Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
304/13.2TBPTL-I.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: CIRE
RESOLUÇÃO
IMPUGNAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- A acção de impugnação deve ser qualificada como uma acção de simples apreciação negativa, uma vez que em consequência das disposições que a regulam substantiva e adjectivamente visa tão-só a demonstração da inexistência ou inverificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo administrador de insolvência.

II- E assim sendo, sobre a massa insolvente impende o ónus de fazer prova da existência dos pressupostos da resolução que declarou unilateralmente.

III- Uma vez que, o impugnante está apenas, de modo antecipado, a exercer o seu direito à contraprova, nos termos do artigo 346º do Código Civil, através da alegação de factos que constituem negação dos factos invocados como fundamento do direito de resolução exercido pelo administrador da insolvência ou, noutra vertente, articulando factos extintivos do mesmo direito de resolução.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: A…, Ldª.

Recorrido: Massa Insolvente de José ….

A…, Lda. intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, ao abrigo do disposto no artigo 125º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, contra a Massa Insolvente de José … peticionando que o Tribunal considere procedente a impugnação deduzida.

Alega, para tanto e em síntese, que os factos invocados pelo Sr. Administrador na missiva pela qual resolveu os negócios de transmissão dos veículos com as matrículas …-HP-85 e …-HP-88 em causa nos presentes autos são falsos.

Citada regularmente, contestou a Ré a acção contra si interposta, alegando factos que, em seu entendimento, justificariam a resolução do negócio em causa pelo Sr. Administrador.

Foi proferido despacho saneador, no qual se afirmou a competência do Tribunal em razão da matéria, da nacionalidade e da hierarquia; a inexistência de nulidades que afectem todo o processado; a personalidade e a capacidade judiciária das partes, bem como a regularidade da sua representação; a legitimidade das partes para a presente acção e a inexistência de quaisquer outras nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.

Foram seleccionados os factos assentes e os temas de prova.

Realizado o julgamento, foi proferido despacho que respondeu à matéria de facto controvertida, sendo proferida sentença que julgou totalmente improcedente a presente acção, e, consequentemente, declarada eficaz a resolução do Sr. Administrador de Insolvência concretizada na missiva datada de 20.06.2013 e incidente sobre o contrato de compra e venda dos veículos automóveis com as matrículas …-HP-88 e …-HP-85, celebrado em 22.03.2013.

Inconformado com tal decisão, apela a Autora, e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões:

I. A recorrente, no âmbito da sua actividade profissional, foi contactada pelo vendedor da Renault, a testemunha Carlos …, para ir fazer uma avaliação de umas carrinhas a um cliente seu, o Sr. José ….

II. A recorrente nunca tinha tido qualquer contacto, pessoal ou profissional, com o Sr. José …, limitando-se a dar a cotação às viaturas quando se deslocou às instalações do insolvente, tal como também o fez um outro comerciante que lá se deslocou.

III. O sócio-gerente da recorrente reside na Póvoa de Varzim e que a grande maioria das suas relações comerciais ocorre no distrito do Porto ou a sul deste mesmo distrito, e não a Norte.

IV. A recorrente desconhecia quer o estado de saúde do insolvente quer o seu estado financeiro e da sua actividade comercial, tendo estado sempre de boa fé.

V. A recorrente pagou ao insolvente a quantia de € 8.500,00 (oito mil e quinhentos euros), titulado pelo cheque nº 9751496992, sacado sobre o banco Caixa ….

VI. O cheque foi efectivamente entregue ao Sr. José …, que decidiu como melhor empregar o dinheiro que lhe foi entregue.

VII. O preço do negócio estava perfeitamente enquadrado nos valores do mercado automóvel, atendendo ao estado dos veículos, o que não consubstancia quaisquer condição especial ou "negócio de ocasião".

VIII. A ora recorrente teve ainda diversas despesas no recondicionamento, limpeza e revisões das viaturas.

IX. As viaturas foram prontamente revendidas pela recorrente, no âmbito da sua actividade comercial.

X. A recorrente está com imensos prejuízos decorrentes desta resolução do negócio e encontra-se em risco de insolver, caso tenha de indemnizar os interessados que adquiriram as viaturas à recorrente.

*

Os Apelados apresentaram contra alegações concluindo pela improcedência da apelação.

*

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidenda são, no caso, a seguinte:

- Analisar da verificação dos pressupostos de que depende a resolução do contrato de compra e venda em referência nos autos.

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III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

A factualidade dada como provada e não provada na sentença recorrida é a seguinte:

Factos Provados.

a) No dia 22 de Março de 2013, apresentou-se à insolvência José …, alegando, entre o mais, que (…) a situação financeira actual que o país tem vivido e a perda de representação de marcas como a Sagres e a Coca-Cola afectou gravemente a actividade do seu estabelecimento comercial (…) O que foi determinante para a situação actual de insolvência do requerente, que deixou de ter liquidez e rendimentos, para fazer face às despesas do estabelecimento, nomeadamente, para efectuar pagamento a fornecedores e salários a trabalhadores (…) Bem como para fazer face às suas dívidas pessoais, algumas das quais contraídas para tentar salvar a sua fonte de rendimento (…) Efectivamente, as dificuldades financeiras atingiram uma proporção tal que o requerente não consegue obter qualquer rendimento há vários meses (…) Não obstante ter começado a enfrentar dificuldades financeiras no seu estabelecimento nos últimos anos, o requerente sempre acreditou que a situação ia melhora e que iria conseguir pagar todas as suas dívidas comerciais e pessoais, bem sabendo ser essa a sua obrigação e vontade (…) O requerente recorreu à banca, acumulando empréstimos, sempre com esperança de ver a sua situação alterada, de modo a conseguir liquidar as suas dívidas (…) Contudo, a diminuição das vendas e o acumular das dívidas para os fornecedores (…) assim como, as crescentes necessidades do dia-a-dia e a diminuição e falta de rendimento do requerente foi agravando cada vez mais a sua situação financeira, designadamente junto da banca (…) existindo empréstimos, utilização dos plafonds dos cartões de crédito, contas bancárias e empréstimos pessoais, encontrando-se tudo em situação de incumprimento, dada a insuficiência cada vez mais de rendimentos nos últimos meses (…) O requerente sempre tentou proceder ao pagamento das dívidas do seu estabelecimento comercial, tendo inclusive efectuado acordo extrajudiciais de pagamento que neste momento não consegue cumprir (…) Actualmente (…) está reformado (…) o seu rendimento mensal é neste momento de € 348,60 (…) – cfr. fls.2-60 do p. p., dos autos principais, cujo teor, no mais, se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

b) No dia 25 de Março de 2013 foi proferida sentença, transitada em julgado no dia 15 de Abril de 2013, que declarou a insolvência daquele José … (cfr. fls.61-63, do p. p., dos autos principais, cujo teor, no mais, se dá, aqui, por integralmente reproduzido);

c) No dia 20 de Abril de 2013 faleceu o aludido José … (cfr. fls.109, do p. p., dos autos principais, cujo teor, no mais, se dá, aqui, por integralmente reproduzido);

d) Em Junho e Julho de 2009 o, agora, insolvente, comprou os veículos automóveis, da marca “Renault”, modelo “Kangoo”, com as matrículas …-HP-88 e …-HP-85, respectivamente, pelos valores de € 10.416,66 (dez mil, quatrocentos e dezasseis euros e sessenta e seis cêntimos), cada um (cfr. fls. 85-86, do p. p., cujo teor, no mais, se dá, aqui, por integralmente reproduzido);

e) Depois de aplicada a taxa de amortização, estas viaturas, na contabilidade de 2013, apresentavam o valor de € 7.812,51 (sete mil, oitocentos e doze euros e cinquenta e um cêntimos), cada uma;

f) No dia 22 de Março de 2013, o, agora, insolvente, emitiu à autora a factura nº 286622, com data de vencimento para o dia 21 de Abril de 2013, referente à venda dos veículos aludidos em D), pelo valor de € 6.910,57 (seis mil, novecentos e dez euros e cinquenta e sete cêntimos), acrescido de IVA, perfazendo o total de € 8.500,00 (oito mil e quinhentos euros) – cfr. fls. 72/74, do p. p., cujo teor, no mais, se dá, aqui, por integralmente reproduzido);

g) No dia 21 de Abril de 2013, o, agora, insolvente, emitiu à Autora o recibo nº 286622, na quantia de € 8.500,00 (oito mil e quinhentos euros) – cfr. fls.24, do p. p., cujo teor, no mais, se dá, aqui, por integralmente reproduzido);

h) Consultados os elementos contabilísticos do, agora, insolvente, verifica-se que o valor mencionado em f) não entrou nas respectivas contas ou contabilidade;

i) A Autora emitiu um cheque, com o nº 9751496992, sacado sobre o banco “Caixa …”, que foi pago no dia 17 de Abril de 2013 (cfr. fls.104-105 e 36-37, do p. p., cujo teor, no mais, se dá, aqui, por integralmente reproduzido);

j) Em Março de 2013, o valor de mercado de cada um dos veículos referidos na alínea d), atento o seu estado, não excedia o montante de € 6.000,00;

k) Em Março de 2013, o preço global acordado entre a Autora e Maria … para a venda das referidas viaturas foi de € 8.500,00 com IVA incluído;

l) O montante referente ao preço de venda dos veículos em causa e titulado pelo cheque nº 9751496992 sacado sobre o banco Caixa …, no valor de € 8.500,00, não foi entregue ao insolvente, mas sim a Maria …., que depositou o dinheiro numa conta bancária por si titulada;

m) A Autora tinha conhecimento do estado de saúde do José Lima;

n) A 17 de Abril as contas da insolvente estavam bloqueadas;

o) Maria … é filha do insolvente, José …, conforme se retira da cópia do assento de nascimento junta aos autos a fl. 182 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

p) Foi com a filha do insolvente, Maria …, com quem a Autora negociou os termos da compra e venda dos veículos em causa nos autos, tendo esta, nesta parte, assumido o negócio do pai em face do mau estado de saúde deste.

Factos não provados

- Que a Autora tivesse conhecimento da situação económico-financeira daquele José ….

Fundamentação de direito.

Como fundamento da pretensão que deduz de ver declarada a ineficácia da resolução levada a efeito pelo do Sr. Administrador de Insolvência concretizada na missiva datada de 20.06.2013 e incidente sobre o contrato de compra e venda dos veículos automóveis com as matrículas …-HP-88 e …-HP-85, celebrado em 22.03.2013, alega o Recorrente, em síntese, nunca ter tido qualquer contacto, pessoal ou profissional, com o Sr. José …, limitando-se a dar a cotação às viaturas quando se deslocou às instalações do insolvente, tal como também o fez um outro comerciante que lá se deslocou.

Mais alega que desconhecia quer o estado de saúde do insolvente quer o seu estado financeiro e da sua actividade comercial, tendo pago a quantia de € 8.500,00 (oito mil e quinhentos euros), através de cheque que entregue ao Sr. José …., que o gastou.

O preço acordado e pago pelos veículos estava perfeitamente enquadrado nos valores do mercado automóvel, atendendo ao estado dos veículos, sendo tais viaturas revendidas pela Recorrente, no âmbito da sua actividade comercial.

Definida a pretensão recursória e respectivos fundamentos, cumpre agora proceder à sua apreciação tendo em consideração a materialidade tida como demonstrada e supra descrita.

Ora, como é consabido, tendo como primordial objectivo obstar ao surgimento de situações de favorecimento de credores atentatórias do princípio da igualdade, estipulam os artºs. 120 e 121º., do Cód. da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.), duas modalidades de resolução dos actos do devedor, praticados antes da declaração da sua insolvência e que consistem nas modalidade de resolução condicional e incondicional, respectivamente.

Como se refere na decisão recorrida, esta possibilidade radica-se na natureza do processo de insolvência, de execução universal, e no seu objectivo último, concretizado na satisfação igualitária dos direitos dos credores, razão pela qual, não seria admissível que a insolvente beneficiasse alguns credores em detrimento de outros logo que a situação de insolvência fosse conhecida.

Com este enquadramento pretendeu o legislador regular a reconstituição do património do devedor (a massa insolvente) por meio de um instituto específico que permite, de forma expedita e eficaz, a destruição de actos prejudiciais a esse património, com vista a apreender para a massa insolvente não só aqueles bens que se mantenham na titularidade do insolvente, como aqueles que nela se manteriam caso não houvessem sido por eles praticados ou omitidos. Cfr. Ponto 41 do Preâmbulo não Publicado do Decreto-Lei que Aprovou o Código in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Ministério da Justiça, Coimbra Editora, 2004, p. 257.

No nº 1), do primeiro dos aludidos preceitos – art. 120 - vêm estabelecidos os pressupostos gerais da resolução, aí se estipulando que apenas poderão ser resolvidos actos prejudiciais à massa que tenham sido praticados nos quatro anos anteriores à data em que o processo de insolvência houver sido instaurado, definindo-se no nº 2), do mesmo preceito, o conceito de prejudicialidade como integrando todos os actos que “afectam o interesse dos credores na satisfação dos seus créditos”, entendendo-se como tais os que “impliquem diminuição do valor da massa insolvente” ou “tornem a satisfação do interesse dos credores mais difícil ou mais demorada”.

Assim, e como requisitos gerais da resolução, estabelece a lei os seguintes: (a) realização pelo devedor de actos ou omissões; (b) prejudicialidade do acto ou omissão em relação à massa insolvente; (c) verificação desse acto ou omissão nos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência; (d) existência de má fé de terceiro.

Por seu lado, o nº. 3, de tal norma consagra uma presunção juris et de jure de prejudicialidade relativamente aos actos enumerados no artº. 121º, sendo que, no que concerne aos demais actos, em conformidade com o disposto no nº 4, do mesmo dispositivo, eles apenas poderão ser resolvidos se quem neles intervém – o “terceiro” - estiver de má fé, presumindo-se - presunção juris tantum, admitindo, pois, prova em contrário, nos termos do nº. 2 do artº. 350º., do Cód. Civil – assim praticados todos os actos em relação aos quais se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:

a) Tenham sido praticados ou omitidos dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência – requisito temporal;

b) E em que tenha participado ou de que se tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente.

O conceito de má fé vem definido no nº 5), aí se considerando que actua dessa forma o terceiro que, à data do acto, tenha conhecimento de alguma das seguintes circunstâncias:

a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência de facto, ou seja, impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, de acordo com o disposto no artº. 3º.

b) Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava, à data da sua prática, em situação de insolvência iminente;

c) O terceiro que à data da prática do acto conhecia o início do processo de insolvência.

No que respeita aos actos previstos no artº. 121º, não se ajustando a situação em apreço a qualquer das situações aí previstas, não se procederá, como é óbvio, à sua análise.

Por outro lado, e como igualmente se salienta na decisão recorrida, “no seu figurino geral, a impugnação, como até o próprio nome indica, visará a negação dos factos invocados pelo administrador de insolvência para fundamentar a resolução que extrajudicialmente declarou.

Neste circunstancialismo, a presente acção deve ser qualificada como uma acção de simples apreciação negativa, uma vez que em consequência das disposições que a regulam substantiva e adjectivamente visa tão-só a demonstração da inexistência ou inverificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo administrador de insolvência (artigo 4º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil).

Em suma: na acção de impugnação, o impugnante está apenas, de modo antecipado, a exercer o seu direito à contraprova, nos termos do artigo 346º do Código Civil, alegando factos que constituem negação dos factos invocados como fundamento do direito de resolução exercido pelo administrador da insolvência ou, noutra vertente, articulando factos extintivos do mesmo direito de resolução.

Destarte, é a Ré, massa insolvente, quem tem o ónus de fazer prova da existência dos pressupostos da resolução que declarou unilateralmente à Autora. Cfr. neste sentido, e entre muitos outros, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24.11.2011, in www.dgsi.pt.

Tecidos estes breves considerando e revertendo agora à análise da situação em apreço temos que, e com relevância determinante para a sua análise, resultou demonstrada a seguinte factualidade:

- No dia 22 de Março de 2013, apresentou-se à insolvência José … (…);

- No dia 25 de Março de 2013 foi proferida sentença, transitada em julgado no dia 15 de Abril de 2013, que declarou a insolvência daquele José …;

- No dia 20 de Abril de 2013 faleceu o aludido José …;

- Em Junho e Julho de 2009 o, agora, insolvente, comprou os veículos automóveis, da marca “Renault”, modelo “Kangoo”, com as matrículas …-HP-88 e …-HP-85, respectivamente, pelos valores de € 10.416,66 (dez mil, quatrocentos e dezasseis euros e sessenta e seis cêntimos), cada um;

- Depois de aplicada a taxa de amortização, estas viaturas, na contabilidade de 2013, apresentavam o valor de € 7.812,51 (sete mil, oitocentos e doze euros e cinquenta e um cêntimos), cada uma;

- No dia 22 de Março de 2013, o, agora, insolvente, emitiu à autora a factura nº 286622, com data de vencimento para o dia 21 de Abril de 2013, referente à venda dos veículos aludidos em D), pelo valor de € 6.910,57 (seis mil, novecentos e dez euros e cinquenta e sete cêntimos), acrescido de IVA, perfazendo o total de € 8.500,00 (oito mil e quinhentos euros);

- No dia 21 de Abril de 2013, o, agora, insolvente, emitiu à Autora o recibo nº 286622, na quantia de € 8.500,00 (oito mil e quinhentos euros);

- Consultados os elementos contabilísticos do, agora, insolvente, verifica-se que o valor mencionado em f) não entrou nas respectivas contas ou contabilidade;

- A Autora emitiu um cheque, com o nº 9751496992, sacado sobre o banco “Caixa ….”, que foi pago no dia 17 de Abril de 2013;

- Em Março de 2013, o valor de mercado de cada um dos veículos referidos na alínea d), atento o seu estado, não excedia o montante de € 6.000,00;

- Em Março de 2013, o preço global acordado entre a Autora e Maria … para a venda das referidas viaturas foi de € 8.500,00 com IVA incluído;

- O montante referente ao preço de venda dos veículos em causa e titulado pelo cheque nº 9751496992 sacado sobre o banco Caixa …, no valor de € 8.500,00, não foi entregue ao insolvente, mas sim a Maria …, que depositou o dinheiro numa conta bancária por si titulada;

- A Autora tinha conhecimento do estado de saúde do José Lima;

- Maria … é filha do insolvente, José …;

- Foi com a filha do insolvente, Maria …, com quem a Autora negociou os termos da compra e venda dos veículos em causa nos autos, tendo esta, nesta parte, assumido o negócio do pai em face do mau estado de saúde deste.

Ora, em face da materialidade acabada de descrever começaremos por dizer que se nos não afigura existirem quaisquer dúvidas de que, de um ponto de vista objectivo, o negócio jurídico objecto da resolução levada a efeito, na medida em que a transferência para um terceiro de bens materiais que o Insolvente, antes de o ser, possuía no seu património constitui, em si mesmo, um acto prejudicial à massa insolvente, pois que, incontroverso resulta que por virtude dessas alienações de património resultou, pelo menos, diminuída e dificultada a satisfação dos credores da insolvência, tanto quanto é certo que a dissipação ou afectação do dinheiro recebido como contrapartida a outros fins que não o do cumprimento das obrigações da Insolvente é manifestamente mais fácil do que a dos bens alienados, os quais, se permanecessem no património daquela permitiram uma mais fácil satisfação dos interesses dos credores.

Por outro lado, e como supra se referiu, pressupondo ou exigindo sempre a resolução - fora dos casos previstos no art. 121, do CIRE, como sucede na presente situação – a má-fé do terceiro, somos também de entender que, no caso em apreço, igualmente resulta verificado esse mesmo requisito.

Na verdade, conforme dispõe o nº 4, do artigo 120, do CIRE, “salvo os casos a que respeita o artigo seguinte, a resolução pressupões sempre a má fé de terceiro, a qual se presume quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro de dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com a insolvente, ainda qua a relação especial não existisse nessa data”.

Assim, e por decorrência dos estipulado em tal preceito, “sendo os actos prejudiciais, presume-se a má fé do terceiro quando se verifiquem, cumulativamente, os dois seguintes requisitos:

a) Prática ou omissão de acto até dois anos antes do início do processo de insolvência;

b) Participação nos actos – ou obtenção de proveito no mesmo – de pessoa especialmente relacionada com o insolvente”. Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE anotado, 2009, pg. 429.

Como referem estes autores, “a lei não refere expressamente em que consiste a relação especial que releva para o efeito do nº 4. Entendemos, porém, existir manifesta proximidade entre a suspeição do legislador que aqui está em causa e a que se identifica na qualificação dos créditos subordinados. Por outras palavras, sustentamos que todas as situações previstas no art. 49 relevam para a fixação do requisito do nº 4 do art. 120”. Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob e loc. cit.

Ora, de harmonia com o disposto no artigo 49, nº 1, al. b), do CIRE, “são havidos como especialmente relacionados com o devedor pessoa singular, designadamente, “os ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor (…)”

Entendeu-se, assim, fixar neste preceito “um núcleo de pessoas relativamente às quais, pela particular natureza dos vínculos mantidos com o devedor ou pela proximidade que dele têm, se justifica colocar numa posição e sob um estatuto singular relativamente à insolvência, fundados, no essencial, na presunção do maior risco que as operações com eles praticadas pelo insolvente envolvem para o conjunto dos credores”

(…)

“Num outro plano, porém, a simples constatação do vínculo ou situação de que é feita depender a qualificação como pessoa especialmente relacionada com o devedor basta para que ela opere e desencadeie os seus efeitos. Por assim ser, não pode em circunstância alguma, o atingido afastá-la com a alegação e prova de que esse vínculo ou situação em nada determinou ou condicionou o relacionamento com o devedor ou mesmo com a demonstração que desse relacionamento resultaram – ou até resultaram só – benefícios para o devedor”. Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob cit., pg 232.

E assim sendo mais não restará do que concluir como se fez na decisão recorrida, ou seja, se por um lado, e como se deixou dito, dúvidas não podem restar de que o negócio em referência “é nitidamente prejudicial para a massa, pois o insolvente nada recebeu” – cfr. alínea l), dos factos provados -, por outro, “o negócio foi concretizado a três dias da declaração de insolvência e dele se aproveitou a pessoa que em nome do insolvente negociou os seus termos, Maria … Lopes, filha do insolvente, que acabou por depositar, em seu nome e em conta bancária por si titulada, a quantia pela qual se venderam os veículos”.

Destarte, e como aí se refere, o acto ter-se-á de presumir “celebrado de má fé por força da presunção constante do disposto no artigo 120º, nº 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que a Autora não ilidiu”, sendo, por consequência, a resolução levada a efeito pelo sr. Administrador da Insolvência plenamente válida e eficaz.

Improcede, assim, a presente apelação.

Sumário – artigo 663, nº 7, do Código de Processo Civil.

I- A acção de impugnação deve ser qualificada como uma acção de simples apreciação negativa, uma vez que em consequência das disposições que a regulam substantiva e adjectivamente visa tão-só a demonstração da inexistência ou inverificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo administrador de insolvência.

II- E assim sendo, sobre a massa insolvente impende o ónus de fazer prova da existência dos pressupostos da resolução que declarou unilateralmente.

III- Uma vez que, o impugnante está apenas, de modo antecipado, a exercer o seu direito à contraprova, nos termos do artigo 346º do Código Civil, através da alegação de factos que constituem negação dos factos invocados como fundamento do direito de resolução exercido pelo administrador da insolvência ou, noutra vertente, articulando factos extintivos do mesmo direito de resolução.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Apelante.

Guimarães, 25/06/2015.

Jorge Teixeira

Manuel Bargado

Heitor Gonçalves