Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5011/17.4T8VNF-A.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
LIVRANÇA
AVAL
PACTO DE PREENCHIMENTO
PREENCHIMENTO ABUSIVO
VALIDADE DAS OBRIGAÇÕES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O artº. 77º., da L.U.L.L., mandando aplicar às livranças as disposições relativas às letras em branco, removeu qualquer obstáculo à perfeição da obrigação cambiária quando a livrança, ainda que incompleta, contenha uma ou mais assinaturas se tiverem sido nela apostas exprimindo a intenção dos respetivos signatários de se obrigarem cambiariamente, sendo que o essencial para que ela seja válida e eficaz, e possa vir a ser utilizada como título executivo, é que se mostre preenchida até ao momento do ato do pagamento.

II - O preenchimento deve fazer-se observando o que tiver sido estabelecido, podendo definir-se o contrato de preenchimento como “o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede de pagamento, a estipulação de juros”, acordo este que poderá ser expresso ou tácito

III – É válida a obrigação resultante do aval, apesar de ser uma obrigação futura, por estarem desde o início definidos os critérios para a sua determinabilidade.

IV – Se o avalista tiver tido intervenção no pacto de preenchimento pode opor ao portador da letra, ou da livrança, se ela não tiver ainda entrado em circulação, a exceção do preenchimento abusivo, mas recaindo sobre si o ónus de provar a desconformidade do preenchimento com o acordo que havia sido estabelecido.

V – Um acordo que autoriza o credor a completar o preenchimento de uma livrança “quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o crédito” do devedor, não configura cláusula relativamente proibida, como a descrita na alínea b) do art.º 19.º da LCCC.
Decisão Texto Integral:
SUMÁRIO

I - O artº. 77º., da L.U.L.L., mandando aplicar às livranças as disposições relativas às letras em branco, removeu qualquer obstáculo à perfeição da obrigação cambiária quando a livrança, ainda que incompleta, contenha uma ou mais assinaturas se tiverem sido nela apostas exprimindo a intenção dos respectivos signatários de se obrigarem cambiariamente, sendo que o essencial para que ela seja válida e eficaz, e possa vir a ser utilizada como título executivo, é que se mostre preenchida até ao momento do acto do pagamento.
II - O preenchimento deve fazer-se observando o que tiver sido estabelecido, podendo definir-se o contrato de preenchimento como “o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede de pagamento, a estipulação de juros”, acordo este que poderá ser expresso ou tácito
III – É válida a obrigação resultante do aval, apesar de ser uma obrigação futura, por estarem desde o início definidos os critérios para a sua determinabilidade.
IV – Se o avalista tiver tido intervenção no pacto de preenchimento pode opor ao portador da letra, ou da livrança, se ela não tiver ainda entrado em circulação, a excepção do preenchimento abusivo, mas recaindo sobre si o ónus de provar a desconformidade do preenchimento com o acordo que havia sido estabelecido.
V – Um acordo que autoriza o credor a completar o preenchimento de uma livrança “quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o crédito” do devedor, não configura cláusula relativamente proibida, como a descrita na alínea b) do art.º 19.º da LCCC.
**

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- J. C. e A. B. deduziram os presentes embargos de executado, por oposição à execução comum, para pagamento de quantia certa, que lhes move a exequente “X Sociedade de Garantia Mútua, S.A.”, invocando a nulidade da citação para a execução e a inexigibilidade da quantia exequenda, por preenchimento abusivo da livrança exequenda quanto à data de vencimento da livrança e inerente prescrição da dívida cambiária.

Aceitando que figuram na livrança como avalistas, alegam que a dívida subjacente se venceu em 2012, altura em que foram interpelados para pagar, tendo terminado em 24/08/2012 o prazo que lhes foi concedido para o pagamento. Sustentam que uma vez que não pagaram, entraram em “incumprimento definitivo do contrato” pelo que a livrança devia ter sido preenchida com data de vencimento de 24/08/2012, nos termos constantes do pacto de preenchimento, e não com a data que dela consta (04/08/2014), pelo que foi violado este pacto e ocorreu a prescrição da obrigação cambiária, posto que a execução foi intentada quando já tinha expirado o prazo de três anos.

Recebidos os autos foi proferido douto despacho que considerou sem efeito o pedido de declaração de nulidade da citação, por erro no meio processual adequado, e considerou manifestamente improcedente a alegação dos Embargantes, indeferindo liminarmente os embargos.

Inconformados, trazem os Embargantes o presente recurso propugnando pela revogação da supra referida decisão, a ser substituída por outra que “admita e julgue a oposição à execução e decrete prescrito o título executivo”.
O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.
Colhidos, que se mostram, os vistos legais, como decidir.
**
II.- Os Apelantes/Embargantes formularam as seguintes conclusões:

1. Os aqui Recorrentes vêm recorrer do despacho que determinou o indeferimento liminar da oposição à execução apresentada por aqueles, e através do qual se afirmou que a livrança estava correctamente preenchida pois de acordo com o contrato assinado, a Exequente era livre para preencher a livrança quando o entendesse conveniente.
2. Entendeu a M.ma Juiz que a data do vencimento da livrança, muito embora não seja idêntica à data do efectivo incumprimento está correctamente aposta naquele documento, e como tal, tal obrigação cambiária não se encontra prescrita.
3. Ora, salvo melhor opinião, os Recorrentes não concordam com a decisão proferida pelo tribunal a quo.
4. É verdade que foi celebrado contrato de mútuo entre a Exequente e a empresa JF unipessoal.
5. Também é verdade que nesse seguimento foi entregue uma livrança em branco como garantia do cumprimento daquele contrato, na qual constam como avalistas os aqui Recorrentes.
6. E também é verdade que no pacto de preenchimento assinado por todas as partes intervenientes vem estipulado que a aqui exequente recebeu uma livrança em branco e que, passamos a citar, " ... ficou autorizada a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo que constitua o seu crédito".
7. Contudo, não concordam os Recorrentes que se interprete tal cláusula como dando poderes à Exequente para esta preencher a livrança como quiser, sem existência de quaisquer limites, tanto os contratualmente fixados, como os decorrentes dos princípios mais básicos do direito, como princípio da segurança jurídica, boa-fé e da primazia da materialidade subjacente.
8. De facto, a Recorrida interpelou os embargantes/Recorrentes, e a empresa JF Unipessoal, em 16.08.2012 para pagamento integral de tal dívida, tendo-lhe dado o prazo de 5 dias para efectuarem tal pagamento, tal como tinha sido acordado no pacto de preenchimento 9. Acontece que, nem os Recorrentes nem o devedor principal, efectuaram o pagamento dos montantes devidos, tendo consequentemente entrado em incumprimento definitivo, tal como acordado, a partir do dia 24 de Agosto de 2012.
10. Assim, e devido à inércia injustificável da aqui Exequente, esta só intentou acção para cobrança de tal dívida em 2017, tendo aposto como data de vencimento de tal livrança 04.08.2014 sem qualquer justificação.
11. Tal aposição, no nosso modesto entender, é ilegal.
12. Isto porque, primeiramente, a data do incumprimento definitivo é de 24 de Agosto de 2012, pois os executados foram interpelados em 16.08.2012 para efectuarem o pagamento.
13. Tal como resulta do pacto de preenchimento o incumprimento definitivo verificar-se-ia quando, após interpelação, não fosse efectuado o pagamento no prazo de 5 dias (ver no ponto 2) " ...pagar à X todos os montantes que a X venha a pagar à Caixa em cumprimento da garantia prestada no prazo máximo de cinco dias após interpelação que, para esse efeito esta vos faça, findo o qual serão devidos juros moratórios sobre o montante em débito").
14. Por outro lado, como nada foi dito expressamente no pacto de preenchimento, a data de vencimento nunca poderia ser contrária ao estipulado em todo o contrato, devendo ler-se e interpretar-se o contrato como um todo.
15. Defender interpretação contrária abriria porta ao livre arbítrio, e à possibilidade de todo e qualquer exequente cobrar a dívida quando lhe apetecesse, nem que fosse 20 anos depois, pois "quanto mais tarde cobrar a dívida melhor (mais juros recebe).
16. A ausência de diligência por parte da embargada para cobrar o crédito em questão aumentou exponencialmente o valor da dívida face ao valor do mútuo contraído, sendo que inclusive a presente acção só foi intentada em 2017, mais de 5 anos depois de "decretado" entre as partes o incumprimento definitivo.
17. A omissão da exequente no preenchimento da livrança resultou o agravamento da prestação da embargante, uma vez que o capital em dívida continuou a vencer juros acrescidos 2 pontos percentuais aos legais.
18. Por outro lado, e atendendo à interpretação feita pelo tribunal a quo, tal cláusula constante no pacto de preenchimento é ilegal, pois não está de acordo com o estabelecido no art. 19° nº 1 al. b) da Lei das Cláusulas contratuais gerais que é proibida toda a cláusula que "Estabeleçam, a favor de quem as predisponha, prazos excessivos para o cumprimento, sem mora, das obrigações assumidas", sendo uma cláusula ilegal, e logo nula.
19. Dito isto, nunca poderia ter sido proferido despacho liminar de indeferimento da oposição à execução, devendo tal oposição ser aceite, e ser decretada a prescrição do título executivo, pois o início de contagem do prazo de prescrição do título executivo ocorreu em 24.08.2012, pois essa é a data de vencimento que deve constar no mesmo, e não a aposta pela Exequente.
**
III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

As questões que vêm enunciadas nas conclusões acima transcritas são:

- observância, na datação, do pacto de preenchimento da livrança; e
- validade do pacto de preenchimento.
**
B) FUNDAMENTAÇÃO

IV.- Considerado o alegado pelos Apelantes e os documentos juntos aos autos a fls. 7 e 8, e ainda 9, tem-se como certo que:

1.- A sociedade comercial “JF, Unipessoal, Ld.ª”, no âmbito da “Linha de Crédito PME Investe IV”, linha específica para as Micro e Pequenas Empresas, celebrou com a Caixa ... um contrato de mútuo no valor de € 25.000.
2.- A Exequente “X – Sociedade de Garantia Mútua, S.A.”, emitiu, em nome e a pedido daquela sociedade comercial, uma garantia autónoma à primeira solicitação a favor da Caixa ..., pelo valor de € 18.750.
3.- Ficou contratualmente estipulado que “Se qualquer um dos montantes garantidos” não fosse pago pela referida sociedade comercial, “total ou parcialmente, nas datas do respectivo vencimento, a X obriga-se, incondicional e irrevogavelmente, e sem possibilidade de oposição de quaisquer meios de defesa, incluindo por excepção, de que a Empresa se pudesse prevalecer contra a CAIXA, a pagar os montantes garantidos…” (alínea c), a fls. 7 dos autos).
4.- Como contrapartida desta garantia autónoma, a referida sociedade comercial ficou obrigada a:

“1) Pagar à X uma comissão de garantia sobre o valor dos saldos vivos garantidos e em dívida em cada momento do tempo…”.
“2) Pagar à X todos os montantes que a X venha a pagar à CAIXA em cumprimento da garantia prestada no prazo máximo de cinco dias após a interpelação que, para esse efeito, esta vos faça, findo o qual serão devidos juros moratórios sobre o montante em débito” (n.os 1 e 2, a fls. 7 e v.º dos autos).
5.- Ficou ainda estabelecido que: “4) Para garantia de todas as responsabilidades que para V. Exas emergem do presente contrato, deverão entregar, nesta data, à X livrança em branco por V. Ex.as subscrita e avalizada pelas entidades abaixo identificadas as quais expressamente e sem reservas dão o seu acordo ao presente contrato e às responsabilidades que para si emergem do mesmo. A referida livrança ficará em poder da X, ficando esta, desde já, expressamente autorizada quer pelo subscritor quer pelos avalistas, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre V. Ex.as(n.º 4, a fls. 7v.º dos autos).
6.- Os ora Apelantes/Embargantes assinaram o documento que se vem de transcrever, na qualidade de AVALISTAS.
7.- A Exequente apresentou como título executivo um impresso de livrança, totalmente preenchido, indicando como:
- “Local e data de emissão: Porto, 2014-07-23”.
- “Importância: 8388,58€”, que também se encontra escrita por extenso.
- “Vencimento: 2014.08.04”.
- “Titulação da Garantia Autónoma 2010.02573”.
8.- A referida livrança está subscrita pela “JF Unipessoal, Lda” e no verso consta as assinaturas dos ora Apelantes/Embargantes cada uma delas encimada pela declaração “Dou o meu aval à firma subscritora”.
9.- A X efectuou dois pagamentos à Caixa ... no valor global de € 7.566,61 e em 16/08/2012 interpelou os ora Apelantes e a sociedade comercial referida para pagamento integral da dívida, concedendo-lhes o prazo de 8 dias para efectuarem tal pagamento (itens 22, 23 e 24 do requerimento de embargos).
10.- Nenhum dos três interpelados pagou a dívida, que ainda se encontra por liquidar (item 25 do requerimento de embargos).
**
V.- Como resulta do que acima se deixa transcrito, aceitam os Embargantes que, na qualidade de avalistas: assinaram em branco a livrança apresentada como título executivo; deram o seu expresso consentimento para o preenchimento da livrança; foram interpelados para pagarem a dívida decorrente do acordo que assinaram; e (até hoje), não efectuaram o pagamento.

Extrai-se de quanto alegaram que nunca antes tentaram pagar, seja em prestações, seja a dívida por inteiro.

Apenas se insurgem os Apelantes contra a data de vencimento aposta na livrança, defendendo que ela devia coincidir com a data do termo final do prazo que lhes foi concedido para pagar, por ser aquela em que “entraram em incumprimento definitivo do contrato”.

1.- O artº. 77º., da L.U.L.L. (Lei Uniforme de Letras e Livranças), mandando aplicar às livranças as disposições relativas às letras em branco, removeu qualquer obstáculo à perfeição da obrigação cambiária quando a livrança, ainda que incompleta, contenha uma ou mais assinaturas se tiverem sido nela apostas exprimindo a intenção dos respectivos signatários de se obrigarem cambiariamente, sendo que o essencial para que ela seja válida e eficaz, e possa vir a ser utilizada como título executivo, é que se mostre preenchida até ao momento do acto do pagamento (cfr., por todos, o Ac. do S.T.J. de 04/04/2002, Cons. Ponce Leão, in www.dgsi.pt.), já que não há nenhuma norma legal que determine o momento em que ela se deve apresentar integrada por todos os seus elementos essenciais.

O preenchimento deve fazer-se observando o que tiver sido estabelecido, podendo, com ABEL DELGADO, definir-se o contrato de preenchimento como “o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede de pagamento, a estipulação de juros”, acordo este que poderá ser expresso ou tácito (in “Lei Uniforme sobre Letras e Livranças”, 5ª. Edição, 1984, pág. 82/83).

São igualmente aplicáveis às livranças as disposições relativas ao aval – cfr. artº. 77º., último parágrafo – que é uma garantia de pagamento, como resulta do artº. 30º., ou, mais precisamente, o “acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra, ou da livrança, garante o pagamento dela por parte de um dos seus subscritores”, como refere FERRER CORREIA (ob. cit., pág. 206 e 207), tendo, por isso, a natureza jurídica de uma garantia.

É inequívoco que a obrigação do aval, ainda que se trate de uma obrigação futura, posto que estão definidos os critérios para a sua determinabilidade, é perfeitamente válida – cfr. Acórdão do S.T.J. de 16/10/2003 (ut Procº 03B2506, Cons. Araújo de Barros, in www.dgsi.pt) e ALMEIDA COSTA (in “Direito das Obrigações”, 12ª. edição, pág. 709).

Como vem sendo entendimento pacífico, só se o avalista tiver tido intervenção no pacto de preenchimento é que pode opor ao portador da letra, ou da livrança, se ela não tiver ainda entrado em circulação, a excepção do preenchimento abusivo (cfr., por todos, o Ac. do S.T.J. de 11/02/2010, Cons. Serra Baptista, in www.dgsi.pt), recaindo sobre si o ónus de provar a desconformidade do preenchimento com o acordo que havia sido estabelecido – cfr. artº. 342º., nº. 2 do Código Civil (C.C.).

Os ora Apelantes deram o seu aval à subscritora da livrança, e, por ele, garantiram o pagamento da importância que estivesse em dívida, pelo que só com a efectiva liquidação do débito honrariam a obrigação que assumiram, decerto que, livre e voluntariamente – cfr. artº. 406º., nº. 1, do C.C.

2.- Crê-se que a alegação dos Apelantes se funda na confusão dos conceitos de mora e incumprimento definitivo.

O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, não efectue a prestação, ainda possível, no tempo devido – cfr. art.os 804.º, n.º 2 e 762.º, n.º 1, do C.C., -, sendo certo que, na falta de estipulação ou disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela – cfr. art.º 777.º, n.º 1 do C.C..

A mora só se transforma em incumprimento definitivo se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou quando a prestação não for realizada dentro do prazo adicional que razoavelmente for fixado pelo credor – cfr. n.º 1 do art.º 808.º do C.C..

Daqui resulta que a transformação da mora em incumprimento definitivo é um direito potestativo do credor (e não do devedor, como parece pretenderem os Apelantes), direito que só lhe será reconhecido se demonstrar que, devido ao tempo decorrido, já não tem para si interesse receber a prestação a que o devedor se vinculara (sendo que a perda do interesse é apreciada objectivamente, ou seja, segundo um critério de razoabilidade própria do comum das pessoas), ou então, quando demonstre ter feito a chamada interpelação admonitória ao devedor, intimando-o a cumprir no prazo suplementar e peremptório que lhe fixa.

Ora, nada disto alegam os Apelantes, que nem tampouco dizem se manifestaram por qualquer meio à Exequente a vontade de não pagarem a dívida, sendo, por isso, confrangedoramente insubsistente o fundamento em que assentam a sua tese, sendo certo que a “ausência de diligência por parte da embargada para cobrar o crédito”, (que invocam na conclusão 16), não deve ter valoração diferente da sua própria “ausência de diligência” para pagarem a dívida, cujo pagamento reconhecem ter assumido, sendo certo que decorre da lei a obrigação do devedor indemnizar o credor dos danos causados pela mora, indemnização que nas obrigações pecuniárias corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora – cfr. art.os 804.º e 806.º, do C.C..

De resto, o decurso do prazo de três anos fixado no art.º 70.º da L.U.L.L. apenas prescreve a acção cambiária, não extinguindo a dívida, cujos prazos de prescrição constam dos art.os 309.º a 311.º do C.C..

A única consequência é a de a letra ou a livrança deixarem de valer como títulos de crédito, passando a valer como quirógrafos da dívida, e enquanto tais podem valer como títulos executivos desde que o credor alegue, no requerimento executivo, os factos consubstanciadores da relação subjacente, como de há muito vem sendo pacificamente entendido, e tem agora consagração expressa na alínea c) do n.º 1 do art.º 703.º do C.P.C..
**
VI.- Como último fundamento de defesa da sua posição argúem os Apelantes a nulidade da cláusula que convenciona o acordo de preenchimento, alegando que ela integra a cláusula proibida referida na alínea b) do art.º 18.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (Lei das Cláusulas Contratuais Gerais – LCCC).

O Diploma legal referido, que transpõe para o ordenamento jurídico interno legislação europeia, visa introduzir algum equilíbrio nas situações em que, pela massificação dos contratos, estes contêm cláusulas que são unilateralmente predispostas por um dos contraentes sem que ao outro seja dada a possibilidade de as alterar ou, sequer, recusar.

Porque, regra geral, os contratantes quando negoceiam não estão numa posição de paridade, houve necessidade de se introduzirem mecanismos de protecção da parte mais débil, que é o consumidor, defendendo-o das cláusulas nocivas e injustas, impostas unilateralmente.

É, no fundo, a violação do princípio do equilíbrio das prestações que o contrato sinalagmático pressupõe, que justifica se considerem nulas aquelas cláusulas que, sem justificação, criam desequilíbrios a favor de uma das partes, prejudicando a outra.

A protecção do consumidor contra “condições de crédito abusivas” foi, de resto, uma preocupação da então Comunidade Europeia, manifestada na Directiva 87/102/CEE, de 22/12/1986 (alterada pela Directiva nº. 90/88/CEE, de 22/02/1990), que se manteve presente nas Directivas que lhe sucederam com vista à harmonização das legislações dos Estados-Membros nesta matéria – Directiva 93/13/CEE, do Conselho, de 5/04/1993 e a Directiva 2011/83/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25/10/2011.

O acento tónico de todas estas Directivas vai no sentido do reconhecimento de um efectivo direito à informação do consumidor.
Dever de informar que se não restringe à comunicação do singelo teor das cláusulas contratuais mas abrange também o sentido da interpretação que delas faz o predisponente, sendo este um aspecto tão mais importante quanto é certo que só uma vontade esclarecida é uma vontade livre.

A LCCC nos artos. 5.º; 6º.; e 8.º estabelece regras e princípios com vista a efectivar o direito à informação, cominando com a exclusão do contrato as cláusulas contratuais em relação às quais se não tenham observado aquelas normas.

Não é, porém, a violação deste dever de comunicação que os Apelantes invocam – dever que, por isso, se tem por cumprido.

Vem invocada uma cláusula relativamente proibida, prevista na alínea b) do art.º 19.º da LCCC – são proibidas as cláusulas contratuais que estabeleçam, a favor de quem as predisponha, prazos excessivos para o cumprimento, sem mora, das obrigações assumidas.

Nesta, como nas demais situações elencadas no referido art.º 19.º, como refere JOSÉ MANUEL ARAÚJO DE BARROS, a proibição “decorrerá de valoração a efectuar pelo aplicador da lei, tendo em conta o conjunto de circunstâncias que normalmente envolvem o tipo de contrato em que a cláusula é inserida”, referindo ainda que “nos enunciados das cláusulas relativamente proibidas são utilizados conceitos abertos e indeterminados, a preencher através de uma valoração casuística”, e “para concretizar estes conceitos indeterminados, o aplicador da lei irá ter de apelar a juízos de conteúdo sociológico-normativo” (in “Cláusulas Contratuais Gerais”, Coimbra Editora, págs. 193 e 224).

Este juízo valorativo, como refere o Acórdão do S.T.J. de 21/03/2006, “tem de se operar em função das cláusulas tomadas na sua globalidade e de acordo com a generalidade dos padrões considerados na sua “compatibilidade e adequação ao ramo ou sector de actividade negocial a que pertencem”, excluindo-se uma justiça do caso concreto (tendo em consideração as concretas partes do processo e o concreto contrato sub judicio) como resulta da aludida referência, como bitola legal, ao “quadro negocial padronizado” (in “Colectânea de Jurisprudência”, Acórdãos do S.T.J., ano XIV, tomo I, pág. 146 sgs.).

Relembra-se que o que está em causa são os princípios da boa fé e do equilíbrio das prestações contratuais.

Revertendo ao caso dos autos é forçoso concluir que da cláusula em análise não resulta qualquer obrigação contratual para a Exequente (obrigação contratual que, como os próprios Apelantes confessam, cumpriu pontualmente, pagando à Caixa … a importância que esta lhe exigiu) não estabelece qualquer prazo de cumprimento, e nem as disposições que regem o acordo do preenchimento se podem considerar ofensivas da boa fé contratual.

Esta é a prática corrente, que é socialmente aceite, e dela não decorre nenhuma situação de favorecimento excessivo para o credor.

Trata-se, afinal, de dotar o credor de um instrumento eficiente para executar o seu crédito, contra o devedor relapso (ou seja, aquele que foi intimado para pagar e, não discutindo, sequer, a dívida, nem procurando, eventualmente, renegociá-la, pura e simplesmente a não paga).

Improcede, pois, também este fundamento de oposição à execução.

A pretensão recursiva dos Apelantes não merece, assim, provimento, devendo antes manter-se o que foi doutamente decidido pelo Tribunal a quo.
**
C) DECISÃO

Considerando quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente confirmando e mantendo a decisão impugnada.
Custas pelos Apelantes, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhes foi concedido.
Guimarães, 28/02/2019

Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho