Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
223/18.6T8BCL.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: CASO JULGADO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REJEIÇÃO
REGIME JURÍDICO DOS LOTEAMENTOS URBANOS
USUCAPIÃO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Nos termos do disposto no artº 1287º do Código Civil a produção de efeitos da usucapião não poderá efectivar-se em caso de “disposição legal em contrário”.
II. Não deve ser declarada a usucapião em caso de verificação de causas legais impeditivas da mesma ou da produção dos seus efeitos.
III. “Assim acontece quando a invocação e reconhecimento da usucapião traduza violação do regime jurídico imperativo dos loteamentos urbanos”, e, “relativamente a situações que envolvam a violação de normas imperativas cominadas com a nulidade”.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

J. R. e esposa R. B., instauraram a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra S. M. e marido M. J., pedindo que:

a) Se declare que os autores são donos e legítimos proprietários e possuidores do prédio urbano identificado no item 1º da petição inicial, correspondente ao Lote n.º 4, composto por casa de rés do chão e andar, sito no Lugar de …, da freguesia de ..., concelho de Barcelos, com a área de 732m2, a confrontar do Norte com estrada municipal, do Sul, Nascente e Poente com J. F., inscrito na matriz predial urbana sob o n.º … e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …/..., e condenar os réus a reconhecer tal direito de propriedade;
b) Se declare que o limite poente do lote n.º 5, propriedade dos réus, encontra-se deslocado em 2,20 mts para o interior do lote n.º 4, ocupando deste uma porção de terreno com a área de 65 m2, com a configuração de um rectângulo e que se encontra devidamente assinalada e delimitada no documento n.º 12 supra junto (planta que ilustra a faixa de desajuste dos limites entre os lotes 4 e 5, constante da resposta dos peritos ao ponto 35), e condenar os réus a reconhecer que a dita parcela de terreno, com a área de 65 m2, faz parte integrante do prédio dos autores identificado no item 1º da petição inicial;
c) Se condene os réus a restituir aos autores a referida parcela de terreno, com a área de 65 m2, com a configuração de um rectângulo e que se encontra devidamente assinalada e delimitada no documento n.º 12 supra junto (planta que ilustra a faixa de desajuste dos limites entre os lotes 4 e 5, constante da resposta dos peritos ao ponto 35), livre de pessoas e bens;
d) Se condene os réus a pagar aos autores, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de 50,00 € (cinquenta euros) diários por cada dia de atraso que se venha a verificar na restituição aos autores da referida parcela de terreno, com a área de 65 m2, a contar desde a citação e até à efectiva restituição da parcela de terreno livre de pessoas e bens;
e) Se condene os réus a absterem-se, no futuro, da práctica de quaisquer actos que impeçam ou diminuam o exercício do direito de propriedade dos autores sobre a referida parcela de terreno com a área de 65 m2;
f) Se condene os réus a pagar aos autores a quantia de € 2.500,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios, contados à taxa legal desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.
Alegam os Autores, em síntese, que são proprietários de um prédio urbano que corresponde ao lote n.º 4, o qual adquiriram por partilha por óbito de J. F., pai do autor marido e avô da ré mulher.
A adjudicação na partilha apenas visou a formalização da transmissão do direito de propriedade que havia ocorrido anos antes, por doação verbal dos pais do autor marido, sendo que por causa disso os autores, em 1994, já tinham licenciado e edificado uma moradia em tal parcela, na posse da qual já estão há mais de 30 anos.
O prédio dos autores confronta, do lado nascente, com o lote n.º 5, propriedade dos réus, e que adveio à sua posse por doação dos pais da ré mulher à mesma, em escritura outorgada em 19.02.1998.
Ambos os lotes resultaram da operação de loteamento levada a cabo por J. F. a que foi atribuído o alvará de loteamento n.º 49/97 e no qual foram criados 7 lotes.
Já no ano de 1988, o falecido J. F. e mulher tinham procedido à divisão física do prédio originário, com a colocação de marcos, sendo que logo nesse ano, cada um dos 7 filhos ficou a saber qual era a parcela de terreno que lhe cabia.
Quando os pais do autor marido e avós da ré mulher quiseram formalizar a transmissão das 7 parcelas, para os 7 filhos, foi necessário executar uma operação de loteamento.
As construções já existentes nas parcelas 1, 2 e 4 não permitiam o respeito pelas normas legais aplicáveis, pelo que, o falecido J. F., para obviar a tal situação e viabilizar a operação de loteamento, ordenou que o loteamento fosse instruído com planta topográfica na qual foram ficcionadas linhas divisórias distintas da divisão física existente no prédio desde 1988, o que foi feito com o acordo de os 7 filhos continuarem a respeitar a divisão originária efectuada no ano de 1988 e de respeitar as distâncias com as construções já existentes nas parcelas 1, 2 e 4.
Sucede que até os réus decidirem construir a sua habitação, todos os proprietários dos respectivos lotes respeitaram a divisão originária realizada em 1988. Contudo, os réus projectaram a construção da sua habitação com total desconsideração pelos limites fixados por J. F.. Assim, a parcela de terreno dos réus, de acordo com a demarcação física realizada por J. F. em 1988, ocupava uma área de 629m2, mas de acordo com o loteamento resultante do alvará n.º 49/97, a mesma tinha uma área de 715m2.
Os aqui réus instauraram a acção n.º 3007/11.9TBBCL, contra os aqui autores e os proprietários dos demais lotes, onde se concluiu que os (aqui) réus eram proprietários e possuidores do prédio que se acha descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o n.º .../19970925-... e de todas as benfeitorias executadas por estes nesse mesmo prédio e que a parcela de terreno com a área de 86 m2, com a configuração de um rectângulo, delimitada a vermelho na planta topográfica fls. 25 e incorporada no interno do lote n.º 6, faz parte integrante do prédio dos aqui réus. Os autores, na qualidade de proprietários do lote n.º 6, na sequência do trânsito em julgado de tal decisão, restituíram aos aqui réus a parcela de terreno de 86m2.
Mas nessa acção, foi também dado como provado que o limite poente do lote n.º 5 acha-se deslocado 2,20 metros para o interno do lote n.º 4 e distanciado 2,80 metros da casa existente neste, ocupando a área de 65 m2 de terreno do lote n.º 4, tal como este surge delimitado na planta de síntese integrante do alvará de loteamento n.º 49/97, ou seja, o lote n.º 4 de que os autores são proprietários ocupa uma área inferior à que lhe foi atribuída no processo de loteamento, área essa com 65m2, que é ocupada pelo lote n.º 5 de que os réus são proprietários.
Os autores têm sofrido danos de natureza não patrimonial por estarem privados da posse e fruição da dita parcela e por não poderem legalizar os anexos que edificaram, o que lhes causa tristeza, desgosto, desanimo e revolta, danos esses que merecem a tutela do direito.
*
Os réus, válida e regularmente citados, contestaram a acção.
A ré S. M. apresentou a contestação de fls. 117 a 199, onde se defende por excepção e por impugnação. A título de excepção, a ré invoca o caso julgado, defendendo que os pedidos formulados nas als. a) a c) já foram decididos na acção n.º 3007/11.9TBBCL, pelo que, quanto aos mesmos, verifica-se a excepção de caso julgado, o que implica a absolvição do pedido.
No mais, a ré aceita parte da factualidade alegada e impugna a restante, defendendo que o prédio dos autores tem, como sempre teve, apenas a área de 672m2, que se encontra confinada entre os muros divisórios existentes a nascente e poente, pelo que a presente acção tem de improceder.
Defende ainda que os autores litigam com má fé, por deduzirem pretensão cuja falta de fundamento estavam perfeitamente conscientes.

Termina pedindo que:
a) A excepção de caso julgado arguida, seja julgada procedente por provada, com a consequente absolvição dos réus dos pedidos formulados; ou caso assim não se entenda,
b) Deverá a presente acção ser julgada improcedente por não provada, com a consequente absolvição da ré dos pedidos formulados, e
c) Os autores sejam condenados como litigantes de má fé em multa adequada e no pagamento de uma indemnização a favor da ré, a fixar nos termos do art. 543.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
*
Por sua vez, o réu M. J. apresentou a contestação de fls. 144 e ss., defendendo-se por excepção e por impugnação. Defende o réu que se verifica a excepção de caso julgado, havendo a repetição de uma causa anterior já decidida, pelo que os réus devem ser absolvidos da instância. No mais, aceita parte da factualidade alegada pelos autores e impugna a demais e alega ainda que conforme decorre da sentença proferida no processo n.º 3007/11.9TBBCL, os réus há mais de 20 anos que exercem a posse sobre o lote n.º 5, à vista de todos, de forma contínua, sem oposição de ninguém e na convicção de que exercem um direito próprio e, por isso, sempre teriam adquirido a propriedade do lote n.º 5 por usucapião. A actual área e configuração do lote n.º 5 encontra-se abrangida pelo caso julgado da sentença proferida no processo n.º 3007/11.9TBBCL. Já os actos de posse sobre o lote n.º 4 invocados pelo autor apenas e só incidiram sobre a área de 672m2, confinando-se no seu limite nascente ao muro divisório existente. Assim, a acção tem de improceder.
Foi proferido despacho saneador tendo sido conhecida a invocada excepção de caso julgado, julgando-a improcedente.
Foi fixado o “Objecto do litígio” e “Temas de prova”.

Realizado o julgamento veio a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, nos seguintes termos:
Pelo exposto, o Tribunal decide julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência:
A. Declara-se que os autores J. R. e R. B. são proprietários do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o n.º …/... e inscrito na matriz predial urbana sob o n.º …, composto por casa de rés do chão e andar, anexos e logradouro, sito em ..., da freguesia de ..., concelho de Barcelos.
B. Condena-se os réus S. M. e M. J. a reconhecer que a parcela de terreno com a área de 65 m2, com a configuração de um rectângulo e que se encontra assinalada a fls. 66 dos autos, integra o prédio referido em A).( cfr. rectificação de erro de escrita a fls.534 ).
C. Condena-se os réus S. M. e M. J. a restituir aos autores a parcela de terreno referida em B. livre de pessoas e bens.
D. Condena-se os réus S. M. e M. J. a absterem-se da prática de quaisquer actos que impeçam ou diminuam o exercício do direito de propriedade dos autores sobre a parcela referida em B).
E. No mais, absolvem-se os réus S. M. e M. J. dos pedidos.
F. Absolvem-se os autores J. R. e R. B. do pedido de condenação como litigantes de má-fé.
*
Inconformados vieram os Réus recorrer, interpondo recurso de apelação.
O recurso foi recebido como recurso de Apelação, com subida nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresentam, os recorrentes formulam as seguintes Conclusões:

a) - O artigo 581º do Código de Processo Civil estabelece uma tríada de identidade como pressuposto para se verificar a exceção do caso julgado.
b) – No caso concreto, existe identidade de sujeitos.
c) - Tanto na primeira acção como na presente o efeito jurídico pretendido é o reconhecimento do direito de propriedade e a restituição de uma faixa de terreno relativo ao Lote n.º 5, pelo que se verifica a identidade de pedidos.
d) - Existe identidade da causa de pedir, já que tanto na primeira ação como na presente o direito de propriedade reivindicado, com a configuração que se reivindica, deriva do Alvará de loteamento n.º 49/97.
e) - A douta decisão do Tribunal a quo, proferida no despacho saneador, viola o disposto no artigo 581º do Código de Processo Civil.
f) – Os concretos pontos de facto que os Recorrentes consideram incorrectamente julgados são os constantes dos pontos 35 e 36 dos factos provados.
g) – Os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida são os depoimentos da recorrente S. M., do autor J. R. e da testemunha M. L..
h) - Da prova produzida não resultou que o limite poente do Lote n.º 5 se ache deslocado 2,20 metros para o interior do Lote n.º 4, ocupando uma área de 65 m2.
i) - Se por um lado o lote dos RR. dispõe de uma área correspondente à que consta no Alvará, o mesmo não se pode dizer do Lote n.º 3, já que este tem uma área manifestamente superior à constante no Alvará, como resulta do depoimento da testemunha M. L. e das declarações do A. marido e da R.
j) - O próprio A. marido referiu no seu depoimento que nunca tivera dito que a aqui R. ocupou o seu lote, apenas dizendo que lhe faltam metros no Lote n.º 4.
k) - O facto de o lote n.º 4 apresentar uma área distinta da que resulta do alvará de loteamento não pode significar, sem mais, que o limite poente do lote n.º 5 esteja deslocado para o interior daquele.
l) – Os concretos pontos de facto enunciados em 1), ao serem considerados provados, consubstanciam um julgamento incorreto e um claro erro da apreciação da prova.
m) - A insuficiência da prova invocada pelo Tribunal e a decisão sobre a matéria de facto que sobre ela assentou traduz uma violação e uma interpretação inconstitucional do preceituado no artigo 607º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Civil e viola o artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, o que desde já se deixa invocado.
n) - O Tribunal a quo deveria ter considerado não provados os factos constantes dos pontos 35 e 36 dos factos provados.
o) - Há uma violação clara e flagrante dos efeitos e alcance da autoridade do caso julgado de decisão transitada em julgado.
p) - A decisão recorrida colide letalmente com o sentido decisório da sentença proferida no processo nº 3007/11.9TBBCL e viola o respetivo caso julgado material, na sua vertente positiva.
q) - O direito que aquela sentença reconheceu aos aqui RR. é totalmente posto em causa pela douta decisão do Tribunal a quo.
r) – A douta decisão recorrida viola o disposto no artigo 619º do Código de Processo Civil.
s) - Nenhum dos diversos diplomas legais sobre a matéria do loteamento urbano veio impedir a possibilidade de invocação da usucapião sobre os lotes de terreno resultantes de loteamento ilegal.
t) - Resulta dos Acórdãos do STJ de 4/2/2014 e do Tribunal da Relação de Coimbra de 31/5/2005 que “…perante (…) um longo período de tempo, deixa de fazer sentido a invocação do interesse púbico que preside às restrições impostas à divisão, à prévia sujeição aos mecanismos ligados ao urbanismo, devendo o sistema jurídico absorver a situação e reconhecer ao usucapiente a exclusividade do seu direito de propriedade sobre a parcela que na prática e desde há tanto tempo, nunca deixou de lhe pertencer e sobre a qual veio exercendo, de forma regular, continuada e pacífica, os poderes inerentes ao direito de propriedade”.
u) - A decisão do Tribunal a quo viola o disposto no artigo 1287º do Código Civil.
v) - Os AA. agem com abuso de direito e má-fé uma vez que só após um longo período de tempo, e movidos pelo desfecho do processo nº 3007/11.9TBBCL, é que vêm exercer o seu direito.
w) - Os AA. sempre adoptaram uma conduta de respeito pelos limites físicos do seu lote.
x) - Os próprios AA. muraram a sua parcela nos quatro lados, incluindo na confrontação com o lote dos RR.
y) - Tais comportamentos são demonstrativos de um desinteresse dos AA em reivindicar a faixa de terreno em questão, pelo que os Recorrentes, legitima e de boa-fé, convencidos que estes jamais estariam interessados na referida parcela de terreno, acabaram por realizar um “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento de uma atividade, de cunho económico, mais concretamente a edificação de um anexo, com base no “factum próprio”.
z) - Os AA. agem com abuso de direito, violando a proibição do art. 334º do Código Civil, sob a modalidade de “venire contra factum próprio”, estando preenchidos todos os seus pressupostos legais.

Foram proferidas contra alegações

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Questões a decidir: Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artº 635º-nº3 e 608º-nº2 do CPC), atentas as conclusões dos recursos de apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:

- invocada excepção de caso julgado:
- a decisão do Tribunal “a quo” proferida no despacho saneador viola o disposto no artigo 581º do Código de Processo Civil?
- A decisão recorrida colide letalmente com o sentido decisório da sentença proferida no processo nº 3007/11.9TBBCL e viola o respectivo caso julgado material, na sua vertente positiva ?
- reapreciação da matéria de facto: - devem ser declarados Não Provados os factos provados nº 35 e 36 ?
- do mérito da causa:
- A decisão do Tribunal a quo viola o disposto no artigo 1287º do Código Civil?
- invocado abuso de direito e má-fé

FUNDAMENTAÇÃO

I) OS FACTOS ( factos declarados provados, e não provados, na sentença recorrida):
1) Por decisão da Câmara Municipal de …, datada de 17 de Abril de 1997, foi licenciado, a requerimento de J. F., o loteamento e respectivas obras de urbanização, do prédio sito no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Barcelos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o n.º ...-... [Livro ...], com a área de 5.303m2, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo ....º-..., o qual foi titulado pelo alvará de loteamento n.º 49/97. [art. 17.º da p.i.]
2) Nos termos do alvará de loteamento n.º 49/97 e respectiva planta de síntese, foi autorizada a criação de 07 (sete) lotes, com as seguintes características:
i. lote n.º 1, com a área de 758 m2, destinado a habitação e anexos;
ii. lote n.º 2, com a área de 740 m2, destinado a habitação e anexos;
iii. lote n.º 3, com a área de 556 m2, destinado a habitação e anexos;
iv. lote n.º 4, com a área de 732 m2, destinado a habitação e anexos;
v. lote n.º 5, com a área de 715 m2, destinado a habitação e anexos;
vi. lote n.º 6, com a área de 715 m2, destinado a habitação e anexos, e
vii. lote n.º 7, com a área de 720 m2, destinado a habitação e anexos. [art. 18.º da p.i.]
3) Está descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …/... e inscrito na matriz predial urbana sob o n.º …, o prédio urbano situado em ... e descrito como Lote 4, composto por casa de rés do chão e andar com 147m2, anexos com 35m2 e logradouro com 550m2, sito em ..., da freguesia de ..., concelho de Barcelos, com a área de 732m2, a confrontar do Norte com estrada municipal, do Sul, Nascente e Poente com J. F.. [art. 1.º da p.i.]
4) O prédio referido em 3) encontra-se inscrito a favor dos autores na Conservatória do Registo Predial de … pela Ap. 25 de 17.08.1998, por sucessão e adjudicação em partilha. [art. 2.º da p.i.]
5) O prédio referido em 3), foi adjudicado a J. R., casado com R. B., na sequência de partilha efectuada por óbito de J. F., falecido a - de Maio de 1998, efectuada por escritura pública de habilitação e partilha, outorgada a 11 de Agosto de 1998, no 1.º Cartório Notarial de ... e que aí se acha exarada de fls. 61 e ss, do livro de notas para escrituras diversas nº .... [art. 3.º da p.i.]
6) Está descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o n.º .../... e inscrito na matriz predial urbana sob o n.º … o prédio urbano situado em ... e descrito como ao Lote 5, composto por terreno para construção, com a área de 715m2, a confrontar do norte com Estrada Municipal, sul, nascente e poente com J. F.. [art. 13.º da p.i.]
7) O prédio identificado em 6) está registado a favor de S. M., casada com M. J., através da Ap. n.º 44 de 20.07.2007. [art. 13.º da p.i.]
8) Por escritura pública intitulada de doação, celebrada a 19.02.1998 e que se acha exarada de fls. 57 a 58 (verso) do livro de notas para escrituras diversas n.º …-B, da Secretaria Notarial de …, J. F. e mulher M. B. declararam doar a J. B., que declarou aceitar tal doação, o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º .../19970925-..., com a área de 715 m2 e identificado como lote n.º 5. [art. 15.º da p.i.]
9) Por escritura pública intitulada de doação, celebrada a 10.07.2007 e que se acha exarada de fls. 46 a 47, do livro de notas para escrituras diversas n.º 02 do Cartório Notarial da Notária C. C., J. B., casado com M. C., declarou doar a S. M., casada com M. J., que declarou aceitar tal doação, o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º .../19970925-... e identificado como lote n.º 5. [art. 14.º da p.i.]
10) O prédio identificado em 3) confronta de nascente com o prédio identificado em 6). [art. 13.º da p.i.]
11) No ano de 1988, J. F. e mulher M. B. (pais do autor marido e avós paternos da ré mulher) procederam à divisão física do prédio originário em sete (7) parcelas de terreno, destinando cada uma delas a cada um dos seus sete filhos. [art. 19.º da p.i.]
12) A demarcação referida em 11) foi efectuada com recurso a uma corda e com a implantação de marcos (cabeças de esteio), ficando, desde logo, cada um dos sete filhos a saber qual a parcela de terreno que lhe cabia. [art. 21.º da p.i.]
13) Ainda antes da demarcação física ocorrida no ano de 1988, já existia no prédio originário, concretamente no local a que posteriormente viria a corresponder a primeira parcela a contar de poente (subsequente lote n.º 1), uma habitação edificada pela irmã do autor marido, M. L.. [art. 22.º da p.i.]
14) Em ano não concretamente apurado mas em momento posterior ao referido em 13), foi igualmente licenciada pela Câmara Municipal de ... a construção de uma outra moradia no prédio originário, edificada na segunda parcela a contar de poente (subsequente lote n.º 2) pela irmã do autor marido M. F.. [art. 23.º da p.i.]
15) Os autores, por si e seus antecessores, procedem à limpeza, ao cultivo e pagam as respectivas contribuições e impostos do prédio referido em 3) mas apenas sobre uma área de 672m2. [art. 7.º e 8.º da p.i.]
16) Os autores procederam à construção de uma moradia, prédio referido em 3) no qual constituíram a sua habitação desde 1994. [art. 8.º da p.i.]
17) O referido em 15) e 16) sucede há mais de 10 e 20 anos, de forma ininterrupta, à vista de todas as pessoas, sem a oposição de quem quer que seja, na intenção e convicção de que o mesmo lhes pertence. [art. 9.º da p.i.]
18) Em data não concretamente apurada, a Câmara Municipal de ... licenciou a construção da moradia na qual os autores actualmente habitam, edificada na quarta parcela a contar de poente (subsequente lote n.º 4). [art. 6.º e 24.º da p.i.]
19) No ano de 1994, a quarta parcela a contar de poente (subsequente lote n.º 4) já possuía muros divisórios dos lados quatro lados, construídos pelos autores. [art. 25.º da p.i. e 18.º a contestação do réu M. J.]
20) Cada um dos referidos M. F., M. F. e os autores edificaram nas parcelas de terreno demarcadas pelos seus pais e com respeito pelos limites que estes estabeleceram tal como referido em 11) e 12). [art. 26.º da p.i.]
21) Os afastamentos necessários entre as construções referidas em 13), 14) e 16) e as previstas para os restantes lotes não eram respeitados pela divisão física referida em 11) e 12). [art. 28.º da p.i.]
22) Tendo em vista obviar ao referido em 21), J. F. ordenou que o procedimento de loteamento referido em 1) fosse instruído com planta topográfica, na qual foram ficcionadas linhas divisórias distintas da divisão física do prédio originário, efectuada no ano de 1988. [art. 29.º da p.i.]
23) Com o acordo de todos os sete filhos continuarem a respeitar a divisão referida em 11) e 12) e de observar as distâncias determinadas pelas construções pré-existentes referidas em 13) a 15) e as que viessem a ser construídas nas restantes parcelas. [art. 30.º da p.i.]
24) As áreas de cada uma das parcelas, resultantes da divisão originária executada pelo referido J. F., são de 794 m2 para o lote n.º 1, 710 m2 para o lote n.º 2, 677 m2 para o lote n.º 3, 672 m2 para o lote n.º 4, 629 m2 para o lote n.º 5, 672 m2 para o lote n.º 6, e 1.059 m2 para o lote n.º 7. [art. 31.º da p.i.]
25) Até ao momento em que os réus resolveram construir no prédio referido em 6) - lote n.º 5 - todos os proprietários dos respectivos lotes respeitaram o compromisso assumido em 23). [art. 32.º da p.i.]
26) Os réus projetaram a construção da sua habitação tal como decorre do processo de licenciamento n.º 30906/2006. [art. 34.º da p.i.]
27) Quando a casa dos réus já estava construída, os réus vieram a descobrir, por intermédio de um Engenheiro da Câmara, que as janelas abertas a nascente não tinham uma distância de cinco metros para o limite do lote n.º 6. [art. 35.º da p.i.]
28) A parcela de terreno dos réus – lote n.º 5 – de acordo com a demarcação referida em 11) e 12), ocupava a área de 629 m2. [art. 36.º da p.i.]
29) Os aqui réus instauraram, para além do mais, contra os aqui autores e os proprietários dos demais lotes resultantes da operação de loteamento n.º 49/97, o processo judicial correu termos sob o n.º 3007/11.9TBBCL no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Barcelos – Inst. Local – Secção Cível – J3, que findou com a prolação de acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães que confirmou a decisão proferida em 1ª instância. [art. 38.º e ss. da p.i.]
30) No processo referido em 30), os aí autores S. M. e M. J., aqui réus, pediam que:
«Nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V.ª Ex.ª, deverá a presente acção ser julgada totalmente procedente, por provada e, em consequência, serem condenados: Todos os RR: I – A reconhecerem que os AA. são donos e legítimos proprietários e possuidores do prédio urbano melhor identificado no item 1 desta PI e com todas as benfeitorias por eles nele executadas; II – A reconhecerem que a dita parcela de terreno com a área de 90 m2 (e que se encontra graficamente representada a vermelho na planta que vai em anexo sob o doc. n.º 2) faz parte integrante do dito prédio pertencente aos aqui AA; III- A Absterem-se, no futuro, da prática de quaisquer actos lesivos, impeditivos ou meramente perturbadores da propriedade e posse legítimas dos AA sobre a dita parcela; E apenas os 1.º RR: IV – A demolirem/removerem da dita parcela o anexo que foi por eles abusivamente implantado da forma descrita no item 70 desta peça e na acta a que se alude no item 73, bem como o respectivo muro divisório a que se alude no tem 56 desta peça; V – A restituírem aos AA a dita parcela de terreno (que se encontra graficamente representada a vermelho na planta que vai em anexo sob o doc. n.º 2), livre de pessoas e bens; VI – A pagarem aos Autores, a título de indemnização pelos danos morais que já lhe causaram, uma quantia global nunca inferior a 10.000,00€ (dez mil euros), acrescida de juros que à taxa legal se vencerem a partir da respectiva citação; VII – A pagarem aos AA, a título de indemnização pelos danos patrimoniais resultantes da demolição do anexo a que se alude nos itens 1, 7 e 57 desta peça, a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros); VIII – A pagar aos AA todas as quantias correspondentes aos danos patri-moniais e morais futuros, previsíveis nesta data, ainda que indetermináveis e cuja fixação se requer que seja relegada para liquidação em execução de sentença; IX – A pagarem as custas do processo e legais acréscimos».
31) No processo referido em 30), foi decidido que:
Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada apenas em parte e, consequentemente, decide-se:
a) Declarar os autores S. M. e marido M. J. proprietários e possuidores do prédio que se acha descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º .../19970925-... [melhor identificado em 6) dos factos provados] e de todas as benfeitorias executadas por estes nesse mesmo prédio;
b) Declarar que a parcela de terreno com a área de 86 m2, com a configuração de um rectângulo, delimitada a vermelho na planta topográfica fls. 25 e incorporada no interno do lote n.º 6, faz parte integrante do prédio referido em a);
c) Condenar os réus J. R. e mulher R. B., M. L. e marido M. M., M. F., HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE M. G. (representada por C. F., M. R., S. P.), F. J., M. B. e mulher M. S., S. R. e mulher F. F. a reconhecer os direitos declarados em a) e b) e, como tal, absterem-se da prática de quaisquer actos lesivos, impeditivos ou perturbadores dos mesmos;
d) Absolver o réu J. L. de todos os pedidos contra si formulados;
e) Condenar os réus J. R. e mulher R. B. a restituírem aos autores S. M. e marido M. J. a parcela de terreno melhor identificada em b) do dispositivo;
f) Condenar os réus J. R. e mulher R. B. a demolirem o muro referido em 40) e o anexo aludido em 41) dos factos provados, pelos mesmos construído na parcela de terreno referida em b) deste dispostito;
g) Condenar os réus os réus J. R. e mulher R. B. a pagarem aos autores S. M. e marido M. J. a quantia de 5.000,00€, a título de danos patrimoniais;
h) Condenar os réus J. R. e mulher R. B. a pagarem aos autores S. M. e marido M. J. a quantia de 2.500,00€, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios, à taxa de 4%, contabilizados desde a data da presente decisão;
i) Absolver os réus J. R. e mulher R. B. do demais peticionado contra si;
j) Condenar autores e réus a suportarem as custas processuais da acção, na proporção dos respectivos decaimentos.»
32) No processo referido em 30) foi dada como provada a seguinte factualidade:
A) FACTOS PROVADOS
1. Por decisão da Câmara Municipal de ..., datada de 17 de Abril de 1997, foi licenciado, a requerimento de J. F., o loteamento e respectivas obras de urbanização, do prédio sito no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Barcelos, descrito na Conservatória do Registo Predial de ,,, sob o n.º ...-... [Livro ...], com a área de 5.303m2, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo ....º-..., o qual foi titulado pelo alvará de loteamento n.º 49/97;
2. Nos termos do alvará de loteamento n.º 49/97 e respectiva planta de síntese, foi autorizada a criação de 07 (sete) lotes, com as seguintes características:
lote n.º 1, com a área de 758 m2, destinado a habitação e anexos;
lote n.º 2, com a área de 740 m2, destinado a habitação e anexos;
lote n.º 3, com a área de 556 m2, destinado a habitação e anexos;
lote n.º 4, com a área de 732 m2, destinado a habitação e anexos;
lote n.º 5, com a área de 715 m2, destinado a habitação e anexos;
lote n.º 6, com a área de 715 m2, destinado a habitação e anexos, e
lote n.º 7, com a área de 720 m2, destinado a habitação e anexos.
3. Acha-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o n.º …/19970925-..., um prédio urbano situado em ..., descrito como lote n.º 4 (casa de rés-do-chão e andar), com a área total de 732 m2 (550 m2 de área descoberta e 182 m2 de área coberta), inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...º;
4. O lote n.º 4 foi adjudicado a J. R., casado com R. B., na sequência de partilha efectuada por óbito de J. F., falecido a 29 de Maio de 1998, efectuada por escritura pública de habilitação e partilha, outorgada a 11 de Agosto de 1998, no 1.º Cartório Notarial de … e que aí se acha exarada de fls. 61 e ss, do livro de notas para escrituras diversas nº ...;
5. O prédio referido em 3) [lote n.º 4] acha-se registado a favor de J. R., casado com R. B., através da Ap. n.º 25, de 17 de Agosto de 1998;
6. Acha-se descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º .../19970925-..., um prédio urbano situado em ..., descrito como lote n.º 5 (terreno de construção), com a área total descoberta de 715 m2, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ….
7. Por escritura pública intitulada de doação, celebrada a 19 de Fevereiro de 1998 e que se acha exarada de fls. 57 a 58 (verso) do livro de notas para escrituras diversas n.º …, da Secretaria Notarial de …, J. F. e mulher M. B. declararam doar a J. B., que declarou aceitar tal doação, o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º .../19970925-..., com a área de 715 m2 e identificado como lote n.º 5;
8. Por escritura pública intitulada de doação, celebrada a 10 de Julho de 2007 e que se acha exarada de fls. 46 a 47, do livro de notas para escrituras diversas n.º 02 do Cartório Notarial da Notária C. C., J. B., casado com M. C., declarou doar a S. M., casada com M. J., que declarou aceitar tal doação, o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º .../19970925-... e identificado como lote n.º 5;
9. O prédio identificado em 6) [lote n.º 5] acha-se registado a favor de S. M., casada com M. J., através da Ap. n.º 44, de 20 de Julho de 2007;
10. Acha-se descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …/19970925-..., um prédio urbano situado em ..., descrito lote n.º 6 (terreno de construção), com a área total de 715m2, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...º;
11. Por escritura pública intitulada de doação, celebrada a 19 de Fevereiro de 1998 e que se acha exarada de fls. 57 a 58 (verso) do livro de notas para escrituras diversas n.º …, da Secretaria Notarial de ..., J. F. e mulher M. B. declararam doar a F. J., que declarou aceitar tal doação, o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …/19970925-..., com a área de 715 m2 e identificado como lote n.º 6;
12. Por escritura pública intitulada de compra e venda, celebrada a 11 de Agosto de 2003 e que se acha exarada de fls. 54 a 55, do livro n.º 222-B, do 1.ª Cartório Notarial de ..., F. J., divorciado, declarou vender a J. R., que declarou comprar, o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …/19970925-..., com a área de 715 m2 e identificado como lote n.º 6;
13. O prédio identificado em 10) [lote n.º 6] acha-se registado a favor de J. R., casada com R. B., através da Ap n.º 16, de 18 de Agosto de 2003;
14. Por escritura pública intitulada de doação, celebrada a 19 de Fevereiro de 1998 e que se acha exarada de fls. 57 a 58 (verso) do livro de notas para escrituras diversas n.º …, da Secretaria Notarial de ..., J. F. e mulher M. B. declararam doar a M. B., que declarou aceitar tal doação, o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …/19970925-..., com a área de 720 m2 e identificado como lote n.º 7;
15. Por escritura pública de habilitação e partilha, outorgada a 11 de Agosto de 1998, no 1.º Cartório Notarial de ... e que aí se acha exarada de fls. 61 e ss, do livro de notas para escrituras diversas nº ..., realizada por óbito de J. F., os lotes n.º 1, 2 e 3 foram adjudicados, pela indicada ordem, a M. L., M. F. e M. G.;
16. Por escritura pública de compra e venda outorgada a 31 de Março de 2010, que se acha exarada de fls. 30 a 32, livro de notas para escrituras diversas n.º …, do Cartório Notarial de M. I., M. F. e J. C. declararam vender a S. R. e F. F., que declararam comprar, o prédio urbano que se acha descrito na Conservatória do Registo predial de … sob o n.º …/... e identificado como lote n.º 2;
17. No dia 27 de Janeiro de 2008, M. G. faleceu no estado de divorciada, deixando-lhe a suceder, C. F., M. R. e S. P. [Lote n.º 3];
18. O lote n.º 5 confronta, pelo seu lado nascente, com o lote n.º 6 e, pelo seu lado poente, com o lote n.º 4;
19. Os autores S. M. e M. J. e os anteriores donos do mesmo [J. B. e J. F.], há mais de 20 anos, fruem da porção de terreno correspondente ao prédio referido em 6) [lote n.º 5];
20. Limpando-o e cultivando-o;
21. Dele retirando todos os proveitos;
22. Pagando os respectivos impostos e contribuições;
23. Tendo os avós da autora [J. F. e mulher M. B.] edificado, na estrema sudoeste do prédio, um anexo com cerca de 20 m2, representado na planta topográfica integrante do processo de loteamento n.º 47/97 [constante de fls. 722 e que aqui se dá por reproduzida], onde aguardavam alfaias e produtos agrícolas;
24. Tendo, no mesmo, os autores S. M. e M. J. iniciado e concluído a construção de uma casa de habitação, composta de rés-do-chão e andar;
25. O que sempre fizeram ano após ano;
26. À vista de toda a gente;
27. Sem oposição de ninguém;
28. Na convicção de que não lesam interesses de outem, de que do mesmo são donos exclusivos e sendo por todos reconhecidos como tal;
29. Após a doação aludida em 8), os autores iniciariam a construção de uma casa de habitação de rés-do-chão e andar no lote n.º 5;
30. Ainda antes dessa doação, os autores elaboraram projecto de construção e iniciaram o processo municipal de licenciamento, ao qual foi atribuído o n.º 30906/2006, o qual foi aprovado por despacho de 15 de Setembro de 2006 e, no dia 15 de Dezembro de 2006, foi emitido o alvará de licença de construção n.º 118806;
31. Após a edificação da construção, na sequência de levantamento topográfico, os autores tomaram conhecimento que a área real ocupada pelo lote n.º 5 era inferior à área prevista no alvará de loteamento n.º 49/97;
32. O prédio referido em 6) [lote n.º 5] encontra-se demarcado no local de modo diverso do previsto na planta de síntese integrante do alvará de loteamento n.º 49/97;
33. Ocupa a área de 629 m2;
34. O limite poente do lote n.º 5 acha-se deslocado 2,20 metros para o interno do lote n.º 4 e distanciado 2,80 metros da casa existente neste, ocupando a área de 65 m2 de terreno do lote n.º 4, tal como este surge delimitado na planta de síntese integrante do alvará de loteamento n.º 49/97;
35. O muro divisório existente no lado nascente do lote n.º 5 foi construído nos termos constantes da planta constante de fls. 25, por J. B., pai da autora;
36. A área real ocupada pelo lote n.º 5 é de 629 m2 e a atribuída ao mesmo, pelo alvará de loteamento n.º 49/97, é de 715 m2, achando-se o diferencial de 86 m2, correspondente a uma parcela de terreno com a configuração de um rectângulo e delimitada a vermelho na planta junta a fls. 25, incorporado no interno do lote n.º 6;
37. A área real ocupada pelo lote n.º 6 é de 672 m2 e a atribuída ao mesmo, pelo Alvará de Loteamento n.º 49/97, é de 715 m2, achando-se o diferencial de 43 m2 incorporado no interno do lote n.º 7;
38. A área real ocupada pelo lote n.º 7 é de 1.059 m2 e a atribuída ao mesmo, pelo alvará de loteamento n.º 49/97, é de 720 m2, o que traduz um excesso de 339 m2;
39. Após constatarem o referido em 36), os autores solicitaram aos réus J. R. e M. B. a regularização da divergência de área, para que não fossem prejudicados no processo de licenciamento da construção, altura em que não se achava erigida qualquer construção nos lotes n.ºs 6 e 7;
40. Após o referido em 39), o réu J. R. iniciou a edificação de um muro divisório no limite poente do lote n.º 6, encostado ao muro referido em 35) e demoliu o anexo descrito em 23);
41. Após, no limite poente do lote n.º 6 e no local onde se achava implantando o anexo referido em 23), o réu J. R. erigiu um anexo em chapa de zinco destinado a garagem e arrumos;
42. A distância que medeia entre as janelas existentes no alçado nascente da habitação dos autores e os muros referidos em 35) e 40) é inferior a 05 metros;
43. Em consequência do referido em 42), os autores acham-se impedidos de obter licença de habitabilidade da moradia;
44. Em consequência do referido, os autores estão privados de fruir a parcela de terreno com a área de 86 m2 e do anexo referido em 23);
45. Os autores sentem-se desgostosos, desanimados, frustrados e revoltados;
46. O anexo referido em 23) tinha paredes em blocos de cimento e cobertura de cimento, tudo no valor de 5.000,00€;
47. O lote n.º 5 está vedado e delimitado por muros de todos os lados;
48. No ano de 1988, os avós da autora [J. F. e mulher M. B.] procederam à divisão física do prédio originário em 07 (sete) parcelas de terreno, destinando-se cada uma delas aos seus 07 (sete) filhos;
49. A divisão física efectuada pelos avós da autora [J. F. e mulher M. B.] corresponde àquela que, no presente, se acha demarcada no terreno;
50. Com respeito pela divisão aludida em 48) e 49), os réus M. L., M. F. e J. R. edificaram nas parcelas correspondentes aos lotes n.ºs 1, 2 e 4;
51. Os afastamentos necessários entre as construções pré-existentes e as previstas para os restantes lotes não eram respeitados pela divisão física referida em 50);
52. Tendo em vista obviar ao referido em 51), J. F. ordenou que o procedimento de loteamento fosse instruído com planta topográfica, na qual foram ficcionadas linhas divisórias distintas da divisão física do prédio originário, efectuada no ano de 1988;
53. Com o acordo de todos os sete filhos continuarem a respeitar a divisão referida em 48) e 49) e de observar as distâncias determinadas pelas construções pré-existentes referidas em 50) e as que viessem a ser construídas nas restantes parcelas;
54. As áreas actuais das parcelas correspondentes aos lotes a seguir indi-cados são: lote n.º 1: 794 m2, lote n.º 2: 710 m2, lote n.º 3: 677 m2, lote n.º 4: 672 m2, lote n.º 5: 629 m2, lote n.º 6: 672 m2 e lote n.º 7: 1.059 m2;
55. Em 1996, o réu J. L. elaborou o projecto de loteamento referido em 1) e deu entrada do mesmo na Câmara Municipal de ..., por solicitação do réu J. R..»
33) Na sequência do trânsito em julgado da decisão judicial referida em 30) a 32), os aqui autores (réus naqueles autos) cumpriram a sentença proferida, tendo liquidado as quantias em que foram condenados, como ainda, enquanto proprietários do lote n.º 6, restituíram ao lote n.º 5 a área de 86m2, fazendo assim corresponder a área do referido lote n.º 5 à área que lhe é imputada no processo de loteamento n.º 49/97 da Câmara Municipal de ... (715m2). [art. 42.º da p.i.]
34) O prédio referido em 6) [lote n.º 5] encontra-se demarcado no local de modo diverso do previsto na planta de síntese integrante do alvará de loteamento n.º 49/97.
35) O limite poente do prédio identificado em 6) - lote n.º 5 - acha-se deslocado 2,20 metros para o interno do lote n.º 4 e distanciado 2,80 metros da casa existente neste, ocupando a área de 65 m2 de terreno do lote n.º 4, tal como este surge delimitado na planta de síntese integrante do alvará de loteamento n.º 49/97. [art. 44.º da p.i.]
36) A referida parcela de terreno com a área de 65 m2, corresponde a uma parcela com a configuração de um retângulo, e delimitada na planta junta a fls. 66. [art. 51.º da p.i.]
37) Os autores, enquanto proprietários dos lotes n.º 4 e 6, entre os quais se situa o lote n.º 5 propriedade dos réus, enviaram aos réus carta registada datada de 22.09.2017 junta a fls. 72verso e 73 dos autos, que os réus receberam e de onde, para além do mais, consta que:
«… Conforme é do v/conhecimento, no âmbito do processo n.º 3007/11.9TBBCL que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga (…) movido por V. Exas. contra os n/constituintes, foram estes condenados, enquanto proprietários do lote 6 sito na Rua do ..., a restituir ao lote 5, de que V. Exas. são proprietários, a área de 86m2, fazendo assim corresponder a área do v/lote 5 à área que lhe é imputada no processo de loteamento n.º 49/97 da Câmara Municipal de ....
Todavia, também resulta da fundamentação da sentença proferida que os n/constituintes, enquanto proprietários do lote 4, e uma vez que possuem área inferior à constante do loteamento, têm direito a reivindicar a área de 65m2 do lote 5, propriedade de V. Exas., momento em que V. Exas. poderão reivindica aquela área do lote 6 (também propriedade dos n/constituintes), após o que este reivindicará do lote 7 a área em falta até perfazer a área que consta do loteamento n.º 49/97.
Assim, e de modo a evitar uma sucessão de processos judiciais que nesta altura se conjeturam, serve a presente para interpelar V. Exas. para que, de mútuo acordo (com inclusão do proprietário do lote 7), se proceda à correcção das áreas dos lotes 4, 5 e 6, delimitando-se de acordo com as áreas constantes no loteamento n.º 49/97.
Nesse sentido, solicita-se a V. Exas. para que, no prazo de 10 dias a contar da recepção da presente missiva, entrem em contacto … no sentido de diligenciar pela correcção das áreas e delimitação dos lotes em causa com respeito pelo loteamento n.º 49/97. (…)»
38) Os réus não responderam à carta referida em 37). [art. 48.º da p.i.]
39) A parcela de terreno dos autores – lote n.º 4 – de acordo com a demarcação referida em 11) e 12), ocupava e ocupa a área de 672m2. [art. 16.º da contestação do réu M. J.]
40) Os réus S. M. e M. J. e os anteriores donos do mesmo [J. B. e J. F.], há mais de 20 anos, fruem da porção de terreno correspondente ao prédio referido em 6) [lote n.º 5].
41) Limpando-o e cultivando-o.
42) Dele retirando todos os proveitos
43) Pagando os respectivos impostos e contribuições.
44) O que sempre fizeram ano após ano, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de que não lesam interesses de outrem, de que o mesmo são donos exclusivos e sendo por todos reconhecidos como tal. [art. 2.º a 25.º da contestação do réu M. J.]
45) Os actos supra referidos praticados pelos réus e pelos seus antecessores foram praticados sobre a parcela de terreno que constitui o lote n.º 5, delimitado pelo muro situado a poente referido em 19) [muro do lado nascente do lote n.º 4] e pelo muro situado a nascente construído pelo pai da ré mulher.
*
2.2. Factos Não Provados
a) Pretendendo os autores legalizar uns anexos, entre os quais uma garagem, que edificaram no prédio identificado em 3) - lote n.º 4 -, estão impedidos de o fazer, pois que sem a parcela de terreno referida em 36), tais construções excedem o coeficiente de ocupação do solo previsto no PDM de … e não são legalizáveis.
b) Os autores estão impedidos de legalizar os anexos que edificaram na sua parcela de terreno, e por essa via, de obter a licença de habitabilidade para o imóvel.
c) O que tem causado aos autores tristeza, desgosto, desânimo, frustração e revolta.

II) O DIREITO APLICÁVEL

I. – invocada excepção de caso julgado

1.Invocam os Réus a verificação da excepção de caso julgado, defendendo que os pedidos formulados nas als. a) a c) já foram decididos na acção n.º 3007/11.9TBBCL, em referência nos autos, consequentemente, ocorrendo a violação do disposto no artigo 581º do Código de Processo Civil.
Alegam que o artigo 581º do Código de Processo Civil estabelece uma tríada de identidade como pressuposto para se verificar a excepção do caso julgado, e que no caso concreto, existe identidade de sujeitos, tanto na primeira acção como na presente o efeito jurídico pretendido é o reconhecimento do direito de propriedade e a restituição de uma faixa de terreno relativo ao Lote n.º 5, pelo que se verifica a identidade de pedidos, e, existe identidade da causa de pedir, já que tanto na primeira acção como na presente o direito de propriedade reivindicado, com a configuração que se reivindica, deriva do Alvará de loteamento n.º 49/97.

Fundamenta-se no despacho saneador impugnado:
“Como escreve Lebre de Freitas (in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, pág. 354) «a excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado um obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida».
É este também o entendimento da Jurisprudência nacional, sendo disso exemplo os acórdãos do STJ de 07.05.2015, proc. 15698/04.2YYLSB-C.L1.S1, relatado por Granja da Fonseca e do T.R.Porto de 06.06.2016, proc. 1226/15.8T8PNF.P1, relatado por Caimoto Jácome, ambos publicados in www.dgsi.pt.
Assim, a excepção dilatória do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa depois da primeira, entre as mesmas partes, sobre o mesmo objecto e baseada na mesma causa de pedir, ter sido decidida por sentença que não admita recur-so ordinário, e obsta ao conhecimento do mérito da causa e, consequentemente importa a absolvição da instância (tudo conforme arts. 576.º, n.º 1, 577.º, al. i), 578.º e 580.º, todos do Código de Processo Civil).
Revertendo à situação em apreço, vejamos a alegação de caso julgado dos réus.
Para começar dúvidas não há de que as partes são as mesmas nos dois processos, isto sem prejuízo de no processo n.º 3007/11.9TBBCL serem intervenientes mais pessoas. Contudo, os autores e os réus nesta acção foram igualmente partes, ainda que em posições distintas na outra acção: os aqui autores, eram aí réus e os aqui réus eram, aí, autores.
Todavia, não há identidade de pedido, nem de causa de pedir, bastando para tanto analisar os pedidos e as causas de pedir das duas acções, para facilmente se verificar que não há qualquer identidade entre os mesmos.
E não havendo esta tríplice identidade entre pedido, causa de pedir e partes, não se verifica a invocada excepção de caso julgado, nos termos do preceituado no art. 580.º e 581.º do Código de Processo Civil e que determinaria a absolvição dos agora réus da instância, nos termos do disposto nos arts. 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. i), 578.º, 580.º e 581.º todos do Código Civil.
Deste modo não se mostram preenchidos os pressupostos da excepção de caso julgado, pelo que, se julga tal excepção improcedente. (…) Quanto à eventual possibilidade de se verificar a existência de uma situação de autoridade do caso julgado relativamente ao que já foi decidido no processo n.º 3007/11.9TBBCL, relega-se o seu conhecimento para a decisão de mérito.”
Nos termos dos artº 580º e 581º do CPC, a excepção de caso julgado pressupõe, sempre, a repetição de uma mesma causa, e, uma causa repete-se quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

Nos termos do art.º 581º do Código de Processo Civil, o qual define os “Requisitos da litispendência e do caso julgado”:

“1. Repete-se uma causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido é à causa de pedir.
2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico (…)”.
Os limites do caso julgado são, assim, determinados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença: os sujeitos, o objecto e a causa de pedir.
“ É através desta tríplice identidade – de sujeitos, do pedido e da causa de pedir – que se define a extensão do caso julgado” _ A. Varela, in Manual de Processo Civil, pg. 691.
“ As excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; (…) se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar á excepção de caso julgado” – artº 580º do Código de Processo Civil.
Relativamente à identidade dos sujeitos diz A. Reis, in CPC, anotado, volume III, pg.97/98: “A exigência da identidade subjectiva (…) corresponde ao princípio da relatividade do caso julgado. O caso julgado só tem a eficácia que lhe é peculiar em relação às pessoas que figuraram como partes na acção em que ele se formou; para com terceiros é res inter alios acta, e por isso nem lhes aproveita, nem os prejudica;“ sendo, ainda indiferente a posição processual que cada um ocupa, “as partes são as mesmas sob o aspecto jurídico, desde que são portadoras do mesmo interesse substancial”.
No tocante à identidade do pedido e da causa de pedir, há que concluir que “o caso julgado se forma directamente sobre o pedido, que a lei define como o efeito jurídico pretendido pelo autor ( ou pelo réu, através da reconvenção ) (…) é sobre a pretensão do autor, à luz do facto invocado como seu fundamento, que se forma o caso julgado (… ) a força de caso julgado cobre apenas a resposta dada a essa pretensão e não o raciocínio lógico que a sentença percorreu para chegar a essa resposta“ - A. Varela, obra citada, pg 693 e sgs.
No caso em apreço, a identidade do pedido e da causa de pedir entre a presente acção e a acção declarativa n.º 3007/11.9TBBCL não se verifica, sendo que na presente acção pretendem os Autores o reconhecimento do direito de propriedade e a restituição de uma faixa de terreno relativo ao Lote n.º 4, do prédio urbano identificado no item 1º da petição inicial, e, delimitação do mesmo relativamente ao lote nº 5, prédio este pertença da Ré mulher - cfr. factos provados nº 5 a 7, supra, sendo este prédio da Ré o objecto na acção declarativa n.º 3007/11.9TBBCL - cfr. factos provados nº 30 e 31, acção esta de reivindicação e reconhecimento do direito de propriedade e na qual os ora Autores foram demandados mas na qualidade de proprietários do lote nº 6 e para restituírem ao lote nº5 uma parcela de terreno.
Improcedem, consequentemente, nesta parte, os fundamentos da apelação.
2. Mais alegando os Réus/apelantes que a decisão recorrida “colide letalmente com o sentido decisório da sentença proferida no processo nº 3007/11.9TBBCL e viola o respetivo caso julgado material, na sua vertente positiva”, também nesta parte improcede a apelação.
Com efeito, no tocante à apreciação dos efeitos e extensão do caso julgado material, determina o artº 621º do Código de Processo Civil que: “ A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…)”
“ O caso julgado material forma-se mediante uma sentença de mérito, isto é, mediante sentença que conheça da relação jurídica substancial, declarando os direitos e obrigações respectivos” – A. Reis, in Código de Processo Civil, anotado, vol. III, pg. 96.
Referindo-se à sentença, no tocante aos seus efeitos, após transitada em julgado, diz M. Andrade, Noções, fls.285 – “ Ela tem autoridade – faz lei – para qualquer processo futuro, mas só na exacta correspondência com o seu conteúdo”.

Nos termos do disposto no artº 671º do CPC:

“Transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artº 497º e seguintes(…)”.
“A razão da força e autoridade do caso julgado é a necessidade da certeza do direito, da segurança nas relações jurídicas. Desde que uma sentença, transitada em julgado, reconhece a alguém certo beneficio, certo direito, certos bens, é absolutamente indispensável, para que haja confiança e segurança nas relações sociais, que esse beneficio, esse direito, esses bens constituam aquisições definitivas, isto é, que não lhe possam ser tirados por uma sentença posterior (…).
É essa necessidade de segurança que faz admitir o princípio da irrevogabilidade do caso julgado (…)” – A. Reis, CPC Anotado, Volume III, 4ª edição, fls.94.
Reportando-nos ao caso em apreço, resulta dos factos provados que ( facto provado nº 29 ): “Os aqui réus instauraram, para além do mais, contra os aqui autores e os proprietários dos demais lotes resultantes da operação de loteamento n.º 49/97, o processo judicial correu termos sob o n.º 3007/11.9TBBCL no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Barcelos – Inst. Local – Secção Cível – J3, que findou com a prolação de acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães que confirmou a decisão proferida em 1ª instância; ( facto provado nº 30 ): No processo referido (…), os aí autores S. M. e M. J., aqui réus, pediam que: «Nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V.ª Ex.ª, deverá a presente acção ser julgada totalmente procedente, por provada e, em consequência, serem condenados: Todos os RR: I – A reconhecerem que os AA. são donos e legítimos proprietários e possuidores do prédio urbano melhor identificado no item 1 desta PI e com todas as benfeitorias por eles nele executadas; II – A reconhecerem que a dita parcela de terreno com a área de 90 m2 (e que se encontra graficamente representada a vermelho na planta que vai em anexo sob o doc. n.º 2) faz parte integrante do dito prédio pertencente aos aqui AA; III- A Absterem-se, no futuro, da prática de quaisquer actos lesivos, impeditivos ou meramente perturbadores da propriedade e posse legítimas dos AA sobre a dita parcela; E apenas os 1.º RR: IV – A demolirem/removerem da dita parcela o anexo que foi por eles abusivamente implantado da forma descrita no item 70 desta peça e na acta a que se alude no item 73, bem como o respectivo muro divisório a que se alude no tem 56 desta peça; V – A restituírem aos AA a dita parcela de terreno (que se encontra graficamente representada a vermelho na planta que vai em anexo sob o doc. n.º 2), livre de pessoas e bens; VI – A pagarem aos Autores, a título de indemnização pelos danos morais que já lhe causaram, uma quantia global nunca inferior a 10.000,00€ (dez mil euros), acrescida de juros que à taxa legal se vencerem a partir da respectiva citação; VII – A pagarem aos AA, a título de indemnização pelos danos patrimoniais resultantes da demolição do anexo a que se alude nos itens 1, 7 e 57 desta peça, a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros); VIII – A pagar aos AA todas as quantias correspondentes aos danos patrimoniais e morais futuros, previsíveis nesta data, ainda que indetermináveis e cuja fixação se requer que seja relegada para liquidação em execução de sentença; IX – A pagarem as custas do processo e legais acréscimos»; ( facto provado nº 31 ):No processo referido em 30), foi decidido que: Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada apenas em parte e, consequentemente, decide-se: a) Declarar os autores S. M. e marido M. J. proprietários e possuidores do prédio que se acha descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º .../19970925-... [melhor identificado em 6) dos factos provados] e de todas as benfeitorias executadas por estes nesse mesmo prédio; b) Declarar que a parcela de terreno com a área de 86 m2, com a configuração de um rectângulo, delimitada a vermelho na planta topográfica fls. 25 e incorporada no interno do lote n.º 6, faz parte integrante do prédio referido em a); c) Condenar os réus J. R. e mulher R. B., M. L. e marido M. M., M. F., HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE M. G. (representada por C. F., M. R., S. P.), F. J., M. B. e mulher M. S., S. R. e mulher F. F. a reconhecer os direitos declarados em a) e b) e, como tal, absterem-se da prática de quaisquer actos lesivos, impeditivos ou perturbadores dos mesmos; d) Absolver o réu J. L. de todos os pedidos contra si formulados; e) Condenar os réus J. R. e mulher R. B. a restituírem aos autores S. M. e marido M. J. a parcela de terreno melhor identificada em b) do dispositivo; f) Condenar os réus J. R. e mulher R. B. a demolirem o muro referido em 40) e o anexo aludido em 41) dos factos provados, pelos mesmos construído na parcela de terreno referida em b) deste dispostito; g) Condenar os réus os réus J. R. e mulher R. B. a pagarem aos autores S. M. e marido M. J. a quantia de 5.000,00€, a título de danos patrimoniais; h) Condenar os réus J. R. e mulher R. B. a pagarem aos autores S. M. e marido M. J. a quantia de 2.500,00€, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios, à taxa de 4%, contabilizados desde a data da presente decisão; i) Absolver os réus J. R. e mulher R. B. do demais peticionado contra si; j) Condenar autores e réus a suportarem as custas processuais da acção, na proporção dos respectivos decaimentos.»
Como claramente decorre dos factos descritos nenhuma correspondência existe entre a presente acção e a acção declarativa n.º 3007/11.9TBBCL, no tocante ao seu objecto e efeitos reivindicativos pretendidos, sendo que na presente acção pretendem os Autores o reconhecimento do direito de propriedade e a restituição de uma faixa de terreno relativo ao Lote n.º 4, do prédio urbano identificado no item 1º da petição inicial, e, delimitação do mesmo relativamente ao lote nº 5, prédio este pertença da Ré mulher, consequentemente, não sendo susceptível de colisão com o direito declarado e judicialmente reconhecido na acção declarativa n.º 3007/11.9TBBCL, a qual teve por objecto a reivindicação e reconhecimento do direito de propriedade da ora Ré relativamente ao lote nº 5 mas já na sua delimitação com o prédio do lote nº 6 (também da propriedade dos ora Autores) e tendo na indicada acção os ora Autores sido demandados, precisamente, na qualidade de proprietários do lote nº 6 e para restituírem ao lote nº5 uma parcela de terreno, e o que se concretizou cfr. decorre dos factos provados.
Nestes termos, não se demonstrando a invocada violação de autoridade de caso julgado.

II. Reapreciação da matéria de facto

Impugnam os recorrentes a matéria de facto, nomeadamente, no que se refere aos pontos nº 35 e 36 do elenco dos factos provados, requerendo se declarem os mesmos não provados.

Os indicados pontos de facto têm o seguinte teor:

35) O limite poente do prédio identificado em 6) - lote n.º 5 - acha-se deslocado 2,20 metros para o interno do lote n.º 4 e distanciado 2,80 metros da casa existente neste, ocupando a área de 65 m2 de terreno do lote n.º 4, tal como este surge delimitado na planta de síntese integrante do alvará de loteamento n.º 49/97.
36) A referida parcela de terreno com a área de 65 m2, corresponde a uma parcela com a configuração de um retângulo, e delimitada na planta junta a fls. 66.
Alegam os apelantes que os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida são os depoimentos da recorrente S. M., do autor J. R. e da testemunha M. L..

Nos termos do artº 662º-nº1 do CPC “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, dispondo o artº 640º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto”:

Nº1 – Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nº2 – No caso previsto na al.b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a)Quando os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Atento o comando do art.º 640º do Código de Processo Civil e os ónus que por via do indicado preceito legal são impostos aos recorrentes que pretendam impugnar a matéria de facto, conclui-se que, no caso sub judice, não cumpriram as apelantes o ónus imposto pelo n.º 2-a) do citado artigo, designadamente, desde logo, nas alegações, e, ainda, nas respectivas Conclusões, do recurso de apelação, os recorrentes não procedem à indicação das “exactas passagens da gravação” em que fundam o seu recurso para basear o alegado erro de julgamento com referência às provas gravadas referenciadas – depoimentos de parte e declarações testemunhais -, sendo que nos termos expressos no art.º 640º-n.º2-a)- parte final, do Código de Processo Civil, a faculdade de a parte proceder à transcrição total ou parcial dos depoimentos não exclui o indicado ónus imposto no mesmo artigo.
E, a lei sanciona o incumprimento do indicado ónus com a imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, na parte respectiva parte, o que assim se declara, julgando-se definitivamente fixado o elenco factual da acção descrito na sentença recorrida.
Acresce, que, e mesmo que assim se não entendesse, que das alegações não resulta, a efectiva e concreta indicação pelos apelantes de erro de julgamento do julgador resultante da avaliação da prova produzida, e, nem resulta, ainda, que a prova produzida impusesse decisão diversa da alcançada pelo Tribunal “a quo”, nem de que forma, especifica e concretamente, se impunha uma outra decisão, impondo-se aos impugnantes a indicação especificada do concreto meio probatório constante das indicadas gravações de que resultava e se impunha decisão diversa, e relativamente a cada ponto de facto impugnado, tal como expressamente estatuí o artº 640º- nº 1-al.b), sendo seu Ónus exclusivo
- Neste preciso sentido decidindo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que se indica, nomeadamente,
Ac. STJ de 6/11/2019, P. 1092/08.0TTBRG.G1.S1 “Não cumprem o ónus imposto pelo art.º 640.º, n.º 1, alíneas b) e c) e n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil os recorrentes que não concretizaram, por referência a cada um dos mencionados factos que impugnaram, quais os meios probatórios que, no seu entender, imporiam decisão diversa daquela que foi dada pelo Tribunal de 1.ª Instância”;
Ac. STJ de 20/2/2019, P. 1338/15.8T8.PNF.P1.S1: - I. O artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos”.
(…)
“…analisando o corpo das alegações e conclusões da apelação, atrás transcritas, verificamos que, no que se refere à prova que indica para fundar a alteração que pretende relativamente aos factos dos artigos (…) o recorrente não concretizou, por referência a cada facto impugnado, quais os meios probatórios que, no seu entender, imporiam decisão diversa daquela que foi dada pelo Tribunal de 1.ª Instância, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos.
(…)
O acolhimento da pretensão do recorrente traduzir-se-ia numa total reapreciação da prova pela 2.ª Instância (a realização de um segundo julgamento) e a abertura do caminho à admissibilidade de recursos genéricos, o que não foi querido pelo legislador”.
Ac. STJ de 18/1/2018, P.668/15.3T8FAR.E1.S2 – “Não basta à parte indicar os factos de cujo julgamento discorda e fazer referência a diversos depoimentos testemunhais (e juntar ainda a transcrição integral dos depoimentos), pelo contrário está obrigada a especificar quais os concretos depoimentos que invalidam o julgamento dos concretos factos sob impugnação.
(…)“O que de todo em todo não fizeram, limitando-se a indicar o que as diversas testemunhas terão dito, mas sem estabelecerem (como bem se diz no acórdão) uma correlação entre as concretas passagens dos depoimentos e os pontos de facto precisos a serem alterados. Ou seja (como ainda se observa no acórdão), não concretizaram, quanto a cada facto concreto, qual o concreto depoimento, de entre os oito versados, em que fundavam a pretensão recursória. Sucede que o escrutínio da matéria de facto por parte da Relação é seletivo (isto é, refere-se a factos e provas concretos), não se confundindo com uma mais ou menos genérica, abstrata e difusa reapreciação dos factos e das provas”.
Ac. STJ de 20/12/2017, P. 299/13.2TTVRL.G1.S2 - “I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos
Nas alegações de recurso não se mostrando realizado tal exercício crítico - Ónus de impugnação especificada.
Concluindo-se, nos termos expostos, pela rejeição liminar do recurso no tocante à reapreciação da matéria de facto.

III. – do mérito da causa-
- A decisão do Tribunal a quo viola o disposto no artigo 1287º do Código Civil? - invocado abuso de direito e má fé

1. Fundamenta-se na sentença recorrida:
O facto de se ter alegado e provado [factos provados em 11), 12) e 20) a 24)] que a demarcação existente no local, corresponde à inicialmente levada a cabo pelo primitivo proprietário do terreno loteado, que o dividiu, como entendeu, em sete parcelas destinadas a cada um dos seus sete filhos, de tal sorte que o loteamento n.º 49/97 apenas acabou por ser a solução técnica encontrada para acomodar juridicamente essa divisão material, no qual foram ficcionadas linhas divisórias distintas da divisão física do prédio originário, tendo-se, no reverso, todos os filhos comprometido a respeitar essa divisão material em detrimento da criada pelo alvará.
Ora, desde logo, al factualidade em nada releva, na medida em que se considera arredada pelo disposto no art. 29.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, onde se refere que «as condições estabelecidas no alvará vinculam a câmara municipal e o proprietário do prédio e ainda, desde que constantes do registo predial, os adquirentes dos lotes». Ou seja, conforme resulta do regime legal aplicável e que tem carácter imperativo para as partes, as condições estabelecidas no alvará não podem ser afastadas por vontade dos proprietários – originais ou sub-adquirentes – desde que tal conste no registo predial como é o caso dos autos, atendendo à factualidade provada em 3) a 8).
Também não releva a factualidade alegada e provada pelos réus em 40) a 45), isto é, que os réus e os anteriores donos do mesmo, há mais de 20 anos, que fruem da porção de terreno correspondente ao prédio referido em 6) [lote n.º 5], limpando-o e cultivando-o, dele retirando todos os proveitos e pagando os respectivos impostos e contribuições, o que sempre fizeram ano após ano, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de que não lesam interesses de outrem, de que o mesmo são donos exclusivos e sendo por todos reconhecidos como tal. A que acresce que os actos supra referidos praticados pelos réus e pelos seus antecessores foram praticados sobre a parcela de terreno que constitui o lote n.º 5, delimitado pelo muro situado a poente referido em 19) [muro do lado nascente do lote n.º 4] e pelo muro situado a nascente construído pelo pai da ré mulher.
Ou seja, com tal factualidade pretendem os réus provar que adquiriram por usucapião a parcela em discussão – situada no limite poente do lote n.º 5 com o limite nascente do lote n.º 4 e que se situa a nascente do muro que os próprios autores construíram.
Pois ainda que os factos provados tenham essa virtualidade, tal como referimos supra, o regime legal decorrente de um processo de loteamento, que conste do registo impõe-se a todos – incluindo aos proprietários e a todos aqueles que adquirirem tal prédio posteriormente, não podendo os proprietários prevalecer-se da usucapião para afastar tal norma legal de carácter imperativo.
Com efeito, como foi decidido no ac. do STJ de 03.12.2009 «este instrumento de gestão urbanística e territorial de pouco serviria se fosse lícito» aos privados ceder ou reter mais terreno «aos interessados adquirentes, contornando as áreas imperativamente definidas no respectivo alvará, consolidando-se, sem mais, tal situação com a ocupação, aproveitamento e utilização pelos interessados». Por violar disposições legais de carácter imperativo, não pode, pois, considerar-se verificada a aquisição do direito de propriedade, nem este ser negado, sobre uma parcela que envolva aquisição de áreas diferentes dos lotes, tal como estes se mostram definidos em alvará de loteamento, sem que dos autos conste a prova de que «a alteração dos lotes é lícita face às normas imperativas que regem o procedimento e a execução do loteamento» (processo n.º 1102/03.7TBILH.C1.S1, relator Lopes do Rego).
Com efeito, a autorizar-se a manutenção da situação criada, a qual, na realidade, não encerra um «conflito de vizinhança» emergente de um mero erro de mediação e definição de estremas, mas, ao invés, a manutenção de todo um loteamento de forma desconforme com o título que o autorizou, aprovar-se-ia uma situação de fraude à lei que imperativamente regula as operações de loteamento, bastando para tanto atentar nos arts. 61.º e 62.º, do Decreto-Lei n.º 448/91 de 29 de Novembro, para verificar que, coercivamente, poderão ser embargadas e demolidas todas as obras que desrespeitem a operação urbanística em questão.
Precisamente por isso, as normas imperativas do ordenamento do território e do direito do urbanismo, que se assumem como de ordem e interesse públicos, devem repelir todas as situações materiais de facto que, objectivamente, atentem contra as mesmas, não sendo lícito respaldar juridicamente as situações de facto ilegais e atentatórias dessas normas, com amparo no instituto da usucapião, da acessão imobiliária ou mediante a invocação do instituto do abuso de direito (vide ac. do STJ de 03.12.2009,de 01.06.2010 (processo n.º 133/1994.L1.S1, relator Sousa Leite), 02.02.2010 (processo n.º 1816/06.0TBFUN.L1.S1, relator João Camilo) e de 10.10.2004 (processo n.º 04B3293, relator Salvador da Costa),do T.R.Lisboa de 26.04.2012 (processo n.º 166/08.1TBSRQ.L1-2, relator Ezaguy Martins) e de 01.02.2007 (processo n.º 6462/2007-2, relator Farinha Alves) e do T.R.Coimbra de 26.06.2012 (processo n.º 2956/08.6TBAVR.C1) e de 13.06.2006 (processo n.º 1467/06, relato Hélder Roque)]. Por último, importa salientar o ac. do T.R.Guimarães de 30.03.2017 (processo n.º 3007/11.9TBBCL, relator Helena Melo, junto aos autos e publicitado in www.dgsi.pt, e que por maioria de razão já definiu a mesma situaçao relativamente à divergência verificada entre o lote n.º 5 (em discussão nestes autos) e o lote n.º 6.
Daí que, ante este cenário, ou seja, enquanto todos os interessados não procederem à alteração do loteamento, adequando os limites definidos no respectivo alvará de loteamento n.º 49/97 à realidade física existente no local [cfr. artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro e actual art. 27.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro], o loteamento existente mantém-se e vincula a câmara municipal, o proprietário (originário) do prédio e todos os adquirentes dos lotes integrantes loteamento (art. 29.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro e actual art. 77.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro).
Nesta conformidade, assiste aos autores o direito a ver declarado que a parcela de terreno com cerca de 65 m2, melhor definida na planta constante de fls. 66, integra o lote n.º 4, devendo os réus abster-se, no futuro, da prática de quaisquer actos lesivos, impeditivos ou perturbadores da propriedade dos autores sobre tal faixa de tereno”.
Com efeito, e como se fundamenta e decide na sentença recorrida e de acordo com a jurisprudência aí citada, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça e Tribunais da Relação, cremos ocorrerem, no caso sub judice, causas legais impeditivas do funcionamento ou da produção dos efeitos da usucapião.
Está provado que: “1) Por decisão da Câmara Municipal de ..., datada de 17 de Abril de 1997, foi licenciado, a requerimento de J. F., o loteamento e respectivas obras de urbanização, do prédio sito no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Barcelos, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º ...-... [Livro ...], com a área de 5.303m2, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo ....º-..., o qual foi titulado pelo alvará de loteamento n.º 49/97. ;2) Nos termos do alvará de loteamento n.º 49/97 e respectiva planta de síntese, foi autorizada a criação de 07 (sete) lotes, com as seguintes características: i. lote n.º 1, com a área de 758 m2, destinado a habitação e anexos; ii. lote n.º 2, com a área de 740 m2, destinado a habitação e anexos; iii. lote n.º 3, com a área de 556 m2, destinado a habitação e anexos; iv. lote n.º 4, com a área de 732 m2, destinado a habitação e anexos; v. lote n.º 5, com a área de 715 m2, destinado a habitação e anexos; vi. lote n.º 6, com a área de 715 m2, destinado a habitação e anexos, e vii. lote n.º 7, com a área de 720 m2, destinado a habitação e anexos; 11) No ano de 1988, J. F. e mulher M. B. (pais do autor marido e avós paternos da ré mulher) procederam à divisão física do prédio originário em sete (7) parcelas de terreno, destinando cada uma delas a cada um dos seus sete filhos. ; 12) A demarcação referida em 11) foi efectuada com recurso a uma corda e com a implantação de marcos (cabeças de esteio), ficando, desde logo, cada um dos sete filhos a saber qual a parcela de terreno que lhe cabia. ; 13) Ainda antes da demarcação física ocorrida no ano de 1988, já existia no prédio originário, concretamente no local a que posteriormente viria a corresponder a primeira parcela a contar de poente (subsequente lote n.º 1), uma habitação edificada pela irmã do autor marido, M. L.. ;14) Em ano não concretamente apurado mas em momento posterior ao referido em 13), foi igualmente licenciada pela Câmara Municipal de ... a construção de uma outra moradia no prédio originário, edificada na segunda parcela a contar de poente (subsequente lote n.º 2) pela irmã do autor marido M. F.;15) Os autores, por si e seus antecessores, procedem à limpeza, ao cultivo e pagam as respectivas contribuições e impostos do prédio referido em 3) mas apenas sobre uma área de 672m2.; 16) Os autores procederam à construção de uma moradia, prédio referido em 3) no qual constituíram a sua habitação desde 1994.; 18) Em data não concretamente apurada, a Câmara Municipal de ... licenciou a construção da moradia na qual os autores actualmente habitam, edificada na quarta parcela a contar de poente.
Como se refere no Ac. STJ de 24/10/2019, P.317/15.0T8TVD.L1.S2, in www.dgsi.pt: “I. A data ou momento relevante para aferir se o reconhecimento do direito de propriedade, adquirido por usucapião, infringe ou não as invocadas regras legais limitativas (…) é a do início da posse (…) III. Tendo a usucapião efeitos retroactivos à data do início da posse, a lei aplicável é, sem dúvidas, a vigente à data do início da posse. Será assim essa lei que indicará se pode haver(….) . O mesmo se diga em matéria de loteamento urbano, licenças e dispensas.
Valem também aqui as considerações do Ac do STJ de 08-11-2018, proc. 6000/16.1T8STB.E1.S1[3]: “Outras situações têm sido apreciadas pelos tribunais e designadamente por este Supremo Tribunal de Justiça sendo a invocação da usucapião impedida quando está em causa a violação de regras de direito do urbanismo ligadas, por exemplo, ao regime dos loteamentos urbanos (v.g. Acs. do STJ de 26-1-16, 5434/09, de 30-4-15, 10495/08, de 7-6-11, 197/2000, em www.dgsi.pt; contra, com voto de vencido: Ac. do STJ, de 6-4-17, 1578/11). Já, porém, estando em causa o regime de fraccionamento de prédios rústicos sem objectivos urbanísticos, (…) a solução que vem sendo adoptada pela jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça é de sentido inverso, como o comprovam os recentes acórdãos de 1-3-18, 1011/16, de 3-5-18, 7859/15 e de 12-7-18, 7601/16, em www.dgsi.pt.(...) “.
No caso sub judice estão em causa operações de loteamento e de urbanização, e a usucapião reportar-se-à ao início da posse, datada de 1988, sendo aplicáveis as normas legais á data em vigor, designadamente, as disposições legais do DL n.º 289/73, de 6 de Junho, reportado às operações de loteamento.

Dispondo os artº 1º e 27º, do citado DL 289/73:
Artigo 1º: “A operação que tenha por objecto ou simplesmente tenha como efeito a divisão em lotes de qualquer área de um ou vários prédios, situados em zonas urbanas ou rurais, e destinados imediata ou subsequentemente à construção, depende de licença da câmara municipal da situação do prédio ou prédios, nos termos do presente diploma
Artigo 27º: 1. As operações de loteamento referidas no artigo 1.º, bem como a celebração de quaisquer negócios jurídicos relativos a terrenos, com ou sem construção, abrangidos por tais operações, só poderão efectuar-se depois de obtido o respectivo alvará, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 21.º
2. Nos títulos de arrematação ou outros documentos judiciais, bem como nos instrumentos notariais relativos aos actos ou negócios referidos no número anterior, deverá sempre indicar-se o número e data do alvará de loteamento em vigor, sem o que tais actos serão nulos e não podem ser objecto de registo.
Cominando a lei vigente com a sanção de nulidade a falta de referência e conformidade ao alvará de loteamento na operação urbanística.
Como se esclarece no Ac. STJ de 8/11/2018, P.6000/16.1T8STB.E1.S1, in www.dgsi.pt: “Relativamente a situações que envolvam a violação de normas imperativas cominadas com a nulidade verifica-se uma tendência jurisprudencial para a inviabilidade de contornar essa proibição através da invocação da usucapião.
Assim se decidiu, por exemplo, no Ac. da Rel. de Lisboa, de 30-4-02, www.dgsi.pt (001397) e Col. Jur. tomo II, p. 126, relatado pelo ora relator (sobre um caso em que estava em causa o regime das AUGI, com o seguinte sumário: “é insuscetível de conduzir à aquisição do respetivo direito de propriedade, por usucapião, a posse de uma parcela de terreno incluída num prédio rústico que foi objeto de operação de loteamento clandestino, integrado em Área Urbana de Génese Ilegal, dado que seriam violadas normas de natureza imperativa e lesados interesses de ordem pública”).
Outras situações têm sido apreciadas pelos tribunais e designadamente por este Supremo Tribunal de Justiça sendo a invocação da usucapião impedida quando está em causa a violação de regras de direito do urbanismo ligadas, por exemplo, ao regime dos loteamentos urbanos (v.g. Acs. do STJ de 26-1-16, 5434/09, de 30-4-15, 10495/08, de 7-6-11, 197/2000, em www.dgsi.pt; contra, com voto de vencido: Ac. do STJ, de 6-4-17, 1578/11).
Já, porém, estando em causa o regime de fracionamento de prédios rústicos sem objetivos urbanísticos, (…), a solução que vem sendo adotada pela jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça é de sentido inverso, como o comprovam os recentes acórdãos de 1-3-18, 1011/16, de 3-5-18, 7859/15 e de 12-7-18, 7601/16, em www.dgsi.pt.”
Estando em causa no caso sub judice causa operações de loteamento e de urbanização. ( cfr. noção dada por Fernanda Paula Oliveira, in “ Direito do Urbanismo. Do Planeamento à Gestão”, pg. 207, o loteamento urbano é a operação urbanística que opera a divisão ou transformação fundiária), sendo, in casu, o loteamento legal cfr. decorre do concreto factualismo fixado na sentença.
Como se salienta no Ac. STJ de 6/12/2018, P.8250/15.9T8VNF.G1.S1, in www.dgsi.pt, há que considerar que nos termos do disposto no artº 1287º do Código Civil a produção de efeitos da usucapião não poderá efectivar-se em caso de “disposição legal em contrário”, designadamente, impeditiva da mesma ou dos seus legais efeitos, fundamentando-se no indicado Ac.do STJ: “O direito do urbanismo, as regras sobre construções e edificações,(…), constituem domínios em que, por via de disposições legais claras ou a partir da pré-compreensão de tais realidades, nos deparamos com impedimentos ao reconhecimento de efeitos jurídicos sustentados na figura da usucapião. (…) Assim acontece quando a invocação e reconhecimento da usucapião traduza violação do regime jurídico imperativo dos loteamentos urbanos, atento o disposto no art. 49º do DL nº 555/99, de 16-12 (v.g. Acs. do STJ de 26-1-16, 5434/09, de 30-4-15, 10495/08, de 7-6-11, 197/2000, em www.dgsi.pt), (…) “.
Como se declara no Ac. STJ de 5/5/2016, P. 5562/09.4TBVNG.P2.S1 “VI - As normas de natureza administrativa referentes ao loteamento urbano e ao destaque são imperativas, prosseguindo fins e interesses públicos relevantes; VII - São dois os requisitos de uma operação urbanística de loteamento: (i) o fraccionamento predial, isto é, a divisão em lotes de qualquer área de um ou vários prédios, situados em zonas urbanas ou rurais; e (ii) o destino imediato ou subsequente de, pelo menos um dos lotes, à construção urbana”.
Mais se fundamentando: “Conforme também defende FERNANDA PAULA OLIVEIRA, na sua comunicação ao CEJ “Loteamentos, Reparcelamentos e Destaques” “o loteamento é, de facto, uma operação urbanística que opera a divisão ou transformação fundiária, mas não deve confundir-se com outras operações de divisão ou transformação fundiária que não se traduzem em operações urbanísticas”, sendo que “a definição atual determina que do loteamento resultam lotes (que terão as características supra indicadas), ainda que apenas um. Significa isto que não é uma operação de loteamento a intervenção que se traduza numa mera divisão fundiária que, não obstante dê origem a novas unidades prediais (parcelas) – que terão a capacidade edificativa que em cada momento os instrumentos de planeamento lhe defiram –, não cria lotes urbanos (isto é, novas unidades prediais com uma capacidade edificativa precisa e estabilizada por ato administrativo).”
Também MÓNICA JARDIM e DULCE LOPES (obra citada, p. 809) reconhecem que, nas hipóteses em que a usucapião opera sem que haja qualquer construção urbana na parte do prédio a usucapir ou sem que resulte clara e inequívoca a intenção de sujeitar a área em causa a uma finalidade urbanística, a exigência de certidão de destaque parece despropositada, face à utilização não urbanística que se pretende dar à parcela.
É a esta luz e também tendo em conta que a legislação sobre loteamentos urbanos visa obstar a construção clandestina e evitar que através da acessão ou da usucapião possa ser defraudada essa finalidade legislativa que o problema deve ser equacionado.
Ora, quando, através da justificação judicial, foi dado por adquirido o prédio, por usucapião, o mesmo estava licenciado para construção. Não havia qualquer impedimento legal a obstar ao reconhecimento do seu direito de propriedade, nem as autoridades administrativas se veriam coagidas a legalizarem uma construção que nele viesse a ser requerida.
Para quem entenda que os requisitos urbanísticos devem ser aferidos no momento do início da posse, por efeito da retroactividade dos efeitos da posse a que se refere o artigo 1288.º do Código Civil – conforme tem sido a posição do Conselho Consultivo do Instituto dos Registos e Notariado – a solução não seria diferente, porquanto, em 1977, vigorava o Decreto-Lei n.º 289/73, de 06-06, que cominava igualmente com a nulidade os títulos de arrematação ou outros documentos judiciais, bem como os instrumentos notariais relativos a actos ou negócios jurídicos relativos a terrenos, com ou sem construção, abrangidos por operações de loteamento urbanos, que não indicassem o número e data de alvará em vigor, acrescendo à referida nulidade dos actos a inadmissibilidade de registo e diversas outras sanções.

No mesmo aresto se referindo:
“O que se nos afigura justificar que, ao caso, se não aplique a regra da nulidade, por não estar em questão um projecto urbanístico que ultrapasse o loteamento já existente. “
Consequentemente, podendo deduzir-se do decidido no indicado Ac. do STJ - aplicar-se a regra da nulidade, quando está em questão um projecto urbanístico que ultrapassa o loteamento já existente.
Traduzindo-se as operações de loteamento em: “todas as acções que tenham por objecto ou por efeito a divisão em lotes, qualquer que seja a sua dimensão, de um ou vários prédios, desde que pelo menos um dos lotes se destine imediata ou subsequentemente à construção urbana”.
E, como refere Fernanda Paula Oliveira, in obra citada, “Direito do Urbanismo. Do Planeamento à Gestão”, pg. 207, deve distinguir-se o loteamento urbano (operação urbanística que opera a divisão ou transformação fundiária) das restantes operações de divisão ou transformação fundiária que não se traduzem em operações urbanísticas, apenas se configurando como um loteamento a divisão fundiária que é destinada à edificação urbana - edifícios destinados a usos urbanos- e não já a simples realização de actos e negócios jurídicos ( venda, partilha, divisão de coisa comum ) de que resulta uma mera divisão fundiária sem que impliquem ou visem uma transformação fundiária, devendo ser conformada de forma juridicamente adequada a noção de loteamento”, mais referindo a fls. 205 “ …com a entrada em vigor do RJUE, o loteamento urbano passou a assumir como característica essencial a transformação fundiária (ou recomposição predial), uma vez que passou a integrar, para além das tradicionais operações de divisão fundiária, designadas de loteamento em sentido estrito, também as de emparcelamento e de reparcelamento de prédios para efeitos de edificação urbana; sendo que “o loteamento em sentido estrito corresponde a uma conduta voluntária, determinadora de uma divisão predial ( material ou jurídica ), que dá origem à formação de unidades prediais autónomas ( novos prédios urbanos perfeitamente individualizados e objecto de direito de propriedade, as quais se destinam imediata ou subsequentemente a edificação urbana ou usos urbanos”, nesta categoria podendo se integrar a pretendida criação de unidades prediais autónomas (…) tratando-se, em qualquer dos casos, de faculdades atribuídas ao dono da unidade predial”.
Ainda, como da decisão recorrida consta: “Assim, intentada uma acção de reivindicação, procurando-se o reconhecimento do direito de propriedade sobre determinada parcela de terreno e a sua consequente restituição, a extensão e limites do prédio, para o qual se procura restituir a referida parcela de terreno, afere-se «em função da realidade decorrente da divisão operada pelo loteamento, regida pelo direito do urbanismo, e sobre que recaíram os subsequentes actos ou negócios jurídicos realizados pelos interessados, mas sem que tais actos ou negócios pudessem ter colidido, eficazmente, com a delimitação física ou material dos terrenos operada pelo loteamento, se desconformes com o resultante do respectivo alvará que o legitimou», na medida em por via do loteamento ficam definidos o objecto e os limites do direito real de propriedade sobre cada lote [cfr. ac. T.R.Coimbra de 10.02 2015 (processo n.º 857/13.5TBCVL.C1, relator Alexandre Reis); no mesmo sentido ainda o ac. do STJ de 15.10.2002 (processo n.º 02A434, relator Ponce de Leão)]”.
Nestes termos, não deve ser declarada a usucapião em caso de verificação de causas legais impeditivas da mesma ou da produção dos seus efeitos.
Neste mesmo sentido se decidiu já, ainda, neste TRG, por Ac.de 30/3/2017, P. 3007/11.9TBBCL.G2, in www.dgsi.pt, e, com respeito ao lote nº5 em referência nos autos, concluindo-se, designadamente: “I. Estando em presença de normas imperativas que visam a prossecução do interesse público do ordenamento do território, não poderá o acordo dos proprietários dos lotes que se encontram abrangidos pelo alvará de loteamento sobre a área de implantação dos respectivos lotes, prevalecer sobre o que a esse propósito consta do alvará de loteamento”.

No indicado Ac. se fundamentando:
1ª questão – se os proprietários dos diversos lotes resultantes do projecto de loteamento podem alterar por acordo a área de implantação dos lotes definida no alvará de loteamento
Entendem os apelantes que o acordo entre os sete filhos dos avós da A., SS e TT, a propósito da área de implantação de cada lote e a divisão entre eles, a que se refere o facto provado nº 53, e que corresponde à vontade dos seus pais SS e TT, deve sobrepor-se à divisão resultante da operação de loteamento. Não provando o registo os limites do prédio para que possa ser reconhecido que determinada faixa é pertença do A. ou do R., poderão as partes fazer prova da aquisição da mesma por usucapião, aquisição que, porque originária, faz ceder o registo anterior ao início da respectiva posse, ainda que o mesmo exista.
Mas a usucapião que faz ceder as regras do registo, não prevalece se atentar contra as normas de natureza administrativa referentes ao loteamento, uma vez que tais normas são imperativas (cfr se defende no Ac. do STJ de 05.05.2016, proferido no proc. 5562/09).
O projecto de loteamento relativo aos lotes em discussão deu entrada na Câmara Municipal de ... por solicitação do réu CC. À data da entrada do projecto – 1996 - estava em vigor o DL 448/91, de 29 de Novembro que veio a ser revogado pelo alínea b) do artº 129º do DL 555/99, de 16/12 que aprovou o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, sendo o diploma que estava em vigor à data da entrada do projecto que regula a sua concessão.
A partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de Junho, que reviu o regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46673, de 29.11.1965 que regulava a intervenção das autoridades administrativas responsáveis nas operações de loteamento, a operação que tenha por objecto ou simplesmente tenha como efeito a divisão em lotes de qualquer área de um ou vários prédios, situados em zonas urbanas ou rurais, destinados imediata ou subsequentemente à construção, passou a carecer de licença a conceder pela Câmara Municipal da situação do prédio ou dos prédios (artº 1º), sendo a licença titulada por um alvará (artº 19º, nº 1).
Igual exigência manteve-se no artº 1º, 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 400/84 que revogou o Decreto-Lei n.º 289/73 no seu artº 84º, nº 1 e também no artº 1º, nº 1 do DL 448/91, de 29/11 (que revogou o DL 400/84 – artº 71º, nº 1).
A partir do Decreto-Lei 289/73 a lei passou a salientar expressamente que as condições estabelecidas no alvará vinculam o proprietário do prédio ou prédios a que o mesmo se refere e, na parte aplicável, os adquirentes dos lotes, bem como que tal alvará deve especificar, além do mais, o número de lotes e localização (artº 19º, nº 1).Este último aspecto ficou melhor clarificado a partir do DL 448/91 (art. 29º), ao impor que o alvará deve especificar o número de lotes e respectivas áreas, localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos e número de fogos de cada um. O nº 3 do artº 29º, no seguimento do que já impunha o DL 289/73, veio também estatuir que “as condições estabelecidas no alvará vinculam a câmara municipal e o proprietário do prédio e ainda, desde que constantes do registo predial, os adquirentes dos lotes”.
Ora, estando em presença de normas imperativas que visam a prossecução do interesse público do ordenamento do território, não poderá o acordo dos proprietários dos lotes que se encontram abrangidos pelo alvará de loteamento sobre a área e área de implantação dos respectivos lotes prevalecer sobre oque consta do alvará de loteamento. Se não era possível por razões legais que o loteamento fosse feito de acordo com divisão física estabelecida pelos avós da A., porque não observava os afastamentos necessários entre as construções pré-existentes e as previstas para os restantes lotes, assim como as distâncias mínimas das janelas aos muros de divisão (artº artº 73º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo DL 38382/51, de 08 de Agosto), não pode ser reconhecido por via judicial que não assiste aos proprietários o direito de reclamar as áreas de acordo com o processo de loteamento, pois que implicaria o reconhecimento de uma situação não conforme a normas imperativas. (…).
Quando se constatou que não era possível proceder ao loteamento de acordo com a divisão feita pelos avós da apelada, o que os proprietários dos lotes deveriam ter feito, era retificar no local a área dos mesmos de acordo com o que constava no alvará, assim como os projectos que já tivessem em perspectiva. Se entenderam não o fazer, o certo é que não podem insurgir-se contra quem reivindica a propriedade da parcela em conformidade com a área constante do alvará. Como se defende no Ac. do TRC de 10.02.2015, proferido no proc. 857/13,citado na decisão recorrida, “o loteamento de um prédio e o que dele resulta depende, pois, não do critério particular do proprietário (primitivo ou adquirente), «mas antes e apenas de uma decisão administrativa, tomada em função dos interesses gerais da colectividade, de acordo com os planos de ordenamento do território» (cfr. Neste sentido o parecer do Prof. Henrique Mesquita, “Direito de Preferência”, CJ, ano XI, t. 5, p. 52). «E, atendendo a que as operações de loteamento se enquadravam, quer à data, quer actualmente, no campo mais vasto do ordenamento do território – arts. 1º e 9º do DL n.º 208/82, de 26/05 –, as disposições legais às mesmas atinentes revestem carácter imperativo, vinculando o Estado e demais entidades públicas, bem como os particulares, uma vez que subjaz às mesmas a protecção de interesses de ordem pública consagrados constitucionalmente – arts. 9º, al. e), 65º, n.º 4 e 66º, n.º 2, als. b) e f) da CRP», não podendo, pois, ser ignoradas pelos tribunais(cfr. Neste sentido, os Acs. do STJ de 1/6/2010 (133/1994.L1.S1- Sousa Leite) e de 18/6/2012 (178-E/2001.C2.S1- Alves Velho). Daí que, intentada esta acção de reivindicação, o “prédio” objecto do direito nela exercido não poderia deixar de ser a concreta realidade física decorrente da divisão operada pelo loteamento, regida pelo direito do urbanismo, e sobre que recaíram os subsequentes actos ou negócios jurídicos realizados pelos interessados, mas sem que tais actos ou negócios pudessem ter colidido, eficazmente, com a delimitação física ou material dos terrenos operada pelo loteamento, se desconformes com o resultante do respectivo alvará que o legitimou.
Com efeito, por um lado, a demonstração da concreta realidade física decorrente do loteamento nada tem a ver com o funcionamento da presunção emergente do art. 7º do CRP, uma vez que não é feita através do teor da descrição registral, e, por outro, são completamente irrelevantes as eventuais pretensões de interessados em que se proceda a uma demarcação material das parcelas de terreno que entendam pertencer-lhes, em dissonância com os limites que constem do título legitimador da operação de divisão do prédio originário: «na verdade, este instrumento de gestão urbanística e territorial de pouco serviria se fosse lícito» aos privados ceder ou reter mais terreno «aos interessados adquirentes, contornando as áreas imperativamente definidas no respectivo alvará, consolidando-se, sem mais, tal situação com a ocupação, aproveitamento e utilização pelos interessados» (Cf. neste sentido, o Ac. do STJ de 3/12/2009 (1102/03.7TBILH.C1.S1- Lopes Do Rego).
Por violar disposições legais de carácter imperativo, não pode, pois, considerar-se verificada a aquisição do direito de propriedade sobre uma parcela que envolva aquisição de áreas diferentes dos lotes, tal como estes se mostram definidos em alvará de loteamento, sem que dos autos conste a prova de que «a alteração dos lotes é lícita face às normas imperativas que regem o procedimento e a execução do loteamento» ( Cf. citado Ac. do STJ de 3/12/2009).”
Improcedendo, consequentemente, relativamente à questão em discussão os fundamentos da apelação, considerando-se, no circunstancialismo fáctico concreto, ilegal a divisão de propriedade decorrente de usucapião contra o loteamento legal realizado.
2. E, desde logo, pelos mesmos precisos fundamentos, e, no seguimento da jurisprudência citada do STJ, improcede a invocação de Abuso de Direito com vista a permitir-se alcançar a violação ou contornar “normas imperativas do ordenamento do território e do direito do urbanismo”, e, “que se assumem como de ordem e interesse públicos”, sendo de “repelir todas as situações materiais de facto que, objectivamente, atentem contra as mesmas, não sendo lícito respaldar juridicamente as situações de facto ilegais e atentatórias dessas normas, com amparo no instituto da usucapião, da acessão imobiliária ou mediante a invocação do instituto do abuso de direito”.
Consequentemente, também nesta parte improcedendo a apelação, mais se salientando e como se refere no Ac. STJ de 3/12/2009, P.1102/03.7TBILH.C1.S1, in www.dgsi.pt.: “ Não pode, na verdade, olvidar-se que na interpretação e aplicação das normas do CC relativas ao direito de propriedade de imóveis o intérprete e aplicador não pode restringir-se à estrita consideração dos tradicionais regimes de direito privado, tendo necessariamente, numa perspectiva abrangente e inter-disciplinar, que conferir o indispensável relevo aos regimes jurídicos atinentes ao direito do urbanismo e da ordenação do território e à tutela do ambiente, por essa via ponderando, na composição dos litígios, os relevantes interesses públicos que lhes subjazem: ou seja, a adequada composição dos litígios que se situam no domínio da propriedade imobiliária, conexionando-se com o fraccionamento, a divisão, o exercício do «jus aedificandi» e o próprio aproveitamento e utilização dos prédios, envolve a simultânea e concomitante ponderação e aplicação «cruzada» e articulada dos regimes de direito privado – que sempre tiveram assento no CC – e dos regimes de direito público urbanístico e de ordenamento do território, constantes de legislação avulsa. Neste sentido se vem, aliás, orientando a jurisprudência do Supremo; (…) “
3. Improcedendo, igualmente a apelação no tocante à alegada actuação dos Autores em má fé ( substancial ).
Como refere P.Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 5ª edição, pg. 262 “A jus-eticidade desempenha um papel importante na substância do direito subjectivo. Esta exige um direito de mérito, de conformidade com as coordenadas axiológicas, ético-jurídicas, do Direito (…). De entre os princípios ético jurídicos avultam, entre outros, a boa fé e os costumes (art.º 334º e 762º-n.º 2 do Código Civil)”, dispondo, ainda, este preceito legal, a par do já estatuído pelo art.º 334º, do citado diploma legal, que “ No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”.
“ As normas jurídicas – Lex – influenciam a substância do direito subjectivo – Ius _ ao impor, proibir ou determinar o seu conteúdo e o modo do seu exercício. Trata-se de estatuir limites extrínsecos do direito subjectivo e ao seu exercício” - autor e obra citada.
Analisados os autos, na sua globalidade, e o exercício do direito dos Autores que no processo se realiza, afigura-se o mesmo legítimo e legal, assim tendo obtido procedência (parcial), - (a par, aliás, do que os ora Réus alcançaram na acção nº 3007/11.9TBBCL.G1, em que eram Autores).
Concluindo-se, nos termos expostos, pela improcedência do recurso de apelação.

Sumário ( artº 663º-nº7 do Código de Processo Civil ):

I. Nos termos do disposto no artº 1287º do Código Civil a produção de efeitos da usucapião não poderá efectivar-se em caso de “disposição legal em contrário”.
II. Não deve ser declarada a usucapião em caso de verificação de causas legais impeditivas da mesma ou da produção dos seus efeitos.
III. “Assim acontece quando a invocação e reconhecimento da usucapião traduza violação do regime jurídico imperativo dos loteamentos urbanos”, e, “relativamente a situações que envolvam a violação de normas imperativas cominadas com a nulidade”.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes, em partes iguais.
Guimarães, 16 de Dezembro de 2021

(Luísa D. Ramos )
( Eva Almeida )
( António Beça Pereira )

Declaração de voto


Como é sabido, "a usucapião representa (…) uma forma de aquisição originária. O novo titular recebe o seu direito independentemente do direito do titular antigo." (1)
Mas, o artigo 1287.º ressalva a possibilidade de tal aquisição ocorrer nos casos em que houver "disposição em contrário".
Como se diz no Ac. STJ de 6-4-2017 (2), "não que se questione que os negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo sejam, em regra, nulos, de acordo com o estatuído no art. 294.º do C. Civil (…). Nem que se tenha por indiscutível que a nulidade pode ser, em princípio, invocada a todo o tempo por qualquer interessado e pode (até) ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art.º 286.º do C. Civil).
Só que a não fixação de um prazo para a sua arguição «não afeta os direitos que hajam sido adquiridos por usucapião» (Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, pág. 263).
«A possibilidade da sua invocação perpétua (da nulidade) pode, porém, ser precludida pela verificação da prescrição aquisitiva (usucapião)». (Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, pág. 470). No mesmo sentido se pronunciando o Prof. Castro Mendes, in Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, pág. 291, nota 731.
E esta era também a doutrina já sufragada no domínio do anterior Código Civil, relativamente às nulidades absolutas. Como então ensinava o Prof. Manuel de Andrade: «o princípio de que a nulidade absoluta pode, por via de ação, ser invocada a todo o tempo, não prevalece sobre a doutrina da prescrição aquisitiva» (Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, pág. 418).
Daí que (…) a eventual nulidade da operação de loteamento ou destaque não pudesse afetar os atos de posse praticados (…) sobre a parcela de terreno (…) e, consequentemente, obstar à sua consolidação por usucapião.
Só assim não poderia suceder se alguma norma dos diversos e sucessivos diplomas legais sobre a matéria do loteamento urbano, desde o Dec. Lei n.º 46 673, de 29 de novembro de 1965, até, pelo menos, àquele supramencionado Decreto-Lei n.º 448/91, de 29-11, tivesse vindo impedir a possibilidade de invocação da usucapião sobre os lotes de terreno resultantes de loteamento ilegal.
(…) E não se argumente (…) com o interesse público que as leis referentes ao loteamento visam satisfazer. É que também as regras da usucapião são determinadas por razões de interesse público consistente na defesa da paz pública e por - como assinalam Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. III, pág. 65 - «ponderosas razões de ordem económico-social»."
Assim, considero que os limites do lote n.º 5 definidos no loteamento de Abril de 1997 podem ser modificados através da usucapião (3). A usucapião, enquanto forma de aquisição originária de direitos reais, tem que se poder sobrepor a limitações de ordem pública (4).
Nestes termos, não subscrevo o entendimento exposto no acórdão de que "ocorrerem no caso sub judice causas legais impeditivas do funcionamento ou da produção dos efeitos da usucapião", motivo por que voto vencido.

António Beça Pereira


1. Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 1978, pág. 337.
2. No Proc. 1578/11.9TBVNG.P1.S1, www.gde.mj.pt.
3. Cfr. factos 40 a 45.
4. Neste sentido veja-se Ac. STJ de 18-2-2021 no Proc. 20592/16.1 T8SNT.L1.S1, Ac. Rel. Guimarães de 1-2-2018 no Proc. 505/15.9.T8BCL.G1, Ac. Rel. Lisboa de 16-2-2017 no Proc. 2148/13.2TBCSC.L1-8, Ac. Rel. Lisboa de 1-2-2011 no Proc. 136/05.1TBFUN.L1-1, Ac. Rel. Porto de 22-6-2006 no Proc. 0632159 e Ac. Rel. Porto de 28-4-2005 no Proc. 0531457, www.gde.mj.pt.