Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
781/12.9TBPTL.G1
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: INSOLVÊNCIA
ASSOCIAÇÃO
PERSONALIDADE JURÍDICA
PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PRIVADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: As associações com personalidade jurídica, enquanto pessoas coletivas de direito privado, são sujeitos passivos de insolvência, nos termos do art.º 2º, nº 1,al. a), do CIRE.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I.
C…, casado, residente no Lugar de…, concelho de Ponte de Lima, intentou processo especial de insolvência contra “ASSOCIAÇÃO …”, inscrita no Ficheiro Central de Pessoas Colectivas, desde 05 de Janeiro de 1998, com sede na Rua…, do concelho de Ponte de Lima, constituída no dia 19 de Janeiro de 1996, através de Escritura Pública exarada no Livro de Escrituras Diversas nº 72-S, a fls.21-verso, sob o número cinquenta e vinte e três, folhas cinquenta e cinco, do extinto Cartório Notarial Público de Ponte de Lima, cujo acervo documental está arquivado no Cartório Notarial de Tomás Rio.
Alegou --- aqui no essencial --- que a requerida tem um estabelecimento de café e bebidas, no qual o requerente, por ela contratado, prestou trabalho mediante retribuição.
Por falta de pagamentos, o A. instaurou ação emergente de contrato de trabalho conta a R., que foi condenada, com trânsito em julgado, no pagamento de remuneração do trabalho no valor de € 6.774,18, acrescida de juros de mora, à taxa legal. Instaurada ação executiva contra a requerida., a mesma revelou-se infrutífera por não existirem bens penhoráveis para pagamento do crédito, sendo do conhecimento do A. --- credor privilegiado --- que aquela tem mais dívidas cuja cobrança ainda não foi possível.
Termina assim:
“NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., requer-se que, inquiridas as testemunhas, infra indicadas, e recolhidas as provas requeridas, ou aquelas que o Tribunal obtiver, se digne decretar a declaração de insolvência da Requerida com as legais consequências, atento o disposto nos artigos 3, n.º 1, e 20º, n.º 1, alíneas b) e e), do CIRE.” (sic)
Solicitados pelo tribunal e juntos que foram vários documentos, incluindo certidão do ato constitutivo da associação e da sua publicação, ordenou-se e realizou-se a citação da devedora. Não deduziu oposição.
Foram ainda juntos os estatutos da Associação….
Nessa sequência, foi proferida a decisão recorrida que, considerando o pedido de insolvência manifestamente improcedente, culminou com os seguintes segmentos pré-decisório e decisório:
“No caso vertente, considerando o estatuído na citada alínea c), do nº 1, do artigo 2º, do CIRE, a requerida não constitui sujeito passivo da declaração de insolvência, já que se trata de uma associação com personalidade jurídica.
Face ao exposto, indefere-se liminarmente o pedido de declaração de insolvência peticionado pelo requerente C….”

Inconformado, o requerente recorreu da decisão, com as seguintes CONCLUSÕES:
1) Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Ponte de Lima, no processo supra referido, que indeferiu liminarmente o pedido de declaração de insolvência da Associação…, por se tratar de uma associação com personalidade jurídica.
2) Absit injuria verbo, não pode o Recorrente conformar-se com tal sentença. Isto porque, entendeu o tribunal a quo de acordo com a sentença proferida que, “Conforme preceitua o artigo 1º, do CIRE, O processo de insolvência é um processo de execução universal tendo como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.
3) Nos termos do artigo 3º, nº1, do mesmo diploma legal, é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.
4) No que concerne à delimitação do âmbito subjectivo de aplicação do processo de insolvência, prevê-se na alínea c), do nº1, do artigo 2º, do CIRE, que podem ser objecto de processo de insolvência: c) As associações sem personalidade jurídica (…) - sublinhado e destacado nossos. O nosso sistema jurídico prevê a distinção entre associações com e sem personalidade jurídica.
5) As associações sem personalidade jurídica assentam o seu funcionamento na organização informal, sendo os seus associados co-responsáveis pelos seus actos (cfr. artigos 195ºss, do Código Civil); as associações com personalidade jurídica assentam o seu funcionamento numa organização formal. Por outro lado, podemos considerar associações com personalidade jurídica aquelas que por um acto ou actos jurídicos a adquirem, passando a ser uma pessoa colectiva.
6) Existem 2 (dois) processos distintos de aquisição de personalidade jurídica: [i] por via notarial, através de instrumento público (escritura), constituindo o regime normal e geral; e [ii] por via administrativa (por exemplo, as associações de estudantes, de pais, patronais, sindicais…). 'o caso decidendo, a requerida “Associação…” trata-se de uma associação com personalidade jurídica, tendo sido constituída por via notarial (cfr. referências nºs520070 e 522928, do p. e., e fls.25-33 e 47-67, do p. p.) e inscrita no Ficheiro Central de Pessoas Colectivas, desde 05 de Janeiro de 1998 (cfr. referência nº520452, do p. e., e fls.41-44, do p. p.). Preceitua a alínea a), do nº1, do artigo 27º, do CIRE, sob a epígrafe, «Apreciação liminar», que (…) o Juiz: a) Indefere liminarmente o pedido de declaração de insolvência quando seja manifestamente improcedente, ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis de que deva conhecer oficiosamente.
7) Assim, entende-se por pedido manifestamente improcedente aquele a quem falta alguma das condições para que o Tribunal, ao julgar de mérito (da sua procedência), possa acolhê-lo, como sucede se o autor não tiver o direito material que se arroga (vide Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, p.379), ou quando a pretensão do autor carecer de fundamento (vide Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, p.259), ou, ainda, quando não possa haver dúvida sobre a inexistência dos factos que constituiriam o direito ou sobre a existência deste (vide Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, p.400).
8) _o caso vertente, considerando o estatuído na citada alínea c), do nº1, do artigo 2º, do CIRE, a requerida não constitui sujeito passivo da declaração de insolvência, já que se trata de uma associação com personalidade jurídica.
9) Face ao exposto, indefere-se liminarmente o pedido de declaração de insolvência peticionado pelo requerente C….” – (Cfr. com sentença a fls… dos autos).
10) Ou seja, resumidamente, entende o Tribunal a quo que, a requerida – uma associação com personalidade jurídica, nos termos da alínea c), do nº1, do artigo 2º, do CIRE, não constitui sujeito passivo da declaração de insolvência, “(…) já que se trata de uma associação com personalidade jurídica.”
11) Absit injuria verbo, não pode o Recorrente conformar-se com tal sentença. Isto porque, a requerida “Associação…”, é uma associação com personalidade jurídica, logo é uma pessoa colectiva, consequentemente, nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 2º, do CIRE, constitui sujeito passivo da declaração de insolvência,
12) Sendo que a alínea c) do n.º 1, do artigo 2º, do CIRE, foi a forma que o legislador encontrou de sujeitar, também à declaração de insolvência as associações que não têm personalidade jurídica, pois, pese embora não sejam pessoas colectivas, constituem patrimónios autónomos sujeitos a declaração de insolvência.
13) O legislador designou as Pessoas Colectivas em três modalidades:1) Associações, 2) Fundações e 3) Sociedades. Esta classificação – Associações, Fundações, Sociedades – não tem um carácter unitário, porque as Associações e Sociedades são Pessoas Colectivas de tipo corporativo e por isso impõem-se as Fundações. Por outro lado, as Associações e Fundações, integram uma mesma categoria oposta às Sociedades, porque estas visam fins económicos e aquelas não.
14) No artigo 157º do Código Civil, o legislador entendeu que há três tipos de Pessoas Colectivas, sendo que, os artigos 167º a 184º do Código Civil, visam regular as Associações em sentido restrito. Quando se fala de Pessoas Colectivas, não se quer excluir as sociedades, a Pessoa Colectiva abrange sempre as sociedades.
15) Na ordem jurídica portuguesa há sociedades comerciais e as sociedades civis sob a forma comercial. O legislador usa palavra Pessoa Colectiva num sentido amplo (encontram-se abrangidas as entidades susceptíveis de personificação) e restrito (as sociedades).
16) A Capacidade Jurídica das Pessoas Colectivas é um “status” inerente à sua existência como pessoas jurídicas (artigo 67º do Código Civil). É uma Capacidade Jurídica Específica enquanto a das pessoas singulares é de carácter geral. A lei refere-se-lhe expressamente para o efeito de a limitar. Essas limitações constam do artigo 160º do Código Civil.
17) As Pessoas Colectivas são dominadas pelo princípio da especialidade, o que tem de ser entendido com um alcance amplo. Portanto, se é verdade que a Capacidade de Gozo da Pessoa Colectiva está dominado pelo seu fim, segundo a sua própria natureza (estatuto) isso significa que há uma capacidade diversa para as pessoas em concreto, dadas as várias categorias de Pessoas Colectivas que existem.
18) A Capacidade de Gozo das Pessoas Colectivas, abrange direitos de natureza patrimonial, essencialmente, mas não estão vedados às Pessoas Colectivas direitos de natureza pessoal.
19) Do supra exposto, conclui-se que a requerida “Associação…” é uma pessoa colectiva, dotada não só de personalidade jurídica, como de capacidade de exercício de direitos. Mais se diga, a Requerida é um património autónomo!
20) Dispõe o artigo 2º, n.º 1 alínea a) do CIRE que “Podem ser objecto de
processo de insolvência quaisquer pessoas singulares ou colectivas”. Determinando o artigo 2º, n.º 1 alínea c) do CIRE, que, podem também ser objecto de processo de insolvência, “As associações sem personalidade jurídica e as comissões especiais;”
21) Da redacção deste normativo resulta claramente que o novo código pretendeu alargar o elenco dos sujeitos passivos do processo de insolvência.
22) Como se pode ler no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004 de 18 de Março, que aprovou o CIRE, “Aí se tem como critério mais relevante para este efeito, não o da personalidade jurídica, mas o da existência de autonomia patrimonial, o qual permite considerar como sujeitos passivos (também designados por «devedor» ou «insolvente»), designadamente, sociedades comerciais e outras pessoas colectivas ainda em processo de constituição, o estabelecimento individual de responsabilidade limitada, as associações sem personalidade jurídica e «quaisquer outros patrimónios autónomos»”.
23) Sinal de que o novo código pretendeu alargar o campo de aplicação do instituto de insolvência resulta da redacção da alínea a) do n.º 1, preceito este, que é genérico e “demonstra o carácter tendencialmente universal do instituto” (Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, p. 64, nota 5). O legislador, em princípio, pretendeu submeter ao instituto da insolvência todos os patrimónios autónomos, quer estejam dotados de personalidade jurídica quer o não estejam.
24) “No âmbito subjectivo de aplicação do processo de insolvência, actualmente, o critério mais relevante para este efeito, não é o da personalidade jurídica, mas o da existência de autonomia patrimonial.
25) Resulta, claro, que, a Requerida, enquanto, associação com personalidade jurídica, ou seja, porquanto, é pessoa colectiva e património autónomo, é, também ela, sujeito passivo de declaração de insolvência.
26) Com a introdução da alínea c) no artigo 2º, n.º 1 do CIRE, o legislador, apenas, pretendeu, que dúvidas não existissem, quanto ao âmbito de sujeição ao processo de insolvência, das associações, tenham elas ou não personalidade jurídica.
27) Neste sentido decidiu já o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 16 de Janeiro de 2006, ou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 19 de Março de 2009.
28) Face ao supra exposto, deve assim ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se, em consequência, a sentença ora recorrida por violação, nomeadamente, dos artigos 1º, 3º, 2º, n.º 1 alínea a) e c) e 27º do CIRE.» (sic)
*
Não foram oferecidas contra-alegações.
II.
Exceção feita para as questões que sejam do conhecimento oficioso, a matéria a decidir está delimitada pelas conclusões da apelação do recorrente, acima transcritas (cf. art.ºs 660º, nº 2, 684º e 685º-A, do Código de Processo Civil).
Importa apreciar e decidir apenas se é de indeferir o pedido de insolvência de uma associação por ser ela dotada de personalidade jurídica.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
III.
Podemos assentar na seguinte factualidade, com interesse para a decisão da apelação, resultante do processo:
1- C… intentou processo especial de insolvência contra ASSOCIAÇÃO…, pedindo a declaração da sua insolvência;
2- Esta associação está inscrita no Ficheiro Central de Pessoas Colectivas, desde 05 de Janeiro de 1998, com sede na Rua…, do concelho de Ponte de Lima, foi constituída no dia 19 de Janeiro de 1996, através de Escritura Pública exarada no Livro de Escrituras Diversas nº 72-S, a fls.21-verso a 23-verso, sob o número cinquenta e vinte e três, folhas cinquenta e cinco, do extinto Cartório Notarial Público de Ponte de Lima, cujo acervo documental está arquivado no Cartório Notarial de Tomás Rio.
3- Fazem parte integrante daquela escritura pública os Estatutos da associação requerida;
4- Foi publicado anúncio de constituição da requerida na III Série, nº 73, de 26 de Março de 1996, a pág.s 5448.
*
O tribunal a quo, distinguindo associações com personalidade jurídica e associações sem personalidade jurídica, entendeu que a ação não pode prosseguir por a devedora não estar sujeita a insolvência em virtude de dever ser classificada como associação com personalidade jurídica.
Dados os factos provados, a Associação… é, na realidade jurídico-material, uma associação com personalidade jurídica. Isto, porque o ato da sua constituição e os estatutos constam de escritura pública e foram cumpridas as exigências de forma e publicidade previstas na lei, sendo eficazes relativamente a terceiros (art.º 168º, nºs 1 e 3, do Código Civil e art.º 80º, nº 1, al. g), do Código do Notariado – reconhecimento normativo). Beneficia do substrato e do reconhecimento (personalização do substrato). Se não tivesse o reconhecimento, seria uma associação sem personalidade jurídica (art.ºs 158º e 195º e seg.s do Código Civil).
O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forna prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores (art.º 1º, nº 1, do CIRE [1] [2] ).
O art.º 2º, nº 1, do CIRE, identifica o tipo de sujeitos passivos da declaração de insolvência. Além de outros --- que, à evidência, não são suscetíveis de abranger a aqui requerida --- estabelece que “podem ser objecto de processo de insolvência:
a) Quaisquer pessoas singulares ou colectivas;
b) …
c) As associações sem personalidade jurídica e as comissões especiais;
d) …
e) …
f) …
g) …
h) ….”
No nº 2, o mesmo artigo exclui da sujeição à insolvência as pessoas coletivas públicas, as entidades públicas empresariais, outras empresas, instituições e sociedades com as quais não se confunde a requerida.
Trata-se de definir o âmbito subjetivo de aplicação do instituto da insolvência e, consequentemente, do processo judicial organizado para lhe dar expressão, aí se integrando as entidades e figuras que o n.º l enumera, o que tem por efeito que, verificados, quanto a elas, os pressupostos e requisitos do processo, este pode ser por elas ou contra elas promovido.
A par da preocupação do legislador de submeter à insolvência todo e qualquer património autónomo, indo ao encontro do que propusera Catarina Serra, o modo como foi elaborado o texto do nº 1 daquele art.º 2º permite chegar à conclusão segura do carácter taxativo do leque de entidades e figuras que a lei sujeita à insolvência. Esta ideia é confirmada pelo nº 2, ao excecionar do âmbito do número anterior realidades que, não fora a ressalva, em princípio lá caberiam [3].
E é de tal ordem a intenção legislativa de dar um caráter tendencialmente universal ao instituto da insolvência, que a enumeração taxativa prevista no nº 1 deve ser tida como aberta, no sentido de que ali se abrangem todos os patrimónios autónomos, por referência à mera categoria jurídica, sejam quais forem as características específicas de cada tipo. De tal modo que, não sendo possível reconduzir uma hipótese concreta à previsão das als. b) a g), sempre haverá que avaliar se ocorre a existência de um património autónomo, determinado nos termos gerais (cf. al. h)), caso em que há ainda lugar à insolvência do próprio acervo patrimonial qua tale, sem prejuízo das consequências pessoais projetáveis sobre o respetivo titular e administradores [4].
Se assim é…, se até associações sem personalidade jurídica estão expressamente sujeitas ao instituto da insolvência, podem ser seus sujeitos passivos, não se compreenderia que a mesma associação, logo que dotada de personalidade jurídica, não o estivesse.
O art.º 2º, nº 1, do CIRE não consente sequer a dúvida, ao estabelecer na al. a) que são sujeitos passivos da insolvência “quaisquer pessoas singulares ou colectivas”.
As pessoas coletivas são organizações constituídas por uma coletividade de pessoas ou por uma massa de bens, dirigidos à realização de interesses comuns ou coletivos, às quais a ordem jurídica atribui a personalidade jurídica. São organizações integradas essencialmente por pessoas ou essencialmente por bens, que constituem centros autónomos de relações jurídicas --- autónomos mesmo em relação aos seus membros ou às pessoas que atuam como seus órgãos [5].
As associações são, sem dúvida alguma, pessoas coletivas de direito privado [6], tal como as sociedades comerciais o são na aceção mais ampla do conceito, aliás, consagrada na referida al. a).
É mais uma manifestação do caráter tendencialmente universal do instituto da insolvência, que aglutina, sob a al. a), as pessoas dotadas de personalidade jurídica, sejam elas singulares ou coletivas. Logo, as associações com personalidade jurídica, enquanto pessoas coletivas, são sujeitos passivos da insolvência. Nem poderiam deixar de o ser, a fortiori ratione, ante o esforço do legislador em trazer para aquela situação, sob as al.s b) a h) do nº 1 do art.º 2º, todo um vasto conjunto de realidades que, não devendo considerar-se dotadas de personalidade jurídica --- se assim fosse já seriam abarcadas pela al. a) ---, estão, todavia, geralmente assistidas de personalidade judiciária (cf. arte.° 6.° do Código de Processo Civil) só porque constituem centros de imputação de interesses, em termos de se justificar que, uma vez verificada a insusceptibilidade de cumprimento das obrigações por que respondem, sejam, elas mesmas, qua tale, sujeitas à insolvência.
Acresce ainda que o art.º 182º do Código Civil, enumerando as causas de extinção das associações com personalidade jurídica, estabelece expressamente entre elas a “decisão judicial que declare a sua insolvência” (cf. respetivo nº 1, al. e)).
Neste conspecto, impõe-se conceder provimento à apelação e revogar a decisão recorrida.
*
SUMÁRIO (art.º 713º, nº 7, do Código de Processo Civil):
As associações com personalidade jurídica, enquanto pessoas coletivas de direito privado, são sujeitos passivos de insolvência, nos termos do art.º 2º, nº 1,al. a), do CIRE.
*
IV.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, considerando a requerida sujeito passivo do processo de insolvência, revoga-se a decisão recorrida e determina-se o normal prosseguimento dos autos.
*
Custas da apelação a final, pela massa insolvente ou pelo requerente [7], consoante a insolvência seja ou não decretada por decisão com trânsito em julgado (art.º 304º do CIRE).
*
Guimarães, 22 de janeiro de 2013
----------------------------------
[1] Na redação introduzida pelo Decreto-lei nº 16/2012, de 20 de Abril.
[2] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[3] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE anotado, Quid Juris, 2009, pág. 64.
[4] Idem, pág. 64.
[5] Carlos Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 4ª edição, pág. 269.
[6] Idem, Mota Pinto, pág. 269, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Coimbra, 1974, vol. I, pág.s 172 e seg.s, Dias Marques, Noções Elementares de Direito Civil, Lisboa, 1973, pág.s 22 e seg.s Castro Mendes, Teoria Geral do Direto Civil, AAFD, 1978, vol. I, pág.s 582 e 583, Heinrich Ewald Horster, A Parte Geral do Código Civil Português, Almedina, 2009, pág. 386.
[7] Sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
----------------------------------
Filipe Caroço
António Santos
Figueiredo de Almeida