concerne às ações de responsabilidade civil extracontratual de pessoa coletiva de direito privado, há que verificar, apenas e tão só, se a mesma está, ou não, sujeita ao regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, instituído pela Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro.
A este respeito, ensina Carlos Alberto Fernandes Cadilha que a norma que, no plano do direito substantivo, dá concretização prática ao disposto no artigo 4º nº 1 alínea i) do ETAF é a do artigo 1º nº 5 da referida Lei, a qual estabelece que “as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas coletivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas coletivas de direito privado e respetivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por ações ou omissões que adotem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”.
Explicita, assim, este preceito em que termos é que as entidades privadas podem ficar subordinadas a um regime de responsabilidade administrativa e, consequentemente, quando poderão ser demandadas em ações de responsabilidade civil perante os tribunais administrativos, nos termos do citado artigo 4º nº 1 alínea i) do ETAF, com a consequente sujeição ao contencioso administrativo.
E dele pode concluir-se, por um lado, que isso acontece sempre que tais entidades desenvolvam uma atividade administrativa, o que significa ter o legislador adotado, no que se refere às ações de responsabilidade civil, um critério funcional de Administração Pública, à semelhança do que fez no Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
E, por outro lado, que são dois os fatores indicativos do conceito de atividade administrativa.
Um constituído pelo exercício de prerrogativas de poder público, ou seja, quando, para a execução de tarefas públicas de que sejam incumbidas, lhes sejam outorgados poderes de autoridade.
Um outro, pela vinculação do exercício da atividade a um regime de direito administrativo, isto é, quando intervenham no exercício de tarefas que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.
Significa isto, no dizer de Carlos Alberto Fernandes Cadilha, que a submissão de entidades privadas ao regime de responsabilidade civil da administração terá de ser definida casuisticamente em função da natureza jurídica dos poderes que tais entidades tenham exercitado em dada situação concreta ou da sua subordinação a um regime de direito administrativo.
E toda esta dicotomia está presente nas entidades concessionárias que são chamadas a colaborar com a Administração na execução de tarefas administrativas através de um contrato administrativo, que poderá ser um contrato de concessão de obras públicas ou de serviço público.”
Conforme resulta dos autos, a A…, SA, é a sociedade a quem foi adjudicada pela EP – Estradas de Portugal, SA, a subconcessão para a conceção, projeto, construção, aumento do número de vias, financiamento, exploração e conservação, do lanço de autoestradas e conjuntos viários associados, designada por Subconcessão Auto-estradas Transmontana.
No âmbito da referida subconcessão, a ré O…, SA, é a sociedade que foi contratada pela subconcessionária A…, SA, para, nos termos do Contrato de Operação e Manutenção lhe prestar serviços de Conservação e Exploração, nos termos ali definidos e no Contrato de Subconcessão, em particular os enunciados nos números 48 a 64 do referido Contrato.
Importa ainda notar que no Contrato de Subconcessão celebrado entre EP – Estradas de Portugal, SA (Concedente) e A…, SA (Subconcessionária) consta do ponto 7.1. que a Subconcessionária deve desempenhar as atividades subconcessionadas de acordo com as exigências de um regular, contínuo e eficiente funcionamento do serviço público e adotar, para o efeito, os melhores padrões de qualidade disponíveis em cada momento…
Diz-se ainda no ponto 27 do mesmo contrato que “a Subconcessionária é responsável pelo financiamento, conceção, projeto, duplicação, aumento, do número de vias, reabilitação, construção, exploração, conservação e operação dos Lanços referidos no número 6.1. respeitando os estudos e projetos aprovados nos termos dos números seguintes e o disposto no Contrato de Subconcessão.”
Ora, o ponto quilométrico (PK) 140,100 da A4 onde, em 10/05/2013, terá ocorrido o acidente a que os autos se referem, integra a referida subconcessão.
Na situação a que se referem os autos está em causa uma ação de indemnização contra a ré em virtude de esta ser concessionária da autoestrada onde circulava a viatura do autor, a qual se encontrava em manutenção, com três barreiras tombadas na hemifaixa onde o autor circulava, a eventual responsabilidade da ré, por atos ou omissões decorrentes desta atividade, insere-se no âmbito de aplicação do artigo 1º nº 5 do novo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas.
Com efeito, aí se estabelece que “as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas coletivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas coletivas de direito privado e respetivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por ações ou omissões que adotem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.”
Conforme se refere no Acórdão do Tribunal de Conflitos de 30/05/2013, no processo nº 017/13, disponível em www.gdsi.pt, “como se viu, nos termos do artigo 1º nº 5 da Lei 67/2007, são dois os fatores determinativos do conceito de atividade administrativa.
O primeiro refere-se ao exercício de prerrogativas de poder público, o que equivale ao desempenho de tarefas públicas para cuja realização sejam outorgados poderes de autoridade.
O segundo respeita a atividades que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.
Ora, as entidades privadas concessionárias que são chamadas a colaborar com a Administração na execução de tarefas administrativas através de um contrato administrativo (que poderá ser de concessão de obras públicas ou de serviço público), têm a sua atividade regulada e sujeita a disposições e princípios de direito administrativo.
Na verdade, a construção de uma autoestrada, a sua exploração, manutenção, vigilância e segurança, nomeadamente do tráfego, são tarefas próprias da administração do Estado.
A concessão dessa obras e serviços públicos a uma entidade privada não significa que as respetivas atividades percam a sua natureza pública administrativa, pois o Estado não pode abrir mão dessa responsabilidade.
Antes a outorga, por determinado período, a terceiro da esfera privada, a quem permite obter lucros económicos (através, nomeadamente, das portagens, estas também regulamentadas pelo Estado), mas regulando-a e fiscalizando-a, ao abrigo de normas jurídicas de natureza administrativa que ficam inscritas no contrato de concessão.”
Continua o mencionado aresto “como se diz no referido Acórdão do Tribunal de Conflitos (Acórdão do Tribunal de Conflitos de 20-01-2010 (conflito nº 25/09): «Destas normas é possível inferir-se que a atividade a desenvolver pela ré no âmbito da concessão em causa, desenvolve-se num quadro de índole pública.
A entidade privada concessionária da autoestrada, é notoriamente chamada a colaborar com a Administração na execução de uma tarefa administrativa de gestão, através de um contrato administrativo, pelo que as ações e omissões da ré concessionária se devem integrar e ser reguladas por disposições e princípios de direito administrativo».”
E como se refere no ponto 78. do Contrato de Subconcessão «a Subconcessionária responderá, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados no exercício das atividades que constituem o objeto da Subconcessão, pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo Concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito».
E, prossegue o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 30/05/2013, “no contexto do diploma que estabeleceu a concessão, a referência que é feita à “lei geral” significa apenas que a responsabilidade pelos prejuízos resultantes de responsabilidade civil extracontratual não está regulada por normas inscritas no contrato de concessão, mas pelas normas gerais que regulam tal matéria, sem tomar partido sobre a sua natureza, administrativa ou comum.
Assim sendo, como o autor pretende ser ressarcido com vista a receber uma indemnização, em razão de uma invocada responsabilidade extracontratual da ré, em consequência de uma omissão de dever a que estava obrigada na qualidade de concessionária da autoestrada em questão, terá de se concluir que a sua eventual responsabilização se insere no âmbito de aplicação do artigo 1º nº 5 da Lei nº 67/2007 e, em consequência, serão os tribunais administrativos os competentes para conhecer da causa (artigo 4º nº 1 alínea i) do ETAF).
Do exposto resulta que a apelação terá de proceder e, em consequência, revogar-se a douta decisão recorrida, julgando-se os Tribunais Administrativos materialmente competentes para conhecer da presente ação.
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D) Em conclusão:
1) São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional;
2) Compete aos tribunais administrativos a apreciação de litígios que tenham por objeto a responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público, importando verificar, apenas e tão só, se a mesma está, ou não, sujeita ao regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas;
3) A submissão de entidades privadas ao regime de responsabilidade civil da administração verifica-se quanto às entidades concessionárias que são chamadas a colaborar com a Administração na execução de tarefas administrativas através de um contrato administrativo, que poderá ser um contrato de concessão de obras públicas ou de serviço público;
4) A entidade privada concessionária de uma autoestrada, é notoriamente chamada a colaborar com a Administração na execução de uma tarefa administrativa de gestão, através de um contrato administrativo, pelo que as ações e omissões da ré concessionária se devem integrar e ser reguladas por disposições e princípios de direito administrativo;
5) Pretendendo o autor ser ressarcido em razão de uma invocada responsabilidade extracontratual da ré, em consequência de uma omissão de dever a que estava obrigada na qualidade de concessionária da autoestrada em questão, serão os tribunais administrativos os competentes para conhecer da causa.
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III. DECISÃO
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar a douta decisão recorrida julgando-se os Tribunais Administrativos materialmente competentes para conhecer da presente ação.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique.
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Guimarães, 19/03/2015
António Figueiredo de Almeida
Fernando F. Freitas
Ana Cristina Duarte (voto vencida por entender que a competência é dos tribunais comuns, conforme foi decidido em 1.ª instância)