Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
48/18.9T8MDR-A.G1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
RECUSA DE HOMOLOGAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Embora o processo especial de revitalização assuma feição marcadamente extrajudicial, tal não significa que a liberdade e a autonomia da vontade dos intervenientes no processo não sofram limitações e não possam ser contrariadas pelo tribunal.

II - O Plano não pode lesar manifesta e injustificadamente os interesses dos credores.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I - Maria C. instaurou o presente processo especial de revitalização (PER) com vista à satisfação dos seus credores.
O processo foi liminarmente admitido, tendo sido nomeado para o exercício do cargo de Administrador Judicial Provisório o Dr. J. S..
O Sr. Administrador juntou lista provisória de créditos, a qual foi objeto de impugnação.
As impugnações foram decididas por despacho junto a fls. 178-180, ref. 20837433.
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A fls. 215 e ss. veio o credor ‘Banco X.’ requerer a não homologação do plano especial de revitalização junto a 13.12.2017, alegando, em suma, que, o aqui devedor, no âmbito do presente processo especial de revitalização, propôs quanto aos credores garantidos (no qual parte do crédito do aqui Requerente se insere) o seguinte:
O credor ‘Banco X.’ votou contra o plano de revitalização, cfr. ref. 27772672.
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Concluídas as negociações foi concedido prazo para votação do plano apresentado pela devedora tendo votado credores representando 98,14% dos créditos relacionados.
Votaram favoravelmente o plano de recuperação os credores que representam 50,06% dos créditos.
Votaram contra credores representando 49,94% dos créditos.

No seguimento foi proferida a seguinte decisão:

Pelo exposto, decide-se não homologar o plano de revitalização apresentado por Maria C., nos termos do 17.º-F, n.ºs 5, 6, 7 e 10 do C.I.R.E..

Inconformada a requerente interpôs recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:

A. Compulsada a votação, verifica-se que o Plano foi aprovado com 50,06% dos votos favoráveis, conforme consta da decisão ora em recurso.
B. Não obstante a aprovação, o Tribunal a quo viria a não homologar o Plano aprovado, ao abrigo do disposto no art. 216.º, nº1 alínea a) do CIRE.
C. O facto alegado pela credora em causa de que a devedora é proprietária de um prédio cujo valor patrimonial é de 193.102,18€ e que 60% do seu crédito garantido é um valor inferior a esse mesmo valor patrimonial é extraordinariamente redutor e não está minimamente circunstanciado.
D. De facto, a devedora não é a única proprietária do prédio em causa, o que por si só implicaria que o produto da venda do mesmo nunca poderia ser canalizado no seu todo para o pagamento aos credores do mesmo, mormente o credor garantido aqui em causa. - cfr. doc. nº1
E. O que acontece igualmente com o segundo imóvel referido pela credora Banco X, o qual tem um valor patrimonial de 76.653,36€, e no qual a aqui Devedora é igualmente proprietária de 1/2 do mesmo. - cfr. doc. nº2
F. Sendo que a venda de parte de um bem é manifestamente desvalorizador do mesmo, sendo que nem sequer seria expectável que o valor arrecadado com tal venda fosse metade do valor indicado.
G. Motivo pelo qual falece desde logo o argumento de que 60% do valor da dívida seria inferior ao valor do prédio efetivamente da propriedade do devedor.
H. Aliás e como bem refere a Exma. Sra. Juiz a quo, o crédito garantido do credor Banco X é de 487.386,83€ e o crédito comum do mesmo credor é de 1.481,31€.
I. Ora de acordo com o Plano apresentado, a Devedora propõe pagar à referida credora o montante de 292.432,10€ por conta do crédito garantido e 592,52€ por conta do crédito comum, valores que, salvo o devido e maior respeito, são substancialmente superiores aos valores que poderiam resultar de uma eventual liquidação do ativo da Devedora.
J. Isto já para não falar que no Plano está expressamente consagrado a cláusula de regresso de melhor fortuna, donde o valor indicado ainda pode ser substancialmente aumentado
K. Ainda que equacionássemos que da liquidação do ativo da Devedora resultaria o valor correspondente a 50% dos valores patrimoniais dos dois prédios - (193.102,18€ + 76.653,36€) / 2 - o valor alcançado seria unicamente de 134.877,77€, ou seja um valor inferior a 50% do que efetivamente receberão ao abrigo do Plano.
L. Donde salvo o reiterado respeito, não pode resultar jamais e em tempo algum a conclusão plasmada na decisão ora em recurso de que a credora teria uma situação mais favorável na ausência de qualquer Plano.
M. Com a introdução do PER no CIRE, a satisfação dos direitos dos credores deixou de ocupar o lugar privilegiado que vinha tendo, passando, doravante (manifesto é que com a Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, se alterou o paradigma, passando a integrar o objetivo principal o da possibilidade de recuperação ou revitalização do devedor, em detrimento da figura da sua liquidação), a recuperação do devedor a consubstanciar, também, um fim atendível no âmbito do CIRE, maxime em sede do PER.
N. Paralelamente e como consta expressamente do Plano, as garantias existentes mantêm-se, pelo que o crédito da credora Banco X manter-se-á garantido, mais um motivo para inexistir qualquer prejuízo da credora Banco X em relação ao que sucederia na ausência de qualquer plano.
O. Donde resulta inequivocamente que na ausência do Plano de recuperação ora aprovado jamais e em tempo algum teria a credora em causa, ou quaisquer outros uma situação mais favorável do que a prevista no Plano.
P. De facto e como decorre do texto do Plano é através da manutenção da actividade da Devedora que será possível gerar rendimentos suficientes para pagar as dívidas aos seus credores.
Q. Nesta conformidade verifica-se inexistir motivo para a não homologação do Plano, designadamente o constante no art. 216.º, nº1 alínea a) do CIRE

O recorrido Banco X apresentou contra alegações nas quais pugna pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -.

Nos presentes autos não foram elencados os factos provados.
No entanto, dos autos e com interesse para a decisão do recurso importa considerar que:

O credor ‘Banco X.’ veio a 18.12.2017, cfr. fls. 215 e ss. apresentar requerimento nos termos do disposto no artigo 17.º F, n.º 2 do C.I.R.E., requerendo a não homologação do Plano especial de revitalização junto aos autos em 11.12.2017.

Alega, em suma, que a devedora, no âmbito do presente processo especial de revitalização, propôs quanto aos credores garantidos (no qual parte do crédito do aqui Requerente se insere) o seguinte:
a) Período de carência de capital de 36 meses, iniciados após trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de revitalização;
b) Perdão de juros vencidos e vincendos;
c) Perdão de 40% do capital em dívida;
d) Pagamento de 30% do capital em divida, em 160 prestações mensais e sucessivas, com inicio após o decurso do período de carência de capital;
e) Reembolso de 30% do capital no final do período referido na alínea d) (pagamento bullet).

A devedora pretende pagar ao Banco – 60% do capital em divida quanto ao crédito comum .

A devedora propôs quanto aos credores comuns (no qual parte do crédito do aqui Requerente também se insere) o seguinte:

a) Período de carência de capital de 36 meses, iniciados após trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de revitalização;
b) Perdão de juros vencidos e vincendos;
c) Perdão de 60% do capital em dívida;
d) Pagamento de 20% do capital em divida, em 160 prestações mensais e sucessivas, com inicio após o decurso do período de carência de capital;
e) Reembolso de 20% do capital no final do período referido na alínea d) (pagamento bullet).

O imóvel de que a devedora é proprietária - prédio urbano … - garante três créditos reclamados pelo ora Requerente.
Tal imóvel tem um valor patrimonial de € 193.102,18.
É também proprietária da meação do imóvel descrito na CRP de Vila Nova de Gaia …. Prédio urbano com o valor patrimonial de € 76.653,36.
Sobre os dois imóveis recaem hipotecas a favor do Banco X.
E o valor do crédito garantido do Banco X é de € 487.386,83,acrescido de juros no valor de €13.947,12
O passivo importa em € 2.051.956,34
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Concluindo-se as negociações ( cfr. artº 17º-F, nº3 ), o plano de recuperação considera-se aprovado quando venha ele a reunir a maioria dos votos prevista no n.º 1 do artigo 212.º do CIRE para a aprovação de um plano de recuperação no âmbito de um processo de insolvência

Após a votação e aprovação do plano de recuperação, incumbe então ao juiz decidir se deve homologar ou recusar o plano no prazo de dez dias a contar da recepção do mesmo ( cfr. artº 17-F, nº5 e 6) , aplicando-se, para o efeito, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º, sendo que, a decisão do juiz vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações.

O artigo 195º do CIRE encontra-se inserido no seu Titulo IX, para onde nos remete directamente o preceituado no artigo 17º-F, nº5, onde se predispõe o seguinte:

«O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, (…), aplicando com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no titulo IX, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º.».

Por seu turno e de acordo com o disposto no artigo 194º do mesmo código, o plano deve obedecer ao princípio da igualdade de todos os credores, sendo nulo qualquer acordo que confira vantagens a credores.

Dispõe também o citado artigo 195º que o plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência, assim como deve indicar a sua finalidade, descrever as medidas para a sua execução (…) e contém todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, indicando o artigo nas diversas alíneas alguns dos elementos que devem constar dos mesmos.

Como se refere no Ac. do STJ de 27/10/2016, disponível em www.dgsi.pt “apesar do papel residual que está deferido ao tribunal no PER, dúvidas também não pode haver que esse papel é determinante em sede de aferição da legalidade do procedimento. Na verdade, o processo conclui-se com uma intervenção judicial, à qual são aplicáveis (17º-F, nº 5), com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no Titulo IX, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º. Compete assim ao juiz, nos termos da primeira destas disposições, o dever de controlar a legalidade do plano, devendo recusar oficiosamente a sua homologação se acaso concluir por uma violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza. (…)”

De acordo com o artigo 215º do citado código o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza (…).

Então, verdadeiramente do que se trata, para decidir se ela justifica ou não a recusa de homologação de um plano aprovado pelos credores – (…) – é de avaliar a relevância, ou não, da violação constatada.

Menezes Leitão in “Direito da Insolvência”, 5ª ed., 2013, pág. 266, defende que, “o juiz rege-se aqui por considerações de legalidade, mas apenas pode recusar a homologação em caso de “violação grave não negligenciável” das regras procedimentais ou de conteúdo do plano.”

E, acrescenta, “violações consideradas menores, que não ponham em causa o interesse do devedor e dos credores afectados, não constituirão causa suficiente para que o juiz possa recusar a homologação do plano.”.

E, na sequência do exposto, outra questão se coloca, ou seja, saber o que deve compreender-se por “violação não negligenciável” que imponha a recusa de homologação do plano de revitalização, uma vez que o legislador não a define, “com efeito, o que deva considerar-se vício negligenciável nem fornece objectivamente pistas que iluminem a descoberta da resposta”, como bem referem, Carvalho Fernandes e João Labareda, (CIRE, Anotado.


Tal como referem os referidos autores (ob. citada pág. 119) “dir-se-á que são negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretam a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são desconsideráveis as infracções que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido (…).
Daqui decorre, que o plano de revitalização deverá ser elaborado tendo como pano de fundo o normativo inserto no artigo 195º, devendo seguir com as devidas adaptações, tendo em atenção a situação particular de cada empresa, as especificações aí propostas.

O artigo 216º, º nº 1, al. a) do CIRE prevê que o plano deve ser rejeitado a requerimento de um credor caso a sua situação ao abrigo do plano fique previsivelmente menos favorável do que a que ocorreria na ausência de tal plano.

Como se refere no Ac. desta Relação de 4/3/14, em www.dgsi.pt como resulta outrossim do artigo 192º, do CIRE, o que está vedado ao plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, na falta de acordo dos lesados, é nele se sujeitar a regimes diferentes os credores que se encontrem em circunstâncias idênticas, e sem a verificação dum quadro objectivo que sustente uma tal diferenciação, sendo que, ainda que perante credores inseridos numa mesma classe, e dotados até de semelhantes garantias creditórias, nada obsta a que se estabeleçam/fixem diferenciações, exigindo-se tão só que assentem elas em circunstâncias objectivas que justifiquem o tratamento diferenciado.

Essencial é ainda que, no âmbito das diferenciações adoptadas, as razões objectivas que justificam o tratamento diferenciado de determinados credores e plasmadas no plano de recuperação, neste último se encontrem com clareza e rigor devidamente concretizadas, identificadas e explicadas ( cfr. artº 195º, do CIRE) , maxime que do plano resulta a ratio que justifica , exige e aconselha ( em razão sobretudo do objectivo último pretendido de, no final, se conseguir uma efectiva revitalização do devedor) o tratamento diferenciado conferido a certos credores”

No caso, o que foi proposto ao recorrido foi o perdão de 60% do capital em dívida a pagar no prazo de dezasseis anos, para os créditos comuns e 40 para os créditos garantidos, assim como o perdão da totalidade dos juros, o que acarretaria para o recorrido uma situação mais desfavorável do que aquela que resulta de uma eventual liquidação.

Como se refere na sentença recorrida” a instauração do processo de revitalização visa efetivamente permitir aos devedores a sustentabilidade das dívidas e recuperação em concordância com o pagamento dos seus débitos.
Não permite no entanto que ab initio se traduza num perdão de mais de metade do passivo, o que, no caso em apreço, atendendo ao reduzido valor do capital a pagar, se nos afigura acontecer.
O perdão que está previsto no plano subverte de todo a finalidade do PER.

Em síntese, pese embora o processo especial de revitalização se resolver num procedimento de feição marcadamente extrajudicial, tal não significa que a liberdade e a autonomia da vontade dos intervenientes no processo não sofram limitações e não possam ser contrariadas pelo tribunal.
Não permite, no entanto, que o plano apresentado pelo devedor lese manifesta e injustificadamente os interesses dos credores.
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III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação improcedente confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Guimarães 3 de Maio de 2018.