Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1188/03.4TBBCL-C.G1
Relator: ROSÁLIA CUNHA
Descritores: COBRANÇA COERCIVA DA PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
MAIORIDADE DO FILHO
LEGITIMIDADE ACTIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O art. 1905º, nº 2, do CC, consagra uma presunção legal de os alimentos serem necessários até aos 25 anos de idade do filho, cabendo ao progenitor obrigado ao pagamento da pensão de alimentos o ónus de demonstrar a cessação dessa obrigação, mediante a alegação de factos que consubstanciem uma das três situações referidas na parte final da norma.
II - A extensão da obrigação de pagamento da pensão de alimentos até aos 25 anos do filho decorrente do art. 1905º, nº 2, do CC, mantém inalterada a legitimidade ativa que era reconhecida ao progenitor convivente durante a menoridade do filho, estendendo-a durante o período em que se mantenha a obrigação de pagamento daquela pensão.
III – Assim, no período entre os 18 e os 25 anos de idade, tanto o filho como o progenitor com quem ele vive têm legitimidade ativa para desencadear os procedimentos legais necessários para obter a cobrança coerciva da prestação de alimentos fixada na menoridade, podendo optar por qualquer um dos que a lei lhe faculta, seja o incumprimento previsto no RGPTC, seja a execução por alimentos.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na 1ª seção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

S. L. veio suscitar o incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas a D. L., nascida a -.2.2000, contra V. C., no que toca ao pagamento da pensão de alimentos e despesas médicas e escolares.
Alega, em síntese, que requerente e requerido são os pais de D. L. cujas responsabilidades parentais foram reguladas por acordo, devidamente homologado por decisão judicial.
Nos termos dessa regulação, o progenitor encontra-se obrigado a pagar uma pensão de alimentos no valor mensal atualizado de € 153 e a comparticipar em metade do valor das despesas extraordinárias escolares e de saúde.
O requerido incumpriu o acordado, não tendo pago parte da pensão de alimentos, o que sucede desde outubro de 2018, não tendo também efetuado o pagamento da sua comparticipação nas despesas escolares e de saúde.
D. L. vive com a progenitora e não aufere qualquer rendimento, tendo efetuado exames de melhoria do 12º ano a fim de se candidatar ao ensino superior.
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O requerido foi citado e alegou que pagou a pensão de alimentos referente aos meses de abril, maio e junho de 2019 e que só tem pago € 100 mensalmente porque a filha deixou de estudar. Refere ainda que pagou algumas despesas de saúde.
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A requerente pronunciou-se quanto à resposta do requerido informando, entre outras situações, que D. L. se encontra a frequentar o curso de Engenharia Biomédica, na Universidade do ….
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Realizou-se a conferência de pais, na qual não foi possível alcançar acordo entre os progenitores e houve recusa de recurso à mediação, tendo sido determinada a suspensão da conferência para audição técnica especializada.
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Retomada a conferência de pais que tinha sido suspensa não foi novamente possível alcançar acordo entre os progenitores, tendo os mesmos sido notificados para alegarem o que tivessem por conveniente.
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O requerido apresentou alegações nas quais invocou a ilegitimidade da requerente para suscitar o incumprimento pois, à data em que o requerimento foi apresentado, mais concretamente em 1.7.2019, D. L. já era maior desde -.2.2018, altura em que completou 18 anos.
As prestações que são peticionados em sede de incumprimento referem-se a períodos posteriores a 28.2.2018, ou seja, quando D. L. já tinha atingido a maioridade, pelo que só ela teria legitimidade para suscitar o incumprimento.
Pronunciou-se ainda relativamente às prestações que são pedidas e terminou pedindo que o incumprimento seja julgado improcedente.
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A requerente apresentou alegações pugnando pela sua legitimidade para suscitar o incumprimento e concluiu no sentido de o requerido ter incumprido o pagamento da pensão de alimentos e despesas escolares e de saúde, estando em dívida os valores que peticionou.
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Foi proferido despacho que julgou procedente a exceção de ilegitimidade invocada e, em consequência, absolveu o requerido da instância, o qual tem o seguinte teor:
“A incapacidade dos menores é suprida pelo poder paternal (artigos 124.º e 1877.º, ambos do Código Civil), cujo exercício, conteúdo e titularidade vêm regulados nos artigos 1877º e seguintes do Código Civil.
A pessoa singular atinge a plena capacidade de exercício quando se supõe ter a maturidade social suficiente para dirigir a sua pessoa e os seus bens.
A lei nacional ficciona que tal maturidade é atingida aos 18 anos de idade (artigos 122º, 129º e 130º, todos do Código Civil).
Da análise dos autos verifica-se que a Jovem D. L. atingiu a maioridade em ..-02-2018.
Nessa data cessaram os poderes de representação de S. L. sua mãe e a intervenção do Ministério Público relativamente àquela.
A requerente sustentou a sua legitimidade ao avançar com o presente incidente, atendendo, nomeadamente, aos pressupostos do nº. 3 do artº. 989 do CPC, que resultou da Lei 122/2015 de 1 de Setembro e nos artigos 41º. e 48º. da Lei nº. 141/2015, de 08 de Setembro.
Porém, conforme refere o requerido à data da dedução do presente incidente a jovem D. L. tinha atingido a maioridade em -/02/2018.
Acresce que as prestações de alimentos e despesas reclamadas nos autos referem-se a lapsos temporais em que a jovem D. L. já tinha completado 18 anos, ou seja, vencidas depois da sua maioridade, passando a própria a ser credora das quantias peticionadas.
Pelo exposto, a requerente carece de legitimidade para, por si só, intervir em juízo em representação da sua filha maior.
A ilegitimidade é uma exceção dilatória que conduz à absolvição da instância – cfr. artºs. 577º., alínea e), 578º. e 278º., nº. 1 alínea d), todos do Código de Processo Civil (CPC).
Decisão:
Pelo exposto, atentas as considerações tecidas e os preceitos legais citados julgo procedente a exceção invocada e, em consequência, absolvo o R. da instância.”
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No referido despacho foi ainda fixado à causa o valor de € 30 000,01.
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A requerente não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida a 23.06.2020 e que julgou procedente a excepção de ilegitimidade invocada pelo requerido, absolvendo-o da instância.
2. Salvo o devido respeito, a Douta Sentença recorrida julgou mal, porquanto postergou e violou normas do direito processual e do direito substantivo, julgando de forma infundada a requerente parte ilegítima.
3. Com a alteração introduzida no artigo 1905.º do Código Civil, mediante o aditamento do n.º 2 pela Lei n.º 122/2015, de 01 de setembro, os filhos passam a ter automaticamente direito à pensão de alimentos que lhes foi fixada durante a menoridade, e até que completem 25 anos, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data.
4. Havendo pensão fixada na menoridade, como é o caso dos autos, a sua manutenção na maioridade e até aos 25 anos de idade do beneficiário é automática, se a sua formação académica ou profissional não estiver completada.
5. O artigo 989.º do Código de Processo Civil dispõe, nos seus n.ºs 1 e 2, que, nos casos dos artigos 1880.º e 1905.º do CC, é aplicável, com as necessárias aplicações, o regime previsto para os menores e que, tendo sido fixada pensão ou estando o respectivo processo a decorrer, a maioridade não impede que o processo se conclua e que os incidentes de incumprimento sejam intentados por apenso.
6. Para possibilitar a concretização desta modificação ao regime substantivo, a referida Lei n.º 122/2015 procedeu à correspondente alteração no âmbito processual, atribuindo agora ao progenitor que suporta o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores a legitimidade para exigir do obrigado a alimentos a respectiva contribuição, através da inovação então introduzida com o aditamento do n.º 3 ao artigo 989.º do Código de Processo Civil.
7. “O artigo 989.º, n.º 3, do CPC, na redacção da Lei n.º 122/2015, de 1.09, reconhece essa legitimidade (ao progenitor com quem o filho maior coabita), quando se torne necessário providenciar judicialmente (seja para prosseguir, no confronto com o outro progenitor, a acção destinada à fixação da pensão iniciada durante a menoridade, seja para, depois desta, intentar acção com a mesma finalidade ou recorrer aos procedimentos necessários à efectivação do direito anteriormente acertado) sobre alimentos aos filhos maiores que ainda não concluíram a sua formação profissional”. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12.03.2013, Proc. 458/18.1T8BCL.G1, pelo Relator Margarida Sousa, disponível in www.dgsi.pt.
8. No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.09.2018, Proc. 4345/15.7T8LRS-A.L1-6, pelo Relator Teresa Pardal, disponível in www.dgsi.pt. de cujo sumário decorre o seguinte: “A progenitora que provém ao sustento do filho maior, cujo direito a alimentos se mantém nos termos do artigo 1905.º, n.º 2 do CC, tem legitimidade para intentar contra o outro progenitor o incidente de incumprimento deduzido ao abrigo do artigo 41.º do RGPTC e do artigo 989.º, n.º 3 do CPC.“
9. Acrescenta ainda este último Acórdão que “Sendo assim, não há dúvida de que o artigo 989º nº3 do CPC atribui legitimidade para um dos progenitores intentar contra o outro incidente de incumprimento ao abrigo do artigo 41º do RGPTC, sendo certo que, provendo ao sustento do filho maior, o progenitor tem interesse directo em demandar e, consequentemente, legitimidade, nos termos do artigo 30º do CPC, para demandar o outro progenitor a contribuir para o mesmo sustento.”
Posto isto,
10. A jovem D. L., nascida a -.02.2000, conta actualmente 20 (vinte) anos de idade.
11. Conforme resulta alegado nestes autos, a jovem D. L. vive à guarda e cuidados da mãe, ora recorrente, com quem coabita e reside.
12. Que lhe dispensa com carinho e afecto, todos os cuidados de saúde, higiene, asseio, alimentação, vigilância e educação.
13. E que suporta antecipadamente todas as despesas e encargos da jovem, sejam de saúde, educação ou quaisquer outras.
14. A jovem D. L. não completou ainda a sua formação profissional, encontrando-se, no presente ano lectivo, matriculada e a frequentar o 1.º ano da Licenciatura em Engenharia Biomédica, na Universidade do …, em Braga, conforme de resto resulta também alegado nos autos.
15. Dúvidas não soçobram que estão alegados nos autos os pressupostos da legitimidade da recorrente.
16. A recorrente (progenitora convivente da filha maior) tem, por isso, legitimidade substancial e processual activa para intentar contra o recorrido (progenitor não convivente) o presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, devendo os autos prosseguir os seus termos.
17. A douta decisão recorrida violou o disposto no artigo 989.º do Código de Processo Civil, bem como nos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil.”

Termina pedindo que se anule e revogue a decisão recorrida, substituindo-a por outra que confira legitimidade ativa à recorrente e determine que os autos prossigam os ulteriores termos.
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O requerido apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, terminando com as seguintes conclusões:

“1 – Por assentar em fundamentos absolutamente certeiros, deve a Douta Sentença recorrida ser mantida.
2 – De facto, não assiste qualquer razão à Recorrente.
3 – A Recorrente interpôs recurso da decisão da primeira instância que julgou procedente a excepção de ilegitimidade ali suscitada e que absolveu o aqui recorrido da instância, no entanto, e salvo o devido respeito por opinião diversa, sem qualquer fundamento credível que possa assistir à Recorrente.
4 – Pois que a presente ação deu entrada em juízo já após a jovem D. L. ter completado os 18 anos de idade.
5 – Não podemos ignorar que, com o advento da maioridade, o filho adquire capacidade de exercício e capacidade judiciária, nos termos do artigo 129.º do CC e 15.º do CPC, pelo que não se concebe que possa ser representado pelo progenitor como se de um incapaz se tratasse.
6 – A Recorrente sustentou a sua legitimidade ao avançar com o incidente dos presentes autos, atendendo, nomeadamente, aos pressupostos do nº. 3 do artº. 989 do CPC, que resultou da nova versão da lei 122/2015 de 1 de Setembro e nos artigos 41º. e 48º. da Lei nº. 141/2015, de 08 de Setembro.
7 – Com efeito, à data da dedução do incidente, ou seja, em 01/07/2019, e conforme resulta do documentado nos autos principais, a jovem D. L. há muito que tinha atingido a maioridade, mais concretamente em -/02/2018.
8 – Note-se ainda que, as prestações de alimentos reclamadas nos autos, dizem respeito unicamente ao período de tempo em que a jovem D. L. já tinha completado 18 anos, logo, prestações essas vencidas depois da sua maioridade.
9 – Pelo que, uma vez maior, cessou assim qualquer incapacidade verificada por força da menoridade da D. L. e, no caso concreto, a necessidade do direito de representação pelo progenitor convivente.
10 – Assim, uma vez maior, a jovem D. L. passou a ser a única credora dos alimentos fixados ainda na sua menoridade.
11 – Nesse seguimento, e tendo por referência o disposto no art. 30º CPC, sempre se dirá que é o filho maior que reúne os pressupostos processuais necessários para iniciar a ação.
12 – Deste modo, somente a jovem D. L. detém legitimidade para, querendo, avançar com o devido procedimento contra o progenitor não convivente, no sentido de reclamar do mesmo aquilo que no seu entendimento está em incumprimento.
13 – Carecendo assim a recorrente de legitimidade para vir a juízo em representação da sua filha, que já é maior, e a quem cabe o pleno exercício dos seus direitos.
14 – Assim, bem andou o tribunal a quo ao pugnar pela absolvição do requerido da instância, nos termos dos artºs. 577º., alínea e), 578º. e 278º., nº. 1 alínea d), todos do CPC, fazendo, desse, modo, uma correta aplicação da lei.
15 – Se assim não se entender, o que só por mera hipótese académica se concebe, não basta por si só a recorrente lançar mão da faculdade prevista no artº. 989 nº. 3 do CPC, com o intuito de peticionar as supostas quantias devidas pelo requerido a título de pensão de alimentos e bem assim, demais quantias referentes a despesas de saúde e educação com a filha, conforme alega.
16 – Competia à recorrente, antes de mais, demonstrar no processo a inércia da filha maior.
17 – Esclarecendo perante o tribunal, se a jovem D. L. tomou anteriormente alguma iniciativa processual contra o recorrido e, em caso negativo, o que resultou para que tal não acontecesse.
18 – Certo é que, não tendo a recorrente justificado tal inércia por parte da jovem D. L., não poderia por si só suscitar o incumprimento do recorrido nos termos em que o fez.
19 – O que resulta do art. 989º. nr. 3 do CPC, é a possibilidade de, caso a recorrente demonstre que é ela quem assume o encargo de custear as despesas da sua filha, por esta ainda não poder prover ao seu sustento, poder instaurar uma ação contra o progenitor, reclamando o pagamento de uma quantia para a alimentação e educação da filha de ambos.
20 – Com efeito, deveria antes sim a recorrente ter intentado contra o recorrido uma ação própria denominada “ação para a contribuição do progenitor não convivente nas despesas com o filho maior ou emancipado”, que tem natureza especial, e ao abrigo dos artºs 45° a 47° do RGPTC, para ser ressarcida nas quantias que alega que lhe são devidas, mas somente a título de despesas com alimentação e educação da filha.
21 – E não, conforme foi o caso, ter avançado com o incidente dos autos com base nos artºs. 41 e 48º. do RGPTC.
22 – Veja-se a este propósito o ACRL de 08-02-2018, Proc. 7868/11.3TCLRS-C.L1, 2ª. Secção, Desembargadores: Teresa Albuquerque e Vaz Gomes, in www.pgdlisboa.pt «O progenitor convivente passa pela Lei 122/2015 a ter direito à comparticipação nos encargos da vida familiar também na maioridade do filho quando este prossegue os seus estudos e formação profissional » «Para fazer valer tal direito, deverá propor contra o progenitor não convivente a acção prevista no n° 3 do art 989° do CPC - que se pode designar como acção para a contribuição do progenitor não convivente nas despesas com a educação e formação profissional do filho maior ou emancipado - e que corresponde à providência tutelar cível prevista nos arts 45° a 47° do RGPTC, devendo correr por apenso ao processo de regulação, se este existir.
23 – Ora, situação bem diferente da que ocorreu nos autos, e que não se aceita.
24 – O direito à contribuição reconhecido ao progenitor convivente pelo novo n.º 3 do art. 989.º do NCPC, não deve ser entendido como direito a uma prestação alimentícia (situação em que o progenitor atua em nome próprio mas em benefício do filho – pois é na esfera jurídica deste que radica o direito a alimentos), mas sim como direito à comparticipação nos encargos da vida familiar, (em que o progenitor atua na defesa de um interesse próprio), o que desde logo se reflete ao nível do regime substantivo e processual aplicável, e que no caso concreto compromete o entendimento da recorrente.
25 – Nesse sentido, a interpretação que a Recorrente faz do n.º 3 do artº. 989.º do NCPC não é a correta e não tem acolhimento na Doutrina.
26 –Efetivamente, na doutrina a questão foi especificamente abordada no texto da autoria de J.H. DELGADO DE CARVALHO, “O novo regime de alimentos devidos a filho maior ou emancipado; contributo para a interpretação da Lei n.º 122/2015, de 1/9”. Dizia-se aí (trechos seleccionados, com relevo para o caso):
“O crédito à comparticipação das despesas de filho maior não tem natureza alimentar, por se considerar a contribuição como um encargo familiar no período subsequente à separação dos progenitores. ….Este crédito assume natureza familiar (e não alimentar) e, por isso, não beneficia do regime de penhorabilidade parcial de rendimentos pelos quais pode ser satisfeito (art. 738º, nº 4 CPC) nem da hipoteca legal (art. 705º al. d) CC). Esta acção terá natureza especial, seguindo a forma de processo prevista e regulada nos arts. 45º a 47º do RGPTC, como se retira da expressão “nos termos dos números anteriores”, utilizada no nº 3 do art. 989º CPC.”,
27 – Mais acrescenta este Autor: “O direito à contribuição atribuída ao progenitor convivente é, pois, um direito novo e distinto – já não um sucedâneo – do direito a alimentos devidos a filho maior ou emancipado. Sobre a permanência da prestação alimentícia no período pós-rutura familiar trata antes o n.º 2 aditado ao art. 1905.º do CCiv. Por alguma razão, em termos sistemáticos, o direito à contribuição vem consagrado no Código de Processo Civil (cfr. n.º 3 do art. 989.º, do NCPC) e não no domínio do art. 1905.º do CCiv. Este sim, dispõe sobre o direito a alimentos devidos a filho (menor e maior). Por isso, o elemento decisivo, a nosso ver, é o elemento sistemático de interpretação.( 5)Nesta perspetiva, o direito à contribuição é próprio do progenitor convivente, sendo este o titular da pensão cuja finalidade é contribuir para os encargos familiares, apresentando-se aquele direito como correspondente ao direito exercido na ação com vista a contribuição do cônjuge para as despesas domésticas, embora no período pós – rutura familiar (cfr. Art.992º. do NCPC). “
28 – Conforme se percebe, esta ação terá assim natureza especial, seguindo a forma de processo prevista e regulada nos arts. 45º a 47º do RGPTC, como se retira da expressão “nos termos dos números anteriores”, utilizada no nº 3 do art. 989º CPC.
29 – Verifica-se assim que este direito à contribuição, atribuído ao progenitor residente, é um direito novo no nosso ordenamento jurídico e distinto do direito a alimentos devidos a filho maior.
30 – A contribuição para os encargos da vida familiar é uma decorrência do dever de assistência (art. 1675º, nº 1 e 1676º CC), existente quando há comunhão conjugal.
31 – Em resultado de todo o enquadramento supra exposto, somente à jovem D. L. competia, enquanto credora das quantias peticionadas, avançar com o devido procedimento contra o progenitor, aqui recorrido.
32 – Deste modo, não tem a recorrente legitimidade para vir a juízo em representação da sua filha, que já é maior, e a quem cabe o pleno exercício dos seus direitos.
33 – Para além de que, o recurso à faculdade prevista no artº. 989 nº. 3 do CPC, implicava antes de mais que, a recorrente demonstrasse no processo a inércia da filha maior, o que não aconteceu.
34 – Competia assim à recorrente intentar contra o recorrido uma ação própria denominada “ação para a contribuição do progenitor não convivente nas despesas com o filho maior ou emancipado”, que tem natureza especial, e ao abrigo dos artºs 45° a 47° do RGPTC, para ser ressarcida nas quantias que alega que lhe são devidas, mas somente a título de despesas com alimentação e educação da filha.
35 – Deste modo, tendo a Recorrente suscitado o incidente dos presentes autos, com base nos pressupostos do nº. 3 do artº. 989 do CP ( que não cumpriu), e nos artigos 41º. e 48º. da Lei nº. 141/2015, de 08 de Setembro está obviamente a utilizar um meio processual impróprio.
36 – Assim, bem andou o tribunal a quo, fazendo uma correta aplicação da lei ao relevar a ilegitimidade processual da recorrente.”
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DO RECURSO

Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, a questão relevante a decidir consiste em saber se a progenitora com quem a filha maior vive tem legitimidade para suscitar o incumprimento do pagamento da pensão de alimentos e comparticipação nas despesas escolares e de saúde vencidas depois de a filha ter atingido a maioridade.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos a considerar para a decisão a proferir são os que se encontram descritos no relatório.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

Cumpre apreciar e decidir.
Conforme estabelecido no art. 36º, nº 5, da CRP, os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.
Em consonância com o princípio constitucional referido, estabelece o art. 1878.º, do CC, que compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.
De acordo com o estabelecido no art. 1880º, do CC, se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional manter-se-á a obrigação de os pais proverem ao sustento dos filhos e assumirem as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que esta formação se complete.
Esta norma dividiu a doutrina e jurisprudência até à publicação da Lei 122/2015, de 1.9.
Existia uma orientação maioritária que defendia que a prestação de alimentos estipulada na menoridade caducava automaticamente logo que o filho atingisse os 18 anos, data a partir da qual este devia requerer contra os progenitores os alimentos devidos até à conclusão da sua formação profissional.
Uma outra corrente, minoritária, defendia que a pensão de alimentos estabelecida na menoridade não cessava de forma automática, antes se estendia para lá da maioridade até que o filho completasse a sua formação profissional.
Entretanto, a Lei 122/2015, de 1.9. veio alterar o nº 2, do art. 1905º, do CC, passando a referida norma a estatuir que “para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.
Na parte em que alterou o art. 1905º do CC, a Lei n.º 122/2015, de 01.09, é lei interpretativa, conforme disposto no art. 13.º, n.º 1 do CC (cf. Acórdão do STJ, de 8.2.2018, Relator Salazar Casanova in www.dgsi.pt).
A Lei 122/2015 veio, assim, pôr termo à controvérsia a que supra se aludiu, tendo consagrado a solução de que a obrigação de prestação de alimentos fixada a filho menor não se extingue automaticamente com a maioridade deste, antes se mantém até aos 25 anos de idade. Tal manutenção só não ocorrerá se o filho já tiver concluído o seu processo de educação ou formação profissional, se tiver interrompido voluntariamente esse processo ou se for irrazoável a exigência dos alimentos.
Cabe ao progenitor obrigado ao pagamento da pensão de alimentos o ónus de demonstrar a cessação dessa obrigação, mediante a alegação de factos que consubstanciem uma das três referidas situações. Enquanto não o fizer, a obrigação de pagamento da pensão mantém-se e é possível obter o seu pagamento coercivo com recurso a qualquer um dos meios que a lei faculta para esse efeito.
Como escreve Gonçalo Oliveira Magalhães (in A tutela (jurisdicional) do direito a alimentos dos filhos maiores que ainda não concluíram a sua formação profissional, Revista Julgar On Line, março de 2018, pág. 6 e 14) “nos casos em que a pensão de alimentos foi fixada durante a menoridade do filho, o direito deste a alimentos está já reconhecido e o credor dispõe de um título – a sentença ou o despacho do Conservador que homologaram o acordo ou a sentença que regulou o exercício das responsabilidades parentais – que, incorporando uma obrigação certa, líquida e exequível, serve de abre-te Sésamo da acção executiva especial por alimentos (arts. 703º, n.ºs 1 e 2, e 933.º, n.º 1, do CPC) – ou (...) do mecanismo de cobrança coerciva previsto no art. 48.º do RGPTC. (...)
O incumprimento da prestação debitória autoriza o credor a recorrer aos meios de cobrança coerciva, podendo optar pela execução especial por alimentos ou pelo procedimento previsto no art. 48º do RGPTC.”

No fundo, o art. 1905º, nº 2, do CC, consagra uma presunção legal de os alimentos serem necessários até aos 25 anos de idade do filho. O que bem se compreende porque, no contexto da vida atual e de acordo com os padrões vigentes na nossa sociedade, é essa a idade normalmente necessária para os filhos terminarem os estudos no ensino superior, concluindo a licenciatura e mestrado, e estarem aptos a exercer uma atividade profissional, ingressando no mundo do trabalho.
Essa presunção de necessidade considera-se afastada pela ocorrência das situações referidas na parte final da norma. Assim, o legislador optou por estabelecer duas situações concretas e tipificadas em que a presunção de necessidade não se verifica, quais sejam o processo de educação ou formação estar concluído ou ter sido interrompido de forma voluntária antes de o filho ter 25 anos, e uma situação geral ou ampla, com recurso a um conceito aberto que permitirá abarcar uma multiplicidade de situações que à partida não são previsíveis ou tipificáveis, mas que permitam concluir ser irrazoável exigir os alimentos.
Um caso em que é admissível invocar a cláusula de razoabilidade, tornando inexigível a comparticipação, é quando o filho viole gravemente os seus deveres para com o progenitor não convivente (cfr. art. 2013.º, n.º 1, al. c), do CCiv, aplicável por analogia). Com efeito, não é exigível a este progenitor continuar a contribuir para os encargos da vida familiar, respeitantes a despesas com o sustento e educação de filho maior, quando este não cumpre, em relação a ele, os deveres de respeito, auxílio e assistência a que alude o art. 1874.º do CCiv” (J. H. Delgado de Carvalho in O novo regime de alimentos devidos a filho maior ou emancipado; contributo para a interpretação da Lei n.º 122/2015, de 1/9, Blog do IPCC).
Portanto, em jeito de conclusão, do ponto de vista do direito material, o novo regime introduzido pela Lei 122/2015 estendeu até aos 25 anos a obrigação de contribuição para o sustento do filho imposta pelo art. 1880º, do CC e o correspondente direito do filho ao recebimento de tal contribuição.

Importa agora saber, do ponto de vista processual, quem tem legitimidade para exercer este direito.

Não é, nem nunca foi, controverso que o filho maior pode exigir alimentos ao progenitor e pode cobrá-los coercivamente.
A controvérsia reside em saber se, além do filho, o progenitor convivente também tem legitimidade para exercer tal direito após a maioridade daquele.

Do ponto de vista processual, a Lei 122/2015 introduziu também alterações pois o art. 989º, do CPC, passou a ter a seguinte redação:

1 - Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores.
2 - Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respetivo processo, a maioridade ou a emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso.
3 - O progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, nos termos dos números anteriores.
4 - O juiz pode decidir, ou os pais acordarem, que essa contribuição é entregue, no todo ou em parte, aos filhos maiores ou emancipados.

O nº 3 do art. 989º, do CPC, na sua nova redação, veio assim introduzir a possibilidade de o progenitor com quem o filho vive demandar o outro progenitor com vista a obter o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação do filho, atribuindo-lhe diretamente legitimidade ativa para instaurar tal ação.
Importa saber se esta alteração processual tem alguma repercussão na questão da legitimidade ativa do progenitor convivente no que toca à possibilidade de obter o cumprimento coercivo das prestações de alimentos fixadas no período da menoridade, mas que perduram até o filho ter 25 anos.
Como é sabido, a interpretação da lei não deve cingir-se à letra da lei, antes deve reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. E nessa interpretação há que ter em conta que o sistema jurídico deve formar um todo harmonioso, racional e lógico, pois só assim se garante a unidade do sistema jurídico nos termos impostos pelas regras interpretativas enunciadas no art. 9º, do CC.

No que se refere à matéria que o legislador quis salvaguardar e acautelar com a Lei 122/2015, é importante chamar à colação o referido na exposição de motivos do Projeto de Lei N.º 975/XI.

Consta de tal exposição que:
“É hoje comum que, mesmo depois de perfazerem 18 anos, os filhos continuem a residir em casa do progenitor com quem viveram toda a sua infância e adolescência e que, na esmagadora maioria dos casos, é a mãe.
Tem vindo a verificar-se, com especial incidência, que a obrigação de alimentos aos filhos menores cessa, na prática, com a sua maioridade e que cabe a estes, para obviar a tal, intentar contra o pai uma ação especial.
Esse procedimento especial deve provar que não foi ainda completada a educação e formação profissional e que é razoável exigir o cumprimento daquela obrigação pelo tempo normalmente requerido para que essa formação se complete. Como os filhos residem com as mães, de facto são elas que assumem os encargos do sustento e da formação requerida.
A experiência demonstra uma realidade à qual não podemos virar as costas: o temor fundado dos filhos maiores, sobretudo quando ocorreu ou ocorre violência doméstica, leva a que estes não intentem a ação de alimentos.
Mesmo quando o fazem, a decretação dos processos implica, por força da demora da justiça, a privação do direito à educação e à formação profissional. (...)
A alteração legislativa proposta vai ao encontro da solução acolhida em França, confrontada, exatamente, com a mesma situação, salvaguardando no âmbito do regime do acordo dos pais relativo a alimentos em caso de divórcio, separação ou anulação do casamento, a situação dos filhos maiores ou emancipados que continuam a prosseguir os seus estudos e formação profissional e, por outro lado, conferindo legitimidade processual ativa ao progenitor a quem cabe o encargo de pagar as principais despesas de filho maior para promover judicialmente a partilha dessas mesmas despesas com o outro progenitor.”

Em nosso entender, a Lei 122/2015 pretendeu retirar ao filho maior o ónus de ter que demandar o progenitor não convivente tanto para obter, como para tornar efetivo o pagamento da contribuição necessária para o seu sustento, desonerando-o de, na sequência da aquisição da plena capacidade de exercício de direitos decorrente da maioridade, ter de ser ele próprio a demandar o progenitor não convivente para atingir aquele objetivo. O novo regime pretende que o filho seja retirado do centro do conflito atinente à questão relativa ao seu próprio sustento, permitindo que essa questão de índole patrimonial seja tratada unicamente entre os dois progenitores. O que bem se compreende, pois obrigar que seja o filho a ter que demandar o progenitor não convivente para obter a contribuição para o seu sustento tem reflexos negativos nas relações interpessoais e, na prática, inibe os filhos maiores de exercerem os seus direitos por não quererem envolver-se diretamente numa demanda judicial com o outro progenitor.
Por outro lado, consideramos que o novo regime pretende facilitar ao progenitor convivente o recurso aos meios processuais destinados a obter ou tornar efetivo o pagamento da contribuição para as despesas do filho. Na prática é este progenitor que, por viver com o filho, tem que responder de forma rápida, direta e imediata às necessidades que o mesmo tem, justificando-se por isso que se alargue a possibilidade de recurso aos meios legais com vista a obter do outro progenitor a contribuição para as despesas do filho.
Portanto, das disposições conjugadas dos arts. 1905º, nº 2, do CC e 989º, do CPC, interpretadas à luz da intenção legislativa e das considerações que se vem de fazer, concluímos que se pretendeu conferir legitimidade ativa ao progenitor com quem o filho vive para desencadear os procedimentos necessários relativos ao pagamento das despesas com o sustento, segurança, saúde e educação dos filhos, obrigação de pagamento que tendencialmente perdura até o filho ter 25 anos de idade, sendo que tal legitimidade abrange quer a possibilidade de instauração da ação prevista no nº 3 do art. 989º, do CPC, quer a possibilidade de cobrança coerciva dos alimentos já fixados na menoridade.
Não faria sentido, por um lado, estender a obrigação de pagamento dos alimentos fixados na menoridade até aos 25 anos de idade, e, por outro lado, retirar ao progenitor que anteriormente tinha legitimidade para cobrar essas prestações tal faculdade, fazendo-a recair sobre o filho maior.
Essa interpretação implicaria que, do ponto de vista material ou substantivo, eliminava-se a caducidade da pensão aos 18 anos, estendendo-a automaticamente (salvas as exceções da parte final da norma) até aos 25 anos para evitar que o filho tivesse de demandar o progenitor pedindo alimentos numa nova ação; mas depois, do ponto de vista processual, só ao filho se reconhecia legitimidade ativa para instaurar a ação para cobrança coerciva da prestação, retirando essa legitimidade ao progenitor convivente. Esta solução, do ponto de vista prático, inutilizaria a finalidade que se quis alcançar com a Lei 122/2015.
Parece-nos, pois, que a extensão da obrigação de pagamento da pensão de alimentos até aos 25 anos mantém inalterada a legitimidade ativa que era reconhecida ao progenitor convivente durante a menoridade do filho, estendendo-a durante o período em que se mantenha a obrigação de pagamento daquela pensão.
Naturalmente que, a par desta legitimidade, existe também a legitimidade do filho, o qual, por ter atingido a maioridade e ter cessado a sua incapacidade para o exercício de direitos, passou a poder ele próprio obter o cumprimento coercivo da pensão de alimentos fixada. Questão que, como se referiu, nunca foi objeto de controvérsia.
Portanto, e em conclusão, no período entre os 18 e os 25 anos de idade, tanto o filho como o progenitor com quem ele vive têm legitimidade ativa para desencadear os procedimentos legais necessários para obter a cobrança coerciva da prestação de alimentos fixada na menoridade, podendo optar por qualquer um dos que a lei lhe faculta, seja o incumprimento previsto no RGPTC, seja a execução por alimentos.
É verdade que o titular do direito a alimentos, mesmo durante a menoridade, é o próprio menor e não o progenitor convivente. E, em regra, os titulares do interesse relevante para efeitos de legitimidade são os sujeitos da relação material controvertida (art. 30º, nº 3, do CPC). Porém, tal norma ressalva na sua parte inicial a falta de indicação da lei em contrário. Ora, consideramos que esta situação se insere precisamente nessa exceção pois que o progenitor convivente, embora não seja o titular do direito de alimentos, possui, por força da lei, legitimidade ativa, para, em representação ou substituição do filho maior, exigir do progenitor não convivente o cumprimento coercivo da prestação de alimentos fixada durante a menoridade e que vigorará, por extensão legal das normas conjugadas dos arts. 1880º e 1905º, nº 2, do CC, até aos 25 anos de idade.
Por outro lado, o art. 989º, nº 3, do CPC, confere ao progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não possam sustentar-se a si mesmos a possibilidade de exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, nos termos dos números anteriores.
Ora, mal se compreenderia, que à luz deste normativo, se conferisse legitimidade ativa ao progenitor convivente para propor uma ação contra o outro progenitor com vista à fixação de uma contribuição para o sustento e educação do filho maior e lhe fosse negada a legitimidade ativa para executar coercivamente a obrigação de contribuir para o sustento e educação do filho que já se encontra fixada desde a menoridade e que perdura para além dela até que o filho atinja 25 anos de idade.
Atentos os objetivos que a Lei 122/2015 quis alcançar e as situações que pretendeu evitar, não faria sentido retirar ao progenitor a legitimidade para coagir ao cumprimento da prestação já fixada, mas atribuir-lhe legitimidade para pedir a fixação de uma nova prestação destinada à mesma finalidade.

No sentido de o progenitor com quem o menor vive ter legitimidade ativa para peticionar os alimentos fixados durante a menoridade, mas vencidos após a maioridade do filho, em sede de incumprimento ou de execução, vejam-se os Acórdãos da Relação de Guimarães, de 21.6.2018, Relatora Margarida Sousa, e de 10.7.2018, Relatora Sandra Melo, e da Relação de Lisboa, de 4.4.2019, Relator Jorge Leal, 21.11.2019, Relator António Valente e de 20.9.2018, Relatora Maria Teresa Pardal, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
No mesmo sentido, veja-se ainda Questões do Regime do Processo Tutelar Cível, Coleção de Formação Contínua, CEJ, pág. 93, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/eb_QRGTPC.pdf.

Refere o recorrido que competia à recorrente, antes de mais, demonstrar no processo a inércia da filha maior esclarecendo perante o tribunal, se a jovem D. L. tomou anteriormente alguma iniciativa processual contra o recorrido e, em caso negativo, o que resultou para que tal não acontecesse.
Com o devido respeito por opinião díspar, a verdade é que não vemos na lei de onde resulta esta exigência de demonstração da inércia do filho maior como condição para o exercício do direito por parte do progenitor, pois nada é referido a tal propósito nas normas que regem esta matéria e que supra se referiram.
É evidente que não podem correr duas ações contra o progenitor com vista à cobrança coerciva dos alimentos, uma instaurada pelo filho, outro pelo progenitor convivente. Se tal ocorrer, verificar-se-á uma situação de litispendência. Coisa diferente é exigir a demonstração da inércia do filho em desencadear os procedimentos como condição para o progenitor convivente poder desencadear o procedimento coercivo, exigência que não se vê que seja feita na lei.

Do que se acaba de expor, conclui-se que a recorrente tem legitimidade ativa para suscitar o incumprimento do pagamento das pensões de alimentos e contribuição para despesas escolares e de saúde da filha, prestações essas que foram fixadas durante a menoridade, não obstante as mesmas se terem vencido após a maioridade da filha.

Assim, a apelação procede e a decisão recorrida tem que ser revogada, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos com a apreciação das questões suscitadas no incumprimento deduzido.
*
Sendo o recurso procedente, o recorrido tem de suportar as custas respetivas, nos termos do art. 527º, nº 1 e 2, do CPC.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida, consideram que a recorrente tem legitimidade ativa para suscitar o incumprimento e determinam que os autos prossigam os seus ulteriores termos com a apreciação das questões aí suscitadas.
Custas da apelação pelo recorrido.
Notifique.
*
Guimarães, 5 de novembro de 2020

(Relatora) Rosália Cunha
(1ª Adjunta) Lígia Venade
(2º Adjunto) Jorge Santos