Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3546/21.3T8VCT.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: CIRE
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
CAUSA DE PEDIR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/03/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da responsabilidade do Relator - art. 663.º, n.º 7 do CPC)

1- O ónus alegatório previsto no art. 25º, n.º 1 do CIRE, que obriga o credor e os restantes legitimados pelo art. 20º, n.º 1 para instaurar a ação de insolvência, a alegar, no requerimento inicial, a facticidade essencial tendente a justificar a origem, natureza e montante do seu crédito, ou a sua responsabilidade pelos créditos sobre a insolvência, são requisitos para que se reconheça a legitimidade ativa do requerente para instaurar a ação de insolvência.
2- Na ação de insolvência, a causa de pedir é constituída pela facticidade essencial ou nuclear que integra a previsão da norma do art. 3º do CIRE (que contem a noção base de insolvência) ou pelos factos essenciais que integram um dos factos índices de insolvência previstos numa das alíneas do n.º 1 do art. 20º.
3- Não é inepta a petição inicial, por falta de alegação da causa de pedir, quando se verifica que nela o requerente alegou, de forma suficiente e clara, factos que, uma vez provados (pelo requerente), permitem concluir encontrarem-se preenchidos os factos índices de insolvência do requerido das als. b) e e), do n.º 1 do art. 20º.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte

I- RELATÓRIO

X S.A., com sede em …, Ed. …, instaurou a presente ação especial de insolvência contra F. A., residente na Rua … Viana do Castelo, pedindo que este seja declarado insolvente.
Para tanto alega, em síntese, que por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 20/12/2015, foiconstituída a sociedade Y, S.A.,posteriormente, denominada X, S.A, para quem foram transferidos os ativos detidos por W – Banco ..., S.A.;
Por contrato de empréstimo de 15/06/2010, a pedido da “K – Produtos Siderúrgicos, S.A.”, o W concedeu a essa sociedade um financiamento, no montante de € 115.000,00, pelo prazo de seis anos, a contar da data da outorga do contrato, destinado a apoio a tesouraria;
Em caução e garantia do pontual pagamento da quantia mutuada, respetivos juros e demais encargos resultantes do contrato celebrado, a dita sociedade entregou ao W uma livrança em branco, por si subscrita e avalizada pelo Requerido, ficando o W autorizado a preenchê-la pelo valor que lhe fosse devido, a fixar-lhe as datas de emissão e de vencimento, bem como a designar o local de pagamento;
Acontece que aquela sociedade incumpriu o referido contrato, pelo que, o W procedeu ao preenchimento da referida livrança, no montante de € 104.022,82, e com data de vencimento em 03.10.2012;
Apresentada a pagamento na data do seu vencimento, a livrança não foi paga nessa data, nem posteriormente;
Em face desse não pagamento, foi proposta a ação executiva que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Central Cível – Juiz 2, sob o processo n.º 908/13.3TBVCT;
O capital que permanece em dívida ascende a 17.592,57 euros, a que acrescem juros de mora à taxa de 8,981% ao ano, desde a data do incumprimento, 13.10.2015 até 12.11.2021, os quais ascendem a 9.746,86 euros, bem como a quantia de 389,87 euros, a título de outras despesas, sem prejuízo dos juros de mora vincendos e imposto de selo;
Para além do processo de execução supra identificado, o qual foi extinto por ausência de bens penhoráveis, tem a Requerente conhecimento que correm as seguintes ações contra o Requerido: Processo 662/14.1TBVCT, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Local Cível – Juiz 3, com a quantia exequenda de € 28.589,89; e Processo 3912/17.9T8VCT, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Local Cível – Juiz 3, com a quantia exequenda de € 14.494,74;
Tanto quanto de sabe, o requerido não tem quaisquer rendimentos ou proveitos que lhe permitam pagar as ditas quantias;
O requerido não merece qualquer tipo de crédito bancário ou de outra natureza e nem dispõe de património de valor suficiente para o pagamento das elevadas quantias de que é devedor.

A 1ª Instância indeferiu liminarmente a petição inicial, com fundamento em ineptidão desta, por falta de causa de pedir, constando essa decisão do seguinte:

O art.º 11° do CIRE, sob a epígrafe "princípio do inquisitório", estabelece que "no processo de insolvência, embargos e incidente de qualificação de insolvência, a decisão do juiz pode ser fundada em factos que não tenham sido alegados pelas partes".---
Todavia, o certo é que o princípio do inquisitório, quando confere ao juiz a faculdade de fundar a sua decisão em factos não alegados pelas partes, ou quando lhe permite proceder oficiosamente à realização e recolha de provas, não conduz a que o juiz tenha que se substituir às partes, no que se refere à alegação da factualidade essencial, integradora da causa de pedir, ou no que se refere à recolha de prova pela qual as partes não curaram de diligenciar - visando tal princípio obstar a que razões meramente formais impeçam a realização dos direitos materiais [vide acórdãos da Rel. Évora de 25.01.2007 e de 12.03.2009, disponíveis em www.dgsi.pt].---
Assim, conforme referem Carvalho Fernandes e João Labareda [in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, págs. 103 e 104], para além de na fase inicial declarativa dos processos de insolvência o princípio do inquisitório só operar quando o juiz seja chamado a decidir questão controvertida entre as partes, o que o referido art.º 11° apenas permite, designadamente na fase de apreciação do pedido (ora em causa) é que o juiz se sirva de outros factos para além daqueles que foram e teriam de ser alegados pelas partes. Aliás, para que se possa servir de outros factos, para além dos que tenham sido alegados pelas partes, necessário se torna que o juiz a eles possa vir a aceder em razão da sua intervenção no processo, estando completamente fora de causa que tenha que ser o juiz a averiguar toda e qualquer factualidade que porventura se mostre necessária ao deferimento do pedido de insolvência, assim se substituindo às partes.---
Ademais, nessa perspetiva, nada poderia garantir que, no decorrer do processo, o juiz viesse a ter acesso ou conhecimento dos factos necessários à procedência do pedido. A entender-se o contrário sempre se chegaria ao cúmulo de bastar ao requerente pedir, sem mais, a declaração de insolvência do devedor - o que, manifestamente, o legislador não podia querer.---
No que se refere ao ónus da prova, é certo que, nos termos do disposto no n.° 4 do art.º 30.° do CIRE, sendo deduzida oposição, cabe ao devedor a prova da sua solvência.
Todavia, o certo é que tal pressupõe que se não verifique – para além de quaisquer outras exceções dilatórias insupríveis de que se deva conhecer oficiosamente, nos termos da al. a) do n.° 1 do art.º 27.° do CIRE – ineptidão da petição inicial, ou seja, pressupõe que no requerimento inicial tenha sido alegada factualidade integradora da causa de pedir, que, a provar-se, conduza à declaração de insolvência.---
Assim, haveremos de concluir no sentido de que, competindo ao requerente alegar os factos integradores da impossibilidade de cumprimento pelo devedor das suas obrigações, sendo o devedor citado, impende sobre este o ónus de alegar e provar factos integradores da sua solvência [neste sentido veja-se o acórdão da Rel. Évora de 25.10.2007, disponível em www.dgsi.pt].---
Ora, nos termos do disposto no n.° 1 do art.º 3.° do CIRE, a situação de insolvência assenta na impossibilidade do devedor em cumprir as suas obrigações que se mostrem vencidas. Todavia, segundo o entendimento seguido pela doutrina e pela jurisprudência, conforme referem Carvalho Fernandes e João Labareda [in ob. cit. pág. 72], não tendo a insolvência que ser caracterizada pela impossibilidade de cumprimento de todas as obrigações assumidas e vencidas, "o que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor ou pelas próprias circunstância do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos".---
E, nessa perspetiva, optou o legislador por estabelecer determinadas factos índice, no n.° 1 do art.º 20.° do CIRE, enquanto factos presuntivos da insolvência, porquanto reveladores, pelas regras da experiência, da insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas.---
Importa assim verificar se a factualidade alegada no requerimento inicial é ou não suscetível de se enquadrar em qualquer desses factos-índice.---

Desta feita, conforme se alcança do requerimento inicial, e com interesse específico para a questão, a requerente limitou-se a alegar o seguinte:---

i) Por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal (BdP) de 20 de dezembro de 2015, e ao abrigo do disposto no artigo 145.º-S do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) foi constituída a sociedade Y, S.A. – posteriormente denominada X, S.A., sociedade veículo de gestão de ativos dos direitos e obrigações correspondentes a ativos do W – Banco ..., S.A.;---
ii) Por contrato de empréstimo, outorgado em 15 de junho de 2010, a pedido da sociedade denominada de “K – Produtos Siderúrgicos, S.A.”, ao qual foi atribuído a operação n.º ……….43, foi concedido um financiamento no montante de € 115.000,00, pelo prazo de seis anos, a contar da data da outorga do contrato, destinado a apoio a tesouraria;---
iii) Em caução e garantia do pontual pagamento da quantia mutuada, respetivos juros e demais encargos resultantes do contrato celebrado, a sociedade mutuária entregou ao banco cedente uma livrança em branco por si subscrita e devidamente avalizada pelo Requerido F. A., ficando o banco cedente autorizado a preenchê-la pelo valor que lhe fosse devido, a fixar-lhe as datas de emissão e de vencimento, bem como a designar o local de pagamento;---
iv) Face ao incumprimento do contrato em apreço, o banco cedente procedeu ao preenchimento da livrança pelo valor devido por força do incumprimento do contrato que lhe subjaz no montante de € 104.022,82, com data de vencimento em 03.10.2012;---
v) Apresentada a pagamento na data do seu vencimento a livrança não foi paga, nem nessa data, nem posteriormente;-
vi) Em face do incumprimento contratual, foi proposta a ação executiva que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Central Cível – Juiz 2, sob o processo n.º 908/13.3TBVCT;---
vii) O crédito global da Requerente ascende à quantia de Euros 27.729,30 (vinte e sete mil, setecentos e vinte e nove euros e trinta cêntimos), sem prejuízo dos juros vincendos e imposto de selo devidos até integral e efetivo pagamento;---
viii) O Requerido é devedor de elevadas quantias;---
ix) Para além do processo de execução supra identificado, o qual foi extinto por ausência de bens penhoráveis, tem a Requerente ainda conhecimento que correm as seguintes ações contra o Requerido: Processo 662/14.1TBVCT, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Local Cível – Juiz 3, com a quantia exequenda de € 28.589,89; Processo 3912/17.9T8VCT, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Local Cível – Juiz 3, com a quantia exequenda de € 14.494,74;---
x) O Requerido não dispõe, tanto quanto se sabe, de quaisquer rendimentos ou proveitos para pagamento das elevadas quantias de que é devedor, não merece qualquer tipo de crédito bancário ou de outra natureza, nem dispõe de património de valor suficiente para o pagamento das elevadas quantias de que é devedor.---
De tal alegação apenas resulta que o requerido deve à requerente a quantia suprarreferida, nada mais se sabendo, em concreto, sobre a situação económico-financeira do requerido, designadamente sobre a existência concreta de outros credores, sobre o ativo ou sobre o passivo global da requerida, ou sobre a sua atividade.---
Em suma, para além do crédito da requerente, nenhum outro facto foi trazido aos autos com vista a concretizar a situação de insolvência do devedor, que pudessem indiciar estar o requerido impedido de cumprir pontualmente a generalidade das obrigações vencidas. Por outro lado, o simples facto de o requerido não ter pago o crédito da requerente jamais pode indiciar ou fazer supor (sem quaisquer outros elementos factuais) a situação de insolvência e inviabilidade económica da requerida.---
Desta feita, lida a petição inicial torna-se visível que a requerente da insolvência não carreou para os autos os elementos de facto suficientes para preencher a causa de pedir e comprovar indiciariamente a existência de uma situação de insolvência.-
Assim, impendendo sobre o requerente o ónus de alegar os factos concretos que indiciassem ou fizessem presumir que a requerida se encontra impedida de cumprir pontualmente a generalidade das obrigações vencidas, passíveis de enquadrar qualquer dos factos-índice referidos no n° 1 do art. 20° do CIRE, somos levados a considerar estarmos perante uma situação de falta de causa de pedir e, como tal, perante uma situação de ineptidão da petição inicial, que obsta à procedência do pedido de declaração de insolvência.-
Acresce que, existindo falta de alegação de factos concretos e precisos para justificar a situação de insolvência, jamais haveria lugar a que primeiramente fosse proferido despacho de aperfeiçoamento (e só o incumprimento do despacho de aperfeiçoamento conduziria ao indeferimento), na medida em que o despacho de aperfeiçoamento a que se refere a al. b) do n.° 1 do art.º 27.º do CIRE, apenas pressupõe que estejam em causa vícios sanáveis da petição, o que, conforme tem vindo a ser entendido na jurisprudência, não é o caso da ineptidão da petição resultante da falta de causa de pedir.---
Na realidade, o preenchimento dos conceitos contidos no art.º 20.º do CIRE não pode ser concretizado apenas por uma indexação formal remissiva para as diversas alíneas em que são estabelecidos os factos-índice, antes é exigível que exista um mínimo de determinabilidade de um quadro caracterizador da impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas, sendo precisa alguma consistência descritiva e um suporte probatório mínimo que, sem indagações aprofundadas sobre a existência ou não do direito a que o requerente se arroga, permita fazer um juízo perfunctório simples que valide o prosseguimento dos autos, sob pena de, assim não sendo, o efeito prático desta ausência de controlo ser a eliminação do ónus de alegação imposto ao requerente legitimado e a transferência para o requerido da necessidade de comprovação da sua solvência.---
De outro modo, caso não fosse prosseguido esse grau de exigência, existiria o risco de que o recurso ao processo de insolvência servisse somente para pressionar qualquer requerido ao pagamento de dívidas, independentemente da verificação dos pressupostos típicos de um quadro de insolvência, com a suscetibilidade de deturpar até regras de preferência no cumprimento de obrigações, face a essa necessidade imediata de regularizar o débito do credor peticionante da medida.---
Pelo exposto, constituindo a ineptidão da petição inicial nulidade de todo o processo [cfr. art.º 193.°, n.ºs 1 e 2, al. a) do Cód. Proc. Civil], estamos perante uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, pelo que, ao abrigo da previsão do art.º 27.º do CIRE, se indefere liminarmente o pedido de declaração de insolvência.---
Custas pelo requerente.---
Valor: o indicado na p.i..---

Inconformada com essa decisão, a requerente X, S.A., interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:

1. A questão colocada pela Recorrente é a de saber se a petição inicial não devia ter sido liminarmente indeferida, por constar dos autos toda a informação relevante essencial para o prosseguimento da causa.
2. Entendeu o douto Tribunal a quo considerar inepta a petição inicial resultante de falta de causa de pedir, mas, no nosso entender, muito mal andou com tal decisão.
3. Salvo melhor opinião, funda-se o presente recurso, em falhas de apreciação em que se apoiou o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo, designadamente no que diz respeito à matéria de facto alegada e a decisão de direito proferida.
4. O despacho judicial recorrido ao pronunciar-se pelo indeferimento liminar do pedido, por falta de causa de pedir, apreciou mal as questões de facto e de direito que se lhe depararam; questões essas, que uma vez corretamente apreciadas e decididas, seguramente conduziriam a uma outra decisão, bem diferente daquela que foi proferida, reconhecendo expressa razão à Recorrente.
5. A presente ação consubstancia no pedido da Recorrente em que fosse decretada a insolvência do Recorrido, em virtude deste ser devedor de elevadas quantias que as circunstâncias do incumprimento por parte do Recorrido são reveladoras da incapacidade deste em cumprir pontualmente a generalidade das suas obrigações, e, que pela sua atuação, encontra-se em situação de incapacidade para honrar os seus compromissos perante os credores.
6. Para sustentar a sua pretensão, o Recorrente alegou ser credor do Recorrido do montante global de Euros 27.729,30 (vinte e sete mil, setecentos e vinte e nove euros e trinta cêntimos), proveniente do aval prestado numa livrança, tendo junto prova documental e arrolado prova testemunhal.
7. O Tribunal a quo não analisou o pedido com o cuidado que lhe merecia, na medida em que não atendeu a toda a matéria de facto alegada pela Recorrente.
8. Não é inepta a petição inicial de insolvência que descreve os factos em que se assenta o pedido de insolvência e refere as alíneas do n.º 1, do artigo 20.º do CIRE, em que fundamenta o pedido.
9. Consigna o Tribunal a quo, que da factualidade alegada, “…apenas resulta que o requerido deve à requerente a quantia suprarreferida, nada mais se sabendo, em concreto, sobre a situação económico-financeira do requerido, designadamente sobre a existência concreta de outros credores, sobre o ativo ou sobre o passivo global da requerida, ou sobre a sua atividade. Em suma, para além do crédito da requerente, nenhum outro facto foi trazido aos autos com vista a concretizar a situação de insolvência do devedor, que pudessem indiciar estar o requerido impedido de cumprir pontualmente a generalidade das obrigações vencidas. Por outro lado, o simples facto de o requerido não ter pago o crédito da requerente jamais pode indiciar ou fazer supor (sem quaisquer outros elementos factuais) a situação de insolvência e inviabilidade económica da requerida.”
10. Mas outros tantos factos foram alegados pela Recorrente e não considerados pelo Tribunal a quo, como factos concretos que indiciam e fazem presumir que o requerido se encontra impedido de cumprir pontualmente a generalidade das obrigações vencidas e que fundamentam o pedido da Recorrente
11. Resulta dos factos alegados que o Recorrido, em face do incumprimento contratual, é executado na ação executiva que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Central Cível – Juiz 2, sob o processo n.º 908/13.3TBVCT, cuja execução está extinta por falta de bens penhoráveis – conforme alegado no ponto 11 e 17 da petição inicial.
12. Situação de incumprimento que ainda se mantém, uma vez que a Recorrente alegou que, a livrança apresentada a pagamento não foi paga, nem na data de vencimento, nem posteriormente (ponto 10 da petição inicial).
13. Assim, como foi também alegado outras ações a correr contra o Requerido, que a Recorrente tem conhecimento e reveladoras da incapacidade de cumprir com a generalidade das obrigações vencidas – conforme alegado no ponto da petição inicial 17.
14. Alegou a Recorrente que (1) o Recorrido é devedor de elevadas quantias; (2) o Recorrido não dispõe quaisquer rendimentos ou proveitos para pagamento das elevadas quantias de que é devedor; (3) o Recorrido não merece qualquer tipo de crédito bancário ou de outra natureza; (4) o Requerido encontra-se numa situação de incapacidade para honrar os seus compromissos perante os credores (pontos 16, 18, 19 e 25 da petição inicial).
15. O douto despacho recorrido pelo Tribunal a quo, padece de erro de julgamento da matéria de facto alegada pela Recorrente, na medida em que as provas produzidas nos autos de primeira instância são suficientes para fundamentar o pedido.
16. Verifica-se que a matéria de facto considerada pelo Tribunal a quo é insuficiente, tendo sido a mesma mal apreciada e considerada, esperando-se com o presente recurso se reponha nos autos a verdade material.
17. Face ao exposto, porque existe matéria de facto alegada e, suficientemente, nos quais constam factos que fundamentam o pedido e que não foram atendidos, nem relevados, pelo Tribunal a quo na decisão, entendemos, com todo o respeito, haver manifesto erro de julgamento; impugnando-se, assim, a decisão proferida sobre matéria de facto, artigo 662º n.º 1 do Código de Processo Civil, considerando o Recorrente incorretamente julgados os factos constantes.
18. Seria suficiente para que o Tribunal a quo, atendesse à antiguidade do vencimento e ao valor do crédito, para considerar preenchido o pressuposto do art.º 1 do CIRE que “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.
19. Reconhecendo da situação de incapacidade do Requerido em honrar com os compromissos assumidos perante a Recorrente, há muito em incumprimento, o que torna atendível a pretensão da Recorrente.
20. No caso sub judice, a Recorrente demonstrou, no seu articulado, de que, com toda a probabilidade, os factos alegados estão ligados à incapacidade do devedor para solver pontualmente as suas obrigações, fator relevante é o incumprimento generalizado do pagamento das obrigações (o ónus que se exige ao Requerente).
21. Segundo o artigo 25º, nºs 1 e 2 do CIRE, quando o pedido não provenha do próprio devedor, o requerente da declaração de insolvência deve justificar na petição a origem, natureza e montante do seu crédito, devendo oferecer todos os meios de prova de que disponha.
22. Tal como defende Luís Manuel Teles de Meneses Leitão, “terá de fazer prova do crédito, prova que poderá ser realizada por qualquer meio, designadamente por testemunhas, apresentação do contrato que o gerou ou documentação da conta corrente” [Cfr., obra citada, pág. 128].“Mas, para que a insolvência venha a ser decretada, ele terá de demonstrar a sua qualidade de credor, como facto constitutivo do seu direito a requerer a insolvência do Requerido”, o que nos parece que foi cabalmente demonstrado pelo Requerente da insolvência.
23. Entende a Recorrente que tal demonstração seria suficiente para ser declarada a insolvência do Requerido, mas a Requerente foi mais clara e alegou, para que fosse decretada a insolvência do Requerido, outros fatores, nomeadamente de que o Recorrido é devedor de elevadas quantias; de que não dispõe quaisquer rendimentos ou proveitos para pagamento das elevadas quantias de que é devedor, de que não merece qualquer tipo de crédito bancário ou de outra natureza, e de que se encontra numa situação de incapacidade para honrar os seus compromissos perante os credores.
24. Alegações não consideradas pelo Tribunal a quo, ainda que o Recorrente tenha dado cumprimento ao ónus que lhe recai.
25. Assim sendo, só a não verificação dos factos-índice alegados pelo credor poderia impedir a declaração de insolvência, ou a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir.
26. A errónea subsunção dos factos considerados provados, leva, consequentemente a uma errónea aplicação da matéria de direito.
27. Pelo que entendemos que deveriam ser considerados os factos alegados pela Recorrente, nomeadamente:
a) Que o Recorrido, em face do incumprimento contratual, é executado na ação executiva que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Central Cível – Juiz 2, sob o processo n.º 908/13.3TBVCT, cuja execução está extinta por falta de bens penhoráveis – conforme alegado no ponto 11 e 17 da petição inicial;
b) Que a situação de incumprimento ainda se mantém, uma vez que a Recorrente alegou que, a livrança apresentada a pagamento não foi paga, nem na data de vencimento, nem posteriormente (ponto 10 da petição inicial).
c) Assim, como foi também alegado outras ações a correr contra o Requerido, que a Recorrente tem conhecimento e reveladoras da incapacidade de cumprir com a generalidade das obrigações vencidas – conforme alegado no ponto da petição inicial 17.
d) Que o Recorrido é devedor de elevadas quantias (ponto 16 da petição inicial);
e) Que o Recorrido não dispõe de quaisquer rendimentos ou proveitos para pagamento das elevadas quantias de que é devedor (ponto 18 da petição inicial);
f) Que o Recorrido não merece qualquer tipo de crédito bancário ou de outra natureza (ponto 19 da petição inicial)
g) Que o Requerido encontra-se numa situação de incapacidade para honrar os seus compromissos perante os credores (ponto 25 da petição inicial).
28. Dúvidas não devem restar de que face ao impacto do valor do crédito em causa e ao atraso na sua regularização, e dado como provado que o Requerido demonstra-se impossibilitado de cumprir o conjunto das suas obrigações vencidas, fica preenchida a previsão do n.º 1 do art.º 3, e a alínea a) e b) do art.º 20 do CIRE), factos estes alegados e bastantes para fundamentar o pedido da Requerente e consequentemente a declaração da Insolvência do Requerido,
29. Dado como provado e assente que o Recorrido, em face do incumprimento contratual, é executado na a ação executiva que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Central Cível – Juiz 2, sob o processo n.º 908/13.3TBVCT, cuja execução está extinta por falta de bens penhoráveis, terá o Tribunal de concluir que o Requerido se encontra impossibilitado de cumprir as obrigações vencidas, conforme prevê as alíneas a) e b) do artigo 20º, nº 1 do CIRE.
30. Considerando o Tribunal a quo, a alegação do incumprimento que o Requerente, trouxe ao processo as circunstâncias de incumprimento reveladoras da impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, uma vez alegado e justificado, o facto índice previsto na alínea b) do artigo 20.º do CIRE, encontra-se preenchido e deverá ser reconhecido pelo Tribunal.
31. Repare-se que reveste de especial relevância o tempo decorrido desde o incumprimento, o valor do crédito reclamado que é indicativo da falta de capacidade de solvabilidade do Requerido.
32. Deverá, ainda, o Tribunal, dar como provado o valor global do crédito reclamado pela Requerente proveniente de uma livrança avalizada pelo Recorrido, conferindo, pelo montante avultado do crédito, o preenchimento da alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE.
33. Igualmente assume especial peso o facto de a Requerente ter intentado ação executiva para o seu ressarcimento, na qual ainda não logrou obter pagamento, demonstrando o seu estado avançado de incumprimento e a dificuldade em obter a sua satisfação e, que, salvo melhor entendimento, preenche a alínea e) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE.
34. O facto de o Requerido ter uma ação executiva a correr contra ele, desde o ano de 2013 (há mais de oito anos, portanto) sem que tenha existido ressarcimento para a Requerente, é muito demonstrativo das dificuldades que este apresenta em solver as suas obrigações e da ausência de património – ato só por si justificativo da declaração da insolvência do Requerido.
35. Dado como provado e assente, a falta de pagamento de obrigação de grande relevância (repare-se no valor do crédito reclamado e devido ao Recorrente) não só evidencia, com clareza, a incapacidade do Requerido, cumprir pontualmente as suas responsabilidades pecuniárias como, por outro lado, dá cumprimento/preenche à/a previsão do art.º 3.º n.º 1 do CIRE.
36. Conforme artigo 3.º, n.º 1 do CIRE, “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.
37. É comummente aceite que os factos descritos nas alíneas do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, são factos-índice ou presuntivos da insolvência, reveladores, atenta a experiência da vida e critérios de normalidade, da insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações. Demonstrado que os requeridos não têm património livre e desonerado, nem possuem qualquer rendimento que lhes permita pagar o crédito da requerente e de outros credores, e que não têm pago os seus débitos de reduzido e médio montante, por impossibilidade de o fazerem, verifica-se que se encontram incapazes, sem condições financeiras, de cumprir pontualmente o conjunto das suas obrigações, denotando uma situação de insolvência.
38. Pelo que muito se estranha o despacho de indeferimento do Tribunal a quo, quando todos os factos reveladores de uma situação de insolvência foram, devidamente, alegados pela Recorrente.
39. A Requerente invocou e com concretos factos-índice dos quais pode resultar que o devedor se encontrava impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, designadamente que habilitassem à integração do disposto do n.º 1 do artigo 20.º CIRE.
40. Tudo como entendemos ter sido demonstrado junto do tribunal a quo, pelo que a decisão deveria ter sido outra, onde fosse admitido o pedido de declaração de insolvência do devedor e ordenar a citação do mesmo para, querendo, se opor, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 29.º do CIRE.
41. Entende o Recorrente que, a douta Sentença recorrida fez uma incorreta aplicação do facto e por consequência de Direito ao caso concreto, na medida em que considera que a Requerente não fundamenta devidamente o pedido de insolvência, nos moldes previstos no artigo 20.º, n.º 1, do CIRE, o que acarreta o seu indeferimento liminar, conforme artigo 27.º, n.º 1.
42. Quanto a esta matéria, cumpre referir que, na petição inicial, a Recorrente, descreveu os factos em que assenta a sua pretensão e referiu quais as alíneas do n.º 1, do artigo 20.º do CIRE, em que fundamenta o seu pedido.
43. Só a falta total (não a escassez) ou a ininteligibilidade da causa de pedir é que geram a ineptidão da petição inicial. A petição inepta não se confunde com uma peça simplesmente defeituosa ou deficiente.
44. Se a petição inicial revela insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto, deve o Juiz convidar o autor a aperfeiçoar o seu articulado – a faculdade prevista no art. 508º, n.º 3, do CPC representa um poder-dever que deve ser utilizado a fim de se evitar a inutilização da atividade processual, veja-se a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora 99/10.1TBMTL-E1, disponível em www.dgsi.pt
45. Ainda como refere o Acórdão do STJ, no processo nº 417/08.9TVLSB.L1.S1, cujo Relator foi ÁLVARO RODRIGUES, de 27-05/10, que refere: "Efetivamente, a petição inicial, embora imperfeita, é suficientemente explícita para permitir a qualquer declaratário normal colocado na posição do real declaratário (art° 2360 do Cód. Civil) ou a um diligente bom pai - e mãe - de família, compreender os contornos da relação material controvertida, mesmo que, como aqui acontece, esses contornos não se encontrem claramente definidos."
46. Para além de que, não pode deixar de se referir que, relativamente ao requerente da insolvência, nos termos do disposto no artigo 27.º, n.º 1, al. b), do CIRE, se lhe confere a possibilidade de, em 5 dias, corrigir os vícios sanáveis de que enferme a petição, designadamente, quando a mesma careça de requisitos legais ou não venha acompanhada dos documentos que hajam de instruí-la, o que não foi o caso, a Recorrente juntou prova documental e arrolou prova testemunhal.
47. Pelo que, muito mal andou, o Tribunal a quo em considerar que “…o despacho de aperfeiçoamento a que se refere a al. b) do n.º 1 do art. 27º do CIRE, apenas pressupõe que estejam em causa vícios sanáveis da petição, o que, conforme tem vindo a ser entendido na jurisprudência, não é o caso da ineptidão da petição resultante da falta de causa de pedir.”
48. Preceituam as alíneas a) e b) do artigo 20º do CIRE que qualquer credor pode requerer a declaração de insolvência desde que se verifique a suspensão generalizada do pagamento de obrigações vencidas e a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.
49. Só haverá falta de indicação da causa de pedir determinante da ineptidão quando, de todo em todo, falte a indicação dos factos invocados para sustentar a pretensão submetida a juízo, ou tais factos sejam expostos de modo tal que, seja impossível, ou, pelo menos, razoavelmente inexigível, determinar, qual o pedido e a causa de pedir – o que não é o caso da situação em apreço.
50. No caso vertente, em face do factualismo alegado, consideramos que estão reunidos os pressupostos a que se aludem nos supra citados artigos, para que seja atendível a causa de pedir do requerimento inicial.
51. A propósito da ineptidão da petição inicial, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo 214/17.4T8SEI-B.C1, disponível em www.dgsi.pt
Não é inepta a petição inicial de insolvência que descreve os factos em que se assenta o pedido de insolvência e refere as alíneas do n.º 1, do artigo 20.º do CIRE, em que fundamenta o pedido.”
52. Em face do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º do CIRE, o indeferimento liminar do pedido de declaração de insolvência está reservado apenas para as duas situações ali elencadas: quando é manifesta a improcedência do pedido e quando, mesmo oficiosamente, se verifique a existência de exceções dilatórias insupríveis.
53. A lei admite que o processo conviva com alguma incerteza no momento inicial, sendo que a apreciação sobre a efetiva existência dos alegados créditos em incumprimento com outros credores, é remetida para momento posterior, na fase do reconhecimento e verificação de créditos, não relevando para o momento o indeferimento liminar do pedido de insolvência.
54. A Requerente invocou e com concretos factos-índice dos quais pode resultar que o devedor se encontrava impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, designadamente que habilitassem à integração do disposto do n.º 1 do artigo 20.º CIRE
55. Foi precisamente o que fez a Recorrente na petição inicial, alegou a origem, a natureza e o montante do seu crédito e ofereceu os elementos de prova necessários para o efeito, tendo ainda arrolado prova testemunhal.
56. Inclusive informou o Tribunal a quo da existência de um processo de execução a correr contra o requerido, do qual a Recorrente é exequente, informou que é devedor de elevadas quantias, que o Recorrido não dispõe quaisquer rendimentos ou proveitos para pagamento das elevadas quantias de que é devedor, que o Recorrido não merece qualquer tipo de crédito bancário ou de outra natureza e, que o Requerido encontra-se numa situação de incapacidade para honrar os seus compromissos perante os credores.
57. Integram a pretensão da Recorrente, o facto-índice previsto no art.º 20.º, n.º 1, alínea a) do CIRE – “um quadro de suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas”.
58. O primeiro dos fundamentos, reenvia para “uma paralisação generalizada no cumprimento das obrigações do devedor de índole pecuniária” porquanto esta aponta para situação pela qual “o devedor deixa de dar satisfação aos seus compromissos, em termos que projetam a sua incapacidade de pagar”. (cf Carvalho Fernandes e J. Labareda, C.I.R.E. anotado, 2005, p. 132).
59. De há muito que tem sido geral e pacificamente entendido pela doutrina e pela jurisprudência que, para caracterizar a insolvência, a impossibilidade de incumprimento não tem de abranger todas as obrigações vencidas do insolvente – cf. Catarina Serra, O Novo Regime Jurídico Aplicável à Insolvência, 3ª edição, pág. 23; Carvalho Fernandes, Coletânea de estudos sobre a Insolvência, O CIRE na Evolução do Regime da Falência no Direito Português, pág. 67; e Acórdãos da Rel. do Porto de 4/12/2007 (Proc. 0724931, relatado pelo Des. Carlos Moreira) e de 12/04/2007 (Proc. 0731360, relatado pela Des. Deolinda Varão): Ac. Rel. Coimbra de 26/10/2010 (Proc. 315/10.0TBTND-A.C1, relatado pela Des. Regina Rosa), todos em www.dgsi.pt
60. O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromisso - a este propósito veja-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, sob o n.º 716/11.6TBVIS.c1, de 08.05.2012, disponível em www.dgsi.pt
61. Refere o douto tribunal a quo que o Recorrente “…não carreou para os autos os elementos de facto suficientes para preencher a causa de pedir e comprovar indiciariamente a existência de uma situação de insolvência…
62. A Recorrente alegou na petição inicial outros fatores índice: a existência de um processo de execução a correr contra o requerido, do qual a Recorrente é exequente, informou que o Recorrido é devedor de elevadas quantias, que o Recorrido não dispõe quaisquer rendimentos ou proveitos para pagamento das elevadas quantias de que é devedor, que o Recorrido não merece qualquer tipo de crédito bancário ou de outra natureza e, que o Requerido encontra-se numa situação de incapacidade para honrar os seus compromissos perante os credores – todos estes factos são suficientes e fundamentam, cabalmente, o pedido de insolvência do Recorrido.
63. Integra o pedido, o facto-índice previsto no art.º 20.º n.º 1, alínea b) do CIRE -“Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”.
64. Quanto ao segundo fundamento, o “incumprimento de uma ou mais obrigações” apenas constitui facto-índice quando, pelas suas circunstâncias, evidencia a impossibilidade de pagar. O Requerente, juntamente com a alegação de incumprimento, trouxe ao processo essas circunstâncias das quais, uma vez demonstradas, é razoável deduzir a penúria generalizada, face ao incumprimento contratual e à data de vencimento da livrança desde 03.10.2012.
65. É particularmente relevante o tempo já decorrido, o valor do crédito, indicativo da falta de capacidade de solvabilidade do Requerido.
66. Igualmente assume especial peso o facto de a Requerente ter intentado ação executiva para o seu ressarcimento, na qual ainda não logrou obter pagamento, demonstrando o seu estádio avançado de incumprimento e dificuldade em obter a sua satisfação, conforme elencado na petição inicial.
67. Ficando assim, demonstrado, como se disse na petição inicial, o facto-índice previsto no art.º 20.º n.º 1, alínea b) do CIRE.
68. Efetivamente, a falta de pagamento de obrigação de grande relevância (repare-se no valor do crédito reclamado não só evidencia, com clareza, a incapacidade do Requerido, cumprir pontualmente as suas responsabilidades pecuniárias como, por outro lado, dá cumprimento/preenche à/a previsão do art.º 3.º n.º 1 do CIRE -“É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.”
69. Não emergem dúvidas de que que face ao impacto do valor do crédito em causa e ao atraso na sua regularização, o Requerido demonstra-se impossibilitado de cumprir o conjunto das suas obrigações vencidas (n.º 1 do art.º 3, alínea a) e b) do art.º 20 do CIRE), factos estes bastantes para o decretamento da Insolvência do Requerido.
70.“Os factos enunciados na norma do nº1 do art.º 20º são indícios ou sintomas da situação de insolvência (factos-índice). É através deles que, normalmente, a situação de insolvência se manifesta ou se exterioriza. Por isso, a verificação de qualquer um deles permite presumir a situação de insolvência do devedor e é condição necessária para a iniciativa processual de certos sujeitos, nomeadamente dos responsáveis legais pelas dívidas do devedor, dos credores e do Ministério Público."- "O Novo Regime Português da Insolvência", Uma Introdução", Catarina Serra, pág. 14.
71. Mas ainda assim, conforme alegou a Recorrente na petição inicial, a livrança apresentada a pagamento não foi paga na data de vencimento nem posteriormente, pelo que a situação de incumprimento se mantém.
72. O processo de execução em que a Recorrente figura como exequente, preenche, naturalmente a alínea e) do artigo 20.º do CIRE, Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor.
73. Alíneas que constituem os factos alegados pela Recorrente e que o Tribunal a quo, não considerou.
74. Reitera-se que a Recorrente, dentro do ónus que lhe cabe, justificou a origem, natureza e montante do seu crédito e ofereceu com ela os elementos provatórios, conforme supra já se explicou.
75. O devedor mantém-se indefinidamente em situação de incumprimento, com grave prejuízo para o credor, e em iminente e inegável situação de insolvência.
76. E, a petição inicial apenas é inepta, por falta de causa de pedir, quando o autor não indica o núcleo essencial do direito invocado, tornando ininteligível e insindicável a sua pretensão.
77. Ainda que a Requerente não tivesse indicado o núcleo do direito invocado no pedido, a petição seria, quando muito, deficiente, devendo o juiz proferir despacho de aperfeiçoamento – nos termos do artigo 27.º, alínea b) do CIRE – mas não foi o caso, na medida em que a Requerente fez uma prévia alegação de factos, na petição inicial, como fundamento da sua pretensão.
78. É que o Tribunal a quo, entendeu muito bem a pretensão da Requerente da insolvência, e, tanto assim o foi por entender “… o preenchimento dos conceitos contidos no art.º 20.º do CIRE não pode ser concretizado apenas por uma indexação formal remissiva para as diversas alíneas em que são estabelecidos os factos-índice”.
79. Nas palavras de (Alberto dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª Ed. – Reimpressão, 1982, pág. 309), há falta de causa de pedir quando “não pode saber-se qual a causa de pedir, ou, por outras palavras, qual o ato ou facto jurídico em que o autor se baseia para enunciar o seu pedido”.
80. Este mesmo Autor, naquela sua obra primeiro referida (pág. 372), sobre a distinção entre petição inepta ou deficiente, ensina que, “Importa, porém, não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente. Claro que a deficiência pode implicar ineptidão: é o caso de a petição ser omissa quanto ao pedido ou à causa de pedir; mas à parte esta espécie, daí para cima são figuras diferentes a ineptidão e a insuficiência da petição. Quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite factos ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a ação naufraga”.
81. E mais adiante (pág. 374) salienta que “Por vezes torna-se difícil distinguir a deficiência que envolve a ineptidão da que deve importar improcedência do pedido. uma zona fronteiriça, cuja linha divisória nem sempre se descobre com precisão. São os casos em que o autor faz, na petição, afirmações mais ou menos vagas e abstratas, que umas vezes descambam na ineptidão por omissão de causa de pedir, outras na improcedência por falta de material de facto sobre o que haja de assentar o reconhecimento do direito”.
82. Se tivesse atendido a todos os factos alegados, o Tribunal a quo teria proferido decisão bem diversa da que proferiu;
83. Entende-se, assim que o douto Tribunal “a quo”, fez uma incorreta aplicação do facto e por consequência de Direito ao caso concreto.
84. Pelo que, não se vislumbra outra possibilidade que tal decisão não tenha por base um equívoco do douto Tribunal ao desconsiderar todos os outros factos alegados pela Recorrente e que fundamentam o pedido.
85. Assim, neste enquadramento jurídico, haverá agora que alterar o decidido, revogando-se o despacho de indeferimento proferido pelo Tribunal a quo.
86. A douta sentença recorrida violou/realizou uma deficiente aplicação das seguintes normas, todas elas, do CIRE: art.º 3.º, n.ºs 1 e 2, 20.º, n.º 1 alíneas a), b) e e).
87. Pelo que, deverá a sentença ser revogada, sendo substituída por outra que dê provimento ao pedido formulado pela Recorrente.

Termos em que deve o presente recurso obter provimento e, por via disso, revogar-se a douta decisão recorrida que indeferiu liminarmente a petição inicial, e substituindo-se por uma outra decisão que dê prosseguimento ao pedido de insolvência formulado pela Recorrente.

Tendo a 1ª Instância admitido o presente recurso de apelação e tendo os autos subido a esta Relação, o aqui relator ordenou a baixa dos autos para que fosse fixado o valor da ação (quando esse valor, tal como realça a 1ª Instância, já se encontrava fixado no próprio despacho recorrido) e para que fosse dado cumprimento ao disposto no n.º 7 do art. 641º do CPC, citando-se o requerido tanto para os termos do recurso como para os da causa.
Citado o requerido, este não apresentou contra-alegações, mas limitou-se a requerer que, no caso de vir a ser declarada a sua insolvência, lhe seja concedido o benefício da exoneração do passivo restante, alegando a pertinente facticidade que, na sua perspetiva, justifica a concessão ao mesmo desse benefício.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal da Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso do tribunal - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação, a única questão que se encontra submetida ao tribunal ad quem consiste em saber se a decisão recorrida, que indeferiu liminarmente o requerimento inicial, com fundamento na exceção dilatória da ineptidão desse requerimento inicial, por falta de alegação da causa de pedir, padece de erro de direito e se, consequentemente, se impõe a sua revogação e determinar o prosseguimento dos autos.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para apreciar a questão que se encontra submetida à apreciação desta Relação são os que constam do relatório acima elaborado.
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A 1ª Instância indeferiu liminarmente o requerimento inicial, em que a apelante requer que o requerido F. A., seja declarado insolvente, com fundamento em ineptidão desse requerimento inicial, por falta de alegação da causa de pedir, com o argumento de que, da alegação da apelante, “apenas resulta que o requerido deve à requerente a quantia suprarreferida, nada mais se sabendo, em concreto, sobre a situação económico-financeira do requerido, designadamente sobre a existência concreta de outros credores, sobre o ativo ou sobre o passivo global da requerida, ou sobre a sua atividade. Para além do crédito da requerente, nenhum outro facto foi trazido aos autos com vista a concretizar a situação de insolvência do devedor, que pudessem indiciar estar o requerido impedido de cumprir pontualmente a generalidade das obrigações vencidas. Por outro lado, o simples facto de o requerido não ter pago o crédito da requerente jamais pode indiciar ou fazer supor (sem quaisquer outros elementos factuais) a situação de insolvência e inviabilidade económica da requerida”, concluindo que, “lida a petição inicial, torna-se visível que a requerente da insolvência não carreou para os autos os elementos de facto suficientes para preencher a causa de pedir e comprovar indiciariamente a existência de uma situação de insolvência”, entendimento esse com o qual não se conforma a apelante, imputando ao assim decidido erro de direito, pelo que urge verificar se lhe assiste razão.
Tal como acontece no processo civil em geral, também no âmbito do processo de insolvência, a petição inicial é o articulado mediante o qual o autor formula a sua pretensão de tutela jurisdicional e alega os respetivos fundamentos de facto e de direito que suportam essa pretensão, isto é, o pedido. Daí que a petição inicial seja o articulado mais importante, a base de todo o processo, uma vez que é nela que o autor delimita subjetivamente (quanto aos sujeitos) e objetivamente (quanto ao pedido e à causa de pedir) a relação jurídica material controvertida que submete, e pretende submeter, à apreciação e decisão do tribunal e, assim, delimita, em grande medida, o âmbito de cognição do tribunal, isto é, o thema decidendum, o qual apenas será complementado pelas exceções que venham a ser invocadas pelo réu na contestação e pela eventual reconvenção que este nela aduza e, bem assim, com as eventuais contra exceções que o autor venha a opor às exceções invocadas pelo réu na contestação.
De resto, é com a entrada da petição inicial em juízo que se inicia a instância (art. 259º, n.º 1 do CPC) e, uma vez citado o réu, por força do princípio da estabilidade da instância, esta tem que se manter a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei (art. 260º do CPC).
É, pois, na petição inicial que o autor não só se terá de identificar, como terá de identificar a parte que demanda, isto é, o réu (al. a) do n.º 1 do art. 552º do CPC), que terá de formular o pedido (al. e), do n.º 1 do mesmo preceito), isto é, a pretensão de tutela judiciária que pretende que o tribunal lhe reconheça, e terá de indicar os fundamentos que elege e em que faz assentar essa sua pretensão, isto é, a causa de pedir, narrando ou expondo os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação (al. d), do n.º 1 do art. 552º).
O pedido traduz assim, na pretensão que o autor pretende que o tribunal lhe reconheça.
A formulação/dedução do pedido é essencial para que o tribunal possa resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe (art. 3º, n.º 1 do CPC).
O pedido não só conforma ou modela o objeto do processo, como condiciona o conteúdo da decisão de mérito a emitir pelo tribunal, isto porque, na sentença, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se de outras, exceto se forem de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2 do CPC) e não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir (art. 609º, n.º 1 do CPC), sob pena de incorrer em nulidade da decisão por omissão ou excesso de pronúncia ou por condenação ultra petitum, respetivamente (art. 615º, n.º 1, als. d) e e) do CPC) (1).
Logo, em sede de petição inicial, o autor terá de formular o pedido de forma clara e inteligível, de modo que possa ser compreendido pelo réu e pelo juiz, porquanto, apenas assim “é passível de sustentar um processo em que se pretende uma decisão judicial definidora de um conflito de interesses, não se admitindo a apresentação de petições que integrem pedidos inteligíveis, ambíguos, vagos ou obscuros” (2).
Por sua vez, a causa de pedir é o facto jurídico em que assenta a pretensão de tutela judiciária formulada pelo autor (isto é, o pedido); nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real, enquanto nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido (n.º 4 do art. 584º do CPC), representando, portanto, a causa de pedir o fundamento fáctico que serve de suporte ao pedido deduzido pelo autor.
“É na causa de pedir, melhor dito, nos factos que a constituem que o autor estriba ou sustenta o pedido formulado. Tais factos são todos aquele que integram a previsão da norma ou das normas materiais que estatuem o efeito pretendido. A causa de pedir tem, pois, um substrato fáctico cuja alegação compete ao autor, de modo a fundamentar a sua pretensão. É muito por isso que usa falar-se em narração: o autor deverá expor (narrar) o quadro factual atinente ao tipo legal de que pretende prevalecer-se na ação instaurada. Tal narração fáctica envolverá a alegação e a descrição, por exemplo, dos concretos factos relativos à celebração do negócio de compra e venda de um bem por via do qual o autor ficou credor do preço sobre o réu, os factos relativos à ocorrência de um acidente de viação e respetivas consequências e à responsabilidade civil daí decorrente, os factos relativos à celebração de um contrato de arrendamento e à conduta do réu violadora dos seus deveres de inquilino”, etc. (3).
Acresce que atento o disposto no já citado n.º 4 do art. 584º do CPC, importa dizer que, em sede de causa de pedir, o sistema processual civil nacional é marcado pela teoria da substanciação, nos termos da qual, na exposição da causa de pedir, não basta ao autor a indicação genérica do direito que pretende tornar efetivo e de que faz derivar o pedido, mas é necessário que indique a causa específica ou concreta do direito de que faz derivar o pedido, ou seja, o título aquisitivo do direito: um determinado ato jurídico de compra e venda, de doação, de sucessão ou a usucapião, etc., pelo que o mesmo terá de alegar os factos concretos e específicos constitutivos do direito que pretende fazer valer em juízo e em que fundamenta o pedido que pretende que o tribunal lhe reconheça. E é “da correspondência entre o quadro factual apurado nos autos e o quadro fáctico previsto numa ou mais normas substantivas que resultará o reconhecimento do direito invocado”. Consequentemente, “o cumprimento daquele ónus de alegação não se basta com a mera alegação do direito em causa ou com a reprodução da norma ou normas de que aquele emana” (4).
Destarte, o autor tem de alegar, na petição inicial, de forma substanciada os factos que integram a causa de pedir, isto é, o quadro factual atinente ao tipo legal de que pretende prevalecer-se na ação instaurada e de que faz derivar o pedido que nela deduz.
Precise-se que segundo a posição tradicional entendia-se que o referido ónus de substanciação que impendia sobre o autor abrangia não só os factos essenciais, principais ou nucleares, como também os factos complementares ou concretizadores e, bem assim, os factos instrumentais (indiciários dos essenciais ou dos complementares) relativos à norma ou normas legais eleitas e de que faz derivar o pedido.
Acontece que, na sequência da revisão operada ao CPC pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, os atuais arts. 5º, n.º 1 e 552º, n.º 1, al. d), apenas exigem ao autor a alegação, na petição inicial, dos factos essenciais ou nucleares que constituem a causa de pedir, isto é, os factos concretos necessários, porque nucleares ou essenciais da norma ou normas substantivas que elege e de onde faz derivar o direito em que assenta o pedido.
Conforme adverte Alberto dos Reis, perante uma petição inicial, “podem dar-se dois casos distintos: a) a petição ser totalmente omissa quanto ao ato ou facto de que o pedido procede; b) expor o ato ou factos, fonte do pedido, em termos de tal modo confusos, ambíguos ou inteligíveis, que não seja possível apreender com segurança a causa de pedir. Num e noutro caso a petição é inepta, porque não pode saber-se qual a causa de pedir” (5). Na primeira situação, a petição é inepta por falta de causa de pedir e, na segunda, por inteligibilidade da causa de pedir.
Quando, na petição inicial, o autor não alega os factos essenciais nucleares, ou seja, os factos que integram o núcleo primordial da norma ou normas que elegeu e de que faz derivar o direito em que sustenta o pedido, e que, portanto, desempenham uma função individualizadora da causa de pedir, ou quando alegue esses factos essenciais de tal forma deficiente que não permite identificar o tipo legal que o mesmo escolheu como causa de pedir e de onde faz derivar o direito que suporta o pedido, ocorre ineptidão da petição inicial, por falta ou por ininteligibilidade da causa de pedir, respectivamente (6).
Deste modo, resulta do que se vem dizendo que, em sede de petição inicial, o autor não só tem o ónus de formular o pedido, como terá de o formular em termos claros e compreensíveis para qualquer observador externo médio que se visse confrontado com esse articulado, de modo a poder ser compreendido pelo réu e pelo juiz, como tem ainda o ónus de, em sede de causa de pedir, alegar o substrato fático essencial, atinente ao tipo legal de que quer prevalecer-se na ação e de onde faz derivar o direito que suporta o pedido que formula.
A alegação de tais factos tem de ser clara, de forma que os mesmos possam ser apreendidos por qualquer terceiro externo médio que se visse confrontado com a petição inicial, de modo a permitir individualizar a norma ou normas de que o autor pretende prevalecer-se na ação intentada e de onde faz derivar o direito em que assenta o pedido.
Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, a petição inicial é inepta (al. a), do n.º 2 do art. 186º do CPC).
A ineptidão da petição inicial constitui um vício de tal modo grave que, acarreta a nulidade de todo o processo (n.º 1 do art. 186º do CPC), originando a exceção dilatória prevista no art. 577 º, al. b) do CPC, obstando a que o tribunal possa conhecer do mérito da causa, dando lugar à absolvição do réu da instância (n.º 2 do art. 576º).
Assim, sempre que o processo esteja sujeito, por determinação legal, a despacho de citação liminar, ou não o estando, ao aperceber-se do vício que afeta aquele articulado, o juiz determine que a petição inicial lhe seja apresentada a despacho, atentas as razões de celeridade e de economia processual que informam as consequências legais previstas para a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial - a imediata absolvição do réu da instância, porquanto, uma petição inicial como semelhante vício é imprestável para dirimir qualquer conflito que exista entre as partes, devendo, pois, matar-se o mal pela raiz, absolvendo o réu da instância, para que o autor instaure nova ação nos termos processualmente exigíveis -, aquele deverá indeferir liminarmente a petição inicial (art. 590º, n.º 1 do CPC).
No entanto, impõe-se distinguir as situações em que o teor da petição inicial é de tal modo deficitário que se reconduz à falta ou ininteligibilidade do pedido e/ou da causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial, com o indeferimento liminar desta (quando a petição seja apresentada, por determinação legal ou do juiz, a despacho liminar), ou a absolvição do réu da instância (quando o vício da ineptidão seja detetado numa fase posterior, sem que se olvide que o vício em causa, com a consequente absolvição do réu da instância, tem de ser conhecido e declarado pelo juiz, o mais tardar, no despacho saneador, se antes não o houver apreciado; se não houver despacho saneador, até à sentença final – n.º 2 do art. 200º do CPC), dos casos em que, estando embora presentes esses elementos objetivos da instância, há insuficiências ou imprecisões na formulação do pedido ou na exposição ou concretização dos factos essenciais constitutivos da causa de pedir.
Com efeito, conforme já advertia Alberto dos Reis, importa não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente.
“Se o autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, serviu-se da linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretendia obter, a petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta” (7).
Por outro lado, “quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a ação naufraga” (8).
Na verdade, quando a petição inicial padeça de insuficiências ou imprecisões na formulação do pedido, mas apesar desses vícios é possível conhecer suficientemente qual a pretensão de tutela judiciária (pedido) que o autor pretende que o tribunal lhe reconheça, ou quando esse articulado padeça de insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização dos factos essenciais constitutivos da causa de pedir, mas está assegurada a individualização da norma ou normas de que o autor faz derivar o direito em que ancora o pedido, estando, portanto, assegurada a individualização da causa de pedir, não ocorre o vício da ineptidão da petição inicial por falta ou ininteligibilidade do pedido e/ou da causa de pedir, não existindo fundamento legal para se indeferir liminarmente a petição inicial ou para se absolver o réu da instância com fundamento na procedência dessa exceção dilatória, mas terá a ação de prosseguir, impendendo então sobre o juiz, ao abrigo dos princípios de gestão processual e de cooperação, o dever legal de, em sede de pré-saneador, convidar o autor a suprir esses vícios (art. 590º, n.ºs 2 a 4 do CPC) (9).
As considerações que se acabam de enunciar, que vigoram para a ação declarativa cível, mostram-se integralmente aplicáveis ao processo especial de insolvência.
Com efeito, tal qual em qualquer petição inicial (cujo Código, de resto, é aplicável subsidiariamente ao CIRE, por força do art. 17º), a apresentação à insolvência ou o pedido de declaração desta faz-se por meio de petição escrita, na qual são expostos os factos que integram os pressupostos da declaração requerida e se conclui pela formulação do correspondente pedido (n.º 1 do art. 23º do CIRE, a que se referem todas as disposições legais infra indicadas sem menção em contrário).
Destarte, tal como acontece em relação a qualquer processo civil, também, no âmbito do processo especial de insolvência, a petição inicial é apresentada, por escrito, no tribunal, em que o autor terá de formular, de forma clara e inteligível, de modo a poder ser compreendida pelo réu e pelo juiz, a pretensão de tutela judiciária (pedido) que pretende que lhe seja reconhecida pelo tribunal, pretensão essa que, no caso deste processo especial, se cinge à declaração da insolvência do próprio requerente (quando seja este a apresentar-se à insolvência) ou do requerido, e em que o autor terá de expor, de modo suficiente e esclarecedor, os factos essenciais que constituem a causa de pedir.
Quanto à causa de pedir, impõe-se precisar que esta varia conforme o processo de insolvência seja impulsionado pelo próprio devedor (que se apresente à insolvência) ou seja requerida por um credor daquele, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou por quem for legalmente responsável pela satisfação das dívidas do devedor, ou pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhes estão legalmente confiados (art. 20º, n.º 1).
Quanto aos credores e aos outros legitimados que, nos termos do disposto no art. 20º, n.º 1, podem requerer a insolvência do devedor, estes, nos termos do art. 25º, encontram-se obrigados a justificar, na petição inicial, a origem, a natureza e montante do seu crédito, ou a sua responsabilidade pelos créditos sobre a insolvência, consoante o caso, e a oferecer com ela os elementos que possuam relativamente ao ativo e passivo do devedor (n.º1), devendo ainda oferecer todos os meios de prova de que disponham, ficando obrigados a apresentar as testemunhas arroladas, cujo número não pode exceder os limites previstos no art. 786º do CPC (n.º 2).
Precise-se, porém, que nos casos em que a insolvência é requerida por um credor (como é o caso sobre que versam os presentes autos) ou por um dos restantes legitimados pelo no n.º 1 do art. 20º para instaurarem a ação de insolvência, apesar do requerente, na petição inicial, ter de alegar a facticidade essencial relativa à origem, natureza e montante do seu crédito, ou da sua responsabilidade pelos créditos sobre a insolvência, de acordo com a posição de Catarina Serra, que se subscreve, tais factos não integram a causa de pedir em que o requerente ancora a sua pretensão em ver o requerido declarado insolvente, isto é, essa facticidade não consubstancia o quadro legal atinente ao tipo legal de que o requerente pretende prevalecer-se e de que faz derivar o direito em ver declarado o demandado insolvente, não consubstanciando, portanto, a causa de pedir que o requerente da insolvência elege e de que faz derivar o seu direito em ver o requerido declarado insolvente.
Na verdade, ao impor ao credor e aos restantes legitimados para requererem a insolvência, o ónus de, na petição inicial, terem de justificar o seu crédito quanto à origem, natureza e montante, o n.º 1 do art. 20º, limita-se apenas a fixar os concretos requisitos de que depende a legitimidade processual ativa desses sujeitos, isto é, para que lhes seja reconhecido o direito de ação contra o requerido (10).
A causa de pedir em que se funda a pretensão desses credores ou dos restantes legitimados previstos no citado art. 20º funda-se antes no quadro factual atinente ao tipo legal de que os mesmos pretendem prevalecer-se na ação instaurada e de que fazem derivar o direito em verem declarada a insolvência do devedor (requerido).
Essa causa de pedir será necessariamente consubstanciada pelos factos essenciais que integram a previsão da norma contida no art. 3º, n.º 1 (na qual consta a noção base de insolvência) ou pelos factos essenciais que integram um dos factos índices de insolvência previstos numa das diversas alíneas no n.º 1 do art. 20º.
Com efeito, a noção-base de insolvência consta do art. 3º, n.º 1 do CIRE, onde se lê que “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”, e é ampliada pelo n.º 2 do mesmo preceito quanto às pessoas coletivas e aos patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma direta ou indireta, ao nele estatuir-se que “também são considerados insolventes” as pessoas coletivas e os patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma direta ou indireta, “quando o seu passivo seja manifestamente superior ao ativo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis”.
Deste modo, pondo de parte a referida ampliação do conceito de insolvência operada pelo n.º 2 do art. 3º do CIRE, uma vez que sobre essa hipótese não versam os presentes autos, porquanto neles está em causa a declaração da insolvência de uma pessoa singular, dir-se-á que a situação de insolvência do requerido está dependente da alegação e prova pelo apelante (requerente da insolvência) da verificação de dois requisitos legais cumulativos: a) o requerido tem “obrigações vencidas”, e b) encontra-se numa situação de impossibilidade de cumprir (a generalidade) das suas obrigações vencidas.
Apesar de a lei falar em “obrigações vencidas”, para que se verifique o primeiro requisito necessário ao preenchimento da noção base de insolvência, não é necessário que exista da parte do requerido uma pluralidade de obrigações vencidas, uma vez que, a única exigência legal para que se verifique a sua insolvência, é que tenha uma ou mais obrigações vencidas e, bem assim, que se encontre impossibilitado de cumprir com a generalidade das suas obrigações vencidas (11), isto é, que esteja impossibilitado de cumprir com a quase totalidade ou a grande maioria das suas obrigações vencidas.
Neste sentido, pronunciam-se Carvalho Fernandes e João Labareda, ao ponderarem que “o que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações, que pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. Com efeito, pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, por si só, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para fundar saúde financeira bastante” (12).
Acresce precisar “obrigações vencidas” não se confunde com “obrigações exigíveis”, na medida em que podem existir obrigações exigíveis, mas não vencidas.
A “exigibilidade” é a situação em que o credor pode exigir o cumprimento, enquanto o “vencimento” é a situação em que o devedor está constituído na obrigação de cumprir.
Embora em regra, a “exigibilidade” e o “vencimento” das obrigações coincidam no tempo, pode uma obrigação ser exigível, mas ainda não se encontrar vencida, isto é, o devedor ainda não se encontrar constituído na obrigação de cumprir com a obrigação perante o credor, por o vencimento desta estar dependente da interpelação do credor ao devedor para que cumpra.
Para efeitos de declaração da insolvência é, portanto, irrelevante que o demandado tenha uma ou mais obrigações exigíveis, mas o que releva é que tenha uma ou mais obrigações que se encontrem vencidas, isto é, em relação às quais se encontre na obrigação de cumprir, mas em relação às quais entrou em incumprimento.
Acresce precisar que obrigação(ões) vencida(s) não equivale a obrigação(ões) definitivamente incumprida(s) pelo devedor, ou seja, não se exige o incumprimento definitivo da obrigação(ões), podendo ser decretada a insolvência do devedor que se encontre em simples mora em relação a uma ou mais obrigações vencidas.
Quanto ao requisito da “impossibilidade do devedor de cumprir as suas obrigações vencidas”, essa “impossibilidade de cumprimento”, conforme já antedito, e é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, refere-se à impossibilidade daquele de cumprir com a generalidade das suas obrigações vencidas, ou seja, da quase totalidade ou grande maioria das suas obrigações vencidas e em mora, requisito esse que, como referido, não está dependente do número, nem do valor pecuniário das obrigações vencidas e em relação às quais o demandado está em mora.
Acresce precisar que o conceito de “impossibilidade de cumprir a generalidade das obrigações vencidas” também não se confunde com a “situação patrimonial líquida negativa” do devedor/demandado (superioridade do passivo patrimonial em relação ao ativo), uma vez que o requerido poderá encontrar-se em situação de insolvência apesar de ter uma situação patrimonial líquida positiva, assim como o inverso também é verdadeiro. É que o devedor poderá encontrar-se impossibilitado de cumprir com a maior parte das suas obrigações vencidas, apesar de deter um património sólido, que exceda em muito o seu passivo, como acontecerá quando não disponha de liquidez que lhe permita cumprir com a grande maioria dos seus compromissos à medida em que estes se forem vencendo; assim como poderá acontecer que um devedor, com uma situação patrimonial negativa, possa dispor de liquidez suficiente para satisfazer os seus compromissos à medida que estes se forem vencendo.
A situação patrimonial negativa do devedor não releva, assim, para efeitos de noção base de insolvência, sem prejuízo dessa situação patrimonial negativa, conforme antes já enunciado, já relevar em sede de ampliação do conceito de insolvência operado pelo no n.º 2 do art. 3º do CIRE, quanto “às pessoas coletivas e aos patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda, pessoal e ilimitadamente, por forma direta ou indireta”.
Dir-se-á assim, que a noção base de insolvência afirmar-se-á quando o devedor, seja uma pessoa singular, coletiva ou património autónomo e se “encontre impossibilitado de cumprir com as suas obrigações vencidas”, isto é, quando tenha uma ou mais obrigações vencidas e se encontre impossibilitado de cumprir com a generalidade (grande maioria ou quase totalidade) das suas obrigações vencidas ou, especificamente e somente quanto às pessoas coletivas e aos patrimónios autónomos, por cujas dívidas nenhuma pessoa singular, por forma direta ou indireta, responda pessoal e ilimitadamente, quando, nesses casos, a situação patrimonial dessas pessoas coletivas e patrimónios autónomos seja negativa.
Deste modo, em sede de causa de pedir, o credor ou os restantes sujeitos a quem o n.º 1 do art. 20º reconhece legitimidade ativa para instaurar a ação de insolvência, para além de terem de alegar, na petição inicial, os factos essenciais quanto à origem, natureza e ao montante do crédito perante o requerido, ou da sua responsabilidade pelos créditos sobre a insolvência (requisitos esses que, relembra-se, segundo a posição doutrinária e jurisprudencial que se adota, não integram a causa de pedir que sustenta o pedido de insolvência do requerido, mas que antes são meros requisitos de legitimidade do requerente para instaurar a ação de insolvência contra o requerido), nos casos em que elejam art. 3º, n.º 1 do CIRE como norma de que fazem derivar o direito a que se arrogam titulares em verem o requerido declarado insolvente, terão de alegar, na petição inicial, de forma suficiente e clara, os factos essenciais integrativos dos seguintes requisitos legais cumulativos: a) o requerido tem uma ou mais obrigações vencidas e b) encontra-se impossibilidade de cumprir com a generalidade (a grande maioria ou a quase totalidade) das suas obrigações vencidas (arts. 3º, n.º 1, 23º, n.º 1, 25º e 27º, n.º 1, al. a) do CIRE, 5º, n.º 1, 552º, n.º 1, al. d) do CPC, e 342º, n.º 1 do CC).
Conforme é bom de ver, impendendo sobre o requerente o ónus de alegar, na petição inicial (e de, posteriormente provar), a facticidade essencial integrativa daqueles dois requisitos legais de cuja verificação a lei faz depender a declaração de insolvência do requerido por apelo ao conceito base de insolvência do n.º 1 do art. 3º, o mesmo deparar-se-á com sérias dificuldades, se não com dificuldades insuperáveis em cumprir com esses ónus alegatório, principalmente, no que respeita ao segundo requisito, o qual exige que o requerente da insolvência tenha de alegar, na petição inicial, a facticidade essencial relativa à fonte, montante e data de vencimento das obrigações do requerido que se venceram e em relação às quais este se encontra constituído em mora, e depois, por referência ao período temporal em que se venceram essas obrigações, os factos essenciais relativos à fonte, montante e data de vencimento de todas as obrigações do requerido que se venceram nesse período temporal, de modo a demonstrar que este se encontra impossibilitado de cumprir com a generalidade dessas suas obrigações vencidas, informação essa que, por via de regra, apenas é detida pelo próprio requerido.
Ciente dessas dificuldades alegatórias e probatórias, o legislador estabeleceu nas diversas alíneas do n.º 1 do art. 20º do CIRE, uma série de factos-índice ou índices de insolvência que legitimam o demandante a apresentar o requerimento da declaração de insolvência contra o demandado e que, uma vez alegados (e provados) os factos base dessas presunções, permitem concluir presuntivamente que o demandado se encontra numa situação de insolvência, tal como definida no n.º 1 do art. 3º.
Trata-se de factos-índice de insolvência que têm natureza taxativa e não cumulativa, o que significa que os únicos factos-índice ou presuntivos de insolvência reconhecido por lei são exclusivamente os que se encontram expressamente elencados nas diversas alíneas em que se desdobra o n.º 1 do art. 20º, e basta ao requerente da insolvência alegar e provar a facticidade integrativa de um desses factos-índice (base da presunção) para se presumir o estado de insolvência do demandado (13).
A existência desses factos índice tem a vantagem para o requerente da insolvência (demandante) de o desonerar do ónus de alegar e provar os pressupostos da situação de insolvência em relação ao requerido que se encontram elencados no art. 3º, n.º 1 do CIRE, e assim se furtar às já enunciadas dificuldades alegatórias e probatórias dos requisitos da noção base de insolvência, bastando-lhe, nos termos dos arts. 349º e 350º do CC, alegar (e provar) os factos base da presunção legal, isto é, os factos integrativos de um dos factos-índice enunciados numa das diversas alíneas do n.º 1 do art. 20º para, em face da prova desses factos base da presunção, se concluir presuntivamente que o requerido se encontra em situação de insolvência.
Essa situação presuntiva de insolvência é ilidível mediante prova em contrário, isto é, com a alegação e prova pelo requerido de factos e/ou circunstâncias demonstrativas em como não se encontra em situação de insolvência (art. 350º, n.º 2 do CC).
Neste sentido escrevem Carvalho Fernandes e João Labareda que o estabelecimento de factos índice de insolvência “tem por principal objetivo permitir aos legitimados o desencadeamento do processo, fundados na ocorrência de alguns deles, sem haver necessidade, a partir daí, de fazer a demonstração efetiva da situação de penúria traduzida na insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, nos termos em que ela é assumida como característica nuclear da situação de insolvência (vd. art. 3º, n.º 1). Caberá então ao devedor, se nisso estiver interessado e, naturalmente, o puder fazer, trazer ao processo factos e circunstâncias probatórias de que não está insolvente, pese embora a ocorrência do facto que corporiza a causa de pedir. Por outras palavras, cabe-lhe ilidir a presunção emergente do facto-índice” (14).
Na mesma linha, lê-se no acórdão da Relação de Coimbra de 20/11/2007 que, “no caso dos factos-índice do art. 20º, n.º 1 do CIRE, trata-se de indicar ocorrências prototípicas de uma situação de insolvência, ou seja de indicar situações através das quais, normalmente, se manifesta essa situação, por corresponderem elas, tendencialmente pelo menos, a uma impossibilidade do devedor de cumprir as suas obrigações vencidas, ou seja, por corresponderem ao conceito base (…) contido no art. 3º, n.º 1 do CIRE. Significa isto – e isto constitui a essência da técnica dos exemplos-padrão” -, por um lado, que “…a impossibilidade de (o devedor) cumprir as suas obrigações vencidas”, pode ocorrer totalmente fora das facti species elencadas no n.º 1 do art. 20º do CIRE, tal como pode ocorrer, por outro lado, que a verificação de qualquer destas facti species não corresponda em concreto à impossibilidade mencionada no n.º 1 daquele art. 3º, rectius que não corresponda a uma situação de insolvência” (15).
Resulta do que se vem dizendo que, na petição inicial, a apelante, enquanto credora do requerido/demandado, para além de ter de alegar os factos essenciais consubstanciadoras da origem, natureza e montante do seu crédito (facticidade de cuja alegação e posterior prova está dependente a sua legitimidade ativa para instaurar o presente processo de insolvência contra o requerido) está obrigada, em sede de causa de pedir, a alegar, de forma suficiente e clara, a facticidade essencial integrativa da noção base de insolvência contida no art. 3º, n.º 1, isto é, a facticidade nuclear quanto à fonte, montante e data de vencimento de uma ou mais obrigações vencidas e em relação às quais este entrou em mora (1º requisito – o requerido tem uma ou mais obrigações vencidas) e, depois, por referência ao período temporal em que se venceram essas obrigações, terá de alegar os factos essenciais relativos à fonte, montante e data de vencimento de todas as obrigações do requerido que se venceram nesse período temporal, de modo a demonstrar que este se encontra impossibilitado de cumprir com a generalidade dessas suas obrigações vencidas (2º requisito – o requerido encontra-se impossibilidade de cumprir com a generalidade, isto é, a grande maioria ou a quase totalidade das suas obrigações vencidas), incorrendo nas dificuldades alegatórias que acima se apontaram, ou com vista a furtar-se a essas dificuldades alegatórias e probatórias, bastar-lhe -á alegar (e, posteriormente, provar) os factos essenciais integrativos de um (ou de vários) dos factos índice de insolvência previstos nas diversas alíneas do n.º 1 do art. 20º.
Neste sentido compreende-se que Luís M. Martins, pondere que, nas ações de insolvência, “a causa de pedir concretiza-se nos factos dos quais decorra a conclusão final de que o devedor se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas. Conclusão que tem que advir dos factos previstos na lei e vertidos no art. 20º, n.º 1 e que constituem os fundamentos materiais do pressuposto objetivo da insolvência previstos no art. 3º, n.º 1. Neste sentido, Isabel Alexandre “a causa de pedir do processo de insolvência (…) consiste no facto do qual decorre a impossibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações vencidas (…), só poderá advir ser indiciado certo facto”, sendo eles, obviamente, os elencados no n.º 1 do art. 20º” (16).
E se compreenda que, no acórdão da Relação de Coimbra de 24/10/2017, se leia que “não é inepta a petição inicial de insolvência que descreve os factos em que assenta o pedido de insolvência e refere as alíneas do n.º 1 do art. 20º do CIRE em que fundamenta o pedido”.
Estando o processo de insolvência sujeito a despacho de citação prévio, a 1ª Instância, valendo-se do disposto na al. a) do n.º 1 do art. 27º do CIRE (norma que manda indeferir liminarmente o pedido de declaração de insolvência quando seja manifestamente improcedente, ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis de que deva conhecer oficiosamente, e que corresponde ao art. 590º, n.º 1 do CPC), indeferiu liminarmente o requerimento inicial com fundamento na procedência da exceção dilatória da ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir, argumentando que “lida a petição inicial, torna-se visível que a requerente da insolvência não carreou para os autos os elementos de facto suficientes para preencher a causa de pedir e comprovar indiciariamente a existência de uma situação de insolvência” e, bem assim que, “para além do crédito da requerente, nenhum outro facto foi trazido aos autos com vista a concretizar a situação de insolvência do devedor, que pudessem indiciar estar o requerido impedido de cumprir pontualmente a generalidade das obrigações vencidas. Por outro lado, o simples facto de o requerido não ter pago o crédito da requerente jamais pode indiciar ou fazer supor (sem quaisquer outros elementos factuais) a situação de insolvência e inviabilidade económica da requerida”, entendimento esse com o qual não se conforma a apelante e, antecipe-se desde já, salvo o devido respeito por opinião contrária, a nosso ver, com inteira razão.
Subscreve-se a posição da 1ª Instância quando propugna que, contrariamente ao entendimento da apelante, a facticidade que por ela vem alegada na petição inicial é insuficiente para que se possa concluir pelo preenchimento dos factos base do facto índice de insolvência previsto na al. a) do n.º 1 do art. 20º, nos termos da qual se presume em situação de insolvência o requerido que incorra numa situação de “suspensão generalizada do pagamento das suas obrigações vencidas”.
Com efeito, este concreto face índice tem como pressuposto que ocorra uma paragem ou paralisia do apelante no pagamento pontual da quase totalidade ou da grande maioria das suas obrigações vencidas (17), na medida em que para efeitos desta norma “não é qualquer suspensão que releva – não releva, em princípio, uma suspensão que seja temporária e limitada, mas apenas a que seja tendencialmente duradoura e alargada à maior parte das obrigações do devedor, pois não deve haver dúvidas que a causa desta suspensão é a insolvência instalada do devedor” (18).
Logo, a insolvência do requerido com fundamento no facto índice da referida al. a), exigia que a apelante tivesse alegado, na petição inicial, a origem, montante e data de vencimento de todas as obrigações vencidas do requerido e dentro destas, quais aquelas cujo pagamento este suspendeu, posto que, apenas assim, seria possível concluir pela verificação (ou não) desse facto índice, traduzido na circunstância do requerido ter suspendido, parado ou paralisado o pagamento da generalidade, isto é, da grande maioria ou da quase totalidade das suas obrigações vencidas, para o que é, de todo, insuficiente a facticidade que se encontra alegada na petição inicial.
Termos em que improcede este fundamento de recurso da apelante, que insiste que a facticidade que alegou, no requerimento inicial, é suficiente para caraterizar o facto índice de insolvência da alínea a), do n.º 1 do art. 20º.
Não assim, salvo o devido respeito por entendimento contrário, quanto aos factos índices de insolvência previstos nas alíneas b) e e), do n.º 1 daquele art. 20º.
Na al. e) estabelece-se que se presume em estado de insolvência o requerido em relação a quem se verifique uma situação de “insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificado em processo executivo movido contra o devedor”.

No caso dos autos, na petição inicial, a apelante alegou que, por contrato de empréstimo de 15/06/2010, a pedido da “K – Produtos Siderúrgicos, S.A.”, o W concedeu a essa sociedade um financiamento, no montante de € 115.000,00, pelo prazo de seis anos, a contar da data da outorga do contrato, destinado a apoio a tesouraria; que em caução e garantia do pontual pagamento da quantia mutuada, respetivos juros e demais encargos resultantes do contrato celebrado, a dita sociedade entregou ao W uma livrança em branco, por si subscrita e avalizada pelo Requerido, ficando o W autorizado a preenchê-la pelo valor que lhe fosse devido, a fixar-lhe as datas de emissão e de vencimento, bem como a designar o local de pagamento; que aquela sociedade incumpriu o referido contrato, pelo que, o W procedeu ao preenchimento da referida livrança, no montante de € 104.022,82, e com data de vencimento em 03.10.2012; que apresentada a pagamento na data do seu vencimento, a dita livrança não foi paga nessa data, nem posteriormente; que em face desse não pagamento, foi proposta a ação executiva que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Central Cível – Juiz 2, sob o processo n.º 908/13.3TBVCT; que essa execução foi extinta por ausência de bens penhoráveis, apesar de permanecer em dívida a quantia de 17.592,57 euros de capital, a que acrescem juros de mora, à taxa de 8,981% ao ano, desde a data do incumprimento, 13.10.2015 até 12.11.2021, os quais ascendem a 9.746,86 euros, bem como a quantia de 389,87 euros, a título de outras despesas, sem prejuízo dos juros de mora vincendos e imposto de selo.
É pacífico na doutrina e na jurisprudência que embora o aval se reconduza a uma mera relação de garantia que está na base do art. 32º da LULL – “o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada” – e, portanto, a obrigação do avalista ser subsidiária de outra obrigação cambiária, ou da obrigação de outro signatário cambiário, em que o avalista é considerado responsável talqualmente a pessoa por ele afiançada, o aval não é uma fiança, já que a obrigação do avalista não obedece ao princípio da excussão prévia, mas este assume uma obrigação solidária com os demais obrigados cambiários perante o portador do título cambiário (art. 47º da LULL) e, além disso, a sua obrigação mantém-se mesmo no caso de a obrigação garantida ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma (art. 32º, parág. 2º da LULL).
O aval representa, assim, uma obrigação cartular que tem por finalidade garantir ou caucionar obrigação idêntica e preexistente do signatário da letra de câmbio e da livrança, em que a obrigação cambiária do avalista tem duas caraterísticas: é autónoma, subsistindo mesmo no caso de a obrigação do avalizado ser nula por qualquer razão que não um vício de forma, e é solidária, respondendo o avalista a par dos demais obrigados cambiários pelo pagamento integral do título, podendo ser chamado a pagar sozinho ou conjuntamente com os demais obrigados cambiários (subscritor da livrança, endossantes ou demais avalistas) toda a quantia titulada pelo título cambiário, e independentemente de excussão prévia dos bens da pessoa por quem se vinculou (o avalizado) (19).
Dito por outras palavras, o aval é um ato cambiário que origina uma obrigação autónoma, independente e pessoal, cujos limites são aferidos pelo próprio título, mediante o qual o avalista assume, ele próprio, a responsabilidade abstrata e objetiva pelo pagamento da letra, da livrança ou do cheque (20), e daí que se compreenda que o avalista surja como obrigado direto e primário (por força da solidariedade) da obrigação cambiária incorporada no título face ao portador deste e, em que, por conseguinte, a garantia por ele prestada é uma garantia de natureza primária (21).
Destarte, o requerido, na qualidade de avalista, é pessoal e autonomamente responsável pelo pagamento da quantia titulada pela livrança supra identificada.
A apelante alegou, na petição inicial, que a referida livrança não foi paga pela subscritora, sequer pelo requerido, na data do seu vencimento, nem posteriormente e que, nessa sequência, instaurou execução contra aqueles (execução n.º 908/13.3TBCT), e que essa execução foi declarada extinta por ausência de bens penhoráveis, apesar de permanecer em dívida a quantia de 17.592,57 euros, a que acrescem juros de mora, à taxa de 8,981% ao ano, desde a data do incumprimento, 13.10.2015 até 12.11.2021, os quais ascendem a 9.746,86 euros, bem como a quantia de 389,87 euros, a título de outras despesas, sem prejuízo dos juros de mora vincendos e imposto de selo, pelo que é indiscutível que ocorre o facto índice de insolvência a que alude a al. e), do n.º 1 do art. 20º, porquanto, segundo a alegação vertida pela apelante, na petição inicial, verifica-se em relação ao requerido um situação de insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito exequendo no âmbito da execução n.º 908/13.3TBCTV, movida contra o requerido, verificada no âmbito dessa execução.
Na al. b), do n.º 1 do art. 20º, presume-se em situação de insuficiência o requerido que incorra numa situação de “falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”.
Para que a apelante cumpra com o ónus alegatório em relação a este concreto facto índice de insolvência do requerido, é necessário que aquela, na petição inicial, alegue os factos essenciais relativos à origem, montante e data de vencimento do crédito que detém sobre o requerido e que este incumpriu e, bem assim, factos e/ou circunstâncias que evidenciem que, face ao montante da(s) obrigação(ões) incumprida(s) e/ou às concretas circunstâncias em que incorreu o incumprimento, torna razoável deduzir que o requerido se encontra numa situação de penúria generalizada, que o impede de cumprir com a generalidade das suas obrigações vencidas (22).

No caso dos autos, conforme já antedito, a apelante alegou, em sede de requerimento inicial, que, por contrato de empréstimo de 15/06/2010, a pedido da “K – Produtos Siderúrgicos, S.A.”, o W concedeu a essa sociedade um financiamento, no montante de € 115.000,00, pelo prazo de seis anos, a contar da data da outorga do contrato, destinado a apoio a tesouraria; que em caução e garantia do pontual pagamento da quantia mutuada, respetivos juros e demais encargos resultantes do contrato celebrado, a dita sociedade entregou ao W uma livrança em branco, por si subscrita e avalizada pelo Requerido, ficando o W autorizado a preenchê-la pelo valor que lhe fosse devido, a fixar-lhe as datas de emissão e de vencimento, bem como a designar o local de pagamento; que aquela sociedade incumpriu o referido contrato, pelo que, o W procedeu ao preenchimento da livrança, no montante de € 104.022,82, e com data de vencimento em 03.10.2012; que apresentada a pagamento na data do seu vencimento, a livrança não foi paga, nessa data, nem posteriormente; que em face desse não pagamento, foi proposta a ação executiva que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Central Cível – Juiz 2, sob o processo n.º 908/13.3TBVCT; que essa execução foi extinta por ausência de bens penhoráveis, apesar de permanecer em dívida a quantia de 17.592,57 euros, a que acrescem juros de mora, à taxa de 8,981% ao ano, desde a data do incumprimento, 13.10.2015 até 12.11.2021, os quais ascendem a 9.746,86 euros, bem como a quantia de 389,87 euros, a título de outras despesas, sem prejuízo dos juros de mora vincendos e imposto de selo.
O requerido avalizou a mencionada livrança subscrita pela “k”, titulando a quantia de 104.022,82 euros e com data de vencimento em 03/10/2012, assumindo, portanto, uma obrigação pessoal e autónoma de pagar à requerente (portadora legítima dessa livrança) a quantia por esta titulada em 03/10/2012.
Acontece que, de acordo com a alegação da apelante, apresentada a pagamento, na data do respetivo vencimento, a livrança não foi então paga, nem posteriormente, o que significa que, em função dessa alegação, o requerido incumpriu essa sua obrigação de pagamento da quantia titulada pelo identificado título cambiário.
À data da instauração da presente ação de insolvência, em 02/12/2021, o requerido permanecia nessa situação de incumprimento há mais de nove anos.
Acresce que, de acordo com a alegação da apelante, esta instaurou execução, que correu termos sob o nº 908/13.3TBCT, que veio a ser julgada extinta, apesar de permanecer em dívida a quantia de 17.592,57 euros, a que acrescem juros de mora à taxa de 8,981% ao ano, desde a data do incumprimento, 13.10.2015 até 12.11.2021, os quais ascendem a 9.746,86 euros, bem como a quantia de 389,87 euros, a título de outras despesas, sem prejuízo dos juros de mora vincendos e imposto de selo, o que não deixa de ser uma quantia de montante bastante significativo.
Acresce ainda que, a apelante alegou que correm termos contra o requerido o processo executivo n.º 662/14.1TBVCT, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Local Cível – Juiz 3, em que a quantia exequenda ascende a € 28.589,89, e o processo executivo n.º 3912/17.9T8VCT, do mesmo Juiz, Juízo e Comarca, em que a quantia exequenda ascende a € 14.494,74, que são igualmente quantias bastantes avultadas.
Ora, se a execução movida pela apelante contra o requerido foi julgada extinta por ausência de bens penhoráveis, não se antolha como razoável aceitar-se que, à luz das regras da experiência comum, estas duas execuções venham a ter melhor sorte.
Ademais, a apelante alegou que, tanto quanto sabe, o requerido não tem quaisquer rendimentos ou proveitos que lhe permitam pagar as quantias acima referidas, não merece qualquer tipo de crédito bancário ou de outra natureza e não dispõe de património suficiente para pagamento das elevadas quantias de que é devedor.
Dir-se-á que, perante esta concreta alegação, a mesma é mais do que suficiente para que, uma vez provada, se considerar estar preenchido o facto índice de insolvência previsto na al. b) do n.º 1 do art. 20º do CIRE.
E tendo a apelante alegado, na petição inicial, matéria fáctica suficiente e clara que justifica a origem, a natureza e o montante do crédito que detém sobre o requerido, justificando, portanto, deter legitimidade ativa para instaurar a presente ação requerendo que este seja declarado insolvente e, em sede de causa de pedir, facticidade suficiente e clara que, uma vez demonstrada, preenche os factos índice de insolvência previstos nas als. b) e e), do n.º 1 do art. 20º, é indiscutível que a petição inicial não padece do vício da ineptidão, por falta de alegação de causa de pedir, pelo que não podia a 1ª Instância ter indeferido liminarmente o requerimento inicial, com fundamento em ineptidão, por falta de causa de pedir.
Aqui chegados, resulta do que se vem dizendo, impor-se revogar a decisão recorrida, que indeferiu liminarmente o requerimento inicial, e ordenar o prosseguimento dos presentes autos de insolvência.
Resulta do exposto, impor-se concluir pela procedência da presente apelação.
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Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação procedente e, em consequência:
- revogam a decisão recorrida, que indeferiu liminarmente o requerimento inicial, com fundamento em ineptidão desse requerimento, por falta de alegação de causa de pedir, e ordenam o prosseguimento dos autos.
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Custas da apelação pela apelante, atenta a circunstância do apelado não ter contra-alegado e de, portanto, não ter ficado vencido, e de ser a apelante quem retira proveito do presente recurso, ao ver este provido (cfr. art. 527º, n.º 1 do CPC e Ac. STJ. de 29/04/2014, Proc. 919/12.6TBRD, em que se lê que “as custas da insolvência que devam ficar a seu cargo são apenas aqueles em que a massa insolvente decaia e na medida de tal decaimento”).
Notifique.
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Guimarães, 03 de março de 2022
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relator - José Alberto Moreira Dias;
1.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes;
2.ª Adjunta - Rosália Cunha.



1. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 80 e 81.
2. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pites de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, págs. 231 e 232. Ac. STJ. de 09/05/1995, CJ. t. II, pág. 68, em que se lê que, pedido ininteligível é aquele que se apresente “confuso, incompreensível, indecifrável, obscuro”. Na mesma linha, Ac. STJ. de 15/01/2003, AD, 502º, pág. 1537, em que se escreve que “a ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir consiste na sua indicação em termos verdadeiramente obscenos ou ambíguos, por forma a não se saber, concreta e precisamente, o que o autor pede e com base em que é que o pede. É pelo conteúdo da petição inicial que se afere da sua ineptidão quanto ao pedido e à causa de pedir (falta ou ininteligibilidade) e não pelo entendimento que o réu faz dessa viabilidade, nomeadamente do entendimento da validade jurídica que, na contestação, atribui ao pedido do autor e aos factos em que este o funda, por constituir defesa por impugnação e levar, se aceite, à improcedência do pedido”.
3. Paulo Pimenta, “Processo Declarativo”, 2014, Almedina, págs. 136 e 137.
4. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pites de Sousa, ob. cit., pág. 629; Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, ob. cit., págs. 72 e 73.
5. Alberto dos Reis, “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. 2º, Coimbra Editora, pág. 371.
6. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pites de Sousa, ob. cit., pág. 630.
7. Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 364.
8. Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 372.
9. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pites de Sousa, ob. cit., pág. 235, nota 18, e págs. 697 a 708. Ac. RL. de 24704/2008, Proc. 2025/2008-2, in base de dados da DGSI, a que se referem todos os arestos infra, sem indicação em contrário, em que se lê: “Fora dos casos de ineptidão, a existência de imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada na petição inicial impõe ao juiz o dever de convidar a parte a suprir tais deficiências aditando factos omitidos, clarificando as dúvidas que se suscitam ou corrigindo o modo de alegação”. Ainda Ac. RL. de 17/11/2009, Proc. 17/11/2009, Proc. 3417/08.9TVLSB.L1: “Padecendo uma petição inicial de vícios que permitem classificá-la de inepta, não pode, face à mesma, ser decretada a absolvição do réu do pedido mas apenas da instância. Quando uma petição inicial, embora imperfeita, é suficientemente explícita para permitir a qualquer declaratário normal colocado na posição de real declaratário (art. 236º do CC) ou de um diligente bom pai – e mãe – de família (art. 487º, n.º 2 do CC), compreender os contornos da relação material controvertida, mesmo que esses contornos não se encontrem claramente definidos, o juiz do processo está vinculado ao dever de convidar a Autora a aperfeiçoar a Autora a aperfeiçoar o seu articulado, nos termos definidos no n.º 3 do art. 508º do CPC”.
10. Catarina Serra, “Lições de Direito da Insolvência”, abril de 2008, pág. 105.
11. Catarina Serra, ob. cit., pág. 57, onde sustenta que, “a única exigência legal para que se verifique a insolvência é que haja uma ou mais obrigações vencidas”, acrescentando, a pág. 58, que para o decretamento da insolvência “não releva nem o número nem o valor pecuniário das obrigações vencidas. (…), tanto está insolvente quem está impossibilitado de cumprir uma ou mais obrigações de montante elevado (o montante em causa é demasiado elevado para que o devedor consiga cumprir) como quem está impossibilitado de cumprir uma ou mais obrigações de pequeno montante ou de montante insignificante (o montante em causa é insignificante e ainda assim ele não consegue cumprir)”. Ac. RP. e 18/06/2013, Proc. 3698/11.0TBGDM-A.G1, in base de dados da DGSI, onde se lê: “A situação de insolvência a que alude o n.º 1 do art. 3º do CIRE depende da verificação da impossibilidade de o devedor cumprir a generalidade das suas obrigações vencidas”.
12. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 3ª ed., Quid Juris, pág. 86. No mesmo sentido Maria do Rosário Epifânio, “Manual de Direito da Insolvência”, 7ª ed., Almedina, pág. 27, onde se lê: A este propósito, a doutrina tem entendido desde logo que a impossibilidade de cumprimento relevante para efeitos de insolvência não tem que dizer respeito a todas as obrigações do devedor. Pode até tratar-se de uma só ou de poucas dívidas, exigindo-se apenas que a(s) dívida(s) pelo seu montante e pelo seu significado no âmbito do passivo do devedor seja(m) reveladora(s) da impossibilidade de cumprimento da generalidade das suas obrigações”.
13. Luís M. Martins, “Processo de Insolvência”, 2016, 4ª ed., Almedina, pág. 156. Ainda Catarina Serra, ob. cit., pág. 120, onde escreve que, os factos índices de insolvência “são indícios ou sintomas da situação de insolvência (factos-índice). É através deles que, normalmente, a situação de insolvência se manifesta ou exterioriza. Por isso, a verificação de qualquer um deles permite presumir a situação de insolvência do devedor e é condição necessária para a iniciativa processual dos responsáveis legais pelas dividas do devedor, dos credores e do Ministério Público”.
14. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 200; RE. de 25/10/2007, CJ, 2007, IV, pág. 259.
15. Ac. RC. de 20/11/2007, Proc. 1124/07.9TCBR-B.C1.
16. Luís M. Martins, “Processo de Insolvência”, 2016, 4ª ed., Almedina, pág. 157. No mesmo sentido Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 222, onde se lê que “quando o requerente é um credor ou o Ministério Público, para além da imprescindível alegação de um ou mais factos-índices enunciados nas sucessivas alíneas do n.º 1 do art. 20º, tem de justificar a origem, natureza e montante do crédito, sob pena de a petição inicial não reunir os requisitos legais para poder sustentar o seguimento da ação, com a consequente citação do devedor, conduzindo então ao indeferimento liminar em consonância com o estatuído no art. 27º”.
17. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 200, nota 11, em que propugnam que “o vocábulo «suspensão» da al. a) é utilizado como sinónimo de paragem ou paralisação”.
18. Catarina Serra, ob. cit., pág. 121. No mesmo sentido Ac. RC. de 08/05/2012, Proc. 716/11.6BVIS.C1, em que se lê que “no facto índice previsto na al. a) do n.º 1 do art. 20º - suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas – o vocábulo «suspensão» é utilizado como sinónimo de paragem ou paralisação, não estando, por isso, em causa uma situação necessariamente transitória a que a ideia de suspender poderia apelar. E a suspensão prevista tem de ser «generalizada», isto é, respeitar à generalidade das obrigações da requerida, dessa generalização decorrendo a incapacidade de pagar. É que a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento revela a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações integra um facto-índice próprio e autónomo, constante da al. b)”.
19. Pinto Furtado, “Títulos de Crédito, Letra, Livrança, Cheque”, Almedina, págs. 153 e 154; Abel Delgado, ob. cit., págs. 194 a 199; Acs. STJ. de 19/06/2019, Proc. 1818/17.0T8CBR-A.C1.S1; RG. de 30/05/2019, Proc. 3830/18.3T8VNF-A.G1; RL de 07/06/2018, Proc. 7643/14.3YYLSB-A.L1-2; RP. de 17/10/2016, Proc. 3238/15.2T8PRT-A.P1.
20. Ac. RP. de 11/03/2011. Proc. 268/20.6T8OVR-A.P1.
21. Nuno Madeira Rodrigues, “Das Letras: Aval e Protesto”, 2ª ed., Almedina, pág. 25.
22. Acs. RL. de 24/05/2011, Proc. 221/10.8TBCDV-A.L1-7; R.P. 24/02/2015, Proc. 2061/14.6TBSTS.P1.