Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
651/20.7T8VRL.G1
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/19/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÕES
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTES
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário, da única responsabilidade do relator

O lesado que, entre o mais, tinha 47 anos aquando o acidente, é um trabalhador indiferenciado na agricultura que auferia o equivalente a um salário mínimo nacional, esteve 394 dias até à alta médica com incapacidade absoluta para o trabalho e permaneceu com uma afetação da integridade físico-psíquica de 45 pontos com uma incapacidade total para profissões que exijam esforço/utilização do membro superior esquerdo, como é o caso para o trabalho agrícola que o mesmo sempre executou, tem direito a uma indemnização de 40.00,00€ por danos não patrimoniais e de 180.000,00€ por danos futuros.
Decisão Texto Integral:
A. S. propôs ação com processo comum contra X Seguros, S.A..
Pediu:

“… reconhecendo-se e declarando-se que o acidente supra descrito se ficou a dever única e exclusivamente à culpa do condutor do veículo ligeiro de passageiros CN, a Ré condenada a pagar ao A.:

A) A quantia de 573.760,00€ …, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente;
B) Pagar juros legais contados desde a data de citação até integral pagamento;
…”.
Alegou, em síntese: no dia, hora e local referidos nos autos, ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente o veículo com a matrícula CN, conduzido por A. P., segurado na R, sendo que o condutor do veículo referido perdeu o controlo do mesmo e entrou em despiste; nesse acidente, sendo transportado como passageiro, sofreu danos físicos com sequelas que lhe acarretaram prejuízos de ordem patrimonial e não patrimonial, sendo que é na quantificação desses danos que encontra o montante peticionado.
A R contestou alegando, em súmula, no sentido de aceitar, no essencial, a versão do sinistro, bem como a responsabilidade pelo ressarcimento de prejuízos sofridos em consequência de tal acidente, impugnando, contudo, a matéria alegada relativa à extensão dos danos sofridos pelo autor.
Na fase de condensação e saneamento fixou-se o objeto do litígio e selecionaram-se os temas da prova.

Realizada audiência de julgamento proferiu-se sentença, decidindo-se:

“1º Julgo parcialmente procedente o pedido formulado pelo autor A. S. contra a ré X Seguros, S.A. e, consequentemente, condeno a ré a pagar ao autor a quantia global de €297 850,00 …, a título de ressarcimento pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente em discussão nos autos, quantia à qual deve ser descontado o valor de €4 100,00 … que a ré já adiantou ao autor, bem como as quantias que, entretanto, já foram e vierem a ser pagas ao autor, pela ré, até ao trânsito em julgado da decisão, nos termos da transação celebrada e homologada nos autos de procedimento cautelar apensos.
2º Sobre a quantia devida acrescem juros, à taxa legal, a contar desde a citação da ré.
3º Absolvo a ré da parte restante do pedido.
…”.

O A recorreu.
Concluiu:
“1 – A indemnização a fixar no âmbito de uma ação responsabilidade civil visa colocar o lesado no estado em que se encontrava antes do facto que obriga à reparação (artigo 562º do Código Civil), sendo que, quando tal não seja possível, a indemnização em dinheiro atende ao prejuízo efetivamente sofrido, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (artigo 566º do Código Civil).
2 - Como resulta do teor da petição inicial, o apelante pediu a condenação da R/Seguradora a pagar-lhe a quantia total de 577.860,00 € (quinhentos e setenta e sete mil e oitocentos e sessenta euros), discriminada da seguinte forma:
I - Dano biológico na vertente de dano patrimonial:
a) 11.820.00 € a título de perda dos 394 dias em que esteve com incapacidade temporária absoluta (394 dias x 30,00 € = 11.820,00 €), conforme resulta das conclusões do “Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível”;
b) 383.040,00 € a título de dano patrimonial futuro na vertente de perda de capacidade de ganho decorrente do déficit funcional permanente da integridade físico-psíquica de 45 pontos. As sequelas permanentes com que o recorrente ficou a padecer determinam-lhe uma incapacidade de 100% para a profissão de jornaleiro, bem como de qualquer outra dentro da área de preparação técnico-profissional do recorrente;
c) 108.000,00 € a título de dano patrimonial futuro na vertente dos custos traduzidos na perda de produção fora do mercado e que se consubstancia no trabalho não remunerado que o Recorrente executava no desempenho da casa, família e nas tarefas agrícolas para proveito próprio.
II – Dano biológico na vertente de dano não patrimonial:
- 75.000,00 € a título de danos não patrimoniais;
3 - A decisão recorrida foi no sentido de julgar parcialmente procedente a ação que condenou a R. X SEGUROS, S.A., a pagar ao recorrente:
a) – A quantia global de 7.850.00 € a título de perda dos 394 dias em que esteve absolutamente incapaz para o exercício de qualquer atividade, com base na seguinte fundamentação:
“Posto isto, sendo certo que à data do acidente, o autor trabalhava diariamente e auferia € 30,00 (trinta euros) por cada dia de trabalho, e que a campanha das vindimas durou, pelo menos, até ao final do mês de outubro de 2018, ou seja, mais 23 dias para além do dia do acidente, o autor terá direito à respetiva remuneração (23 dias a 30 euros por dia), no valor de € 690,00 (seiscentos e noventa euros).”
“Quanto ao restante período de incapacidade temporária absoluta, até 5 de novembro de 2019, data da alta médica, entende-se que o autor, apesar de se desconhecer o número exato de dias que iria trabalhar após as vindimas, deve ter direito a receber os valores correspondentes ao salário mínimo nacional devido em cada mês que não pôde trabalhar, ou seja, dois meses do ano de 2018, a 580,00 euros por mês (salário mínimo nacional nesse ano) num total de € 1 160,00, e dez meses do ano de 2019, a 600,00 euros por mês (salário mínimo nacional em 2019), num total de € 6 000,00, o que tudo somado dá a quantia de € 7 850,00 (sete mil oitocentos e cinquenta euros), sendo este o valor devido a título de salários por incapacidade temporária absoluta, até à data da alta médica, uma vez que, durante esse período, não foi capaz de retirar qualquer rendimento de qualquer outra atividade.”
b) “No caso dos autos, tendo em conta a idade do autor (48 anos à data da alta), o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 45 pontos, mas impeditivo do exercício da atividade habitual e qualquer outra para a qual tenha qualificações, sendo certo que as regras da experiência comum nos dizem que o autor, em circunstâncias normais, poderia continuar a trabalhar na agricultura, pelo menos, até aos 70 anos de idade e a tratar dos trabalhos agrícolas nas terras próprias, pelo menos, até aos 78 anos de idade (esperança média de vida para os homens), e sem esquecer que o défice funcional permanente de que ficou afetado o acompanhará para sempre, e tendo, ainda, em conta que não se apurando que o autor tivesse um vencimento fixo mensal,
Sempre corresponderia, pelo menos, ao salário mínimo nacional, o qual desde o ano de 2018 até ao ano corrente de 2021, tem vindo a subir gradualmente (580,00 euros em 2018, 600,00 euros em 2019, 635,00 euros em 2020 e 665,00 euros atualmente), prevendo-se que tal subida vá continuar, entende-se como adequado, em termos equitativos, ao abrigo do disposto no art. 566º, nº 3 do Código Civil, fixar a título de indemnização por dano patrimonial, o valor global de € 250 000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), no qual se inclui qualquer atividade exercida pelo autor, quer por conta de terceiros, quer nas atividades agrícolas para autoconsumo.”
c) 40.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais.
4 – O Apelante conforma-se com a decisão na parte em que imputa a responsabilidade exclusiva pela produção do acidente dos presentes autos ao condutor do veículo garantido pela R., bem como com a quantia de 690,00€ correspondente a 23 dos 394 dias em que esteve absolutamente incapaz para o exercício de qualquer atividade para além do dia do acidente.
5 - Todavia, e quanto ao demais, não pode o recorrente conformar-se com a … sentença proferida, porquanto, e ressalvando o máximo respeito por entendimento diverso, entende que andou mal o Tribunal a quo na decisão proferida a propósito do arbitramento da indemnização pelo dano biológico na vertente do dano patrimonial e não patrimonial e na fixação do respetivo quantum, por se afigurar sobejamente desadequado, por redutor e pouco razoável, face aos critérios legais e jurisprudenciais aplicáveis.
6 – A quantia global de 7.850.00 € a título de perda dos 394 dias em que esteve absolutamente incapaz para o exercício de qualquer atividade é insuficiente, para ressarcir o recorrente dos danos, a este título, sofridos.
7 – Na … sentença em reapreciação dá-se como assente que o recorrente, na altura do acidente trabalhava todos os dias da semana e que, ao longo do ano trabalhava, habitualmente, de Segunda-Feira a Sábado, 6 dias por semana e que auferia 30,00 € por jorna.
8 – Apesar disso o Tribunal a quo, dá como não provado que o A/recorrente auferia 720,00 € por mês e num raciocínio redutor e pouco razoável, entendeu fixar a indemnização com base no rendimento real do recorrente em apenas 23 dias dos 395 fixados no aludido “Relatório Pericial”, para depois calcular os restantes dias com base no salário mínimo e referente aos anos a que aquele período se refere.
9 - A nossa doutrina e jurisprudência, quando o lesado não exerce qualquer atividade remunerada, tem vindo a determinar que para o apuramento do quantum indemnizatur há que partir de um vencimento superior ao salário mínimo, e que corresponda a um valor próximo do salário médio nacional - Cfr., neste sentido, ÁLVARO DIAS, Dano Corporal – Quadro epistemológico e aspetos ressarcitórios, 2001, pág. 297 e acórdãos do STJ de 3.06.2003 (processo nº 03A1270), de 18.12.2003 (03A3897), de 25.11.2009 (processo nº 397/03.0GEBNV.S1) e de 9.07.2014 (processo nº 686/05.0TBPNI.L1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt.
10 - De acordo com a informação colhida na base de dados “PORDATA”, o salário médio nacional no ano de 2018, altura em que ocorreu o acidente, cifrou-se no valor de 970,40 € (novecentos e setenta euros e quarenta cêntimos).
11 - No mesmo sentido e com a finalidade de satisfazer as exigências do princípio da igualdade, o Ac. do TRP, de 19/03/2018, proc. nº 1500/14.0T2AVR.P1, consultável em www.dgsi.pt, defende que nos casos em que não há perda de capacidade de ganho, deverá usar-se, no cálculo do dano biológico, um valor de referência comum sob pena de violação do princípio da igualdade, defendendo-se que se tome por base um rendimento de 850,00€ x 14.
12 - No caso sub judice apesar do recorrente não auferir um salário mensal, encontra-se determinado que o mesmo auferia por jorna, à data do acidente, a quantia de 30,00 €, pelo que, e salvo sempre o devido respeito por opinião diferente, parece-nos haver uma incongruência na … sentença em reapreciação, uma vez que a multiplicação dos 6 dias de trabalho, habitual, por semana, pelo valor da jorna (30,00 €) perfaz a quantia mensal de 720,00 € em conformidade com o exposto na sua p.i..
13 – Por isso mesmo, não pode o recorrente aceitar que se dê como não provado que o mesmo auferia a quantia mensal de 720,00 €, bem como a redução do valor pelo cálculo da indemnização devida pelo período de ITA, sendo que tal redução, tendo sido quantificada com base no salário mínimo, contraria o que a doutrina e a nossa jurisprudência têm vindo a fixar quando os lesados não auferem qualquer rendimento.
14 - Pelo que a indemnização a arbitrar ao recorrente pelo período de 394 dias em que esteve de ITA, deve ser calculado na remuneração que o recorrente auferia por jorna (30,00 €), à data do acidente, e que corresponde à quantia de 11.820,00 € (394 dias x 30,00 € = 11.820,00 €), conforme por si peticionado na petição inicial.
15 – Por outro lado, o valor de 250.000,00 título de indemnização pelo dano biológico na dano patrimonial - défice funcional permanente, fixado à vertente da integridade físico-psíquica fixável em 45 pontos, mas que determinam uma incapacidade total (100%) para a profissão de jornaleiro que o recorrente sempre exerceu, bem como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional – e pela perda de produção do trabalho não remunerado desempenhado pelo recorrente no âmbito da casa, família, comunidade e nas tarefas agrícolas para autoconsumo é insuficiente, para ressarcir o recorrente dos danos, a este título, sofridos;
16 – Desconhece o recorrente, porque a sentença é completamente omissa a esse respeito, qual o iter seguido para efetuar a quantificação da indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo, sendo que a indemnização arbitrada não teve em consideração os critérios que a doutrina e jurisprudência têm vindo a determinar em conformidade com o supra exposto.
19 – O recorrente contava, à data da alta médica, 48 anos de idade, ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 45 pontos, mas que determinam uma incapacidade total (100%) para a profissão de jornaleiro que o recorrente sempre exerceu, bem como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional, trabalhava na agricultura – vindima – 7 dias por semana e auferia, por jorna, a quantia de 30,00 €, o que perfazia a quantia mensal de 900,00 € (30,00 € x 30 dias = 900,00 €) e a expetativa de vida para os homens, segundo as “Tábuas de Mortalidade” relativas ao triénio 2018-2020, cifra-se nos 78,07 anos de idade.
20 - Apesar disso, o recorrente, trabalhando, habitualmente, para terceiros, 6 dias por semana, efetuou a quantificação da indemnização na vertente de perda de capacidade de ganho decorrente do déficit funcional da integridade físico-psíquica e acima exposta, com base no valor mensal de 720,00 € (30,00€ x 6 dias por semana x 4 semanas = 720,00 €).
21 – Recolhe-se da sentença recorrida a fundamentação para a fixação do valor atribuído como indemnização pela perda da capacidade aquisitiva futura enquanto dano patrimonial, apelando a um juízo de equidade, a par das razões que suportam o arbitrado quantum indemnizatório fixado.
22 - Contudo, questão diversa é apurar-se da bondade da consignada fundamentação que conduziu o Tribunal recorrido a arbitrar o valor de 250.000,00€ como indemnização unitária pela perda da capacidade aquisitiva e pela perda de utilidade económica futuras, por parte do recorrente.
23 - Apesar do Tribunal a quo fazer referência aos fatores e variantes dinâmicas que escapam ao cálculo objetivo da indemnização arbitrada, a sentença em reapreciação acabou por desconsidera-los e não atendeu tais critérios no juízo final de equidade.
24 - Por outro lado, e ressalvando sempre o devido respeito por opinião diferente, parece existir uma incongruência entre os factos dados como assentes e a base de cálculo – salário mínimo – seguido pelo Tribunal a quo para quantificar a indemnização então arbitrada na sentença aqui em reapreciação.
25 - A sentença em crise, ao arrepio do que vem sendo determinado pela nossa doutrina e jurisprudência e exposto nos pontos 9 a 11 das presentes conclusões, desconsiderou a remuneração mensal real apresentada pelo recorrente e, de forma redutora e pouco razoável, quantificou a indemnização arbitrada com base no salário mínimo, sem que tenha discriminado o valor atribuído a cada um dos danos patrimoniais aqui em causa.
26 – Por outro lado e ao contrário do fundamentado na … sentença aqui em crise, constitui entendimento jurisprudencial reiterado que, no cálculo da indemnização por danos futuros, deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que o lesado ficou privado e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da vida profissional ativa do lesado), quer porque, prejudicando a sua carreira contributiva, vem a reduzir, ou até a excluir, a pensão de reforma, quer porque sempre condicionará a possibilidade de obtenção de ganhos no exercício de atividades económicas alternativas a realizar para além da idade da reforma (Vide Acs. STJ, de 01.03.2018, proc. 773/07.0TBALR.E1.S1, de 08/05/2012, Proc. nº 3492/07.3TBVFR.P1; de 27/05/2021, Proc. nº 10682/15.3T8LSB.L1.S1; TRG, de 28/06/2018, Proc. nº 2476/16.5T8BRG.G1; TRP, de 23/03/2015, Proc. nº 1783/11.8TBPNF.P1 e de 23-10-2014, Proc. nº 148/12.9TBVLP.P1), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
27 - Destarte, sopesando o quadro factual apurado, relevando especialmente que as sequelas sofridas pelo recorrente implicam o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 45 pontos, mas que determinam uma incapacidade total (100%) para a profissão de jornaleiro que o recorrente sempre exerceu, bem como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional, parece-nos mais justo e equilibrado - quer na vertente da justiça do caso, quer na ótica da justiça comparativa -, fixar em 383.040,00 € (trezentos e oitenta e três mil e quarenta euros), o montante destinado a reparar o dano patrimonial futuro na vertente da perda de capacidade de ganho decorrente do déficit funcional permanente da integridade físico-psíquica, tal como peticionado na petição inicial.
28 – Entendeu a Mma. Juiz a quo unificar na quantia de 250.000,00€ arbitrada a título de dano biológico, os danos resultantes da perda de utilidade económica referente aos custos traduzidos na perda de produção referentes à perda potencial de produção fora do mercado e que se consubstancia no trabalho não remunerado que era desempenhado pelo recorrente, no âmbito da casa, família, da comunidade e tarefas agrícolas para autoconsumo, sem que, entretanto, tenha demonstrado o iter como desenvolveu aqueles cálculos.
29 - Embora de difícil estimação quanto à quantificação destes custos, a Universidade Autónoma de Lisboa e a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária apresentam o estudo “Custo Económico e Social dos Acidentes de Viação em Portugal” que tem como autores, ARLINDO ALEGRE DONÁRIO E RICARDO BORGES DOS SANTOS, publicado pela Editora Ediual, e que estima os custos traduzidos na perda de produção fora do mercado, em 30% do rendimento do trabalho no mercado.
30 - Conforme requerido pelo recorrente na sua p.i., este estimou o trabalho não remunerado, e que era desempenhado no âmbito da casa, da família e das tarefas agrícolas para autoconsumo, no valor de 300,00 €/mês, quantia esta que se enquadra dentro dos parâmetros de 30% dos custos traduzidos na perda de produção fora do mercado e estimados no estudo supra aludido.
31 – Pelo que, e partindo da referência monetária de 300,00 €, no défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 45 pontos, mas que determinam uma incapacidade total (100%) para a profissão de jornaleiro que o recorrente sempre exerceu, bem como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional, e pelo período de 30 anos (até aos 78 anos), o valor da perda de produção nas tarefas desempenhadas pelo recorrente no âmbito da casa, família, comunidade e agrícolas para autoconsumo, afigura-se-nos ser mais equitativo a determinação da indemnização da quantia de 108.000,00 € (cento e oito mil euros), conforme peticionado no seu petitório inicial.
32 - Pelo que o montante de 250.000,00 €, fixado na sentença a título do dano biológico nas 2 vertentes acima expostas, é, assim, insuficiente;
33 - Justo e equitativo é o valor global reclamado pelos dois danos patrimoniais futuros e acima referidos, de 502.860,00 € …, e que ora, também, se reclama;
34 - Discorda, ainda, o Recorrente em relação ao montante indemnizatório/compensatório que lhe foi atribuído, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial;
35 - O valor de 40.000,00 €, fixado pela douta sentença recorrida, é insuficiente para ressarcir/compensar os danos a este título sofridos pelo recorrente, tendo em conta a gravidade das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes em conformidade com os factos dados como provados e acima descritos;
36 - Pelo que, em face da jurisprudência seguida pelas instâncias superiores a este respeito e supra enunciada e atento a gravidade e intensidade do sofrimento físico e psíquico decorrentes do acidente em mérito, o recorrente, ponderando os princípios de equidade e razoabilidade que devem pautar a aplicação da justiça, entende como adequada e justa a quantia de 75.000,00 € …, a título de danos não patrimoniais, conforme peticionado na petição inicial.
37 - No entender do recorrente, os montantes que o douto Tribunal a quo veio fixar, atentas as circunstâncias, a gravidade dos factos e das respetivas consequências, acabam por ter um alcance meramente simbólico e não efetivo.
38 - Pelo que deverá a sentença em crise ser revogada e, consequentemente, deve ser determinado a condenação da R/recorrida na indemnização ao recorrente na quantia global de 577 860,00 € …, em conformidade com o supra exposto, por ser este o valor que mais se harmoniza com os critérios de equidade e justiça.
39 – Depois destas conclusões e de todo o seu alcance, é lícito afirmar que a Mma. Juiz a quo devia ter enquadrado juridicamente os factos como integrantes do direito que assiste ao recorrente e, consequentemente, ter condenado a recorrida em conformidade com o supra exposto.
40 – Assim não se tendo entendido e decidido, não se fez a melhor e mais correta interpretação e aplicação ao caso sub judice das pertinentes disposições legais, nomeadamente, o disposto nos arts. 495º, 496º, 562, 564º e 566º, nºs 2 e 3 todos do Código civil.
Nestes termos e nos melhores de direito …, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se parcialmente a douta decisão recorrida, substituindo-se por douto acórdão em conformidade com o supra exposto.”.
Contra-alegou-se no sentido da improcedência do recurso.

A R recorreu, concluindo:
“I. O montante fixado pelo Tribunal a quo para indemnizar o Autor do dano patrimonial sofrido é excessivo e desajustado, tendo em conta o critério da equidade e o princípio da uniformidade na atribuição da indemnização.
II. Resulta da matéria de facto provada, para o que aqui releva, que o Autor, em consequência do acidente, ficou com sequelas que constituem uma afetação da integridade físico-psíquica (Dano Biológico) de 45 pontos e que constitui uma incapacidade total para profissões que exijam esforço/utilização do membro superior esquerdo, como é o caso para o trabalho agrícola que o mesmo sempre executou; que à data da alta médica, o Autor tinha 48 anos de idade e que, com os trabalhos agrícolas que efetuava para terceiros, o Autor obtinha mensalmente uma quantia equivalente, pelo menos, ao salário mínimo nacional, com a qual fazia face às despesas pessoais e da casa.
III. Ora, se é certo que o Autor está, por força da sua incapacidade permanente parcial, impedido de exercer a sua atividade profissional habitual (o Autor é um trabalhador indiferenciado, cuja atividade habitual eram os trabalhos agrícolas, desempenhando a profissão de jornaleiro), a verdade é que a sentença recorrida não atendeu à circunstância de o Autor não estar incapacitado para o exercício de outras atividades profissionais compatíveis com a sua formação, fixando uma indemnização como se o Autor padecesse de uma incapacidade de 100 pontos, donde resultou um valor excessivo, tendo por referência situações similares.
IV. O cálculo do quantum indemnizatório, fixado para reparação pela perda de capacidade aquisitiva futura, tem, necessariamente, por base critérios de equidade que assentam numa ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida, ainda que sem colidir com critérios jurisprudenciais atualizados e generalizantes, de forma a não por em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.
VI. O critério geral para a atribuição da respetiva indemnização é o da equidade (artigos 4.º, al. a) e 566.º, n.º 3, do Código Civil) e o princípio da uniformidade (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil), com apelo aos casos análogos da jurisprudência.
VII. Assim, atendo aos aludidos critérios para a atribuição de indemnizações e, tendo por base casos análogos para se obter uma uniformidade e maior igualdade nas indemnizações a atribuir, vejamos, a propósito, as seguintes decisões:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07.07.2009, proferido no processo n.º 1145/05.6TAMAL.C1, disponível em www.dsgi.pt, que decidiu atribuir a indemnização no montante de 200.000,00€ ao lesado, com 36 anos,considerando que sofreu uma amputação do terço inferior do membro inferior esquerdo, claudicação por inadaptação à prótese do referido membro e o uso externo de uma canadiana, padecendo de uma incapacidade genérica permanente de 71,5%, incapacitado para a profissão habitual, e com remuneração mensal auferida de 825,00€;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.01.2016 proferido no Proc. 7793/09.8TLSNT.L1.1, que fixou a um lesado de 19 anos de idade, com uma incapacidade para a profissão habitual, a título de dano patrimonial, € 50.000,00;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 01.03.2018, proferido no processo 12361/15.2T8ALM.L1.2, que fixou a um lesado (Agente da PSP) de 52 anos, com uma afetação da integridade físico-psíquica (Dano Biológico) de 32,9 pontos, com incapacidade para a profissão habitual, e um salário anual de €20.774,99, a quantia de € 190.000,00, a título de dano patrimonial, mantendo a decisão da primeira instância;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09.11.2020, proferido no processo 1126/15.1T8PVZ.P1, que fixou a um lesado (pedreiro de 1.ª) de 37 anos, com uma afetação da integridade físico-psíquica (Dano Biológico) de 35 pontos, com incapacidade para a profissão habitual, e um salário anual de €12.311,64, a quantia de €180.000,00, a título de dano patrimonial;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Guimarães, de 23.05.2019, proferido no processo 2168/17.8T8GMR.G1, que fixou a uma lesada (auxiliar de ação educativa) de 59 anos, com uma afetação da integridade físico-psíquica (Dano Biológico) de 10 pontos, com incapacidade para a profissão habitual e um salário anual de cerca de € 7952,00, a quantia de € 55.000,00, aferidos da seguinte forma, passando a citar o aludido acórdão: (…) “ A Autora apenas logrou demonstrar a alegada incapacidade absoluta no caso da atividade habitual que desenvolvia à data do evento danoso mas não para outras em que não estejam em causa as limitações referidas no item 72. dos factos provados, após a exigida reconversão profissional (maxime na sequência da alteração acima operada nessa matéria). Por isso, esse dado será encontrado nos termos do art. 566º, nº 3, do Código Civil, no decorrer do silogismo a operar para encontrar o valor previsto no seu nº 1. Ora, tendo em conta a atual idade da reforma – cerca de 67 anos, a idade da lesada (59 anos à data do acidente e 61 à data da consolidação das lesões), o valor do salário auferido o rendimento apurado em 57., é, portanto, de, pelo menos, mais 6 anos o período (previsível) a ter em conta e de 7952€ (568 x 14) o valor do rendimento anual a atender. Quanto à taxa de juros, de acordo com a atual e pública tendência do mercado de capitais, a adequada neste caso será de 1,5%, sendo ponderada no mesmo contexto uma taxa de crescimento de 2%. Estando demonstrado apenas o deficit funcional parcial geral de 10 pontos e que o Autora pode exercer outras funções nos termos acima expostos, podendo ainda recorrer a outras atividades após a devida reconversão, julgamos ser equitativo ficcionar uma incapacidade de 60% para aferir o justo quantitativo destinado a compensar o desvalor relacionado com a perda de ganho apurada de forma incerta acima sublinhada. Neste ponto, julgamos, contrariamente ao defendido pela Recorrente (...) Seguradora, que o valor do rendimento habitualmente auferido na atividade que deixou de ser possível pode e deve ser considerado na equação. Encontrados todos os elementos necessários há que aplicá-los na fórmula a equacionar. Esta determinará qual o capital que produzirá, durante certo período, um rendimento anual sempre igual, mas que no final desse se ache esgotado. De acordo com fórmula matemática (verbo jurídico.pt), já testada por nós em comparação com outras citadas pela jurisprudência dos Tribunais superiores (na qual se baseia, aliás), esse valor indicativo seria de cerca de 35000 euros. No entanto, neste caso há que ponderar que a Autora apresenta um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 10 pontos, ou seja, em toda a sua atividade geral diária, além da exclusivamente laboral acima considerada, viu prejudicada, nessa medida, a capacidade de usar o seu corpo. Por isso, a fim de completamente ressarcir o dano biológico de que padece, há que encontrar o valor justo para compensar essa sua componente de cariz não é, pelo menos diretamente, patrimonial.
Com esse objetivo, ponderaremos, além desse défice e do apurado conteúdo específico das limitações de que ficou a padecer parar usar diariamente o seu corpo, os previsíveis anos que ainda tem de vida (mais cerca de 20 após a consolidação das lesões), cerca de 81 (16) anos (é a esperança de vida atual para os indivíduos do sexo feminino), fatores que nos levam a considerar, neste caso, equitativo o montante compensador de 15000 euros, em complemento daquele acima deferido. O somatório (50000) desses dois valores seria o indicativo montante do capital correspondente àquele desígnio indemnizatório do dano (biológico) futuro em apreço. Todavia, ponderando, outras variáveis como a valorização salarial, o expectável crescente valor quer da idade da reforma, quer da esperança de vida, a alteração da inflação, provável ao longo do período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização, a circunstância de as sequelas em apreço, apesar da incapacidade anterior, terem agora sido determinantes para o impedimento do exercício da atividade profissional habitual e isso exigir um esforço de reconversão que também terá, presumidamente, custos próprios, cremos que o valor equitativo e atual deve ser fixado em 55000 euros, o que está conforme os critérios aplicados em casos similares recentemente julgados pelos Tribunais (…)”.
- Acórdão do Tribunal da Relação do Évora, de 23.02.2017, proferido no processo 275/13.5TVR.E1, que fixou a um lesado (porteiro de profissão), com 40 anos à data da consolidação das lesões, com uma afetação da integridade físico-psíquica (Dano Biológico) de 30 pontos, com incapacidade para a profissão habitual, e um salário anual de € 10.500,00, a quantia de € 226.535,05, aferidos da seguinte forma, passando a citar o aludido acórdão: (…) “Face à circunstância específica revelada nos autos, de incapacidade definitiva do A. (…) para o exercício da sua atividade profissional habitual, e apelando ao princípio da igualdade, inscrito no art. 13.º, n.º 1, da Constituição (implicando o dever de tratar de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente), justifica-se a utilização da regra que o direito do trabalho aplica ao cálculo da pensão para os sinistrados em acidente de trabalho afetados de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), a qual é fixada entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível – art. 48.º, n.º 3, al. b), da Lei 98/2009, de 4 de Setembro. (…) Socorrendo-nos da tabela utilizada no Acórdão da Relação de Coimbra de 04.04.1995 - Publicado na Coletânea de Jurisprudência, tomo II, pág. 23, adaptada nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04.12.2007e da Relação do Porto de 08.05.2014 - proferidos, respetivamente, nos Procs. 07A3836 e 227/09.0TBRSD.P1, e publicados em www.dgsi.pt., e ponderando: a esperança média de vida de um indivíduo do sexo masculino de 82,3 anos (logo, o A. …, nascido a -.04.1969, poderá esperar sobreviver 40 anos e seis meses após a data de consolidação das lesões, ocorrida em 16.12.2010); uma perda de rendimento anual, calculada de acordo com a regra do art. 48.º n.º 3 al. b) da Lei 98/2009, de [(30% x 20%) + 50%] x € 750,00 x 14 = € 5.880,00; aplicando a fórmula C = [(1 + 0,243%)40,5 – 1] : [(1+0,243%)40,5 x 0,243%] x € 5.880,00, obtém-se o resultado de € 226.535,05.” (…)
VIII. Analisando cada um dos acórdãos citados, verificamos que não há um critério absoluto para fixar uma indemnização em que o lesado, não obstante afetado por uma incapacidade parcial permanente, ficou impossibilitado de continuar a exercer a profissão habitual.
IX. Com efeito, verificamos que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07.07.2009, proferido no processo n.º 1145/05.6TAMAL.C1, efetuou os cálculos para a indemnização pela incapacidade parcial e o resultado desse cálculo foi temperado com recurso à equidade.
X. O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 01.03.2018, proferido no processo 12361/15.2T8ALM.L1.2, atribuiu €190.000,00. Se fizermos os cálculos no sentido de obter o valor indemnizatório para a incapacidade parcial, o resultado é um valor aproximado de €178.000,00, o que significa que, nesta caso, o Tribunal fez uma majoração, pelo facto de o lesado ter ficado incapaz para a prática da profissão habitual, inferior a 7%.
XI. O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09.11.2020, proferido no processo 1126/15.1T8PVZ.P1, efetuou os cálculos para a indemnização pela incapacidade parcial, a que correspondeu o montante de €153.482,00 e fez uma majoração, pelo facto de o lesado ter ficado incapaz para a prática da profissão habitual, na ordem dos 15%, fixando, a final, a indemnização em € 180.000,00.
XIII. Finalmente, o Acórdão do Tribunal da Relação do Évora, de 23.02.2017, proferido no processo 275/13.5TVR.E1, decidiu considerando a regra que o direito do trabalho aplica ao cálculo da pensão para os sinistrados em acidente de trabalho afetados de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), a qual é fixada entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível – art. 48.º, n.º 3, al. b), da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, donde resultou um valor de € 226.535.00.
XIV. Em nenhuma das decisões referidas, o Tribunal considerou um lesado afetado por uma incapacidade parcial, mas com repercussão na atividade laboral, impedindo-o de exercer a profissão habitual, como se de uma incapacidade geral absoluta se tratasse, com afetação de 100 pontos.
XV. Foi precisamente assim que o Tribunal a quo tratou a situação dos autos, como se o Autor tivesse ficado afetado por uma IPG de 100 pontos, atribuindo-lhe uma indemnização por dano patrimonial no valor de € 250.000,00.
XVI. Com efeito, se utilizarmos os vários critérios usados pelos Tribunais Superiores nas decisões referidas, verificamos que o valor obtido fica muito aquém do valor arbitrado pelo Tribunal a quo. Vejamos:
XVII. No caso dos autos, mostra-se provado que o Autor ficou a padecer de uma incapacidade permanente de 45 pontos, estando impossibilitado de trabalhar na sua atividade habitual (trabalhos agrícolas). O Autor tinha, à data da consolidação das lesões, 48 anos. A data da consolidação das lesões ocorreu no dia 05.11.2019. O Autor obtinha mensalmente uma quantia equivalente, pelo menos, ao salário mínimo nacional, com a qual fazia face às despesas pessoais e da casa. Por último, em conformidade com os elementos disponíveis, a esperança média de vida para um indivíduo do sexo masculino é atualmente de 78 anos.
XVIII. Por conseguinte, convertendo os elementos antes referidos numa fórmula matemática, que conjuga os critérios objetivos seguidos pela jurisprudência, antes expostos, teremos um primeiro valor atinente ao quantum indemnizatório e a fixar para reparação pela perda da capacidade aquisitiva futura, relativamente ao Autor, resultante do seguinte cálculo [€ 6960,00 (€ 580,00 x 12) x 0,45 = € 3132,00 por ano]
XIX. Todavia, o cálculo em apreço e quanto aos anos para perfazer a esperança média de vida há-de ter por referência o ano de 2019, pois que foi nesse ano que ocorreu a consolidação das lesões sofridas pelo Autor.
XX. Assim, teremos entre 2019 e 2048 um diferencial de 29 anos. Portanto, considerando o valor anual de € 3.132,00 x 29 anos, alcançar-se-á um valor de € 90.828,00.
XXI. Ora, fazendo os cálculos tendo em conta a incapacidade parcial do Autor, considerando o seu défice de integridade físico-psíquica (Dano Biológico) de 45 pontos, a sua idade à data da alta de 48 anos, o seu salário anual de € 6960,00, a esperança de vida que, atualmente, é para os homens de 78 anos, verificamos que a indemnização pelo défice de integridade físico-psíquica (Dano Biológico) de 45 pontos, se situa, assim, em € 90.828,00. Se fizermos a majoração em 7%, obtemos um valor de € 97.185,96. Se a majoração for de 15%, o valor que obtemos é de € 104.452,20.
XXII. Se fizermos os cálculos, de acordo com o critério utilizado pelo citado Acórdão da Relação de Guimarães, ficcionando uma incapacidade de 60%, obteríamos, para indemnizar a perda de capacidade de ganho futura, a quantia de € 75.168,00 (considerando, neste segmento a idade da reforma em 66 anos). Por outro lado, fazendo o cálculo para a indemnização pela incapacidade parcial de 45 pontos, considerando, aqui, a esperança de vida em 78 anos, obteríamos o valor indemnizatório de € 90.828,00. Não obstante não perfilharmos a fórmula de cálculo utilizada nesta decisão, a verdade é que a soma das duas parcelas perfaz € 165.996,00, valor muito aquém do fixado pelo Tribunal a quo.
XXIII. Finalmente, se seguirmos o entendimento plasmado no Acórdão da Relação de Évora citado, utilizando uma formulação aplicável no âmbito do direito do trabalho – critério que também não perfilhamos -, mas que consideramos para demonstrar como foi desajustada, por excessiva, a indemnização fixada pelo Tribunal a quo, verificamos que o valor indemnizatório encontrado para o caso dos autos seria de aproximadamente € 143.000,00.
XXIV. Como facilmente se verifica, utilizando qualquer dos vários critérios de cálculo enunciados, a indemnização a atribuir ao Autor pelo dano patrimonial fica muito aquém do que foi fixado pelo Tribunal a quo.
XXV. A sentença recorrida ao considerar que a incapacidade que lhe foi atribuída (45 pontos) não reflete o seu efetivo prejuízo, atribuiu, alegadamente por recurso à equidade, a indemnização a título de dano futuro pela perda da capacidade de ganho no montante de 250.000,00€, ou seja, montante superior ao que corresponderia se a situação do Autor fosse de uma incapacidade de 100 pontos, em que o valor indemnizatório seria de € 201.840,00.
XXVI. Embora tenha ficado provado que a incapacidade permanente de 45 pontos atribuída ao Autor o impede de exercer a sua atividade profissional habitual, ficou, igualmente, provado que essa limitação é apenas para atividade agrícola e não para toda e qualquer atividade.
XXVII. Deveria a decisão recorrida atentos os critérios da equidade e o princípio da uniformidade, ter atribuído uma indemnização não superior a 120.000,00 € a título de dano futuro pela perda de capacidade de ganho (dano biológico vertente patrimonial), não o tendo feito violou a sentença recorrida o critério da equidade e o princípio da uniformidade na atribuição da indemnização, violando os artigos 562.º, 563.º e o artigo 8.º, n.º 3, todos do Código Civil.
Termos em que o presente recurso deverá ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida nos termos acima peticionados ….”.
Não se respondeu.
*****
Indagar-se-á do valor das indemnizações por danos não patrimoniais e patrimoniais, nomeadamente os futuros.

Na sentença considerou-se assente:

“1. No dia - de outubro de 2018, cerca das 17:10 horas, na Estrada Regional ER 322-3, Km …, em União de freguesias de ..., … e …, concelho de Alijó, distrito de Vila Real, ocorreu um acidente de viação.
2. Na altura estava bom tempo e o piso encontrava-se seco.
3. No local do acidente a via é uma estrada pavimentada de linha curva à esquerda atento o sentido de marcha do veículo de matrícula CN, e de boa visibilidade.
4. Foi interveniente neste acidente o veículo ligeiro de passageiros, tipo misto, marca “Ford”, modelo “Transit”, com a matrícula CN.
5. O veículo ligeiro de passageiros era conduzido por A. P. e é propriedade sua.
6. O aludido acidente de viação traduziu-se num despiste do veículo ligeiro de passageiros, nas circunstâncias seguintes:
7. O veículo ligeiro de passageiros “CN” circulava no sentido .../Pinhão, com destino à residência do sinistrado, A. S., sita na freguesia de ….
8. E após descrever uma curva para a sua esquerda, e sem que nada o fizesse prever, o condutor do veículo perdeu o controlo do mesmo e entrou em despiste, invadindo a berma do lado direito.
9. O condutor do veículo “CN” ao aperceber-se que não conseguia controlar a trajetória da viatura, ainda travou, mas a viatura seguiu em frente.
10. Partiu/arrancou um poste de granito de guarda e proteção rodoviária.
11. Tendo caído, depois, numa ribanceira.
12. Por via de tal despiste, o veículo automóvel “CN” capotou.
13. Tendo depois embatido numa árvore que o imobilizou.
14. No momento do acidente, o Autor fazia-se transportar como passageiro, no banco traseiro do veículo “CN”.
15. Atento o forte embate do veículo e face à gravidade das lesões sofridas pelo Autor, este ficou imobilizado no interior do veículo acidentado.
16. Tendo depois conseguido sair do mesmo pelos seus próprios meios, arrastando-se.
17. O Autor, logo após o acidente, foi assistido pelo INEM, onde recebeu os primeiros cuidados clínicos.
18. Porém e atento a gravidade das lesões do Autor, foi imediatamente transportado para o Centro Hospitalar de Trás-Os-Montes e Alto Douro, EPE, onde permaneceu até ao dia -/10/2018.
19. Naquele Hospital foram-lhe diagnosticadas as lesões e submetido aos tratamentos constantes no “RELATÓRIO MÉDICO” e a seguir sucintamente discriminados:
- Luxação do ombro esquerdo;
- Fratura do 5º e 6º arcos costais esquerdos.
- Pneumonia diagnosticada durante a permanência no SU.
20. O Autor esteve internado no Centro Hospitalar de Trás-Os-Montes e Alto Douro, EPE, durante 5 dias.
21. Após a alta médica, em 12/10/2018, o Autor regressou a sua casa, iniciando um longo e desgastante período de regime ambulatório.
22. Dado que era fortemente acometido por frequentes dores nas regiões atingidas, em 23/10/2018, o Autor deslocou-se ao Centro de Saúde de ..., a fim de ser consultado.
23. Em 07/11/2018, o Autor deslocou-se, novamente, ao Centro de Saúde de ..., a fim de ser consultado.
24. Nessa consulta foi-lhe atribuída uma incapacidade de 30 dias para a sua atividade profissional, com início em 06/11/2018 até 05/12/2018.
25. Dado que o Autor continuava a ser frequentemente acometido de fortes dores nas regiões atingidas, o mesmo, por iniciativa da Ré/Seguradora, passou a ser acompanhado clinicamente pelos serviços clínicos de ortopedia indicados pela mesma.
26. Em 18/12/2018, deslocou-se o Autor à clínica “Y – Gestão Integrada de Saúde, SA”, sita na cidade do Porto, a fim de ser consultado para a avaliação de dano.
27. Nessa consulta foi-lhe determinado incapacidade temporária absoluta (ITA) para o trabalho, a partir de 18/12/2018, e marcado nova consulta para o dia 24/01/2019.
28. Em 20/12/2018, o Autor deslocou-se ao Centro Hospitalar de Trás-Os-Montes e Alto Douro, EPE, a fim de ser consultado na especialidade de fisiatria.
29. Em 02/01/2019, o Autor deslocou-se, novamente, ao Centro Hospitalar de Trás-Os-Montes e Alto Douro, EPE, Serviço de Imagiologia, a fim de realizar um exame “TC ARTICULAR”.
30. Tendo-lhe sido marcada nova consulta para o dia 14/01/2019.
31. Em 14/01/2019, o Autor deslocou-se ao Centro Hospitalar de Trás-Os-Montes e Alto Douro, EPE, a fim de ser consultado na especialidade de ortopedia.
32. Em 24/01/2019, deslocou-se o Autor à clínica “Y – Gestão Integrada de Saúde, SA, sita na cidade do Porto, a fim de ser consultado na especialidade de ortopedia.
33. Nessa consulta foi-lhe determinado uma incapacidade temporária absoluta (ITA) para o trabalho, a partir de 24/01/2019, e marcado nova consulta para o dia 31/01/2019.
34. Em 31/01/2019, deslocou-se o Autor à clínica “Y – Gestão Integrada de Saúde, SA, sita na cidade do Porto, a fim de ser consultado, tendo-lhe sido determinado uma incapacidade temporária absoluta (ITA) para o trabalho, a partir de 24/01/2019, e marcado nova consulta para o dia 12/02/2019.
35. Em 12/02/2019, o Autor foi submetido a uma intervenção cirúrgica no Hospital de …, no Porto.
36. Em 21/02/2019, deslocou-se o Autor à clínica “Y – Gestão Integrada de Saúde, SA, sita na cidade do Porto, a fim de ser consultado, tendo-lhe sido determinado uma incapacidade temporária absoluta (ITA) para o trabalho, a partir de 21/02/2019, e marcado nova consulta para o dia 07/03/2019.
37. Em 07/03/2019, deslocou-se o Autor à clínica “Y – Gestão Integrada de Saúde, SA, sita na cidade do Porto, a fim de ser consultado, tendo-lhe sido determinado uma incapacidade temporária absoluta (ITA) para o trabalho, a partir de 07/03/2019, e marcado nova consulta para o dia 04/04/2019.
38. Em 04/04/2019, deslocou-se o Autor à clínica “Y – Gestão Integrada de Saúde, SA, sita na cidade do Porto, a fim de ser consultado, tendo-lhe sido determinado uma incapacidade temporária absoluta (ITA) para o trabalho, a partir de 04/04/2019, e marcado nova consulta para o dia 02/05/2019.
39. Com a finalidade do Autor se reabilitar fisicamente, foram-lhe prescritas 17 sessões de tratamentos de medicina física e reabilitação na Clinica da Misericórdia, em …, durante os meses de abril e maio de 2019.
40. Em 02/05/2019, deslocou-se o Autor à clínica “Y – Gestão Integrada de Saúde, SA, sita na cidade do Porto, a fim de ser consultado, tendo-lhe sido determinado uma incapacidade temporária absoluta (ITA) para o trabalho, a partir de 02/05/2019, e marcado nova consulta para o dia 30/05/2019.
41. A partir de 09 de maio de 2019 até 25 de outubro de 2019, o Autor passou a fazer 120 sessões de tratamentos de medicina física e reabilitação no “Hospital – Clinica Médica …”, em ….
42. Em 30/05/2019, o Autor deslocou-se à clínica “Y – Gestão Integrada de Saúde, SA, sita na cidade do Porto, a fim de ser consultado.
43. Nessa consulta o médico determinou-lhe a prorrogação da incapacidade temporária absoluta, tendo-lhe marcado nova consulta para o dia 27/06/2019.
44. Em 27/06/2019, o Autor deslocou-se à clínica “Y – Gestão Integrada de Saúde, SA”, sita na cidade do Porto, a fim de ser consultado.
45. Nessa consulta o médico determinou-lhe a prorrogação da incapacidade temporária absoluta, tendo-lhe marcado nova consulta para o dia 25/07/2019.
46. Em 25/07/2019, o Autor deslocou-se à clínica “Y – Gestão Integrada de Saúde, SA, sita na cidade do Porto, a fim de ser consultado.
47. Nessa consulta o médico determinou-lhe a prorrogação da incapacidade temporária absoluta, tendo-lhe marcado nova consulta para o dia 29/08/2019.
48. Em 29/08/2019, o Autor deslocou-se à clínica “Y – Gestão Integrada de Saúde, SA, sita na cidade do Porto, a fim de ser consultado.
49. Nessa consulta o médico determinou-lhe a prorrogação da incapacidade temporária absoluta, tendo-lhe marcado nova consulta para o dia 26/09/2019.
50. Em 26/09/2019, o Autor deslocou-se à clínica “Y – Gestão Integrada de Saúde, SA, sita na cidade do Porto, a fim de ser consultado.
51. Nessa consulta o médico determinou-lhe a prorrogação da incapacidade temporária absoluta, tendo-lhe marcado nova consulta para o dia 31/10/2019.
52. Em 31/10/2019, o Autor deslocou-se à clinica “Y – Gestão Integrada de Saúde, SA, sita na cidade do Porto, a fim de ser consultado.
53. Nessa consulta o médico determinou-lhe a prorrogação da incapacidade temporária absoluta, tendo-lhe marcado nova consulta para o dia 05/11/2019.
54. Em 05/11/2019, o Autor deslocou-se à clínica “Y – Gestão Integrada de Saúde, SA, sita na cidade do Porto, para consulta de avaliação do dano.
55. Nessa consulta o médico considerou «a situação consolidada dado a fraca resposta ao programa de MFR», tendo procedido à elaboração do “Relatório final de avaliação de dano corporal em direito civil”.
56. Não obstante se ter sujeito a todas as consultas, tratamentos e cumprido todas as prescrições médicas, o Autor está e continuará afetado por limitações funcionais definitivas que muito o limitam para o exercício das atividades ao seu alcance e que habitualmente exercia.
57. Sendo elas o trabalho agrícola e as tarefas do seu quotidiano.
58. Como consequência direta e necessária do acidente, o Autor, devido às frequentes dores que sente no ombro esquerdo, tem mais dificuldade em poder executar trabalhos que impliquem um maior esforço físico, tais como, vestir-se e calçar-se e trabalhar com uma enxada.
59. Tais sequelas de que está afetado o Autor, constituem um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (Dano Biológico) de 45 pontos.
60. Resulta ainda do teor do “Relatório final de avaliação de dano corporal em direito civil”, o seguinte:
- Lesão do plexo braquial esquerdo;
- Incapacidade total para profissões que exijam esforço/utilização do membro superior esquerdo.
61. E de que, por isso mesmo, lhe determinam uma incapacidade total para a profissão de jornaleiro que o Autor sempre exerceu.
62. Não obstante as consultas e tratamentos a que se sujeitou, o Autor vai ficar com sequelas permanentes e definitivas, limitativas quanto às suas opções de trabalho.
63. Devido às sequelas com que ficou a padecer, o Autor frequentemente sente fortes dores no ombro esquerdo e não pode fazer esforços com o seu braço esquerdo.
64. O Autor sempre trabalhou na agricultura, trabalhos que exigem grande esforço e desgaste físico.
65. E apenas possui como habilitações literárias a 2ª classe.
66. E na altura do acidente o Autor trabalhava na vindima 8 dias por semana.
67. Auferia por jorna a quantia de 30,00€ (trinta euros).
68. No ano de 2018, o período das vindimas estendeu-se até finais de outubro.
69. Com a exceção do período das vindimas, habitualmente, o Autor, trabalhava de Segunda-Feira a Sábado.
70. Descansando aos Domingos e feriados.
71. Com os trabalhos agrícolas que efetuava para terceiros, o Autor obtinha mensalmente uma quantia equivalente, pelo menos, ao salário mínimo nacional, com a qual fazia face às despesas pessoais e da casa.
72. À data da alta médica, o Autor tinha 48 anos de idade.
73. Em consequência de tal acidente, resultaram para o Autor as lesões supra descritas e que, desde o dia 08/10/2018 até à data da alta médica (05/11/2019), lhe determinaram, direta e necessariamente, 394 dias de incapacidade temporária absoluta.
74. A Ré já pagou ao autor a quantia de 2.000,00 € como adiantamento por conta da indemnização.
75. Bem como a quantia de 2.100,00 €, em 7 prestações mensais de 300,00 €/cada, e que mediaram entre 09/07/2019 e 20/01/2020.
76. As sequelas de que está afetado o Autor, constituem uma afetação da integridade físico-psíquica (Dano Biológico) de 45 pontos e que constitui uma incapacidade total para profissões que exijam esforço/utilização do membro superior esquerdo, como é o caso para o trabalho agrícola que o mesmo sempre executou, para além de configurarem um dano estético de grau 4 numa escala crescente de 7 graus, e terem repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 2 numa escala crescente de 7 graus.
77. O Autor sempre foi uma pessoa trabalhadora.
78. Granjeava, ainda, o Autor uma pequena propriedade onde o mesmo cultivava e colhia batatas, cebolas e tomate e demais produtos hortícolas para seu consumo.
79. O Autor aproveitava o período pós-laboral, feriados e Domingos para granjear e cultivar os produtos hortícolas da época.
80. E nessa atividade, retirava daquela propriedade os produtos agrícolas, tais como, batatas, tomates, alfaces, ervilhas, favas e outros legumes necessários à sua subsistência.
81. Com a limitação funcional total e permanente de que o Autor ficou a padecer após o acidente em mérito, viu a sua capacidade de ganho também diminuída.
82. Vendo-se obrigado a contratar pessoas para executar os trabalhos que exigem maior esforço físico.
83. Tanto na altura do acidente como nas horas seguintes, o Autor sentiu um autêntico pavor ao ver-se ferido e sofreu dores horríveis, fixadas num grau 5 de uma escala crescente de 7 graus.
84. Dores essas associadas a um enorme desconforto e angústia que se mantiveram durante toda a sua permanência nos estabelecimentos hospitalares por onde passou.
85. Não podendo dar à sua família a atenção, o apoio e acompanhamento que queria dar, uma vez que o seu agregado familiar, como resulta do deferimento do apoio judiciário, é de fracos recursos financeiros.
86. Tudo isto o entristece e lhe causa grande desgosto e amargura e mais lhe faz sentir o seu estado de doença.
87. O problema físico sofrido pelo Autor, implica consequências ao nível psíquico e na sua maneira de ser, revelando-se mais triste.
88. Ao aperceber-se que o despiste e consequente queda na ribanceira era inevitável, o Autor sentiu medo das consequências que resultariam para a sua integridade física.
89. O Autor, à data do acidente, era pessoa robusta e dinâmica, gozando de boa saúde e sem qualquer defeito físico.
90. Com uma grande alegria de viver e constante boa disposição.
91. Em consequência do acidente, viu-se transformado numa pessoa fisicamente diminuída.
92. Em resultado da limitação física, o Autor passou a ter de desenvolver um maior esforço físico e até mental para superar a dor, ficando limitado no seu trabalho, pelo cansaço e sofrimento que daí decorre.
93. Também no plano estético há a registar consequências negativas, tendo o autor sofrido um dano estético permanente de grau 4, numa escala crescente de 7 graus.
94. Consequências essas que advieram por efeito da operação e tratamentos a que o Autor foi submetido.
95. O que fez com que tenha notórias cicatrizes no ombro esquerdo, que pelo seu aspeto e tamanho e pela vergonha que delas sente, o incomodam e evita mostrar.
96. O Autor viveu e ainda vive em constante sofrimento provocado pelas fortes dores que sentiu e continua a sentir.
97. O Autor receia, ainda, que as lesões se agravem com o passar dos anos.
98. À data do acidente, a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo veículo CN, propriedade de A. P., achava-se transferida para a “X SEGUROS, S.A.”, através da apólice nº ……..58.
99. O autor foi assistido e acompanhado pelos serviços clínicos da ré até 05.11.2019, altura em que lhe foi atribuída alta clínica.
100. O autor é um trabalhador indiferenciado.”.
*****

No recurso o recorrente não prescinde dos montantes em que na petição inicial valorizou os danos sofridos ou de que padece.
Pediu globalmente o valor de 573.760,00€, acrescido de juros, considerando que a R já lhe tinha pago a quantia de 4.100.00€ (2.000,00 € como adiantamento por conta da indemnização; 2.100,00 €, em 7 prestações mensais de 300,00 €/cada, e que mediaram entre 09/07/2019 e 20/01/2020).
Na vertente não patrimonial, almejou-se valor não inferior a 75.000,00€.
Concernente aos danos patrimoniais apelou a: 11.820,00€ dada a sua incapacidade temporária absoluta durante 394 dias (394 x 30,00€, alegadamente o valor da jorna nas vindimas), o que não se compatibiliza com o aí antes referido que auferia mensalmente pelo menos a quantia de 720,00€ (720,00€ : 30,00€= 24 dias; 383.040,00€ tendo como referência a dita quantia 720,00€ e o valor anual de rendimentos de 10.080,00€ (com multiplicador de 14 meses), associados a majoração por vários fatores; por fim, 108.000,00€ (300,00€ x 12 meses x 30 anos), justificados na necessidade de pagamento a terceiro de cerca de 300,00€ mensais para, em sua substituição, permitir-lhe o amanho em regime pós laboral de propriedade sua
Sem maiores delongas, visto o recurso do recorrente, começaremos pela avaliação dos danos morais que o tribunal a quo fixou em 40.000,00€ e com a qual a recorrente concorda.
É um valor que nada tem de menosprezável, perdendo sentido referir que tem “um alcance meramente simbólico e não efetivo”.
O tribunal utilizou-se de argumentação que se se apresenta adequada às sequelas físicas e psíquicas do recorrente.
Sem dúvida assenta na causa final do artº 496º do CC, numa relação intima com a tutela da integridade física ou moral do cidadão prevista, além do mais, no artº 70º do CPC, da factualidade assente.
Por isso se dirá também que pondera com equilíbrio incisivo as questões relacionadas com as sequelas de lesões corporais, o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação.
Ainda que não referido diretamente, o valor é suscetível de alcançar também as dificuldades de afirmação social advindas de dano indiferenciado que respeita à necessidade inserção social nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, afetiva, recreativa, cultural e cívica), assim como a dor permanente e o défice de bem-estar durante uma longevidade relevante, circunstâncias estas com tendência evolutiva com o avanço da idade.
Igualmente, esse valor não viola o juízo de equidade a que apela o artº 496º, nº 4 do CC não só, atento ao elevado número de dias com incapacidade absoluta que decorreram desde o acidente até à estabilização das lesões, com operações e demais tratamentos intrusivos e limitadores da liberdade pessoal (394 dias), como também, às frequentes dores na parte do corpo lesionada, ao ponto de com dificuldade executarem-se trabalhos quotidianos como o de vestir e calçar, pior, já se vê, se houver necessidade de manejo de uma enxada, ao pavor proveniente do acidente, às denominadas dores horríveis fixadas num grau elevado, ao desconforto e angústia derivados, aos reflexos negativos na vida familiar e ao aumento do cansaço e sofrimento pelo vivenciar da situação.
Assim sendo, ajuizamos que foi equilibrada e adequada a fixação do valor de 40.000,00€ para a reparação dos danos não patrimoniais, valor este a que não se pode recusar cabimento perante os casos concretos discutidos na jurisprudência invocada a propósito pelo recorrente.
Além de que, como defendia Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, I, 3ª, 500, “A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso) e não à luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada.”.
E diremos também que nas comparações a fazer com finalidade justificadora de certa uniformização decisória deve respeitar-se as idiossincrasias ou peculiaridades dos casos, para já não se aludir às vicissitudes processuais que acabam de uma maneira ou de outra por formatar cada decisão e que não se logra dominar.
Em consequência, esta parte do recurso não procede.
Vejamos os danos patrimoniais ao longo do dito período de 394 dias em que foi reconhecida a incapacidade temporária absoluta.
É um dano ainda enquanto lucro cessante na sequência de um dano biológico que se revelou sem se alcançar ainda a determinação definitiva das sequelas que com os tratamentos não chegaram a ser debeladas.
Sem qualquer razão o recorrente pretende computar nos 394 dias de incapacidade absoluta o valor de €30,00 (394 x 30,00€ = 11.820,00€).
Esse valor diário apenas é válido para o período em que trabalhava na vindima todos os dias. Era esse o valor da jorna, atividade essa que no ano de 2018 prolongou-se até finais de outubro. A partir daí, como o recorrente bem sabe, apenas se poderá considerar a factualidade assente, matéria que não foi objeto de impugnação nos termos do artº 640º do CPC, de que “Com a exceção do período das vindimas, habitualmente, o Autor, trabalhava de Segunda-Feira a Sábado, descansando aos Domingos e feriados e que os trabalhos agrícolas que efetuava para terceiros, obtinha mensalmente uma quantia equivalente, pelo menos, ao salário mínimo nacional.”. O que torna também espúria a alegação sobre a adoção preferencial de um suposto “vencimento superior ao salário mínimo, e que corresponda a um valor próximo do salário médio nacional”.
Com efeito, o recorrente tinha atividade profissional auferindo de terceiros para quem trabalhava um valor de referência remuneratória, pelo que a esta se cingirá qualquer avaliação de danos relacionados com a perda de dias de trabalho durante os citados 394 dias. O mesmo acontecendo com a do dano biológico com que permaneceu após a consolidação das sequelas.

Daí que, forçosamente, concordamos com a sentença, ainda que se constatem dois lapsos que corrigiremos, quando refere:
“Partindo destes pressupostos legais, há que quantificar os danos de natureza patrimonial a indemnizar, alegados e provados pelo autor.
Relativamente a este tipo de danos, o autor invocou e pretende ser ressarcido, do valor que deixou de receber durante os 394 dias em que esteve absolutamente incapaz para o exercício de qualquer atividade, que quantifica em € 11 820,00, tendo em conta que recebia 30,00 euros por dia.
Ainda relativamente a este tipo de danos, pretende o autor uma indemnização que fixa em € 383 040,00, correspondente à perda da sua capacidade futura de ganho, em função da incapacidade permanente ou, melhor, défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que ficou afetado, e que foi fixado em 45 pontos, mas impeditivo do exercício da sua atividade profissional habitual e qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional, bem como pelo dano a que chama de perda de utilidade económica das tarefas domésticas e agrícolas, face ao mesmo défice funcional permanente, dano que quantifica em € 108 000,00.
Trata-se de danos materiais ou patrimoniais que configuram danos emergentes e lucros cessantes, alegadamente resultantes da ocorrência do acidente.
Sendo certo que, a existência e valoração dos danos, há de resultar dos factos provados, competindo ao demandante o ónus de alegar e provar os respetivos factos (art. 342º, nº 1 do Código Civil), a respeito destes danos, os factos provados revelam que:
As sequelas de que o Autor ficou afetado, constituem um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (Dano Biológico) de 45 pontos, mas determinam uma incapacidade total para a profissão de jornaleiro que o Autor sempre exerceu.
O Autor sempre trabalhou na agricultura, e apenas possui como habilitações literárias a 2ª classe.
Na altura do acidente [07.10.2018], o Autor trabalhava na vindima, 8 dias por semana, e auferia por jorna a quantia de 30,00€ (trinta euros), sendo que no ano de 2018, o período das vindimas se estendeu até finais de outubro.
Com a exceção do período das vindimas, habitualmente, o Autor, trabalhava de Segunda-Feira a Sábado, descansando aos Domingos e feriados.
Com os trabalhos agrícolas que efetuava para terceiros, o Autor obtinha mensalmente uma quantia equivalente, pelo menos, ao salário mínimo nacional.
À data da alta médica, o Autor tinha 48 anos de idade.
Em consequência do acidente, resultaram para o Autor lesões que lhe determinaram, direta e necessariamente, 394 dias de incapacidade temporária absoluta.
O Autor sempre foi uma pessoa trabalhadora e granjeava, ainda, uma pequena propriedade onde o mesmo cultivava e colhia batatas, cebolas e tomate e demais produtos hortícolas para seu consumo, vendo-se obrigado a contratar pessoas para executar os trabalhos que exigem maior esforço físico.
Posto isto, sendo certo que à data do acidente, o autor trabalhava diariamente e auferia € 30,00 (trinta euros) por cada dia de trabalho, e que a campanha das vindimas durou, pelo menos, até ao final do mês de outubro de 2018, ou seja, mais 23 dias para além do dia do acidente, o autor terá direito à respetiva remuneração (23 dias a 30 euros por dia), no valor de € 690,00 (seiscentos e noventa euros).
Quanto ao restante período de incapacidade temporária absoluta, até 5 de novembro de 2019, data da alta médica, entende-se que o autor, apesar de se desconhecer o número exato de dias que iria trabalhar após as vindimas, deve ter direito a receber os valores correspondentes ao salário mínimo nacional devido em cada mês que não pôde trabalhar, ou seja, dois meses do ano de 2018, a 580,00 euros por mês (salário mínimo nacional nesse ano) num total de € 1 160,00, e dez meses do ano de 2019, a 600,00 euros por mês (salário mínimo nacional em 2019), num total de € 6 000,00, o que tudo somado dá a quantia de € 7 850,00 (sete mil oitocentos e cinquenta euros), sendo este o valor devido a título de salários por incapacidade temporária absoluta, até à data da alta médica, uma vez que, durante esse período, não foi capaz de retirar qualquer rendimento de qualquer outra atividade.”.
Mas contas feitas, os tais lapsos revelam-se no número de dias que decorrem entre o momento do acidente e o fim do mês de Outubro de 2018, ou seja 24 dias o que multiplicado por 30,00€, perfaz o montante de 720,00€ na vez de 690,00€, por um lado, por outro, não se contabilizaram os cinco dias do mês de Novembro de 2019, pelo que o valor do remanescente desse período tempo seria de 100,00€ (600,00€:30x5) a acrescer a 6.000,00€ referente ao ano de 2019, sendo que o valor global segundo a tese da sentença devia ser de 7.980,00€ e não de 7.850,00€.
Estes valores corrigidos serão admitidos a final na medida em que no recurso a este título pretende-se um valor superior, pelo que no caso não se compagina qualquer possibilidade de condenação ultra petitum, não admissível nos termos do artº 609º do CPC.
Concernente à indemnização do dano futuro em razão da perda de capacidade de ganho, dano biológico na vertente patrimonial.
Na sentença unificou-se nesta vertente, o que o recorrente, finalisticamente, denomina como “dano patrimonial futuro na vertente de perda de capacidade de ganho decorrente do déficit funcional permanente da integridade físico-psíquica”, e aquele que designa, de forma finalista, de “dano biológico consubstanciado na perda de produção do trabalho não remunerado desempenhado pelo recorrente no âmbito da casa, família, comunidade e nas tarefas agrícolas para autoconsumo e decorrente do déficit funcional permanente da integridade físico-psíquica”.
Recordemos que na petição inicial não se chega a proceder a esta descriminação com base em tal qualificação que, como se compreenderá, é meramente formal na medida em que tudo deriva das implicações do dano biológico na futura capacidade aquisitiva económica.
Como o recurso da recorrente resume-se a esta matéria, o que nesta oportunidade se decidir obviamente terá implicações nas objeções de ambas.

Na sentença decidiu-se:
“No que diz respeito ao défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, e conforme resulta do relatório pericial, podemos dizer que o mesmo, ainda que fixado em 45 pontos, afeta o autor em termos da sua atividade profissional habitual ou qualquer outra para a qual tenha preparação técnico-profissional, sendo tal défice funcional permanente, impeditivo de qualquer atividade profissional para a qual o autor tenha competências.

Assim, quanto aos danos patrimoniais pela perda de rendimento futuro, cabe referir o seguinte:

No que diz respeito aos alegados danos futuros decorrentes do défice funcional permanente de que o autor ficou afetado, temos por assente, como referido supra, que o mesmo ficou impedido de continuar a exercer as suas atividades habituais, tanto por conta de terceiros, como no granjeio da propriedade que possui, pelo que tal perda de rendimento corresponde a 100 % dos rendimentos que o autor auferia.
Esta afetação da capacidade de trabalho e nas atividades da vida diária, afeta na mesma medida, o autor, em termos patrimoniais.
Tal dano que consiste no chamado dano biológico, enquanto lesão à saúde e integridade física do autor, tanto pode ser valorado enquanto dano patrimonial como enquanto dano não patrimonial.
No caso em discussão, tendo em conta o tipo de sequelas sofridas pelo autor, que, como dito, o afetam diretamente em termos patrimoniais, já que o impedem de exercer a atividade remunerada que antes exercia, tal dano pode e deve ser valorado enquanto dano patrimonial.
Acresce que, o autor exercia também outras tarefas, de granjeio de terreno próprio, onde produzia para autoconsumo, tarefas que, agora, também não pode exercer como fazia antes, e que também têm uma utilidade económica significativa, pelo que se entende que configuram um dano patrimonial que deve ser ressarcido, com recurso à equidade (art. 566º, nº 3 do Código Civil) por não haver elementos que permitam determinar o seu valor exato.
Conforme foi decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo 1126/15.1T8PVZ.P1, de 09-11-2020, disponível no site da dgsi, “Para além dos danos de natureza não patrimonial, a afetação da integridade físico-psíquica de que o lesado fique a padecer é suscetível, enquanto dano biológico, de gerar danos patrimoniais, caso em que a indemnização se destina não só a compensar a perda de rendimentos futuros pela incapacidade laboral, mas também as consequências dessa afetação, no período de vida expectável, seja no plano da perda ou diminuição de outras oportunidades profissionais e/ou de índole pessoal ou dos custos pela maior onerosidade com o desempenho dessas atividades.”.
Nesse mesmo acórdão refere-se também, com interesse para a fixação da indemnização a atribuir, que: “A atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, varia, essencialmente, em função dos seguintes critérios: i)- a idade do lesado; ii)- o grau de incapacidade geral permanente; iii)- as potencialidades de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, ou previsível profissão habitual, como em profissão ou atividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações ou habilitações técnico-profissionais, a par de um outro fator que contende com a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da atividade profissional habitual do lesado, ou da previsível atividade profissional do lesado, assim como de atividades profissionais ou económicas alternativas, tendo em conta as competências do lesado.”.
No caso dos autos, tendo em conta a idade do autor (48 anos à data da alta), o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 45 pontos, mas impeditivo do exercício da atividade habitual e qualquer outra para a qual tenha qualificações, sendo certo que as regras da experiência comum nos dizem que o autor, em circunstâncias normais, poderia continuar a trabalhar na agricultura, pelo menos, até aos 70 anos de idade e a tratar dos trabalhos agrícolas nas terras próprias, pelo menos, até aos 78 anos de idade (esperança média de vida para os homens), e sem esquecer que o défice funcional permanente de que ficou afetado o acompanhará para sempre, e tendo, ainda, em conta que não se apurando que o autor tivesse um vencimento fixo mensal, sempre corresponderia, pelo menos, ao salário mínimo nacional, o qual desde o ano de 2018 até ao ano corrente de 2021, tem vindo a subir gradualmente (580,00 euros em 2018, 600,00 euros em 2019, 635,00 euros em 2020 e 665,00 euros atualmente), prevendo-se que tal subida vá continuar, entende-se como adequado, em termos equitativos, ao abrigo do disposto no art. 566º, nº 3 do Código Civil, fixar a título de indemnização por dano patrimonial, o valor global de € 250 000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), no qual se inclui qualquer atividade exercida pelo autor, quer por conta de terceiros, quer nas atividades agrícolas para autoconsumo.”.
Em face disto, paradigma da discordância do recorrente é que quanto às duas qualificativas de dano biológico, o valor unitário fixado de 250.000,00€ revela-se insuficiente como capital que permita gerar rendimento para a sua provável esperança de vida, considerando a perda da capacidade aquisitiva profissional e de certas utilidades económicas.
Discorda do juízo de equidade em que se fundou o tribunal a quo particularizando que “não se encontrar explícita na sentença em reapreciação a base de cálculo e a fórmula como o Tribunal a quo quantificou o valor atribuído aos dois danos patrimoniais futuros pedidos pelo recorrente”.
No entanto diremos desde já que o argumento da falta de fórmula é redutor (a utilização de eventuais tabelas financeiras, como qualquer outro método que seja expressão de um critério abstrato, constitui um método de cálculo de valor meramente auxiliar) e o recorrente também não apresenta qualquer uma que lhe permita discordar da sentença.
Quanto à base do cálculo obviamente que sem razão aduz argumento no sentido da sua falta. Fácil será apercebermo-nos que o tribunal a quo multiplicou o RMMG (Rendimento Mínimo Mensal Garantido) referente ao ano de 2019 (600,00€) por 12 cujo produto, por sua vez, multiplicou por 30, o numero de anos até á esperança média de vida, depois procedendo a uma majoração de cerca de 16% para atingir o valor de final, desse modo pretendendo satisfazer outros fatores que enumerou ou implicitamente são dedutíveis da sua argumentação, para a fixação por equidade.
O recorrente discorda inutilmente do ponto de partida da avaliação pelo dito RMMG quando, como já se antecipou, foi dado como assente que “Com os trabalhos agrícolas que efetuava para terceiros, o Autor obtinha mensalmente uma quantia equivalente, pelo menos, ao salário mínimo nacional, com a qual fazia face às despesas pessoais e da casa”.
Expressão que exprime até que não se conseguiu alcançar a dimensão concreta dos rendimentos de trabalho numa tarefa probatória que não foi levada a bom porto em termos de ónus de prova da competência do recorrente (artº 342º, nº 1 do CC).
Note-se que nesta matéria não se diz que se auferia o RMMG, mas sim quantia equivalente, o que atento à profissão de jornaleiro ou de trabalhador indiferenciado na agricultura permite a discussão sobre se anualmente cabe, ou não, a multiplicação do respetivo montante por 14 meses tendo em conta os subsídios de natal e de férias.
O que é indiscutível é que o tribunal tem de decidir baseado em factos concretos provados e não em argumentação meramente aleatória com causas e consequências sem possibilidade de aderência à realidade em termos futuros, pelo que, uma vez mais perde valor o argumento de que “Como supra exposto no item I, do ponto IV das presentes alegações, a nossa jurisprudência tem vindo a determinar que, quando estamos na presença de um lesado que não aufere qualquer vencimento, a indemnização deve ser calculada com base num vencimento superior ao ordenado mínimo e que corresponda a um valor próximo do salário médio nacional.”.
Por isso ainda, tão pouco se pode falar nesta matéria em congelamento salarial, sendo que quanto a eventual progressão na carreira é argumento que aqui também não colhe se atentarmos que o recorrente é uma pessoa que “sempre trabalhou na agricultura, trabalhos que exigem grande esforço e desgaste físico”, possui “como habilitações literárias a 2ª classe” e, ademais, “é um trabalhador indiferenciado”, sem qualquer especialização, não se perspetivando qualquer possibilidade de tal se cuidarmos ainda da sua idade e da referida condição académica.
Face à situação social do país e de outras contingências internas e externas que podem condicionar a sua economia não é também adequado sem mais favorecer a situação do recorrente referindo-se “em melhoria das condições de vida do país e da sociedade e do próprio aumento de produtividade”, para mais ao nível agrícola, e em “aumento do rendimento disponível e melhoria expectável das condições de vida”.
No aumento de número de anos para se conseguir a reforma ainda que se conceba eventual prejuízo de carreira contributiva, com a consequente redução do seu valor, e na inflação, assim como “o aumento da própria longevidade” são circunstâncias que a admitir têm suficiente imprevisibilidade e somente de forma residual podem corroborar e condicionar as premissas da formulação do juízo de equidade quanto a este tipo de danos (artº 564º, nº 2 e 566º, nº 3 do CC).
De resto o recorrente acaba por mencionar alguns critérios aplicáveis de que a sentença não se alheia.
Na sentença avalia-se que segundo “as regras da experiência comum nos dizem que o autor, em circunstâncias normais, poderia continuar a trabalhar na agricultura, pelo menos, até aos 70 anos de idade e a tratar dos trabalhos agrícolas nas terras próprias, pelo menos, até aos 78 anos de idade (esperança média de vida para os homens)”, e daí que não se entenda a chamada de atenção do recorrente para jurisprudência argumentando que “Constitui entendimento jurisprudencial reiterado que, no cálculo da indemnização por danos futuros, deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que o lesado ficou privado e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da vida profissional ativa do lesado), quer porque, prejudicando a sua carreira contributiva, vem a reduzir, ou até a excluir, a pensão de reforma, quer porque sempre condicionará a possibilidade de obtenção de ganhos no exercício de atividades económicas alternativas a realizar para além da idade da reforma, quer porque sempre condicionará a possibilidade de obtenção de ganhos no exercício de atividades económicas alternativas a realizar para além da idade da reforma” e, depois, que “… ao contrário da fundamentação exposta na sentença recorrida, constitui entendimento jurisprudencial reiterado que a indemnização a arbitrar por tais danos futuros deve partir da esperança média de vida e não apenas da duração da vida profissional ativa do lesado…”.
A sentença, pois, vale-se de que ultrapassada a altura em que cesse a vida ativa profissional o recorrente necessariamente poderá continuar a passar a auferir um rendimento ainda que inferior, aliás, praticamente obnubilando a possibilidade natural da diminuição drástica da vitalidade e da saúde com o avanço da idade tardia.
Por seu turno, o que é certo, atento ao ficado assente, é que na sentença não se deixou de abranger na forma equitativa, por intermédio da predita majoração, o que o recorrente designa por “dano biológico consubstanciado na perda de produção do trabalho não remunerado desempenhado pelo recorrente no âmbito da casa, família, comunidade e nas tarefas agrícolas para autoconsumo e decorrente do déficit funcional permanente da integridade físico-psíquica”.
Além de que o recorrente não pode deixar cair no esquecimento que se por um lado apurou-se que granjeava uma pequena propriedade onde cultivava e colhia batatas, cebolas e tomate e demais produtos hortícolas para seu consumo, aproveitando o período pós-laboral, feriados e domingos para o fazer e com a limitação funcional de que ficou a padecer vê-se obrigado a contratar pessoas para executar os trabalhos que exigem maior esforço físico, por outro lado, este enquadramento fático é suficientemente genérico permitindo unicamente uma determinação que não seja mais que a resultante de uma conceção relativa da valorização económica da capacidade de ganho perdida nesta parte.
Note-se, não resulta do que se deu como assente que houve “perda de utilidade económica referente aos custos traduzidos na perda de produção”, ficando por demonstrar o alegado na petição inicial de forma ambígua de que a “execução dos trabalhos agrícolas que o A. executava no prédio que, correspondente ao que teria de pagar a outra pessoa que contratasse, tinha uma utilidade económica não inferior a 300,00 € … por mês”. E é ambíguo porque fica por saber se esse valor é o do fator de produção trabalho ou o do rendimento retirado do cultivo o que no recurso não se chega a justificar e dilucidar: “Conforme requerido pelo recorrente na sua p.i., este estimou o trabalho não remunerado e que era desempenhado no âmbito da casa, da família e das tarefas agrícolas para autoconsumo, no valor de 300,00 €/mês, quantia esta que se enquadra dentro dos parâmetros de 30% dos custos traduzidos na perda de produção fora do mercado e estimados no estudo acima exposto, quantia esta que foi desconsiderada pela … sentença, sem que se explicite o iter seguido para o cálculo deste dano patrimonial futuro.”
O que da factualidade assente resulta também antes é a não existência de perda absoluta de produção e se neste âmbito a capacidade de ganho é diminuída tal derivará da eventual necessidade de se contratar pessoas “para executar os trabalhos que exigem maior esforço físico” de que o recorrente não é capaz.
Tirando a idade das vítimas e a incapacidade que as afeta, nesta matéria a aleatoriedade impera: “a evolução do mercado laboral, o nível remuneratório do emprego, a evolução dos níveis dos preços, dos juros, da inflação, a evolução tecnológica, além de outros elementos que influem no nível remuneratório, como por exemplo, os impostos.”
No que concerne ao recurso do recorrente o que se pode dizer então é que por ele não se demonstra que a indemnização fixada não é suficientemente representativa de capital antecipável para colmatar a sua incapacidade de ganho.
E nesta conclusão nem se entra em linha de conta com a circunstância do capital ser recebido de imediato e suscetível de ser rentabilizado de forma a permitir o aumento da sua capacidade compensatória até à sua extinção ao chegar o fim da esperança de vida do recorrente.
Dir-se-á de imediato que improcederá também nesta parte o recurso em análise, em que o que se decidirá a seguir sobre o recurso da recorrente será igualmente razão para o seu insucesso.

Do recurso da recorrente.
O padrão de divergência para a R, em que perfilha a fixação de uma indemnização não superior a 120.000,00€, consiste em que o tribunal “não atendeu à circunstância de o Autor não estar incapacitado para o exercício de outras atividades profissionais compatíveis com a sua formação, fixando uma indemnização como se o Autor padecesse de uma incapacidade de 100 pontos, donde resultou um valor excessivo, tendo por referência situações similares.”.
O que nos apercebemos do essencial da argumentação da recorrente é que o ponto de partida da avaliação da indemnização deveriam ser os 45 pontos de incapacidade permanente parcial, servindo a incapacidade total para a profissão habitual modo de alavancamento da mesma.
Avança critérios considerando a jurisprudência que cita, mas por nenhum deles acaba por optar.
A propósito, apesar das nossas anteriores recomendações sobre a utilidade da citação da jurisprudência, a própria recorrente reconhece que “Analisando cada um dos acórdãos citados, verificamos que não há um critério absoluto para fixar uma indemnização em que o lesado, não obstante afetado por uma incapacidade parcial permanente, ficou impossibilitado de continuar a exercer a profissão habitual.”.
Daí que entendamos que o aludido valor de 120.000,00€ não resulta mais do que de uma fixação arbitrária.
Apesar disso a recorrente tem razão sobre o critério enveredado pelo tribunal a quo que não tem em consideração que a permanência da incapacidade permanente parcial em 45% tem de fundar uma parte de capacidade ganho que não pode ser incluída na indemnização.
É manifesto que, como já resulta do sobredito, não foi levado em conta o concreto défice funcional atribuído ao lesado, tendo-se computado o montante indemnizatório como se a incapacidade permanente fosse total ou absoluta.
Com efeito deu-se como provado que “As sequelas de que está afetado o Autor, constituem uma afetação da integridade físico-psíquica (Dano Biológico) de 45 pontos e que constitui uma incapacidade total para profissões que exijam esforço/utilização do membro superior esquerdo, como é o caso para o trabalho agrícola que o mesmo sempre executou,…” e “… o Autor está e continuará afetado por limitações funcionais definitivas que muito o limitam para o exercício das atividades ao seu alcance e que habitualmente exercia; Sendo elas o trabalho agrícola e as tarefas do seu quotidiano.”.
Esta circunstância não pode ser escamoteada e inexiste sequer qualquer fator que atenue intrinsecamente o significado destas situações.
Mesmo que se realça que estamos perante um trabalhador indiferenciado com baixa escolaridade em que é enfraquecida a valorização da capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão, através da sua reconversão.
Com efeito também, a factualidade assente não exclui só por si a possibilidade da exploração da propriedade para dela retirar bens para o seu consumo, apesar do recorrente ter mais dificuldade em poder executar trabalhos com uma enxada.
O que dela se realça cumulativamente é que para trabalhos que exijam maior esforço físico ele possa vir a ter necessidade de contratar terceiros, mas sem que se conclua de imediato que seja de forma remuneratória e em que quantitativos.
Em conclusão não se pode falar no caso concreto de perda absoluta da capacidade de ganho.
Dito isto, entendemos justificar-se que a avaliação do ponto de vista funcional dos danos no caso concreto deve partir socorrendo-nos do critério vertido nos artºs 48º, nº 3, alª b), 67º, nº 3 e 71º da Lei 98/2009, de 04.09, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, conjugado com o indexante de apoios sociais previsto na Portaria 24/2019, de 17.01, que assim inclui não só a prestação pela incapacidade como também o subsídio por situações de elevada incapacidade permanente.
A data a que deve ser reportada a incapacidade de ganho é a da consolidação da incapacidade pois até aí é temporária, não permanente
Logo, obter-se-ia um valor de indemnização por perda futura da capacidade de ganho do recorrente anual de 4.956,00€ {[(8.400€ x 70%) – (8.400€ x 50%) x 45%] + (8.400€ x 50%) = 4.956,00€)}, que multiplicada pelo número de anos da esperança de vida ascenderia a 148.680,00€, acrescida ainda do valor de 4,802,94€ atribuível à elevada incapacidade {[(435,76 € x 1.1 x 12) – (435,76,€ x 1.1 x 12 x 70%) x 45%] + (435,76€ x 1.1 x 12 x 70%) = 4.802,94€}, e, como tal, no total de 153.482,94€.
Importando não esquecer que estamos no domínio da indemnização do dano civil (e não laboral), embora se possa ponderar na vantagem do recebimento imediato do citado benefício que neste percurso o seu cálculo é meramente auxiliar do juízo de equidade que preside à determinação da indemnização devida, considera-se ainda adequado que o valor final seja antes de 180.000,00€, considerando no caso a necessidade de terceiros para manutenção da incapacidade de ganho, a idade do lesado e as diminutas chances para o mesmo conseguir qualquer aumento de ganho em profissão ou atividade económica alternativa por via da reconversão, visto as suas concretas competências (de resto, no recurso, como aconteceu na contestação a recorrente foi incapaz de alegar qualquer circunstância que depusesse em sentido contrário).
A incapacidade permanente absoluta para todo o trabalho habitual, não só pela necessidade de mudança de profissão, como pela dificuldade de reeducação profissional, exige por isso uma compensação maior.
E nesta oportunidade não é de esperar senão, como é público e notório que há que ter em conta a inflação e o aumento do custo de vida o que implica necessariamente perdas reais embora nesta altura de previsão incapaz de se alcançar.
Por sua vez, não se pode antecipar qualquer situação de enriquecimento injustificado à custa da recorrente, inclusivamente devido à situação suscetível de permitir retorno financeiro por qualquer forma, por isto também não se justificando a introdução de qualquer desconto a título por exemplo de juros, porquanto, atualmente, já não se obtém como em tempos recuados taxas de juros remuneratórios que permitiam a expansão do quantitativo adiantado com expressão económica relevante e, assim, obtendo-se um capital não esgotável ao longo do tempo de vida do recorrente.
Esta indemnização destina-se, pois, a consubstanciar uma compensação suscetível de minorar ou atenuar os efeitos da lesão sofrida e é equilibrada, não fugindo aos parâmetros que têm vindo a ser utilizados na jurisprudência em situações próximas.
Deve, portanto, nos termos sobreditos, proceder parcialmente o recurso do recorrente e da recorrente, pelo que no mais confirmando-se a sentença será reconhecido ao recorrente que o valor das indemnizações referentes aos momentos entre o do acidente e o da alta médica por incapacidade temporária absoluta, são de 720,00€ e de 7.260,00€ consoante o caso, e que o valor de indemnização por danos futuros deve ser fixado em 180.000,00€.
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Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar ambos os recursos parcialmente procedentes e daí que no mais confirmando-se a sentença, condena-se a R a pagar ao A a quantia global de 227.980,00, a título de ressarcimento pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, quantia à qual deve ser descontado o valor de 4.100,00€.
Quanto ao recurso do recorrente as custas serão suportadas por ambas as partes na proporção de 9/10 e 1/10 e no que respeita ao recurso da recorrente as custas serão na proporção de 2/5 e 3/5.
Guimarães, 19 de Maio de 2022

Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes-Desembargadores:

Relator: Eduardo José Oliveira Azevedo;
Adjuntos: Maria João Marques Pinto de Matos;
José Alberto Martins Moreira Dias.