Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2300/10.2TBVCT.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
ADMINISTRADOR
RESPONSABILIDADE CIVIL
DANO DIRECTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/23/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. A responsabilidade dos gerentes/administradores no quadro normativo do artº 78º do CSC deve qualificar-se como responsabilidade extracontratual, exigindo a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, não se presumindo a culpa, recaindo sobre o credor social o ónus de provar os factos integradores da responsabilidade civil.
II.A inobservância de normas legais do direito societário constitui um dano directo da sociedade, desde que se verifique o necessário nexo de causalidade e um dano indirecto dos credores sociais, desde que resulte diminuição e o património da sociedade se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos.
III. Deve entender-se por património insuficiente para satisfação dos respectivos créditos, fórmula utilizada no artº 78º do CSC, a insuficiência do activo líquido disponível em relação ao passivo exigível.
IV. Provado que o administrador da sociedade R. vendeu três fracções de que a sociedade era proprietária aos seus filhos, não se tendo provado que a verba proveniente dessa venda não ingressou no património da sociedade, tal venda não constitui um dano directo da sociedade, nem diminui o seu património.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório
D…, com domicílio profissional na E.N. 13, n.º 2, Esposende, instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra C…, S. A., J… e mulher, M…, pedindo que:
A) Seja declarado o incumprimento, pela lª Ré do contrato-promessa de compra e venda dos autos, relativamente às fracções autónomas “G”, “J” e “L”,
B) Seja o 2º R. condenado no pagamento ao autor da quantia de 623.497,36 €, acrescida de juros, contados da prática dos factos ilícitos pelo 2° Réu e até efectivo pagamento;
C)Seja a lª Ré condenada no pagamento ao autor da quantia de 14.891,78 €, relativa aos custos suportados pelo autor relativamente às fracções prometidas, acrescido de juros de mora civis, vencidos desde a data do seu pagamento até efectivo e integral reembolso; D)Subsidiariamente, e com relação ao pedido formulado em B), ser o 2º Réu condenado no pagamento ao autor da quantia que se vier a apurar corresponder à diferença entre o montante por que possa responder o património actual da lª. Ré, e o total do crédito do autor, acrescida de juros, contados da prática dos factos ilícitos pelo 2º réu;
E) Procedendo o pedido formulado em D), seja o 1ª R. condenado no pagamento ao autor do montante pelo qual possa responder o seu património actual, relativamente ao crédito daquele; e
Alega, em síntese que, em 29.04.2000, a lª Ré, como promitente-vendedora, representada pelo seu então administrador único, Á…, e M…, como promitente-comprador, celebraram contrato-promessa de compra e venda relativo a 6 apartamentos com as letras A, E, F, G, J e L com a tipologia T3, sitos nos 1°, 2° e 3° andares, incluindo 6 garagens, no rés-do-chão e cave, com os n.ºs. 15, 12, 13, 11, 14 e 2, inteiramente livres de quaisquer ónus ou encargos, os quais iriam fazer parte de dois edifícios, à data em construção, nos lotes 21 e 22, de um prédio sito no lugar do Cais Novo, freguesia de Darque, concelho de Viana do Castelo, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 2264 (actualmente 3275) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n°. 1594 (actualmente, 1988).
O preço global da venda foi fixado em escudos 125.000.000$00 (cento vinte cinco milhões de escudos), o equivalente a euros 623.497,37 € (seiscentos vinte três mil quatrocentos noventa sete euros trinta sete cêntimos), dos quais foram pagos pelo promitente-comprador à 1ª ré, 374.098,42 € (trezentos setenta quatro mil e noventa e oito euros e quarenta dois cêntimos), ficando os restantes 249.398,95 € (duzentos quarenta nove mil trezentos noventa oito euros e noventa cinco cêntimos) de ser entregues no acto da escritura de compra e venda.
Em 3.06.2001, M…, como promitente-cedente, e o autor, como promitente-cessionário, celebraram contrato-promessa de cessão de posição contratual, mediante o qual este tomaria a posição daquele no contrato acima identificado.
Em 11.10.2002, o autor pagou à 1ª Ré, na pessoa do seu administrador único, o 2° Réu, a quantia de 124.699,00 €, e em 11.04.2003, a quantia de 124.699,00 €.
Na “Declaração/Recibo e Acordo” subscrita pelo autor e pelo 2º Réu, em representação da lª. Ré, esta obrigou-se a outorgar as escrituras de compra e venda das fracções a favor do autor, ou de quem este indicasse, já que, sendo o autor gestor imobiliário, destinou as fracções a venda.
Em 11.04.2003, a lª. Ré, na pessoa do 2º Réu, comprometeu-se, sempre que tal lhe fosse comunicado com aviso prévio de 30 dias, a entregar todos os documentos necessários e dos quais fosse portadora para instrução das escrituras públicas de compra venda, relativas às fracções prometidas vender, bem como assinar quaisquer documentos para o efeito, e ainda comparecer, fazendo-se representar na pessoa do seu administrador, no cartório notarial em dia e hora designados para a outorga das escrituras públicas de cada uma das referidas fracções. Nessa data, o autor já havia negociado a fracção A que, em 11.10.2002, já havia sido transmitida directamente pela 1ª Ré para terceiro.
O autor teve a fracção L praticamente vendida a um interessado, em 2009, e o negócio gorou-se pelo facto da 1ª ré não ter obtido os documentos necessários, designadamente o distrate da hipoteca que incidia sobre a mesma.
Encontram-se ainda por vender, as fracções “G”, “J” e “L”.
Nem os réus, nem ninguém, distrataram a hipoteca incidente sobre as fracções “G”, “J” e “L”.
A lª Ré não tinha, nem tem hoje, condições económicas e/ou financeiras que lhe permitam cumprir o acordado com o autor, por não ter, nem poder obter, dinheiro para cancelar as hipotecas.
A incapacidade económica e financeira da lª Ré é consequência directa da actuação do seu administrador único, o 2º Réu.
O 2º, réu, para além de administrador único da 1ª ré, é também accionista desta, juntamente com a esposa M… (a ora 2ª R.) e o filho de ambos, M… .
O 2° réu e esposa têm, ainda, mais 2 filhos: F… e T… .
Em 19.07.2006, 23.02.2007 e 22.06.2007, a 1ª ré vendeu a cada um dos filhos do casal constituído pelos 2º réus, uma fracção do prédio em causa, tendo para tanto cancelado as hipotecas respectivas junto do banco credor, BII - Banco de Investimento Imobiliário.
Todas as vendas referidas foram da exclusiva iniciativa do 2º réu, uma vez que nenhum dos identificados filhos tinha necessidade de adquirir as fracções que foram por eles compradas, já que todos vivem em outros locais, permanecendo as referidas fracções vazias, ou, pelo menos, não sendo por eles utilizadas.
O 2º réu, enquanto administrador único da lª ré, não destinou nenhuma das quantias recebidas, aquando das escrituras vindas de referir, nem posteriormente, ao distrate das fracções prometidas vender ao autor, ao aumento do património da lª ré nem ao investimento em benefício desta, o que vem acarretando para esta empresa um aumento de encargos junto do banco financiador.
Pelo contrário, as aludidas vendas e o produto dos empréstimos contraídos apenas serviram para aumentar o património da família do 2º réu, mulher e filhos.
Com esta actuação o 2º réu prejudicou o património da 1ª ré, que ficou amputado de três fracções autónomas, livres de ónus ou encargos, sem que o produto da venda delas tivesse redundado em benefício daquela. Tornando-se, assim, por força da actuação do 2º réu, insuficiente para a satisfação do crédito do autor.
Alega ainda, que pagou as despesas de condomínio das fracções “G”, “J” e “L”, nos anos de 2003 a 2009, num total de 8.433,42 €, e o Imposto Municipal sobre Imóveis relativo ao ano de 2006, num total de 667.58 €.
Para além disso, procedeu à pintura de 2 das fracções identificadas no que gastou 300,00 €; colocou, em duas das fracções aludidas, caldeiras de aquecimento e radiadores, tendo pago por esta melhoria um total de 3.195,78 €; colocou ainda novos equipamentos, numa das aludidas fracções, que substituíram os equipamentos anteriores, de qualidade inferior e já desactualizados, tendo pago um total de 2.295,00 €.
Face ao incumprimento pela lª ré do contrato-promessa dos autos, entende que deixou de haver causa justificativa para o enriquecimento dela à custa do autor, no refere à quantia de 9.191,00 €, correspondentes aos custos com despesas de condomínio e IMI. Os melhoramentos levados a cabo traduzem benfeitorias, necessárias e úteis, efectuadas nas fracções prometidas, valorizando-as no montante total de 5.790,78 €, de que também pretende ser ressarcido.
Os réus contestaram, defendendo-se por impugnação e por excepção. Arguíram a ilegitimidade dos 2ºs RR. para serem demandados na acção a título pessoal, pois que nada têm a ver com o negócio celebrado entre o autor e a ré sociedade.
Os RR. admitiram a celebração do contrato-promessa, os pagamentos efectuados e que as fracções em questão não se encontram distratadas, pelo facto da lª R. se encontrar a passar por algumas dificuldades económicas. No entanto, alegam que esta tem ainda património bastante para obter financiamento - o que está a tratar – ou mesmo vender parte desse património, e assim distratar aquelas fracções, como é da sua obrigação. Caso, no entanto, o A. pretenda fazer as escrituras, antecipando, ele próprio o pagamento de distrate, todos os demais documentos para a escritura, encontram-se prontos, e a lª R. disposta a celebrar essas escrituras.
Não contesta o incumprimento do contrato, facto que imputa às dificuldades em que caiu, por falta de liquidez, devido à crise que se abateu sobre o sector da construção, em que se viu envolvida.
Concluíram pela procedência da excepção de ilegitimidade invocada e pela total improcedência da acção.
O autor replicou, impugnando a matéria de excepção deduzida pelos réus, concluindo como na petição inicial e pela improcedência da excepção de ilegitimidade. Neste articulado ampliou a causa de pedir e o pedido, por entender que a dívida do 2° réu resultante da diminuição provocada no património da lª ré teve o conhecimento e a anuência da 2ª ré, que igualmente soube da intenção, e concretização, das diversas vendas efectuadas a seus filhos. A 2ª R. beneficiou dos dinheiros recebidos pelo marido, designadamente os que se referem ao produto da venda das fracções em questão, com os quais o casal constituído pelos 2ºs réus fez face a despesas do seu lar, alimentando-se, vestindo-se e suportando outros encargos da vida familiar e doméstica, pelo que a dívida é da responsabilidade de ambos os réus.
Conclui assim, como na petição inicial, mas sendo os pedidos formulados nas alíneas B), D) e F) dirigidos, também, contra a 2ª ré.
Os réus apresentaram tréplica, na qual impugnam a matéria alegada que fundamenta a ampliação da causa de pedir e do pedido, concluindo pela sua improcedência e como na contestação.
Foi elaborado despacho saneador, onde foi julgada improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade dos réus e foi seleccionada a matéria de facto assente e a controvertida relevante para a decisão da causa.
Depois do despacho saneador os RR. vieram ainda excepcionar a litispendência (entre a presente acção e a execução nº 1359/11.0TBVCT a correr seus termos no 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, no qual é exequente, Banco de Investimento Imobiliário e executada, a aqui 1ª Ré e apelada) e a incompetência do tribunal a quo, em razão do território, tendo ambas as excepções sido julgadas improcedentes.
A final foi proferida sentença cuja parte decisória tem o seguinte teor:
- Declaro o incumprimento, pela lª Ré “C…, S.A.”, do contrato-promessa de compra e venda referenciado na alínea A) dos factos assentes, relativamente às fracções autónomas “G”, “J” e “L”, nele mencionadas;
- Condeno essa Ré “C…, S.A.”[1], no pagamento ao autor D…, da quantia de 623.497,36 € (seiscentos e vinte e três, quatrocentos e noventa e sete euros e trinta e seis cêntimos), acrescida de juros civis, à taxa legal em vigor, contados do dia 7 de Junho de
2010 e até efectivo pagamento;
- Condeno a mesma Ré “C…, S.A.”, no pagamento ao autor D…, da quantia de 9.101,00 € (nove mil cento e um euros), acrescida de juros civis, à taxa legal em vigor, contados da citação (uma vez que se desconhece a data concreta de pagamento das verbas em causa) e até efectivo pagamento;
- Julgo improcedente o demais peticionado pelo autor contra a Ré “C…, S.A.”, de que vai absolvida.
- Absolvo os réus J… e M…, dos pedidos contra eles formulados.
O A. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, no qual formulou as seguintes conclusões:
(…)
A parte contrária contra-alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões:
(…)

II – Objecto do recurso
Considerando que:
. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,

. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

as questões a decidir são as seguintes:

. se devem ser admitidos os documentos juntos pelo apelante com as alegações do presente recurso;
. se devem ser alteradas as respostas aos artigos 21º a 27º da base instrutória;
. se o 2º R. deve ser condenado, respondendo nos termos do artº 78º CSC e se a dívida é comunicável à 2ª R.;
. se ocorreu erro na repartição das custas.

III – Fundamentação
Na primeira instância foram considerados provados os seguintes factos:
A) Em 29.04.2000, a lª Ré, como promitente-vendedora, representada pelo seu então administrador único, Á…, e M…, como promitente-comprador, celebraram contrato-promessa de compra e venda relativo a 6 apartamentos, correspondentes às fracções autónomas A, E, F, G, J e L, do tipo 3, nos 1°, 2° e 3° andares, incluindo 6 garagens, no rés-do-chão e cave, com os n.ºs. 15, 12, 13, 11, 14 e 2, inteiramente livres de quaisquer ónus ou encargos, as quais iriam fazer parte de dois edifícios, à data em construção, nos lotes 21 e 22, de um prédio sito no lugar do Cais Novo, freguesia de Darque, concelho de Viana do Castelo, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 2264 (actualmente 3275) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n°. 1594 (actualmente, 1988), conforme documento de fls. 16 e 17 que aqui se dá por reproduzido.
B) A concretização da prometida transmissão “inteiramente livre de quaisquer ónus ou encargos e desembaraçada” justificava-se especialmente visto incidir sobre todo o prédio hipoteca voluntária a favor do Banco de Investimento Imobiliário.
C) O preço global da venda foi fixado em 125.000.000$00 (cento vinte cinco milhões de escudos), o equivalente a 623.497,37 € (seiscentos vinte três mil quatrocentos noventa sete euros trinta sete cêntimos), dos quais foram pagos pelo promitente-comprador à 1ª ré, 374.098,42 € (trezentos setenta quatro mil e noventa e oito euros e quarenta dois cêntimos), ficando os restantes 249.398,95 € (duzentos quarenta nove mil
trezentos noventa oito euros e noventa cinco cêntimos) de ser entregues no acto da escritura de compra e venda.
D) À data da promessa de cessão, mantinha-se por pagar à lª ré a quantia de 249.398,95 €. E) Em 21.02.2002, o 2º réu foi designado administrador único da lª ré, para o triénio 2002/2004, cargo que ainda mantém.
F) Em 11.10.2002, o autor pagou à 1ª ré, na pessoa do seu administrador único, o 2º réu, a quantia de 124.699,00 €.
G) Na “Declaração/Recibo e Acordo” subscrita pelo autor e pelo 2º réu, em representação da lª ré, esta obrigou-se (tal como, aliás, já estava combinado entre as partes) a outorgar as escrituras de compra e venda das fracções a favor do autor, ou de quem este indicasse, já que, sendo o autor gestor imobiliário, destinou as fracções a venda.
H) Em 11.04.2003, o autor pagou à 1ª ré, na pessoa do seu administrador único, o 2º Réu, a quantia de 124.699,00 €, ficando integralmente pago o preço ajustado no contrato-promessa a que alude a al. A).
I) Em 11.04.2003, a lª ré, na pessoa do 2º réu, comprometeu-se, sempre que tal lhe fosse comunicado com aviso prévio de 30 dias, a entregar todos os documentos necessários e dos quais fosse portadora para instrução das escrituras públicas de compra e venda, relativas às fracções “E”, “G”, “J”, “L” e “O”, bem como assinar quaisquer documentos para o efeito, e ainda comparecer, fazendo-se representar na pessoa do seu administrador, no cartório notarial em dia e hora designados para a outorga das escrituras públicas de cada uma das referidas fracções.
J) Aquando do pagamento parcial referido em F), o autor já havia negociado a fracção “A” objecto do contrato-promessa referido em A), fracção que, em 11.10.2002, foi transmitida directamente pela 1ª ré para terceiro.
K) A lª ré, para possibilitar a concretização da escritura, custeou o distrate parcial da hipoteca, que foi cancelada, quanto à fracção “A”.
L) O autor negociou depois as fracções “E” e “F”, as quais foram transmitidas directamente pela lª. ré a terceiros, em 24.01.2005 e 11.04.2003.
M) A 1ª ré, para possibilitar as concretizadas escrituras, custeou o distrate parcial das hipotecas, que foram canceladas, quanto às fracções “E” e “F” .
N) Encontram-se ainda por vender, as fracções “G”, “J” e “L”.
Nem os réus, nem ninguém, distrataram a hipoteca incidente sobre as fracções “G”, “J” e “L”.
O) Entre autor e a 1ª ré, na pessoa do 2° réu foram estabelecidas as seguintes comunicações:
- Em 2.03.2010, o 2° réu escreve a razão para a não realização da escritura: a lª ré não tinha dinheiro para distratar a fracção e negociava com um banco uma conta caucionada;
- Em 22.04.2010, face à inexistência de quaisquer desenvolvimentos por parte dos réus, e perante a pressão feita pelos promitentes-compradores na outorga da escritura, pois o próprio banco iria cancelar o financiamento concedido, ameaçando que um novo nunca seria com as mesmas condições, o autor enviou novo email a solicitar a realização de uma reunião no dia seguinte, 23.04.2010, pelas 19,00 horas;
- Em 26.04.2010, carta do autor, registada com aviso de recepção recebida a 28.04.2010, notificando a 1ª ré, na pessoa do 2º réu, para comparecer no notário, a 6.05.2010, para outorga da escritura relativa às fracções “G”, “J” e “L”;
- Em 10.05.2010. o autor recebeu carta da 1ª ré, datada de 4.05.2010, e posta no correio em 5.05.2010, comunicando “não nos ser possível apresentarmo-nos no dia previsto para a escritura, em 6 de Maio, ao mesmo tempo que solicitamos a indicação de uma data para nos reunirmos com vista à discussão e consequente resolução do diferendo que se encontra pendente”;
- Em 7.05.2010, email agendando reunião para 8.05.2010 (visto que a notícia contida na carta anterior já havia sido transmitida telefonicamente)
- Em 11.05.2010, email agendando reunião para 12.05.2010, face à ausência de resposta ao email da alínea anterior;
- Em 11.05.2010, é recebido email de resposta, do 2º réu, dizendo que não recebera a comunicação de 11/5/10 e a prometer uma data para reunir;
- Em 18.05.2010, falhada a promessa anterior, e-mail no qual o autor se disponibilizava para qualquer dia e hora que o 2° réu pretendesse, para reunirem.
P) A Senhora Notária, Dra. Andreia Amaral, do Cartório Notarial de Esposende, a pedido do autor, certificou a falta de comparência da lª ré às escrituras designadas para 6.05.2010, e a comparência das partes compradoras, Z… e M…, e do autor.
Q) Autor e 2° réu só reuniram em 20.05.2010, tendo este dito que não sabia quando poderia a lª ré reunir condições que lhe permitissem obter os distrates das fracções, particularmente da fracção “L”.
R) Nem os réus, nem ninguém, distrataram a hipoteca incidente sobre as fracções “G”, “J” e “L”.
S) Com relação a estas fracções, a lª ré recebeu do autor, 311.748,68 € (623.497,37 € : 6 x 3).
T) O 2º réu, para além de administrador único da 1ª ré, é também accionista desta.
U) São ainda accionistas da 1ª ré, a esposa do 2° réu, M… e o filho de ambos, M… .
V) O 2° réu e esposa têm, ainda, mais 2 filhos: F… e T… .
W) Em 19.07.2006, a 1ª ré, representada pelo 2º réu, vendeu ao accionista dela, e filho dos 2ºs réus, M…, pelo preço de € 120.000,00, a fracção “Q” do prédio descrito em A), então já construído.
X) A lª ré, representada pelo 2º réu, cancelou a hipoteca incidente sobre a identificada fracção “Q”, a favor do Banco de Investimento Imobiliário.
Y) Em 23.02.2007 a 1ª ré, representada pelo 2º réu, vendeu ao filho dos 2ºs réus, F…, pelo preço de € 102.000,00, a fracção “C” do prédio descrito em A), então já construído.
Z) A lª ré, representada pelo 2º réu, cancelou a hipoteca incidente sobre a identificada fracção “C”, a favor do Banco… .
AA) Em 22.06.2007 a 1ª ré, representada pelo 2º réu, vendeu ao filho dos 2ºs réus, T…, pelo preço de € 102.000,00, a fracção “H” do prédio descrito em A), então já construído.
AB) A lª ré, representada pelo 2º réu, cancelou a hipoteca incidente sobre a identificada fracção “H”, a favor do Banco… .
AC) Em Janeiro de 2009, o accionista da lª ré, e filho do 2º réu e mulher, M…, permutou a fracção “Q” que a lª ré – representada pelo 2º réu – lhe vendera (correspondente a um apartamento com 4 quartos), entregando-a a L… que, por seu turno, entregou ao identificado M…, a fracção “D”, de que era proprietário, correspondente a um apartamento com 3 quartos.
AD) Esta troca concretizou-se através de duas escrituras de compra e venda, ambas celebradas, em locais diferentes, mas na mesma data, 30.01.2009.
AE) Pago o preço integral das fracções, o autor passou a tratar das fracções que lhe foram prometidas comportando-se como dono delas, conservando-as, pagando a respectiva manutenção, pagando as despesas de condomínio, substituindo equipamentos, pagando o imposto municipal sobre imóveis.
AF) O autor pagou as despesas de condomínio das fracções “G”, “J” e “L” nos anos de 2003 a 2009, num total de 8.433,42 €.
AG) O autor pagou o Imposto Municipal sobre Imóveis relativo às fracções “G”, “J” e “L”, relativo ao ano de 2006, num total de 667.58 €.
AH) Ficou na disponibilidade do 2° réu a quantia emprestada pelo banco a seu filho M… – representado, também, pelo pai – aquando da escritura.
AI) O 2º réu, enquanto administrador único da 1ª ré, não destinou nenhuma das quantias recebidas aquando das escrituras vindas de referir, nem nunca, ao distrate das fracções prometidas ao autor.
Das respostas aos artigos da base instrutória:
1) Em 03/06/2001, M…, como promitente cedente, e o autor, como promitente cessionário, outorgaram documento particular, que denominaram de “Contrato Promessa de Cessão de Posição Contratual”, nos termos do qual o primeiro declarou prometer ceder ao segundo, e este prometeu aceitar a posição contratual para si emergente do contrato promessa aludido nas alíneas A) a C) dos factos assentes. -Quesito 1º
2) A 1ª ré C… e o seu administrador, o 2º réu J…, a partir da celebração do documento referido na resposta anterior, aceitaram negociar com o autor na posição de promitente comprador no contrato promessa aludido nas alíneas A) a C) dos factos assentes. -Quesito 2º
3) Durante o Verão de 2009, entre o autor e a 1º ré, através do 1º réu na qualidade de seu administrador, foram estabelecidos contactos relativos ao surgimento de um interessado na compra da fracção L, tendo aquele demandante solicitado a obtenção dos documentos necessários para a outorga da respectiva escritura. -Quesito 3º
4) A 1ª ré, através do seu administrador 2º réu, mostrou-se disponível para envidar esforços no sentido de lograr obter essa documentação, nomeadamente o distrate da hipoteca que incidia sobre essa fracção. -Quesito 4º
5) O autor marcou a realização da escritura para o dia 03/11/2009. -Quesito 5º
6) Por não terem sido reunidas as condições necessárias para o efeito, essa escritura foi adiada para o dia 06/11/2009. -Quesito 6º
7) A ré comunicou que não tinha ainda condições de celebrar a escritura nessa data, que estava a fazer todos os esforços para reunir a documentação em falta o mais rapidamente possível, tendo o autor voltado a agendar a escritura de venda da fracção L para o dia 16/11/2009, o que comunicou ao administrador da 1ª ré por correio electrónico de 09/11/2009. -Quesito 7º
8) Por continuarem a não estar reunidas as condições necessárias para o efeito, mais concretamente a documentação para instrução desse acto notarial, não foi possível a outorga da escritura, facto de que a 1ª ré, através do seu administrador, deu conhecimento prévio ao autor. -Quesito 8º
9) O autor, por email de 10.12.2009, deu conta à lª ré da insatisfação dos compradores da fracção, solicitando um contacto urgente. -Quesito 9º
10) O 2º réu continuou a informar o autor de que estava tentar resolver a situação para lograr obter os documentos em falta. -Quesito 10º
11) Datado de 17.12.2009, o autor e Z… e M…, celebraram o documento de fls. 51 e 52, que denominaram de “Contrato Promessa de Compra e Venda”, no qual fizeram constar as declarações que constituem o seu clausulado, que subscreveram, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. -Quesito 11º e 12º
12) Entre o autor e a 1ª ré, na pessoa do seu administrador 2º réu, foram estabelecidos os contactos referidos nas alíneas I) a V), nas datas e com o conteúdo aí referido. -Quesito 13º
13) Pelo menos desde o Verão aludido na resposta ao quesito 3º, a 1ª ré não dispunha, como ainda não dispõe, de capacidade económica e liquidez financeira que lhe permitisse distratar a hipoteca que incide sobre cada uma das fracções G, J e L em causa nos autos, o que inviabiliza a obtenção do cancelamento desse ónus que incide sobre essas fracções. -Quesito 14º
14) Em 02.06.2010, o autor remeteu carta à 1ª ré, ao cuidado do 2º réu, recebida a 7.06.2010, considerando o incumprimento definitivo do contrato-promessa referido em A). -Quesito 15º
15) Todas as vendas referidas em W), Y) e AA) foram da exclusiva iniciativa do 2° réu, administrador único da lª ré, sendo que, aliás, nenhum dos compradores interveio pessoalmente nas escrituras, antes o tendo feito pessoas da confiança do 2° réu. -Quesito 17º
16) Nenhum dos identificados filhos do 2° réu e mulher tinha necessidade de adquirir as fracções que foram por eles compradas, já que todos vivem em outros locais, permanecendo não utilizadas por eles as ditas fracções (que, aliás, foram adquiridas, segundo nos títulos se lê, para habitação própria e permanente). -Quesito 18º
17) O autor procedeu à pintura de 2 das fracções “G”, “J” e “L”, no que gastou 300,00 € -Quesito 28º
18) O autor colocou, em duas das fracções aludidas, caldeiras de aquecimento e radiadores (só existia pré-instalação de aquecimento central), tendo pago por esta melhoria um total de 3.195,78 €. -Quesito 29º
19) O autor colocou ainda novos equipamentos numa das aludidas fracções, que substituíram os equipamentos anteriores de qualidade inferior e já desactualizados, designadamente uma máquina de lavar louça Zanussi uma placa vitrocerâmica Touch Control Zanussi, tendo pago um total de 2.295,00 €.-Quesito 30º
20) O autor suportou os custos referidos nos precedentes números nas fracções prometidas, na perspectiva do cumprimento do contrato-promessa pela 1ª ré. -Quesito 31º


Da junção de documentos pelo apelante com as alegações do recurso
Com o recurso o apelante juntou cinco documentos cuja junção requereu ao abrigo dos artigos 651º e 425º do CPC.
Os documentos que o A. pretende juntar são extraídos do processo de execução N.º 1359/11.0TBVCT, 4º Juízo Cível, do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, em que é executada a R. sociedade, relativamente ao qual os RR. vieram suscitar a litispendência e dizem respeito à aquisição pelo A. na execução, com dispensa de depósito do preço, das três fracções que tinha pretendido comprar à 1ª R. em causa nestes autos. São os seguintes os documentos juntos com as alegações: título de transmissão a favor do A. da propriedade sobre a fracção L, pelo preço de 100.000,00 que lhe foi adjudicada na execução; contrato de compra e venda das fracções G e J, no total de 140.000,00, vendidas no âmbito da execução; notificação do auto de abertura de propostas e cópia do mesmo, no qual foi decidido adjudicar a fracção L ao ora apelante, credor reclamante naqueles autos; notificação do A. para pagar o IMT, para indicar os seus dados para ser emitido título de transmissão e para pagar o montante do crédito graduado em 1º lugar. Todos os documentos têm data posterior a 17.02.2013, tendo os doc. de fls 720 a fls 735, 739 a 743, data anterior às alegações orais proferidas em 26.11.2013, em 1ª instância.
A parte contrária veio pugnar pela não admissibilidade dos documentos com data anterior ao encerramento da discussão em 1ª instância.
Será permitida ao apelante, nesta fase processual, a junção dos documentos em apreço?

O Código de Processo Civil estabelece limites temporais para a apresentação dos documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa.

Assim, a regra quanto à oportunidade da junção de documentos posteriores ao encerramento da discussão, em 1ª instância, é a de que depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento (artº 425º do CPC) e que sejam pertinentes ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância (o que acontece quando a decisão é de todo surpreendente em relação ao que seria esperado, em face dos elementos constantes dos autos[2]), o que não é o caso da decisão recorrida, nem o A. o invoca.

Tendo os documentos de fls 720 a fls 735, 739 a 743, data anterior à do encerramento da discussão em 1ª instância e nada tendo sido alegado nem demonstrado quanto à impossibilidade da sua junção em data anterior ao referido encerramento, a sua junção não é admissível.

Relativamente aos documentos de fls 736 a 738, embora tenham data posterior, não se mostram pertinentes para as questões submetidas à apreciação deste Tribunal.

Não há que admitir assim a junção dos documentos apresentados pelo apelante com as alegações.

*

*

Antes de entrarmos na análise da matéria de facto, importa referir o seguinte: a R. nas contra-alegações veio suscitar a litispendência desta acção com a acção executiva nº 1359/11.0TBVCT, do 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viana do Castelo. Ora, esta questão já tinha sido suscitada pela R. e sobre a mesma já tinha sido proferido despacho a fls 493, julgando improcedente a excepção. Não foi interposto recurso desta decisão, pelo que vedado está a este Tribunal conhecer da litispendência. Trata-se de questão oficiosa é certo, mas sobre a qual já foi proferida decisão, transitada em julgado.

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Da alteração da matéria de facto

(…)

Mantém-se assim inalterados os factos dados como provados pelo tribunal de 1ª instância.

Do Direito
Pretende o apelante que os 2ºs RR. respondam, solidariamente entre si, nos montantes pelos quais a 1ª R. não consiga responder.
Da interpretação que fazemos do recurso interposto, afigura-se-nos que o apelante defende que estão verificados os pressupostos para que os 2ºs RR. respondam, ainda que o Tribunal não proceda à alteração da matéria de facto.
O apelante formulou um pedido na alínea D) de condenação dos 2ºs RR. no pagamento da quantia que se viesse a apurar corresponder à diferença entre o montante pelo qual o património da 1ª R. pudesse responder e o total do crédito do A., acrescida de juros, contados desde a data da prática dos factos ilícitos pelo 2º R.
Ora, tendo este pedido sido formulado subsidiariamente e tendo procedido o pedido principal[3], não tinha o Tribunal sequer de se pronunciar sobre o mesmo.
Mas admitindo que o A. se expressou em termos inadequados, tendo pretendido cumular diversos pedidos, passamos a apreciar as questões suscitadas.
Alega o apelante que a sentença recorrida não atendeu nas alterações introduzidas pelo DL 76-A/2006, de 29 de Março, ao Código das Sociedades Comerciais, que vieram consagrar a responsabilização dos administradores perante os credores sociais e por outro lado não considerou erradamente que os factos praticados pelo 2º R. constituíssem factos ilícitos e culposos.
Em seu entender, o administrador da R. sociedade ao alienar aos seus três filhos três fracções de que estes não precisavam, amputando o património social destes bens, que foram aumentar o património dos seus filhos, não tendo o dinheiro recebido em contrapartida das vendas sido utilizado nem para distratar as hipotecas que recaíam sobre as fracções prometidas vender, nem sido utilizado em benefício da sociedade, praticou um facto ilícito e culposo gerador de danos, uma vez que diminuiu o património social em benefício da sua família e em prejuízo do seu credor.
Desde logo o apelante parte de factos que não se provaram, o de que a contrapartida da venda das fracções C, H e Q não foi utilizada em benefício da sociedade (resposta não provado aos artºs 21º e 23º da base instrutória).
Lida a sentença recorrida não entendemos que o Tribunal não tenha atentado nas alterações introduzidas pelo DL 76-A/2006, de 29 de Março, ao CSC, embora a redacção citada a fls 674 do nº2 do artº 79º do CSC não contemple as alterações introduzidas pelo referido DL, ao remeter apenas para os nºs 2 a 5 do artº 72º, quando, por força das alterações introduzidas, passou a remeter para os nºs 2 a 6 do artº 72º. A sentença recorrida faz amplas referências à responsabilidade dos administradores perante os credores sociais, pelo que não deixou o Mmo. Juiz a quo de atender às alterações, entretanto, introduzidas.

Dispõe a alínea b) do nº 1 do artº 64º do CSC que os gerentes ou administradores da sociedade devem observar “deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores”.

Os gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos (nº 1 do artº 78º do CSC).

A responsabilidade que está aqui em questão é a responsabilidade baseada na culpa. É unânime o entendimento de que no domínio do artº 78º e também do artº 79º do CSC não há lugar à presunção da culpa a que se refere o nº1 artº 72º do CSC, pelo que o ónus da prova segue a regra geral da responsabilidade extracontratual, recaindo sobre o A. o ónus de provar os diversos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, designadamente a culpa (artº 487º e 342 º do C. Civil), conforme desde logo resulta da remissão para os nºs 2 a 6 do artº 72º, excluindo o nº1 do artº 72º, preceito onde precisamente se encontra consagrada uma presunção de culpa[4].

Como se refere no Ac. do STJ de 12.01.2012[5], “o nó górdio hermenêutico desta questão consiste na aferição do sentido e abrangência da expressão «disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes»”.

Para Coutinho de Abreu[6] “pressuposto primeiro da responsabilidade em análise é a inobservância das “disposições legais ou contratuais destinadas à protecção” dos credores sociais. A ilicitude, aqui, compreende a violação, não de todo e qualquer dever impendendo sobre os administradores, mas tão-só dos deveres prescritos em “disposições legais ou contratuais” de protecção dos credores sociais.”

Este autor não avança com um conceito do que se deve entender por “disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos credores sociais”, dando, no entanto, alguns exemplos de situações que se reconduzem à previsão legal, tais como as normas que provêem à conservação do capital social, ou as que limitam a própria capacidade jurídica das sociedades (artº 6º). Fora do âmbito do CSC, indica o artº 19º do CIRE que prescreve o dever dos administrado­res requererem a declaração de insolvência da sociedade em certas circunstâncias.

No entender do mesmo autor tem também de verificar-se um dano para a sociedade, decorrente da violação das normas de protecção dos credores sociais.

O alcance do artº 78º nº 1 do CSC deve ser interpretado no sentido de não incluir na abrangência da sua previsão todas as normas aplicáveis ao exercício das funções dos titulares dos órgãos sociais e, portanto, ao cumprimento dos seus deveres funcionais, o que criaria um estado de total insegurança jurídica no tocante à responsabilidade dos titulares dos órgãos em questão[7].

A inobservância de normas legais do direito societário constitui um dano directo da sociedade, desde que se verifique o necessário de causalidade, e um dano indirecto dos credores sociais, desde que essa diminuição se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos.[8]. Deve entender-se por património insuficiente para satisfação dos respectivos créditos, a insuficiência do activo líquido disponível em relação ao passivo exigível.

No caso, a responsabilidade da sociedade assenta na responsabilidade contratual – incumprimento do contrato-promessa celebrado com o A., e a responsabilidade dos administradores assenta na responsabilidade por factos ilícitos, extracontratual, cujo regime não é o mesmo. A solidariedade existe entre devedores (artº 497º do CC), mas entre devedores responsáveis nos termos do artº 483º do CC e não com responsabilidades com natureza e regimes diferentes[9]. O 2º R. nunca poderia responder pela devolução do sinal em dobro. Como nota Menezes Cordeiro, a indemnização deve equivaler à medida da insuficiência patrimonial verificada.

A aplicação do nº 1 do artº 78º do CSC depende dos seguintes requisitos cumulativos[10]:

a) que o facto do gerente/administrador constitua uma inobservância culposa de disposições legais destinadas à protecção dos interesses dos credores sociais;

b) que o património social se tenha tornado insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos;

c) que o acto do gerente/administrador possa considerar-se causa adequada do dano.

Por sua vez o art.º 79.º do C.S.Comerciais, só admite a responsabilização na base de danos directos causados aos ofendidos. Estatui o art.º 79.º n.º1 do mesmo diploma legal que “Os gerentes, administradores ou directores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que directamente lhes causarem no exercício das suas funções”. Ou seja, este preceito tem apenas em vista os danos causados directamente pelos gerentes aos sócios ou a terceiros de forma delituosa e não aqueles que resultem duma gestão que os prejudique. O que se exige no art.º 79.º n.º1 do CSC é que o facto ilícito do administrador cause, directamente, ele próprio, um dano ao credor, sem a interferência da sociedade, tudo se passando em moldes tais que a representação da sociedade, mesmo a ser invocada, se mostre irrelevante”[11]. Diferentemente, como se referiu, no art.º 78.º n.º1 do C.S.C., a responsabilidade é por danos indirectamente causados aos credores, como decorrência de dano causado à própria sociedade, consistente em o património social se tornar insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos.

O A. na petição inicial estruturou a acção tendo em vista a responsabilidade do 2º R. com fundamento no artº 78º do CSC.
O A., na petição inicial, não indicou quais as disposições legais destinadas à protecção dos interesses dos credores sociais que foram violadas com a conduta do 2º R. Só agora no recurso vem referir os artº 240º, 241º, 601º, 605º, 606º, 610º do CC e 228º e 229º do CP.
O Código das Sociedades Comerciais contém diversos preceitos legais conferindo protecção aos credores sociais, dos quais são exemplo as normas constantes dos artigos 96º, 101ºA e C, 115º, 138º, 198º e 158º.
Não há preceito legal no CSC que proíba a venda de bens de uma sociedade aos seus sócios/accionistas ou a filhos dos mesmos. Diferente seria que em vez de vender a sociedade R. tivesse transmitido a propriedade das três fracções sem receber qualquer contrapartida, o que não se provou e que é proibido pelo artº 6º/1/2 do CSC.
Pela venda das três fracções foi declarado nas escrituras que a R. sociedade recebeu a quantia de 324.000,00 (120.000,00 + 102.000,00 + 102.000,00), o que não está posto em causa pelo apelante que aceita este recebimento (o que o apelante alega é que não foi utilizado em benefício da sociedade). A quantia a que se refere a alínea AH) da sentença e que ficou na disponibilidade do 2º R. não se reporta à venda de uma das fracções pela sociedade R. ao filho do seu administrador M…, mas sim à venda/troca da fracção Q, na altura já era propriedade do M…, pela fracção D, propriedade de L…, pelo que não era devido qualquer preço à 1ª R., que não interveio nesses contratos. Face aos factos provados, afigura-se-nos que não foram violadas disposições legais destinadas à protecção dos créditos sociais.
Mas ainda que assim não se entenda, não estão reunidos os demais pressupostos legais exigidos pelo artº 78º para a responsabilização do administrador da 1ª R. Vendendo-se um bem e recebendo em contrapartida o seu preço, não tendo sido demonstrado, nem sequer alegado que as fracções tenham sido vendidas por um preço inferior ao seu valor real, nem se tendo provado que o preço não ingressou no património da sociedade, ainda que tal preço não tenha sido afecto ao distrate das hipotecas das fracções G, J e L prometidas vender ao A., não se pode concluir que o 2º R. com o seu comportamento causou um dano directo à sociedade nem muito menos que, em consequências das vendas efectuadas, o património social se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos do A. As vendas aos filhos dos 2ªs RR. ocorreram em 19.07.2006, 23.02.2007 e em 22.06.2007 e a situação de incumprimento da 1ª só se veio a verificar em 2009, altura em que a 1ª R. deixou de pagar o empréstimo ao BII e não conseguiu distratar a hipoteca que recaía sobre a fracção L que o A. pretendia comercializar e para a qual já tinha angariado compradores.
Acresce que o A. também não alegou na petição inicial qual era o património da 1ª R., nem o valor do seu passivo, para se poder concluir pela insuficiência do património para a liquidação dos créditos.
Parece-nos adequada a alusão feita na sentença recorrida de que tais vendas terão sido um meio de conferir liquidez à 1ª R.
Não estão reunidos assim os pressupostos para responsabilizar o 2º R. pela dívida da R. sociedade. Ainda que o 2º R. fosse responsável, tal responsabilidade não se comunicava à sua mulher nos termos da alínea c) do nº 1 do artº 1691º do CC (resposta negativa aos artigos 26º e 27º da base instrutória). E também não poderia ser responsabilizada com base na alínea d) do nº 1 do artº 1691º do CC. A responsabilização do cônjuge do gerente/administrador não tem apoio legal porque inexiste norma legal que qualifique de comerciantes os gerentes e os administradores das sociedades comerciais, conforme se defende no Ac. do TRP de 6.01.2009[12].
Não assiste assim razão ao apelante ao pretender ser indemnizado pelos segundos RR.

Finalmente, atentemos na condenação em custas:
Defende a apelante que apenas decaiu em 0,91%, pelo que não podia ter sido condenada a suportar 1/3 das custas, tendo tido ganho de causa em 99,09% do montante que tinha inicialmente requerido.
O valor da presente acção é de 638.389,14, acrescida de juros e a 1ª R. foi condenada a pagar 632.598,36, também acrescida de juros.
Na determinação da responsabilidade pelas custas há que atender ao valor da acção e ao montante em que o A. decaiu (artº 527/1 e 2 do CPC).
Devem assim ambas as partes responder pelas custas, na proporção do decaimento, que se fixa, tendo em conta o supra exposto, em 1% para o A. e 99% para a 1ª R. (e não na proporção indicada pelo A. de 1/10 e 9/10 que resulta de erro, evidente no contexto em que foi praticado. A proporção, tendo em conta o decaimento, é de 1/100 e de 99/100).


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Sumário:
. A responsabilidade dos gerentes/administradores no quadro normativo do artº 78º do CSC deve qualificar-se como responsabilidade extracontratual, exigindo a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, não se presumindo a culpa, recaindo sobre o credor social o ónus de provar os factos integradores da responsabilidade civil.

.A inobservância de normas legais do direito societário constitui um dano directo da sociedade, desde que se verifique o necessário nexo de causalidade e um dano indirecto dos credores sociais, desde que resulte diminuição e o património da sociedade se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos.

. Deve entender-se por património insuficiente para satisfação dos respectivos créditos, fórmula utilizada no artº 78º do CSC, a insuficiência do activo líquido disponível em relação ao passivo exigível.

. Provado que o administrador da sociedade R. vendeu três fracções de que a sociedade era proprietária aos seus filhos, não se tendo provado que a verba proveniente dessa venda não ingressou no património da sociedade, tal venda não constitui um dano direito da sociedade, nem diminui o seu património.

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.IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em não admitir a junção dos documentos requerida pelo apelante e em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revogar parcialmente a sentença, na parte em que condena o A. e a 1ª R. a pagar custas na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente, condenando o A. e a 1ª R. a pagar custas na proporção do decaimento, que se fixa em 1% para o A. e 99% para a 1ª R.
Not.
Custas nesta instância por ambas as partes na proporção do decaimento.

Guimarães, 23 de Outubro de 2014
Helena Melo
Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade
_________________________
[1] Nem na petição inicial, nem posteriormente, compulsados os autos, se encontra qualquer pedido de condenação da 1ª R. no pagamento da quantia de 623.497,36, mas sim apenas o pedido de condenação dos 2ºs RR. no pagamento desse montante (cfr. alínea B) dos pedidos deduzidos a final na petição inicial e ampliação formulada na réplica). No entanto, não foi suscitada a nulidade da sentença por condenação em objecto diverso do pedido, sendo que a nulidade da sentença não é de conhecimento oficioso e no caso não foi invocada, nem expressa nem implicitamente por qualquer das partes.
[2] António Santos Abrantes Geraldes, Código de Processo Civil-Novo Regime, Coimbra: Almedina, 2010, p.254.
[3] Com a incongruência já referida na nota 2.
[4] Tânia Meireles da Cunha, na sua dissertação de Mestrado, intitulada Da Responsabilidade dos Gestores das Sociedades perante os Credores Sociais ( A Culpa nas Responsabilidades Civil e Tributária), 2ª edição, Almedina. pg.68.
[5] Proferido no proc. 916/03, acessível em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser encontrados todos os acórdãos que venham a ser indicados, sem indicação da fonte.
[6] No seu estudo “Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades”, pg.70.
[7] Miguel Pupo Correia, Sobre a Responsabilidade por Dívidas Sociais dos Membros dos Órgãos da Sociedade, in ROA, ano 61 (Abril 2001),pg. 667.
[8] Crf. Ac. do TRG de 11.10.2011, proferido no proc. 4206/07 e Raul Ventura e Brito Correia, Responsabilidade Civil dos Administradores, pg. 445.
[9] Cfr. se defende no citado Ac. do TRP, proferido no proc. 0826072.
[10] Tânia Meireles da Cunha, obra e página já citadas.
[11] Cfr. se defende no Ac. do TRP de 05.11.2011, proferido no proc. n.º 151236. No mesmo sentido, o Ac. do TRL de 18.09.2007, proc. n.º 6603/2007.
[12] Proferido no proc. 0826072. No sentido de que os gerentes das sociedades comerciais não exercem o comércio em nome próprio, não cabendo no âmbito do artº 13º do Código Comercial, Diodo leite de Campos, em Lições de Direito Comercial, Lisboa, 1985, p. 73; Pinto Coelho, em Direito Comercial Português, p. 242; Jorge Manuel Coutinho de Abreu, em Curso de Direito Comercial, vol. I, 6.ª edição, Almedina, 2006, p. 128 -130; e os acs. do STJ de 23-07-1970, BMJ n.º 195/241, e de 11-10-2007, proc. n.º 7B3336.