Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
146/19.0T8GMR-A.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
LEGITIMIDADE PASSIVA
FIXAÇÃO DO PRAZO PARA A PRESTAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/01/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Numa execução para prestação de facto em que o título executivo é uma sentença na qual não foi fixado prazo para o cumprimento da obrigação e em que está em causa a realização de atos que têm duração variável, mas indispensável ao cumprimento, não é necessário que o exequente recorra previamente ao disposto nos arts. 1026º e 1027º para que o tribunal fixe o prazo de cumprimento da obrigação, uma vez que o processo executivo para prestação de facto contém disposições que permitem tal fixação quando o prazo não está determinado no título executivo e que são as normas contidas nos arts. 874º e 875º do C. P. Civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:

Por apenso aos autos de execução nº 1461/19.0T8GMR, intentados por T. P. e L .M. vieram os executados F. L. e M. L. Lemos deduzir oposição àquela, por embargos, alegando que são parte ilegítima, por preterição de litisconsórcio necessário, face ao reconhecimento de direitos a terceiros no âmbito da ação declarativa.
Os exequentes contestaram, alegando, em síntese, que a execução foi intentada contra quem, no título, figura como devedor. Concluem pugnando pela improcedência dos embargos.
Remeteu-se para os autos principais o conhecimento do valor da prestação e do prazo necessário para a execução da mesma.
Em sede de despacho saneador foi proferida decisão que julgou improcedentes os embargos.
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Inconformados vieram os Embargantes recorrer, formulando as seguintes Conclusões:

I. O Tribunal a quo decidiu os presentes autos fazendo uma errada interpretação e integração do art. 595º, nº 1, al. b) do CPC, pois que a questão, tal qual suscitada, deveria ter sido conhecida e sobre a mesma produzida a competente prova.
II. Quando assim se não entenda, constam dos autos elementos documentais que permitem seja conhecida e proferida decisão sobre a questão suscitada.
III. A questão decidenda prende-se com a verificação de situação de impossibilidade de cumprimento da prestação de facto, por ofender direito de um terceiro, questão que, s.m.o., merece ser conhecida nestes autos.
IV. A ação declarativa que precedeu a execução foi intentada apenas contra os recorrentes, não obstante os recorridos terem conhecimento que o imóvel em causa se encontra[va] habitado e que, sobre o mesmo se encontra registado um direito de uso e habitação.
V. Tal direito real colide com a decisão que constitui o título executivo.
VI. E tais factos [IV e V] devem ser levados ao elenco dos provados.
VII. Estão, assim, os recorrentes impedidos de cumprir com a Douta sentença, enquanto não terminar aquele direito real de habitação.
VIII. Querendo os lá AA., aqui recorridos, acautelar o efeito útil da ação que intentaram, deveriam ter cuidado de requerer o devido chamamento da titular do direito de uso e habitação, nos termos do art. 33º, nº 3 do CPC.
IX. A decisão proferida não pode operar os efeitos que o direito material estabelece, ou seja, não alcança o seu efeito útil normal, por preterição negligente do litisconsórcio necessário, causa de não ter sido alcançado o julgamento de mérito uniforme e extensivo a todos os interessados.
X. Assim, deve declarar-se inexigível aos recorrentes a prestação de facto, enquanto não estiver acautelado o direito da referida Maria.
XI. O Tribunal a quo fez assim uma errada interpretação dos art. 2º, 6º, 33º, nº 3 e 595º, nº 1, al. b) do CPC; 1484º do C.C.; 2º, 20º, nº 1 e 5, 65º nº 1 da CRP.
XII. Por outro lado, o Tribunal recorrido não conheceu da questão suscitada pelos recorrentes, relativa à aplicação analógica do disposto no art. 876º do CPC, o que consubstancia nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. c) do CPC.
XIII. Por aplicação analógica deste preceito, deve ser declarado que os recorrentes não devem ser obrigados a demolir a obra, por esta lhes causar prejuízo consideravelmente superior ao que cabe aos recorridos.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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A 1ª instância considerou assente o seguinte:
único) Foi dada à execução a sentença proferida nos autos de ação de processo ordinário, processo nº 655/12.3TBCBT que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Central Cível de Guimarães – J1, transitada em julgado, cujo teor se dá por integralmente reproduzido
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Questões a decidir:

- Verificar se os Executados são parte legítima na execução.
- Verificar se a obrigação é exigível.
- Caso se conclua afirmativamente na análise dos pontos anteriores, verificar se os executados podem aproveitar-se do disposto no art. 876º do C. P. Civil.
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre decidir.

O título executivo é um documento que constitui o meio legal de demonstração da existência do direito da exequente ou que estabelece, de forma ilidível, a existência daquele direito (v. José Lebre de Freitas in A Acção Executiva à Luz do Código Revisto, pág. 30).
De entre as espécies de títulos executivos enunciadas no art. 703º do C. P. Civil, constam as sentenças (v. n.º1 – a) do art. 703º do C.P. C.).
O título executivo constitui a base da execução, por ele se determinando o fim e os limites daquela (art. 10º, nº 5 do C. P. Civil).
Por outro lado, resulta do disposto no art. 53º, nº 1 do mesmo Código que a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (in Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 84) O regime é claro: em regra a execução só pode ser promovida contra quem no titulo tenha a posição de credor e só pode ser movida contra quem no mesmo título tenha a qualidade de credor.
É este o princípio geral da legitimidade para a ação executiva.
Há desvios a esta regra, nomeadamente as que decorrem do preceituado no art. 54º do C. P. Civil e as respeitantes aos títulos de crédito, contudo, não se aplicam ao caso concreto.
No caso, em ação declarativa em que eram autores os aqui Exequentes/Embargados e réus os aqui Executados/Embargantes, por acórdão deste Tribunal, publicado em 15/02/2018, que confirmou a sentença de 1ª instância, proferida no processo nº 655/12.3TBCBT que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Central Cível de Guimarães, foram os executados condenados a:
a) ver declarado que os autores T. P. e mulher L .M. são proprietários do prédio urbano identificado nesses autos e que o mesmo integra o logradouro identificado em 12) a 14), 23) a 29), o muro identificado em 30) e 35), a parede identificada em 33), o telhado e beiral identificados em 34);
b) a reconhecer e respeitar o direito de propriedade dos autores sobre o prédio identificado supra;
c) restituir aos autores, livres e devolutos de pessoas ou coisas, as parcelas de terreno identificadas nos pontos 51, 53, 57 a 64 da fundamentação de facto.
d) demolir o pilar, o maciço de cimento, a estrutura metálica, as chapas, as paredes e a cobertura identificada nos pontos 51), 53) a 60), 64), 60 e 70) da fundamentação de facto da sentença que se pretende ver aqui reproduzida;
e) reparar o telhado e beiral identificados no ponto 57 da fundamentação de facto da sentença;
f) - reparar o muro identificado nos pontos 30) e 35) da fundamentação de facto da sentença no estado em que se encontrava em fevereiro de 2012. - ou seja, antes das obras de destruição do muro por parte dos agora executados-.

O acórdão proferido transitou em julgado.
Os executados vêm dizer que na ação declarativa foi preterido o litisconsórcio necessário passivo e que por isso são partes ilegítimas, não podem cumprir a obrigação por o imóvel objeto da execução estar ocupado por uma terceira pessoa que não foi chamada à ação declarativa e ainda que a obrigação, por isso, é inexigível.
Salvo o devido respeito, estão a confundir conceitos.

Sendo, no caso, o título executivo uma sentença, são partes legítimas na execução a que os presentes embargos se encontram apensos os aí autores e réus, respetivamente credores e devedores.
Portanto, não há qualquer problema de ilegitimidade no processo executivo em análise.

O facto de existir um terceiro a habitar o imóvel e de essa circunstância impedir o cumprimento do pedido pelos Autores, ora Exequentes (facto que já ocorria aquando da pendência da ação declarativa), é questão que nada tem a ver com a legitimidade para a ação executiva e deveria ter sido suscitada pelos réus na contestação que apresentaram na ação declarativa. Na verdade, os princípios da concentração da defesa e da preclusão obrigam o(s) réu(s) ou requerido a invocar contra o autor ou requerente, todos os meios de defesa que têm ao seu alcance, sob pena de perda do direito de invocação dos mesmos. Da mesma forma, se os aí réus entendiam que essa terceira pessoa deveria estar nessa ação, deveriam ter promovido a sua intervenção.
Agora já não o podem fazer, sob pena de violação do caso julgado. Acresce que os fundamentos invocados nos embargos e agora em análise, não cabem nos previstos no art. 729º do C. P. Civil que limita os meios de reação do(s) executado(s) quando o título executivo é uma sentença, precisamente porque na ação declarativa o(s) réu(s) já teve oportunidade de invocar todos os argumentos essenciais e relevantes para a sua defesa.
Isto não viola qualquer princípio constitucional, nomeadamente o princípio de acesso à Justiça, já que este se destina a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o exercício ou a defesa dos seus direitos e não a que o acesso ao direito seja efetuado de forma anárquica, sem obediência a regras, até porque tal violaria o princípio da igualdade.
Por outro lado, os eventuais direitos do referido terceiro não ficam desprotegidos já que o mesmo poderá defendê-los, nomeadamente, mediante embargos de terceiro.
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Os Embargantes defendem a inexigibilidade da obrigação pelo facto de não ter sido fixado prazo para o cumprimento da obrigação.
A prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende da interpelação do devedor.
Quando a obrigação não tem prazo para o cumprimento por falta de estipulação ou disposição especial da lei (obrigação pura) (v. art. 777º, 1 do C. Civil) vence-se “logo que o credor, mediante interpelação, exija o seu cumprimento ou o devedor pretenda realizar a prestação devida (v. Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, 6ªa ed., vol. II, pág. 42).
No entanto, como refere o disposto no art. 777º, nº 2 do C. Civil, quando se tornar necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da prestação, quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos, e as partes não acordarem na sua determinação, a fixação dele é deferida ao tribunal.
É esta a disposição que deve ser aplicada ao caso em apreço, uma vez que está em causa a realização de atos que têm duração variável, mas indispensável ao cumprimento.
No caso, todavia, não é necessário recorrer ao disposto nos arts. 1026º e 1027º para que o tribunal fixe o prazo de cumprimento da obrigação, uma vez que o processo executivo para prestação de facto contém disposições que permitem tal fixação quando o prazo não está determinado no título executivo, como acontece no caso presente e que são as normas contidas nos arts. 874º e 875º do C. P. Civil. Normalmente é fixado após a realização de perícia pois, tal como refere o art. 875º, nº 1, “O prazo é fixado pelo juiz, que para isso procede às diligências necessárias”.
Na execução a que os presentes autos se encontram apensos, foi ordenada a realização de perícia para apurar o custo das obras a realizar e ainda para averiguar o prazo necessário a essa realização (v. despacho preferido em 29/10/19, com a referência 165573522), estando esse processo a correr termos, tendo já sido apresentado o relatório do Perito e estando os autos à espera que aquele preste esclarecimentos na sequência das reclamações das partes.
Assim, há que aguardar pelo fim das diligências ordenadas para que o Tribunal fixe o prazo de realização das obras, em obediência às disposições acima mencionadas.

Os embargantes vêm ainda dizer que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a sua pretensão referente à aplicação analógica do art. 876º, nº 2 do C. P. Civil.
Na verdade, apesar de tal aplicação ter sido suscitada no requerimento inicial de embargos, não houve pronúncia sobre o mesmo na decisão recorrida. Tal configura nulidade da sentença por omissão de pronúncia (v. art. 615º, nº 1 – d) do C. P. Civil). No entanto, a matéria em causa é suscetível de ser conhecida por este tribunal, ao abrigo do disposto no art. 665º, nº 1 do C. P. Civil, que é o que faremos fazer de seguida.

O art. 876º dispõe, na parte com interesse para o caso em apreço, que “a oposição ao pedido de demolição pode fundar-se no facto de esta representar para o executado prejuízo consideravelmente superior ao sofrido pelo exequente” (sublinhado nosso).

Ora, analisando o requerimento inicial dos embargos vemos que o prejuízo invocado pelos embargantes diz essencialmente respeito à pessoa que habita a casa e não a eles próprios que referem a este propósito que:

61. A destruição daquela parte da habitação, propriedade dos embargantes e ocupada pela Maria, implica a destruição da única casa de banho da mesma.
62. E, apesar, de se tratar de poucos metros quadrados, a eventual futura reconstrução e acomodação da casa de banho já não permitirá garantir os mesmos cómodos, além de que, obrigará a uma intervenção de vulto e muito mais cara do que o valor da demolição.
63. Os embargantes não despenderão, na readequação da moradia, menos de 30.000,00€.
64. Pelo que, sem prescindir, não se pode conceder, nem autorizar, que a destruição ocorra, pelo menos antes de cessar o aludido direito de habitação.
65. Além de que, teriam sempre de encontrar novos cómodos de que não dispõem para a ocupante Maria e, provavelmente, de a indemnizar pelo prejuízo causado.
Deste modo, estando em causa essencialmente prejuízo de terceiro, o preceito em causa não poderia ser aplicado ao caso em apreço.
Por outro lado, os embargantes, na ação declarativa e tendo em conta o pedido aí formulado, já tinham conhecimento dos factos agora invocados como fundamento da suspensão da execução, pelo que, o momento próprio para os invocar teria sido a contestação para essa ação e não os embargos pelos motivos já acima assinalados.
Pelo exposto, improcede também este fundamento dos embargos.
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Decisão:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação.
Custas pelos Embargantes.
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Guimarães, 1 de outubro de 2020

Alexandra Rolim Mendes
Maria de Purificação Carvalho
Maria dos Anjos Melo Nogueira