Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1077/17.5T8CHV.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: CLÁUSULA CONTRATUAL
CONTRATO DE SEGURO
INVALIDEZ TOTAL E PERMANENTE
DESVALORIZAÇÃO SUPERIOR A 66%
TABELA NACIONAL DE INCAPACIDADES
TABELA INDICATIVA PARA AVALIAÇÃO DA INCAPACIDADE EM DIREITO CIVIL
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/30/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULAÇÃO DA DECISÃO - AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Impugnada a decisão sobre a matéria de facto e preconizando os apelantes o aditamento de determinados factos à matéria provada, previamente à reapreciação da prova produzida cumpre aferir se tais factos cabem nos poderes de cognição do Tribunal.
II- Conforme resulta do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, o Tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito.
III- Se a modificação da decisão de facto peticionada pela apelante importa o aditamento à matéria provada de juízos valorativos ou conclusivos que encerram parte essencial da controvérsia que constitui o objeto do litígio a apreciar e decidir na ação, deve tal matéria ser eliminada do elenco dos factos relevantes para a decisão da causa ficando prejudicada a apreciação da impugnação da matéria de facto quanto a tais pontos.
IV- A aferição da eventual desvalorização sofrida pelo segurado em resultado dos problemas de saúde em discussão nos autos deve ser efetuada com base na desvalorização que deles decorra, calculada de acordo com os critérios enunciados nas cláusulas das condições da apólice do contrato de seguro de grupo (ramo vida), com cobertura complementar do risco de invalidez total e permanente, associado ao contrato de mútuo para aquisição de um imóvel, porquanto são estas que condicionam a verificação do risco de que depende a obrigação da seguradora.
V- Prevendo as cláusulas das condições da apólice do contrato de seguro a existência de uma “invalidez total e permanente” entendida como a incapacidade que afeta a pessoa segura impedindo-a total e definitivamente do exercício de uma atividade remunerada, exigindo-se, para que assim se considere, o reconhecimento da invalidez total e permanente feito com base na Tabela Nacional de Incapacidades, e garantindo-se as desvalorizações superiores a 66,6%, que nesse caso serão consideradas como sendo iguais a 100%, deve atender-se à Tabela Nacional de Incapacidades constante do anexo I ao Dec. Lei n.º 352/2007, de 23-10, e que dele faz parte integrante, por ser a única compatível com os critérios que relevam para o efeito.
VI- Daí que, na impossibilidade de estabelecer a correspondência entre as referências que constam da condição 3.ª das condições especiais do contrato de seguro em referência e as que decorrem do relatório da perícia de avaliação do dano corporal realizada nos autos pelo INMLCF, I.P. (a qual teve por referência o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica aferido de acordo com a Tabela indicativa para a Avaliação da Incapacidade em Direito Civil, que consta do anexo II do DL n.º 352/2007, de 23-10), por apresentarem critérios distintos, impõe-se a ampliação da decisão de facto e a realização de segunda perícia destinada ao apuramento do grau de incapacidade permanente de que se mostra afetado o recorrente como resultado dos problemas de saúde em discussão nos presentes autos, a aferir de acordo com a tabela concretamente aplicável.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

M. G. e E. J., melhor identificados nos autos, intentaram ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra: 1. X - Companhia de Seguros de Vida, SA; e 2. Banco ..., Sociedade Aberta, pedindo a condenação dos RR a:

a) Reconhecer a validade e eficácia do contrato de seguro identificado no artigo 9. º da petição inicial;
b) Proceder ao pagamento do capital emergente do crédito à habitação contraído pelos autores, junto da segunda ré, segurado da primeira através da apólice n.º ......, e que à data da petição inicial ascende à quantia de €18.537,51;
c) Proceder ao pagamento da quantia no montante €2.952,40 correspondente às prestações pagas pelos autores ao segundo réus, desde outubro de 2015 até a data da petição inicial, bem como as mensalidades que entretanto se venham a vencer, acrescidas dos respetivos juros de mora que se vencerem até integral pagamento;
d) Proceder ao pagamento da quantia de €127,00 montante pago para contrair novo seguro vida na Companhia de Seguros Y;
e) Subsidiariamente, e no caso de improcederem os pedidos supra, deve a primeira ré ser condenada a restituir os prémios de seguro pagos pelos autores desde a data de subscrição do seguro em setembro de 1997 até a julho de 2016, em montante a liquidar em execução de sentença.

Para tanto, alegaram, em síntese: celebraram com o banco réu um contrato de mútuo para habitação, garantido por hipoteca, tendo o autor celebrado com a ré seguradora um contrato de seguro do ramo vida para garantia do valor mutuado, a favor do banco réu, em caso de morte ou incapacidade permanente; no ano de 2015 foi atribuída ao autor marido uma incapacidade permanente pelo que os autores solicitaram à 1.ª ré, através do 2.º réu, o acionamento da cobertura de tal seguro, tendo a 1.ª ré declinado a responsabilidade mediante comunicação datada de 21-07-2016, invocando a omissão pelo autor marido de informação relativa a patologias pré-existentes à data da celebração do contrato; mais alegam que o autor marido estava bem de saúde quando celebrou o contrato de seguro no ano de 1997, não sendo portador de qualquer doença ou patologia, não tendo a 1.ª ré qualquer motivo atendível para recusar pagar as quantias devidas.

Ambos os RR apresentaram contestação, pugnando pela total improcedência da ação. O banco réu sustentou, em suma, que é apenas um mero beneficiário do contrato de seguro pelo que a eventual obrigação de restituição das prestações pagas depois do sinistro apenas pode caber à 1.ª ré, não podendo ser condenado em qualquer quantia. Por sua vez, a 1.ª ré veio invocar a nulidade da cobertura do seguro invocado pelos autores, alegando para o efeito que o autor padecia de patologias pré-existentes ao contrato e que concorrem para a invalidez, não o tendo declarado para que a ré pudesse efetuar uma correta avaliação do risco, já que respondeu negativamente a todas as questões que lhe foram colocadas relativamente ao seu estado de saúde, omissão que torna nulos os pedidos de adesão aos contratos de seguro de vida; impugna ainda parte da factualidade alegada e alguns dos documentos apresentados com a petição inicial, afirmando desconhecer, em concreto, as específicas circunstâncias de saúde do autor à data da presente ação, motivo pelo qual requereu a realização de uma perícia médico-legal para esse efeito.

Foi realizada audiência prévia e ali foi proferido despacho saneador, tendo-se procedido à identificação do objeto do litígio e à seleção dos temas de prova.
Foram admitidos os meios de prova, tendo sido determinada e realizada perícia médico-legal ao autor, com os resultados que constam dos autos.

Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, em consequência do que, decidiu o seguinte:

«a) Declaro que o contrato de seguro celebrado entre o A. M. G. e a R. X – COMPANHIA DE SEGUROS DE VIDA, S.A., identificado pela apólice n.º ...... e pelo certificado ......, com data de início em 26.09.1997, associado ao empréstimo 210777133, com o capital seguro inicial de 32.421,86 euros e cobertura por morte ou invalidez total e permanente, se mantém, nesta data, integralmente válido e eficaz;
b) Absolvo os RR. X – COMPANHIA DE SEGUROS DE VIDA, S.A. e BANCO ..., S.A., de todos os restantes pedidos formulados pelos Autores.

Custas a cargo dos AA. e dos RR., na proporção do respectivo decaimento e sem prejuízo do benefício de apoio judiciário, fixando-se o decaimento dos AA. em 70% e o decaimento dos RR. em 30%, na medida em que o pedido que se julgou procedente é meramente secundário face ao peticionado quanto ao pagamento do capital seguro e das restantes quantias, pedidos estes que improcederam na totalidade (artigo 527.º, n.º1 e 2 do CPC)»

Inconformados, vieram os autores recorrer, pugnando no sentido da revogação da sentença, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1) O artigo 690.º-A do Código de Processo Civil admite a reapreciação da matéria de facto, podendo o Tribunal de recurso modificar a decisão da primeira instância sobre essa matéria.
2) No caso em apreço pede-se a reapreciação da matéria dada como não provada indicada nos pontos a) b) c), e) a l) m) e o) da douta sentença.
3) Efetivamente atenta a prova documental e todos os depoimentos ouvidos em sede de audiência de discussão e julgamento entendemos que os factos supra elencados têm de ser dados como provados.
4) Os pontos a) e b) da matéria de facto dada como não provada devem ser alterados tendo por base os seguintes elementos:
a) as declarações de parte da Recorrente E. J. (2.36 a 3.24);
b) o documento subscrito pelos Recorrentes, que constitui a proposta de adesão n.º … “Crédito Imobiliário – Seguro de Vida”;
c) documento complementar que faz parte integrante da escritura de compra e venda de mútuo com hipoteca junta com a petição inicial com documento 2, – cláusula 8 “ Os mutuários obrigam-se a contratar um seguro de vida cujas condições, constantes da respetiva apólice, serão indicadas pelo banco (…)
5) O Tribunal a quo deveria ter dado como provado (ponto c) dos factos não provados, porquanto na data da subscrição do seguro de vida no ano de 1997, o Recorrente “ estava bem de saúde “, “ (…) não sendo portador de qualquer doença ou patologia, que fosse do seu conhecimento”.
6) Resulta claramente da análise dos elementos clínicos carreados para os autos, nomeadamente dos documento n.º 6 e 7, juntos à petição inicial, que o Autor marido, aqui Recorrente, não padecia de qualquer doença na data em que subscreveu o seguro vida em 1997.
7) Acresce que, contrariamente ao vertido na douta sentença recorrida que refere que todos os “elementos que constam nos autos são posteriores a 1977”, encontra-se junto aos autos um documento emitido pelo Serviço Nacional de Saúde (anexo com o requerimento n.º º1687494) que refere que, em 26 de junho de 1996, o recorrente foi submetido a um episódio de urgência relacionado com um problema da mão;
8) Ou seja, para além de se concluir que o Recorrente na data em que subscreveu o seguro não padecia de qualquer das patologias que determinaram sua atual incapacidade,
9) Igualmente a prova documental junta aos autos contradiz a fundamentação do Tribunal a quo, o qual dá como não provado o facto c), por entender que nos autos apenas constam elementos clínicos que se reportam a data posterior ao ano de 1997 (data de subscrição do seguro).
10) Tal inexistência de patologia é, aliás, corroborada pelas declarações do próprio Recorrente (1:29 – 1:45);
11) Bem como pelo depoimento das testemunhas D. G. (5:00 – 5.16), E. J. (0:42a 0:46), M. F. (1.34 a 2:51; 03:46 – 04:54) e L. C. (1:41 a 3.40; 01:41 – 02:06; 02:44– 03:40)
12) Todavia, ainda que se admitisse que o Autor padecia de alguma doença pré-existente – o que se não aceita e só por mera hipótese académica se concebe - sempre se teria apurar se o mesmo era conhecedor dessas doenças e se omitiu deliberadamente essa informação à seguradora na data de subscrição do seguro;
13) Prova essa que impendia sobre a Ré, nos termos do disposto no artigo 342.º do Código Civil, e que não foi feita.
14) Em nosso entender esta prova não pode ser ilidida com base no relatório médico subscrito pelo Dr. A. L., junto aos autos com a contestação como documento 2, e ouvido em sede de audiência de discussão e julgamento (42:41 – 44:08), porquanto o mesmo é omisso no que concerne à data de diagnóstico e comunicação de diagnóstico a pessoa segura de cada uma das doenças (com exceção a patologia do leucoma);
15) Assim, tal relatório médico não poderá ser valorado para fazer prova das datas referentes ao início dos sintomas, até porque, tal como consta da douta sentença recorrida, SIC:“ (…) na qualidade de testemunha (reportando-se ao Dr. A. L..) este mencionou que não se baseou em quaisquer elementos clínicos para proceder ao preenchimento deste relatório”.
16) Conjugada a prova produzida em sede de audiência e julgamento resulta inequívoco que o Recorrente estava bem de saúde quando subscreveu o seguro vida, pelo que, deve ser alterada a matéria de facto, dando-se como provado que : “ o A. M. G. estava bem de saúde quando celebrou o contrato de seguro referido em 2), não sendo portador de qualquer doença ou patologia que fosse do seu conhecimento.”
17) O ponto e) a j) dos factos não provados deveriam igualmente ter sido dados provados, quer com base nos documentos 8 e 9 juntos à petição inicial, quer ainda com base na prova testemunhal ouvida em sede de audiência de discussão e julgamento, nomeadamente das testemunhas D. G. (01:29 – 02:34; 03:53 – 04:33), A. R. ( 3.22 a 4.33; 4:52); e E. J. (4:13 a 5:25; 5:39 – 5:57; 15:28 – 16:04);
18) Efetivamente, os colegas de trabalho, A. R. e L. C., afirmaram que o Recorrente sempre exerceu a sua atividade profissional como carpinteiro sem limitações ou restrições, até ao ano de 2014, ano em que foi intervencionado a coluna e anca.
19) O Ponto K) da matéria de facto não provada, deveria igualmente ter sido dado como provado, pois atenta a prova documental junta aos autos - documentos 6 a 9 juntos com o articulado da petição inicial, relatórios médicos, subscritos pelo Dr. A. F. e Dr. J. R. juntos aos autos com o Requerimento n.º 1603163 e do atestado médico de incapacidade de multiuso -, dúvidas não restam que foram os problemas de saúde do Recorrente, mais concretamente o leucoma, patologia da ancas e coluna vertebral que determinaram a incapacidade de 67% de que padece;
20) Com efeito, no dia 8 de outubro de 2015, foi emitido o Atestado Médico de Incapacidade Multiuso que fixou ao Recorrente Marido uma incapacidade de 67 %, facto dado como provado no ponto 13 da douta sentença.
21) O Tribunal a quo, no ponto 13) dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais o atestado médico multiuso;
22) Destarte, é esse o documento que deve ser considerado para efeito de definição do grau de Incapacidade do Recorrente e das patologias que a determinaram.
23) Ou seja, o Tribunal a quo ao aceitar o atestado médico de incapacidades multiusos, na sua integralidade, necessariamente deve dar como provado que foram as patologias aí descritas que determinaram a incapacidade do Recorrente e como tal alterar o ponto K) sob pena de contradição entre a matéria de facto provado e não provado.
24) Para além da incapacidade de 67 %, fixada no atestado multiuso, ter-se-á ainda que dar como provado que se trata de uma incapacidade irreversível com repercussões ao nível da atividade profissional do Recorrente.
25) O Recorrente tinha como atividade profissional carpinteiro da construção Civil, como supra já se referiu.
26) Ficou provado que o Autor/Recorrente não pode fazer esforços físicos, não pode permanecer demasiado tempo sentado ou de pé, nem deslocar-se constantemente, tem dificuldade em ver, circunstâncias que o impede de exercer uma atividade profissional, tal como explicou o perito Dr. D. P. (38:10 a 39:36), e o filho D. G. em sede de audiência de discussão e julgamento.
27) Como tal, o Recorrente Marido encontra-se totalmente impedido para exercer uma atividade profissional remunerada, compatível com os seus conhecimentos e aptidões, atentos, ainda, a sua idade, escolaridade e a zona onde vive, em virtude da incapacidade de que padece.
28) Os factos constantes dos Pontos L /M dos Factos Não Provados deveriam ter sido julgados provados, quer atento o teor do documento 11 junto com a petição inicial;
29) Quer, ainda, atento o depoimento da Dra. F., funcionária do BANCO ... (1.20 a 1:56).
30) O Ponto O) da Matéria de Facto dada como não provado deveria ter sido dado como provado, atendendo ao documento 12 junto com o articulado da Petição inicial e ao depoimento de E. J. (0.59 a 2.31), e ainda atento o teor do documento denominado extrato de combinado do Banco ... com data de 4/2019 por si exibido em sede de audiência de discussão e julgamento (1:12 a 2:31).

Em súmula resulta:

31) Ficou provado que o Recorrente marido no ano em que subscreveu o seguro vida, em 1997, não padecia de qualquer problema de saúde e como tal não prestou declarações inexatas ou inverdadeiras, pelo que tem que se considerar válido o contrato de seguro celebrado entre os Recorrentes e Ré seguradora;
32) Ficou igualmente provado que o Recorrente Marido padece de uma incapacidade irreversível fixada em 67 %, tal como consta do atestado médico multiuso, aceite e reproduzido pelo Tribunal a quo bem como se trata de uma incapacidade geral para o trabalho, pelo que, o sinistro em crise nos autos encontra-se incluído no âmbito da cobertura do seguro, e em consequência devem ser as Rés condenadas nos montantes peticionados.
33) Em face da prova produzida, a matéria dada como não provado nos pontos a) b) c), e) a m) e o) da da douta sentença, deve ser reapreciada devendo atenta a prova produzida ser alterada e ser dada como provada».

A ré X - Companhia de Seguros de Vida, SA apresentou contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso interposto e a consequente manutenção do decidido.

II. Delimitação do objecto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) -, o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões:

A) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
B) Reapreciação jurídica da causa: se os autores/apelantes têm direito a exigir dos réus o pagamento do valor remanescente em dívida ao banco, ora segundo réu, resultante das obrigações assumidas no contrato de mútuo/crédito à habitação celebrado em 26-09-1997, bem como da quantia correspondente às prestações pagas pelos autores ao segundo réu desde outubro de 2015 até a data da petição inicial, bem como as mensalidades que entretanto se venham a vencer, acrescidas dos respetivos juros de mora que se vencerem até integral pagamento; a título subsidiário, se deve a primeira ré ser condenada a restituir os prémios de seguro pagos pelos autores/apelantes desde a data de subscrição do seguro em setembro de 1997 até a julho de 2016, em montante a liquidar em execução de sentença.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos

1.1.Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na decisão recorrida:
1.1.1. Por escritura pública de compra e venda e de mútuo com hipoteca outorgada no Cartório Notarial de Montalegre, em 26 de Setembro de 1997, os Autores adquiriram o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o n.º …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … e contrataram com o Banco ..., S.A., um crédito à habitação no montante de seis milhões e quinhentos mil escudos, conforme resulta do teor do documento junto aos autos a fls. 15 e seguintes, que ora se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
1.1.2. Na sequência da proposta de adesão subscrita pelo Autor, a Ré X – Companhia de Seguros de Vida, S.A., aceitou e emitiu o contrato de seguro associado ao crédito à habitação contraído pelos Autores junto do agora denominado Banco ..., S.A., identificado pela apólice n.º ...... e pelo certificado ......, com data de início em 26.09.1997, associado ao empréstimo 210777133, com o capital seguro inicial de 32.421,86 euros e cobertura por morte ou invalidez total e permanente, nos termos e datas constantes das condições gerais e particulares do mesmo, juntos a fls. 324 verso a 328 e 411 verso a 413 dos autos, que ora se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.
1.1.3. A R. Companhia de Seguros figura, no contrato de seguro em questão, como seguradora, sendo que o R. Banco é o tomador e beneficiário do seguro e o A. é o segurado.
1.1.4. O capital seguro correspondia, em cada momento, à importância em dívida pelo Autor ao R. Banco, Tomador do Seguro, calculada de acordo com o respetivo contrato de crédito.
1.1.5. Aquando da subscrição da Proposta de Adesão o A. prestou as informações e assinou a declaração que consta do documento junto a fls. 324 dos autos, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
1.1.6. A emissão do certificado individual de seguro n.º ......, no âmbito da apólice n.º ......, teve por base as informações e as declarações prestadas pelo A. na Proposta de Adesão referida em 5), bem como critérios internos da R. Companhia de Seguros quanto à conjugação de idade e capitais de risco.
1.1.7. O contrato de seguro foi emitido pela R. companhia de seguros sem qualquer exclusão ou agravamento.
1.1.8. Antes da celebração da escritura pública referida em 1), os AA. obtiveram as informações necessárias à contratação do correspondente mútuo bancário na agência, em Chaves, do então Banco ..., S.A.
1.1.9. Todo o processo burocrático que conduziu à celebração do contrato de mútuo com hipoteca referido em 1), foi estruturado pela instituição bancária mencionada em 8), bem como a instrução de todos os documentos necessários, inclusive os impressos relativos ao contrato de seguro necessário para a concessão do empréstimo, foram preenchidos na presença dos Autores e sob a orientação e esclarecimento dos funcionários da instituição bancária, cumprindo os AA. todas as exigências que lhe foram solicitadas.
1.1.10. Em 2010, o Banco ..., S.A. sofreu uma operação de cisão, sendo em seguida incorporado no Banco Réu o património composto por ativo e passivo associado às operações de crédito à habitação a clientes do Grupo BANCO ..., contratado através dos balcões dos Bancos do grupo, excluindo os da própria sociedade cindida.
1.1.11. Em consequência de tal fusão, o crédito à habitação dos Autores passou a fazer parte da carteira de crédito do Banco Réu.
1.1.12. O prémio correspondente ao seguro contratado pelo A. com a R. companhia de seguros foi pontualmente pago.
1.1.13. No dia 8 de Outubro de 2015 foi emitido ao A. o Atestado Médico de Incapacidade Multiuso que consta a fls. 53 dos autos e cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
1.1.14. No dia 23 de Outubro de 2015 foi emitido ao A. o relatório médico que consta a fls. 328 verso e 329, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
1.1.15. O A. M. G. solicitou, junto do Banco R., em Chaves, o pagamento da importância segura por parte da Ré Companhia de Seguros.
1.1.16. O R. Banco enviou o pedido de pagamento para a R. Companhia de Seguros, tendo esta recusado o seu pagamento e procedido à anulação do contrato de seguro, mediante a remessa da missiva junta a fls. 20 verso e 21, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
1.1.17. O A. M. G. foi submetido, em 17 de Fevereiro de 2014, a uma intervenção ao nível da coluna vertebral na unidade de neurologia do Hospital de Santo António.
1.1.18. Em Novembro do mesmo ano de 2014, foi submetido a uma artroplastia total da anca esquerda no Centro Hospital de Trás-os-Montes e Alto Douro, E.P.E.
1.1.19. O capital em dívida por parte dos AA. relativamente ao mútuo bancário celebrado com o R. Banco fixava-se, em 8 de Outubro de 2015, no montante de 18.664,24 euros.
1.1.20. Os Autores pagaram mensalmente, desde Outubro de 2015 e até 12 de Abril de 2018, o crédito contraído com o Banco Réu, fixando-se a quantia em dívida, neste dia 12.04.2018, em 15.180,05 euros.
1.1.21. Em 31 de Dezembro de 2015 o Grupo a que pertence o R. Banco detinha 49% do capital da R. Companhia de Seguros.
1.1.22. No ano de 2015, o Banco ..., colocando no mercado os produtos financeiros da X Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A., fê-lo na qualidade de mediador de seguros, atividade para a qual estava protocolado pelo Instituto Português de Seguros.].
1.1.23. O A. foi submetido a perícia de avaliação do dano corporal em direito civil que lhe fixou um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 32 pontos e cujo relatório e esclarecimento juntos a fls. 388 a 391 e 407 a 408 dos autos ora se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.

1.2. O Tribunal recorrido pronunciou-se sobre a matéria de facto não provada, nos seguintes termos:

«Não se provaram os seguintes factos:
a) O seguro referido em 2) foi contratado para garantir, em caso de incapacidade permanente, o pagamento do mútuo para a aquisição de habitação melhor identificado em 1).
b) O seguro referido em 2) foi contratado pelo A. por determinação do R. Banco.
c) O A. M. G. estava bem de saúde quando celebrou o contrato de seguro referido em 2), não sendo portador de qualquer doença ou patologia que fosse do seu conhecimento.
d) O A. era detentor de patologias que concorrem para a Invalidez que apresenta na presente data, em data anterior à subscrição da Proposta de Adesão, e não o declarou.
e) Apenas em 2010 foi diagnosticado ao A. um problema ao nível da visão.
f) Apenas a partir do ano de 2013 é que o A. M. G. começou a ter dores ao nível da anca e da coluna que determinaram a necessidade de recorrer ao Centro de Saúde, tendo aí sido reencaminhado para o Hospital de Chaves.
g) Até ao ano de 2014, o A. M. G. sempre teve uma vida normal, exercendo a sua atividade profissional como carpinteiro da construção civil sem qualquer restrição ou impedimento.
h) Nunca até essa data, o A. esteve de baixa médica por motivos de saúde, ou recebeu qualquer subsídio por doença.
i) Até à data referida em 17) o A. nunca esteve internado em qualquer hospital ou foi sujeito a uma intervenção cirúrgica.
j) O A. exerceu a sua atividade profissional até ao ano de 2014.
k) Os problemas de saúde do A. que se manifestaram em 2013 vieram a determinar a sua incapacidade permanente de 67 %, declarada no atestado de incapacidade multiuso a fls. 53 dos autos, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido.
l) Em Outubro de 2015 os AA. foram informados pelos colaboradores do R. Banco, que deveriam acionar a apólice celebrada com a R. companhia de seguros, o que fizeram no mesmo mês.
m) A participação de sinistro por invalidez do A. foi rececionada em 23.10.2015, via Sucursal do BANCO ... de Chaves, através de aplicativo informático existente para o efeito.
n) Em consequência da anulação do seguro com a apólice n.º ......, por parte da R. Companhia de Seguros, os AA. viram-se obrigados a contrair um novo seguro de vida, na Companhia de seguros Y, pagando para o efeito a quantia de 127,00 €.
o) O montante mensalmente pago pelos AA. ao banco R. para liquidação do mútuo bancário referido em 1) é de 147,62 € mensais.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

2.1. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Os autores/apelantes impugnam a decisão relativa à matéria de facto incluída na sentença recorrida, sustentando que devem ser aditados determinados factos à matéria provada.

Neste domínio, observa-se que os recorrentes entendem que devem ser aditados à factualidade provada as seguintes circunstâncias que constam da sentença recorrida como integrando o elenco dos factos “não provados”:

«a) O seguro referido em 2) foi contratado para garantir, em caso de incapacidade permanente, o pagamento do mútuo para a aquisição de habitação melhor identificado em 1)»;
«b) O seguro referido em 2) foi contratado pelo A. por determinação do R. Banco»;
«c) O A. M. G. estava bem de saúde quando celebrou o contrato de seguro referido em 2), não sendo portador de qualquer doença ou patologia que fosse do seu conhecimento»;
«e) Apenas em 2010 foi diagnosticado ao A. um problema ao nível da visão»;
«f) Apenas a partir do ano de 2013 é que o A. M. G. começou a ter dores ao nível da anca e da coluna que determinaram a necessidade de recorrer ao Centro de Saúde, tendo aí sido reencaminhado para o Hospital de Chaves»;
«g) Até ao ano de 2014, o A. M. G. sempre teve uma vida normal, exercendo a sua atividade profissional como carpinteiro da construção civil sem qualquer restrição ou impedimento»;
«h) Nunca até essa data, o A. esteve de baixa médica por motivos de saúde, ou recebeu qualquer subsídio por doença»;
«i) Até à data referida em 17) o A. nunca esteve internado em qualquer hospital ou foi sujeito a uma intervenção cirúrgica»;
«j) O A. exerceu a sua atividade profissional até ao ano de 2014»;
«k) Os problemas de saúde do A. que se manifestaram em 2013 vieram a determinar a sua incapacidade permanente de 67 %, declarada no atestado de incapacidade multiuso a fls. 53 dos autos, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido»;
«l) Em Outubro de 2015 os AA. foram informados pelos colaboradores do R. Banco, que deveriam acionar a apólice celebrada com a R. companhia de seguros, o que fizeram no mesmo mês»;
«m) A participação de sinistro por invalidez do A. foi rececionada em 23.10.2015, via Sucursal do BANCO ... de Chaves, através de aplicativo informático existente para o efeito»;
«o) O montante mensalmente pago pelos AA. ao banco R. para liquidação do mútuo bancário referido em 1) é de 147,62 € mensais».

Tal como resulta da análise conjugada do preceituado nos artigos 639.º e 640.º CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo Tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.

A impugnação da decisão relativa à matéria de facto obedece a determinadas exigências, cujo incumprimento pode determinar a respetiva rejeição, pelo que deverá a questão do cumprimento dos ónus impostos ao recorrente ser apreciada em momento prévio à reapreciação da decisão proferida.

Enunciando os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o artigo 640.º CPC o seguinte:

«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º».

No caso vertente, verifica-se pela análise das alegações apresentadas pelos recorrentes que estes indicam os concretos pontos da matéria de facto que consideram incorretamente julgados, nos termos enunciados supra.
Mais se verifica que os apelantes especificam suficientemente a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos da impugnação da matéria de facto, tal como também decorre do antes enunciado.
Por último, verifica-se que os apelantes também indicaram suficientemente os concretos meios probatórios que, no seu entender, determinam uma decisão diversa da proferida, indicando os elementos que permitem minimamente a sua identificação, incluindo as concretas passagens da gravação em que baseiam a discordância no que concerne aos meios de prova gravados, referenciando as passagens da gravação dos depoimentos prestados em sede de audiência final que consideram pertinentes com transcrição de alguns excertos.
Nestes termos, considera-se suficientemente cumprido o ónus imposto pelo artigo 640.º do CPC.
Resulta do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, com a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Tal como ressalta do preceito legal antes citado, a reapreciação da decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto deve ter a mesma amplitude que o julgamento efetuado em 1.ª instância, dispondo para tal a Relação de autonomia decisória de forma a assegurar o duplo grau de jurisdição.
Previamente à reapreciação da decisão de facto proferida, no que respeita à matéria impugnada, cumpre analisar as alterações peticionadas pelos apelantes, no sentido do aditamento das circunstâncias impugnadas à matéria provada, de forma a averiguar se as mesmas integram nos poderes de cognição do tribunal em sede de decisão sobre a matéria de facto.
A este propósito, refere Abrantes Geraldes (1): «(…) sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art. 640º, quando estejam em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos à livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência.
(…) a Relação deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem».
E tal como sublinha ainda o citado Autor (2), «[e]m qualquer destes casos, a Relação, limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material, deve integrar na decisão o facto que a 1ª instância considerou não provado ou retirar dela o facto que ilegitimamente foi considerado provado (sem prejuízo da sua sustentação noutros meios de prova), alteração que nem sequer depende da iniciativa da parte.
Com efeito, nos termos do art. 663, nº 2, aplicam-se ao acórdão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais se insere o art. 607º, nº 4, norma segundo a qual o juiz deve tomar em consideração na fundamentação da sentença (…)».

Conforme resulta do disposto no artigo 607.º, n.º 4 do CPC, o tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito. Tal como salienta o Ac. do STJ de 28-09-2017 (relatora: Fernanda Isabel Pereira) (3), «[m]uito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos». Daí que a inclusão na fundamentação de facto constante da sentença de matéria de direito ou conclusiva configure uma deficiência da decisão, vício que é passível de ser conhecido, mesmo oficiosamente, pelo Tribunal da Relação, tal como decorre do artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC. Neste âmbito, deve entender-se como questão de facto «tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior», sendo que os «quesitos não devem pôr factos jurídicos; devem pôr unicamente factos materiais», entendidos estes como «as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens», enquanto por factos jurídicos devem entender-se os factos materiais vistos à luz das normas e critérios do direito (4).

Como tal, deve sancionar-se como não escrito todo o facto que se revele conclusivo, contemplando com tal expressão toda a matéria que se reconduza à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum (5).
Densificando estes critérios em termos que julgamos adequados na linha dos parâmetros legais e do entendimento jurisprudencial antes enunciado, refere o Ac. TRP de 7-12-2018 (relator Filipe Caroço) (6), «[a]caso o objeto da ação esteja, total ou parcialmente, dependente do significado real das expressões técnico-jurídicas utilizadas, há que concluir que estamos perante matéria de direito e que tais expressões não devem ser submetidas a prova e não podem integrar a decisão sobre matéria de facto. Se, pelo contrário, o objeto da ação não girar em redor da resposta exata que se dê às afirmações feitas pela parte, as expressões utilizadas, sejam elas de significado jurídico, valorativas ou conclusivas, poderão ser integradas na matéria de facto, passível de apuramento através da produção dos meios de prova e de pronúncia final do tribunal que efetua o julgamento, embora com o significado vulgar e corrente e não com o sentido técnico-jurídico que possa colher-se nos textos legais».

Analisando o elenco supra, desde logo se verifica que os elementos constantes das alíneas a) – «[o] seguro referido em 2) foi contratado para garantir, em caso de incapacidade permanente, o pagamento do mútuo para a aquisição de habitação melhor identificado em 1)», e b) - «[o] seguro referido em 2) foi contratado pelo A. por determinação do R. Banco»;» - não configuram matéria de facto, antes consistindo em conclusões eventualmente baseadas em factos que não constam da respetiva redação. Deste modo, não pode deixar de se concluir que os indicados pontos, que os apelantes pretendem sejam aditados à matéria provada, não constituem matéria de facto, antes pressupondo ou envolvendo uma apreciação ou juízo valorativo sobre outros factos, alguns dos quais se mostram elencados como factos provados constantes da sentença recorrida - como é o caso dos pontos 2 e 3 (relativamente ao que consta efetivamente dos termos das condições gerais e particulares do contrato de seguro associado ao crédito à habitação contraído pelos autores junto do 2.º réu e à qualidade em que figuram as partes no contrato de seguro em questão), 8 e 9 (estes relativos à tramitação e procedimentos que antecederam a celebração do contrato de mútuo referenciado em 1 dos factos provados) -, assim assumindo, os pontos em apreciação, a natureza de juízos conclusivos ou consistindo em matéria de direito. Acresce que a matéria vertida em b) da matéria não provada sempre se revelaria manifestamente inconsequente e irrelevante à luz do objeto da presente ação, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, sendo certo que os recorrentes também não esclarecem, na apelação, qual o valor probatório da circunstância em causa nem retiram da sua pretensão qualquer consequência jurídica em sede de recurso. Ora, tal como salienta o Ac. do STJ de 17-05-2017 (relatora: Fernanda Isabel Pereira) (7) «[o] princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo - pelo juiz, pela secretaria e pelas partes - desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo.

(…)
Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.

Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questão que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis» (8).
Deste modo, não há que determinar o aditamento das circunstâncias vertidas nas alíneas a) e b) da matéria não provada à factualidade provada, mostrando-se desnecessária a reapreciação dos meios de prova para o efeito indicados pelos recorrentes.
Neste enquadramento, revela-se também manifesto que a eventual reapreciação da matéria que consta do facto enunciado como “não provado” sob a alínea c), nunca assumiria qualquer relevância jurídica à luz das circunstâncias do caso em apreciação, uma vez que se mostra definitivamente tida como não provada a matéria que ficou enunciada na alínea d) dos “factos não provados”, a qual não foi objeto de impugnação em sede de recurso sobre a matéria de facto. Tal alínea tem a seguinte redação: «d) [o] A. era detentor de patologias que concorrem para a Invalidez que apresenta na presente data, em data anterior à subscrição da Proposta de Adesão, e não o declarou». Estamos perante matéria que consubstancia o núcleo essencial e estruturante da exceção perentória que foi alegada pela 1.ª ré seguradora em sede de contestação no âmbito dos presentes autos, traduzida na exclusão dos riscos cobertos, decorrente da anulabilidade/nulidade do contrato de seguro de vida por alegadas omissões ou declarações inexatas/reticentes referentes ao estado de saúde do autor aquando da declaração inicial do risco prestada, com influência na aceitação ou nas condições do contrato já que se traduzem na existência de patologias pré-existentes ao contrato e que concorrem para a invalidez, relevando assim para a correta avaliação do risco assumido. Tratando-se de matéria de exceção, que se baseava em circunstâncias que foram consideradas como não provadas, a sentença veio a decidir que o contrato se mantém válido e eficaz, considerando que era à ré que cabia fazer prova dos factos que determinariam a invalidade do contrato, nos termos que resultam do disposto no artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil (CC), e enunciando para o efeito jurisprudência que julgamos representativa. Como se viu, apenas os autores vieram recorrer da sentença, sendo certo que a impugnação da decisão da matéria de facto não abrange, como é natural, a descrita alínea d), tida como não provada, o mesmo sucedendo relativamente ao enquadramento efetuado ao nível do direito quanto à matéria da exceção invocada. Deste modo, atendendo ao objeto da presente ação, afigura-se-nos manifesto que a amplitude do ponto enunciado sob a alínea c), tido como não provado, apenas relevava para a solução do pleito no âmbito circunscrito à referida exceção, enquanto contra versão apresentada a propósito pelos autores/recorrentes, tal como, aliás, decorre dos articulados oportunamente apresentados pelas partes no âmbito da ação em referência. Deste modo, mesmo entendendo que as circunstâncias vertidas em c) dos “factos não provados” possam constituir expressões genéricas mas ainda assim compreensíveis no contexto da restante matéria de facto, certo é, porém, que, no enquadramento antes enunciado, a eventual demonstração de tal facto, seria absolutamente inócua.
Sendo assim, resta concluir que também a eventual discussão sobre a matéria enunciada em c), dos “factos não provados”, nunca assumiria qualquer relevância jurídica à luz das circunstâncias específicas do caso em apreciação, atendendo aos factos tidos como provados e atendendo ao objeto da presente apelação.
Nesta conformidade, não há que proceder à pretendida reapreciação da prova produzida, no que respeita ao facto enunciado em c), dos “factos não provados que os recorrentes pretendem seja aditado à matéria provada.
Deste modo, decide-se também rejeitar, nessa parte, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, assim improcedendo as correspondentes conclusões dos apelantes.
Quanto à impugnação atinente aos factos enunciados nas alíneas e), f), g), h), i, j) e k), tidas como “não provadas”, no sentido de ser dada como provada tal matéria, entendemos que a mesma surge interligada entre si, correspondendo, no essencial, a matéria de facto que poderá relevar no âmbito de um dos núcleos essenciais da controvérsia probatória relativa à causa de pedir da presente ação e sobre a qual incidirá a ulterior subsunção jurídica, tendente a aferir se estão preenchidos os pressupostos de inclusão da situação em apreciação na garantia da cobertura por «invalidez total e permanente», nos termos que constam das condições gerais e particulares do contrato de seguro associado ao crédito à habitação contraído pelos autores, ora apelantes, junto do agora denominado Banco ..., S.A., - identificado pela apólice n.º ...... e pelo certificado ......, com data de início em 26-09-1997, associado ao empréstimo 210777133, com o capital seguro inicial de €32.421,86, nos termos e com o teor que constam dos documentos juntos a fls. 324 verso a 328 e 411 verso a 413 dos autos (ponto 2 dos “Factos provados”).
Começando pelo concreto circunstancialismo fáctico impugnado atinente à alínea k) dos “factos não provados” - «[o]s problemas de saúde do A. que se manifestaram em 2013 vieram a determinar a sua incapacidade permanente de 67 %, declarada no atestado de incapacidade multiuso a fls. 53 dos autos, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido» - extrai-se das alegações dos apelantes, por referência às respetivas conclusões, que a discordância dos recorrentes quanto a tal matéria assenta no pressuposto de que se deve ter por assente nos autos que o recorrente padece da incapacidade de 67% fixada no atestado médico multiuso que o Tribunal a quo dá por reproduzido no ponto 13 dos “Factos provados”, pretendendo ainda que se dê como provado a natureza irreversível de tal incapacidade e as concretas repercussões ao nível da atividade profissional do recorrente. Assim, para além de enunciarem os concretos meios probatórios (9) que consideram levar à conclusão de que foram os problemas de saúde do recorrente, mais concretamente o leucoma, patologia da ancas e coluna vertebral, que determinaram tal incapacidade, defendem ainda que tendo o Tribunal a quo aceitado o atestado médico de incapacidade multiuso na sua integralidade, devia necessariamente dar como provado que foram as referidas patologias que determinaram a incapacidade do recorrente e alterar o ponto k) sob pena de contradição entre a matéria de facto provada (ponto 13 dos “Factos provados”) e não provada (cfr. conclusão 23.ª das conclusões). Em súmula, sustentam os recorrentes ter ficado provado que o recorrente marido padece de uma incapacidade irreversível fixada em 67 %, tal como consta do atestado médico multiuso, aceite e reproduzido pelo Tribunal a quo bem como se trata de uma incapacidade geral para o trabalho (cfr. conclusão 32.ª das alegações).

Analisando a decisão recorrida, verifica-se que o concreto ponto da matéria de facto provada que os recorrentes consideram impor que se dê como assente padecer o recorrente marido de uma incapacidade irreversível fixada em 67%, tem a seguinte redação:

«13. No dia 8 de Outubro de 2015 foi emitido ao A. o Atestado Médico de Incapacidade Multiuso que consta a fls. 53 dos autos e cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais».

Ora, da leitura do referido ponto da matéria de facto não resulta desde logo evidente a constatação de que o Tribunal a quo tenha considerado provada a concreta matéria de facto pretendida como assente pelos recorrentes - concretamente, que o recorrente marido padece de uma incapacidade irreversível fixada em 67%. Com efeito, se é certo que aquele tribunal parece remeter, no segundo segmento do ponto em apreciação, para o conteúdo do documento com a epígrafe atestado médico de incapacidade multiuso, que consta a fls. 53 dos autos, não resulta de tal remissão que se deva dar como demonstrada a referida factualidade. Preliminarmente, cumpre salientar que os documentos não são factos, mas meros meios de prova de factos alegados e controvertidos (10). Como tal, o único facto que indiscutivelmente se poderá entender como tendo sido considerado provado pelo Tribunal a quo é o que consta expressamente consignado no aludido ponto 13.º da matéria de facto provada, ou seja, que «[n]o dia 8 de Outubro de 2015 foi emitido ao autor o atestado médico de incapacidade multiuso que consta a fls. 53 dos autos». É certo que a técnica de remeter, ainda que parcialmente, para o teor de documentos, sem enunciar os concretos pontos de facto que dele se inferem em termos de factualidade relevante que deve entender-se como assente para a decisão da causa, nem sempre gera, só por si, uma insuficiência factual insanável. Assim, tal como salienta a propósito o Ac. TRG de 7-02-2013, antes citado: « (…) II - [p]orém, uma coisa é limitar-se o julgador por dar como reproduzidos documentos ou o seu conteúdo e, outra bem diferente, é dizer o Juiz quais os concretos factos que se mostram provados , v.g. a existência de um acordo entre A e B, e no âmbito do qual o primeiro forneceu ao segundo mercadorias, limitando-se tão só o julgador por remeter para o teor de documentos a exacta descrição das características, quantidades e preços das mercadorias fornecidas. III – [v]erificando-se a situação indicada em II, e sendo ela compreensível em face da existência de uma grande - mais de uma centena - profusão de documentos, não existe qualquer insuficiência factual que imponha ao Tribunal ad quem lançar mão do remédio a que alude o nº 4, do artº 712º, do CPC». Contudo, no caso em apreciação entendemos ser indiscutível que a técnica utilizada pelo Tribunal quo ao remeter, ainda que em parte, no ponto 13.º dos factos provados, para o teor do atestado médico de incapacidade multiuso que consta a fls. 53 dos autos conduz a um obstáculo processual inultrapassável à luz dos meios de prova que constam dos autos e dos que foram produzidos no processo, revelando indiscutivelmente, como veremos mais adiante, uma insuficiência factual sobre factos essenciais necessários à decisão da causa.

Tal como salienta Abrantes Geraldes (11), as decisões da matéria de facto podem revelar-se «total ou parcialmente deficientes, obscuras ou contraditórias, resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, da sua natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa ou reveladora de incongruências, de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso.

Verificado algum dos referidos vícios, para além de serem sujeitos a apreciação oficiosa da relação, esta poderá supri-los, desde que constem do processo (ou da gravação) os elementos em que o tribunal a quo se fundou (…). Em concreto, a superação da contradição pode derivar da prevalência que deva ser dada, por exemplo, a certo elemento constante do processo ditado de força probatória plena (…) ou por via da conjugação com outros segmentos da decisão ou com a matéria de facto que já deveria considerar-se provada. Pode ainda decorrer da reponderação dos meios de prova que se encontrem disponíveis e nos quais o tribunal a quo se tenha baseado». Continuando a seguir de perto os ensinamentos do mesmo Autor, «[p]ode ainda revelar-se uma situação que exija a ampliação da matéria de facto por ter sido omitidos dos temas da prova factos alegados pelas partes que se revelam essenciais para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo. Trata-se de uma faculdade que nem sequer está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que a relação se confronte com uma objectiva omissão de factos relevantes», devendo, nesse caso, a Relação, se estiverem acessíveis todos os elementos probatórios relevantes, proceder à apreciação e introdução na decisão da matéria de facto das modificações que forem consideradas oportunas (12)». Neste âmbito, deve entender-se que a resposta deficiente abrange a omissão de decisão sobre algum facto essencial, a «falta absoluta de decisão», a «decisão incompleta, insuficiente ou ilegal» (13). Por outro lado, «as respostas são contraditórias quando têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando não podem subsistir ambas utilmente» (14).

Como vimos, o facto essencial que se mostra controvertido nos autos, e que é objeto da presente impugnação, não consta expressamente do aludido ponto 13 dos “factos provados” nem se revela suficientemente consubstanciado à luz da análise do documento para o Tribunal a quo remete naquele ponto da matéria de facto, contrariamente ao que defendem os recorrentes. Apesar disso, verificamos que a sentença recorrida veio a valorar (ainda que em sede de fundamentação de direito), o teor do próprio atestado multiuso, datado de 8-10-2015 (em detrimento da perícia médico-legal determinada e realizada para o efeito no âmbito do presente processo, pelas razões que enunciou no aludido segmento da decisão), mas concluindo ser antes de atender ao valor que resulta da soma de todas as desvalorizações que constam do documento de fls. 53 dos autos (0,6656) e não o valor de 67% que surge expressamente atestado no mesmo documento. Em consequência, veio a considerar improcedente a ação por entender que a «desvalorização que resulta do atestado médico de incapacidade multiuso apresentado pelo Autor não preenche o requisito essencial ao reconhecimento da sua invalidez, uma vez que não é superior a 66,6%. E assim seria mesmo que, por hipótese, se pudesse ponderar um eventual arredondamento da incapacidade de 66,56% para 66,6%, conquanto aquela condição exige uma desvalorização superior a 66,6% e não igual ou superior a 66,6%.

Nesta conformidade, o evento descrito nos autos não integra o âmbito da cobertura do contrato de seguro celebrado pelo A., na qualidade de segurado, com a R. Companhia de Seguros, pelo que não lhe confere o direito a receber desta o capital peticionado».

Já os recorrentes, como se viu, pretendem prevalecer-se do valor de 67% que também surge enunciado no chamado atestado médico de incapacidade multiuso (que consta a fls. 53 dos autos).

Torna-se, assim, evidente, que a aferição do concreto circunstancialismo fáctico impugnado atinente à alínea k) dos “factos não provados”, ainda que por confronto com os pontos 13 e 23 da matéria de facto provada, não pode resultar credivelmente consubstanciado no teor do documento que consta a fls. 53 dos autos, porquanto se verifica desde logo que se trata de um documento reportado a 2015 e com finalidades específicas, as quais não se compadecem com as do presente processo judicial, não se revelando idóneo para a prova direta, em sede judicial, da concreta incapacidade de que padece o autor. Acresce que, como se viu, o conteúdo de tal documento é no caso passível de diversas interpretações, as quais não podem ser suficientemente dilucidadas mediante a mera ponderação dos termos inscritos no mesmo, tanto mais que o seu conteúdo não se mostra conciliável com o resultado acolhido no relatório pericial reproduzido nos autos, o qual se encontra junto aos autos a fls. 388-391, com os esclarecimentos reproduzidos a fls. 407-408. Aliás, o resultado de tal perícia mostra-se igualmente referenciado na matéria de facto provada - ainda que no referenciado ponto 23 -, nos seguintes termos: «[o] A. foi submetido a perícia de avaliação do dano corporal em direito civil que lhe fixou um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 32 pontos e cujo relatório e esclarecimento juntos a fls. 388 a 391 e 407 a 408 dos autos ora se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais». No caso, estamos indiscutivelmente perante questão que assume natureza eminentemente técnica, exigindo conhecimentos especiais para o efeito. Por isso, importa atender à especial relevância que necessariamente assumirá o resultado da perícia médico-legal ao autor. Tal perícia foi determinada pelo Tribunal a quo e realizada pela entidade competente para o efeito, no caso, o INML, visando precisamente o apuramento da questão central agora em referência e tendo por base o objeto definido pelo tribunal após indicação feita pelas partes. Com efeito, conforme dispõe o artigo 388.º do CC, a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, designadamente quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, podendo ser requerida por qualquer das partes ou oficiosamente ordenada pelo juiz, conforme se extrai do n.º 1 do artigo 467.º do CPC. Neste domínio, importa seguir de perto a fundamentação contida no Ac. TRE de 23-03-2017 (relator: Manuel Bargado) (15), do qual se destacam as seguintes conclusões: «I - Sendo o específico objeto da prova pericial a perceção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina, haverá de reconhecer-se à prova pericial um significado probatório diferente do de outros meios de prova, maxime da prova testemunhal. II - Se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz, já o juízo científico que encerra o parecer pericial, só deve ser suscetível de uma crítica material e igualmente científica. III - Assim, sempre que entenda afastar-se do juízo científico, o tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva. IV - O estatuto de referência do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P. (INMLCF, I.P) exige uma série de procedimentos atinentes a aferir a qualidade da instituição, pelo que se no final desse processo de avaliação, o legislador chegou à conclusão que o INMLCF, I.P. é uma entidade de referência, só pode ser por que se concluiu que técnica e cientificamente é credível, que as suas perícias serão seguras e confiáveis». Com efeito, tratando-se de perícia destinada a exprimir um juízo técnico, científico ou artístico, tal juízo, pela sua própria natureza, só poderá ser infirmado ou rebatido com argumentos de igual natureza, ou seja, de ordem técnica, científica ou artística; e com sujeição aos mesmos métodos (16).

Tanto basta para considerar que as conclusões vertidas no relatório da perícia efetuada nos autos, e enunciadas no ponto 23 dos “Factos provados” não podiam ser descartadas sem uma justificação decorrente de um meio de prova de idêntica natureza, ainda que tal pudesse implicar a realização de segunda perícia destinada ao completo apuramento da verdade, de acordo com os critérios necessários à correção dos resultados da primeira, atenta a necessária ponderação da especial força probatória da prova pericial e uma vez que os autos revelam que relativamente à matéria essencial sobre que incidiu a perícia não foi produzida qualquer outra prova relevante que possa substituir aquele meio de prova. Note-se, aliás, que os autores, ora recorrentes, chegaram a requerer a realização de nova perícia que tivesse por base na sua elaboração a tabela I do DL n.º 352/2007, de 23-10, caso não fosse possível “estabelecer a correspondência entre IPP e o Défice Permanente da Integridade Física-Psíquica”, requerimento que não chegou a ser concretamente apreciado (17). Contudo, verifica-se que o Tribunal a quo veio efetivamente a desconsiderar o resultado da perícia (18) e a atender exclusivamente ao que já constava do teor do documento denominado de “atestado multiuso” que constitui o documento 10 da petição inicial (para o qual remete no ponto 13 dos “Factos provados” sem fazer qualquer alusão ao valor ou valores que constam de tal documento), porquanto se viu impossibilitado de estabelecer uma relação direta entre as referências e os critérios que constam da condição constante do contrato (a qual, de acordo com o juízo enunciado pelo Tribunal a quo tem por referência uma percentagem de desvalorização a apreciar nos termos da Tabela Nacional de Incapacidades que consta do anexo I do DL n.º 352/2007, de 23 de outubro) e os que foram utilizados no relatório da perícia de avaliação do dano corporal realizada nos presentes autos pelo INMLCF, I.P. - Gabinete Médico-Legal e Forense do Douro (a qual, segundo o teor do próprio relatório, teve por referência o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, aferido de acordo com a Tabela indicativa para a Avaliação da Incapacidade em Direito Civil, que consta do anexo II do DL n.º 352/2007, de 23-10).

Aceita-se, por evidente, a impossibilidade de estabelecer a correspondência entre as referências que constam da condição/cláusula 3.ª constante das condições especiais do contrato de seguro outorgado a 26-09-1997 (a qual prevê que «[o] reconhecimento da Invalidez Total e Permanente é feito com base na Tabela Nacional de Incapacidades, e garantem-se as desvalorizações superiores a 66,6%, que nesse caso serão consideradas como sendo iguais a 100%») e as que decorrem do relatório da perícia de avaliação do dano corporal realizada nos presentes autos pelo INMLCF, I.P. - Gabinete Médico-Legal e Forense do Douro (a qual teve por referência o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica aferido de acordo com a Tabela indicativa para a Avaliação da Incapacidade em Direito Civil, que consta do anexo II do DL n.º 352/2007, de 2-10), por apresentarem critérios distintos. Isso mesmo resulta dos esclarecimentos que foram prestados pelo perito médico subscritor do referido relatório pericial, quando instado expressamente para elucidar se é possível estabelecer a correspondência entre o grau de Incapacidade Permanente Global estabelecido no atestado multiuso e o défice permanente da integridade físico-psíquica determinado na referida perícia médico-legal, referindo o seguinte: «[o] Défice Permanente da Integridade Físico-Psíquica é calculado de acordo com parâmetros diferentes dos utilizados para Atestado multiuso para efeitos fiscais pelo que não é possível estabelecer correspondência entre os mesmos» (cfr. esclarecimentos ao relatório da perícia médico legal juntos a fls. 407-408 dos autos).

Constata-se efetivamente que a dita cláusula inserta na condição 3.ª das condições especiais, com a epígrafe «Definição de Invalidez Total e Permanente», não deixa margem para dúvidas sobre os critérios que devem servir de base à aferição da desvalorização sofrida pelo segurado em resultado de “sinistro”, ali expressamente prevista como reportada à “Tabela Nacional de Incapacidades”. Assim, o contrato de seguro em causa nos autos foi outorgado a 26-09-1997, data em que era utilizada a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo Dec. Lei n.º 341/93, de 30-09. Esta tabela veio a ser substituída com a publicação de duas tabelas de avaliação de incapacidades, aprovadas em anexo ao Dec. Lei n.º 352/2007, de 23-10 - diploma que revogou o Dec. Lei n.º 341/93, de 30-09 (cfr. o artigo 5.º do Dec. Lei n.º 352/2007, de 23-10) - sendo uma com a denominação «Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais» e outra a designada «Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil», estabelecendo-se na primeira «graus de incapacidade em percentagens que traduzem “a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção…” (n.º 3 do Anexo I) e, na segunda, (…). Não fixou percentagens, mas antes “pontos” para cuja fixação, dentro dos parâmetros relativos a cada sequela, o perito deve “ter em conta a sua intensidade e gravidade, do ponto de vista físico e bio-funcional, bem como o sexo e idade, sempre que estas duas variáveis não estiverem contempladas em eventual tabela indemnizatória” (n.º1 do Anexo II)» (19).

No caso vertente, e ainda de acordo com a aludida cláusula inserta na condição 3.ª das condições especiais do contrato em causa nos presentes autos, «garantem-se as desvalorizações superiores a 66,6%, que nesse caso serão consideradas como sendo iguais a 100%». Daí que na decisão recorrida se tenha entendido - e bem - o seguinte: «uma vez que a condição constante do contrato tem por referência uma percentagem, a desvalorização tem que ser apreciada nos termos do anexo 1 e não do anexo 2 da Tabela Nacional de Incapacidades (DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro). Por outro lado, não é possível estabelecer uma relação directa entre estas duas tabelas, que apresentam critérios próprios e distintos».

Deste modo, a aferição da eventual desvalorização sofrida pelo segurado, ora recorrente, em resultado dos problemas de saúde em discussão nos presentes autos, deve ser efetuada com base na desvalorização que deles decorra, calculada de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades constante do anexo I ao Dec. Lei n.º 352/2007, de 23-10, e que dele faz parte integrante, por ser a única compatível com os critérios enunciados nas cláusulas das condições da apólice do seguro em referência, sendo estas que condicionam a verificação do risco de que depende a obrigação da seguradora: a existência de uma “Invalidez Total e Permanente” entendida como a incapacidade que afeta a pessoa segura impedindo-a total e definitivamente do exercício de uma atividade remunerada, exigindo-se, para que assim se considere, o reconhecimento da invalidez total e permanente feito com base na Tabela Nacional de Incapacidades, e garantindo-se as desvalorizações superiores a 66,6%, que nesse caso serão consideradas como sendo iguais a 100%. Com efeito, revela-se evidente que o juízo valorativo a efetuar no âmbito da presente ação tem de operar em função das concretas cláusulas que estabelecem os requisitos da cobertura de invalidez total e permanente contratada, o que implica que as diligências tendentes ao apuramento da incapacidade permanente alegada, e respetivo grau, devam ter por base os referidos critérios.

Porém, já não podemos concordar com a solução adotada na sentença recorrida quando, depois de excluir como referência o critério adotado na perícia determinada nos autos (o relatório pericial de fls. 388 e seguintes), atendendo ao esclarecimento prestado pelo perito a fls. 408, entendeu que lhe restava ter por base o documento junto aos autos pelo autora com a petição inicial (documento n.º 10 da petição inicial, a fls. 53), aliás concretamente impugnado em sede de contestação, que é o chamado Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, o qual, como se viu, se reporta a 2015 e com finalidades específicas, as quais não se compadecem com as do presente processo judicial, não possuindo relevância probatória suficiente para permitir a efetiva demonstração do núcleo essencial dos factos concretamente abrangidos pela perícia médico-legal realizada nos autos, a qual foi determinada justamente para permitir apurar tal matéria factual claramente controvertida entre as partes, tal como aliás resulta da enunciação dos «Temas da Prova» constante dos autos. Na verdade, a 1.ª ré impugnou parte da factualidade alegada na petição inicial, afirmando desconhecer, em concreto, as específicas circunstâncias de saúde do autor à data da presente ação, motivo pelo qual requereu a realização de uma perícia médico-legal para esse efeito, o que foi determinado.

Deste modo, atendendo às deficiências detetadas e à manifesta insuficiência da matéria de facto dada como provada, desconhecendo-se o grau de incapacidade que, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades constante do anexo I ao Dec. Lei n.º 352/2007, de 23-10, e que dele faz parte integrante, poderá padecer o autor, ora recorrente, como resultado dos problemas de saúde em discussão nos presentes autos, tendo em conta a essencialidade da perícia determinada nos autos e ponderando os critérios que foram utilizados na perícia de avaliação do dano corporal realizada pelo INMLCF, I.P. - Gabinete Médico-Legal e Forense do Douro (a qual teve por referência o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica aferido de acordo com a Tabela indicativa para a Avaliação da Incapacidade em Direito Civil, que consta do anexo II do DL n.º 352/2007, de 23-10), julgamos que se revela manifesta e evidente a necessidade de ampliação da decisão de facto, tendo em vista o completo apuramento do estado de saúde do autor, concretamente o grau de incapacidade permanente de que se mostra afetado o recorrente como resultado dos problemas de saúde em discussão nos presentes autos, a aferir pela Tabela Nacional de Incapacidades constante do anexo I ao Dec. Lei n.º 352/2007, de 23-10.

Tal como refere o Ac. do STJ de 29-06-2017 (relator: Nunes Ribeiro) (20), a propósito de situação em tudo idêntica à dos presentes autos «[n]ão coincidindo os coeficientes de desvalorização previsto na Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, pelo menos no que às lesões em causa nos autos concerne, com as percentagens de desvalorização previstas na Tabela anexa à apólice de seguro, impõe-se (…), que o processo baixe ao tribunal recorrido para ampliação da decisão de facto, tendo em vista o apuramento do grau de incapacidade permanente de que se mostra afectado o autor aferido pela aludida Tabela anexa à apólice de seguro».

Nesta medida, também o caso presente impunha se ordenasse oficiosamente a realização de segunda perícia destinada ao completo apuramento da verdade, face à situação de dúvida sobre o estado de saúde do autor - concretamente quanto ao grau de incapacidade permanente de que se mostra afetado o recorrente como resultado dos problemas de saúde em discussão nos presentes autos, a aferir de acordo com a tabela concretamente aplicável em função das concretas cláusulas que estabelecem os requisitos da cobertura de invalidez total e permanente contratada, o caso, a Tabela Nacional de Incapacidades constante do anexo I ao Dec. Lei n.º 352/2007, de 23-10 -, e à circunstância de estar em causa um facto cuja perceção ou apreciação exige conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, sendo certo, como se viu, que se trata de um elemento factual essencial para a apreciação do objeto do litígio.

Assim sendo, mostra-se prematura a decisão que, sem lograr esclarecer a dúvida relevante através da realização do meio de prova adequado à perceção ou apreciação do facto em causa, decide com base no documento junto aos autos pelo autora com a petição inicial (documento n.º 10 da petição inicial, a fls. 53), aliás concretamente impugnado em sede de contestação, que é o chamado atestado médico de incapacidade multiuso, o qual, como se viu, se reporta a 2015 e com finalidades específicas, as quais não se compadecem com as do presente processo judicial, não possuindo relevância probatória suficiente para permitir a efetiva demonstração do núcleo essencial dos factos concretamente abrangidos pela perícia médico-legal realizada nos autos.

Regulando os poderes da Relação em matéria de modificabilidade da decisão de facto, dispõe a alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC que este Tribunal deve, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida pela 1.ª instância, designadamente «quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta».

No caso vertente, não constam do processo elementos que permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, sendo certo que se mostra deficiente a decisão sobre os pontos 13 e 23 da matéria de facto provada e k) da factualidade não provada, o que impõe, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, a anulação da decisão proferida pela 1.ª instância, de forma a permitir a ampliação da matéria de facto relevante para a decisão da causa e a realização de segunda perícia destinada ao completo esclarecimento do estado de saúde do autor, concretamente o apuramento do grau de incapacidade permanente de que se mostra afetado o recorrente como resultado dos problemas de saúde em discussão nos presentes autos.

Para o efeito, deverá ser determinada a repetição do julgamento com vista à realização das diligências probatórias adequadas, nomeadamente com a prévia realização de segunda perícia, nos termos previstos no artigo 487.º, n.º 2 do CPC, destinada ao completo apuramento da verdade de acordo com os critérios necessários à correção dos resultados da primeira perícia, o que passa pelo apuramento do grau de incapacidade permanente de que se mostra afetado o recorrente como resultado dos problemas de saúde em discussão nos presentes autos, a aferir de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades constante do anexo I ao Dec. Lei n.º 352/2007, de 23-10.

Repetição que não abrangerá a matéria de facto que não se mostre relevante para o efeito, devendo, em conformidade, ser circunscrito o objeto da referida perícia, mas sem prejuízo das alterações que se venham a revelar necessárias para evitar contradições na decisão a proferir em face dos novos factos que vierem a ser apurados.

Em face do assim decidido, prejudicado fica o conhecimento, neste momento, das demais questões suscitadas pelos recorrentes na apelação.


Síntese conclusiva:

I - Impugnada a decisão sobre a matéria de facto e preconizando os apelantes o aditamento de determinados factos à matéria provada, previamente à reapreciação da prova produzida cumpre aferir se tais factos cabem nos poderes de cognição do Tribunal.
II - Conforme resulta do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, o Tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito.
III - Se a modificação da decisão de facto peticionada pela apelante importa o aditamento à matéria provada de juízos valorativos ou conclusivos que encerram parte essencial da controvérsia que constitui o objeto do litígio a apreciar e decidir na ação, deve tal matéria ser eliminada do elenco dos factos relevantes para a decisão da causa ficando prejudicada a apreciação da impugnação da matéria de facto quanto a tais pontos.
IV - A aferição da eventual desvalorização sofrida pelo segurado em resultado dos problemas de saúde em discussão nos autos deve ser efetuada com base na desvalorização que deles decorra, calculada de acordo com os critérios enunciados nas cláusulas das condições da apólice do contrato de seguro de grupo (ramo vida), com cobertura complementar do risco de invalidez total e permanente, associado ao contrato de mútuo para aquisição de um imóvel, porquanto são estas que condicionam a verificação do risco de que depende a obrigação da seguradora.
V - Prevendo as cláusulas das condições da apólice do contrato de seguro a existência de uma “invalidez total e permanente” entendida como a incapacidade que afeta a pessoa segura impedindo-a total e definitivamente do exercício de uma atividade remunerada, exigindo-se, para que assim se considere, o reconhecimento da invalidez total e permanente feito com base na Tabela Nacional de Incapacidades, e garantindo-se as desvalorizações superiores a 66,6%, que nesse caso serão consideradas como sendo iguais a 100%, deve atender-se à Tabela Nacional de Incapacidades constante do anexo I ao Dec. Lei n.º 352/2007, de 23-10, e que dele faz parte integrante, por ser a única compatível com os critérios que relevam para o efeito.
VI - Daí que, na impossibilidade de estabelecer a correspondência entre as referências que constam da condição 3.ª das condições especiais do contrato de seguro em referência e as que decorrem do relatório da perícia de avaliação do dano corporal realizada nos autos pelo INMLCF, I.P. (a qual teve por referência o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica aferido de acordo com a Tabela indicativa para a Avaliação da Incapacidade em Direito Civil, que consta do anexo II do DL n.º 352/2007, de 23-10), por apresentarem critérios distintos, impõe-se a ampliação da decisão de facto e a realização de segunda perícia destinada ao apuramento do grau de incapacidade permanente de que se mostra afetado o recorrente como resultado dos problemas de saúde em discussão nos presentes autos, a aferir de acordo com a tabela concretamente aplicável.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em anular a decisão recorrida, em consequência do que:

a) se determina a reabertura da audiência final para produção de prova com vista à ampliação da matéria de facto nos termos indicados, devendo ser realizada perícia destinada ao completo esclarecimento da verdade, de acordo com os critérios necessários à correção dos resultados da primeira perícia, tendo em vista o apuramento do grau de incapacidade permanente de que se mostra afetado o recorrente como resultado dos problemas de saúde em discussão nos presentes autos, a aferir de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades constante do anexo I ao Dec. Lei n.º 352/2007, de 23-10, podendo vir a incidir sobre outros factos com o objetivo de evitar contradições, com a subsequente prolação de sentença;
b) se considera prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas na presente apelação.
Custas da apelação pela parte vencida a final.
Guimarães, 30 de abril de 2020
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (relator)
Espinheira Baltar (1.º adjunto)
Luísa Duarte Ramos (2.º adjunto)



1. Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 224-225.
2. Cfr. Abrantes Geraldes, Ob. cit., p. 226.
3. P. n.º 809/10.7TBLMG.C1.S1 – 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
4. Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. III, 4.ª edição (Reimpressão), Coimbra, 1985 - Coimbra Editora, pgs. 206 e 209.
5. Cfr. o Ac. do STJ de 23-09-2009 (relator: Bravo Serra), p. 238/06.7TTBGR.S1 - 4.ª Secção, acessível em www.dgsi.pt.
6. P. 338/17.8YRPRT, acessível em www.dgsi.pt.
7. Proferido na revista n.º 4111/13.4TBBRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
8. Em sentido idêntico, cfr., entre outros, os Acs. TRG de 2-05-2019 (relatora: Maria Amália Santos), p. 3128/15.9T8GMR.G1; TRL de 30-04-2019 (relator: José Capacete), p. 30502/16.0T8LSB.L1-7; TRG de 11-07-2017 (relatora: Maria João Matos), p. 5527/16.0T8GMR.G1; TRG de 10-09-2015 (relatora: Manuela Fialho), p. 639/13.4TTBRG.G1; TRC de 24-04-2012 (relator António Beça Pereira), p. 219/10.6T2VGS.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
9. Remetendo para a prova documental junta aos autos - documentos 6 a 9 juntos com o articulado de petição inicial, relatórios médicos, subscritos pelo Dr. A. F. e Dr. J. R. juntos aos autos com o Requerimento n.º 1603163 e do atestado médico de incapacidade de multiuso (conclusão 19.ª das alegações).
10. Neste sentido, cfr., por todos, o Ac. TRG de 7-02-2013 (relator António Santos), p. 132585/10.1YIPRT.G1, disponível em www.dgsi.pt.
11. Cfr. Abrantes Geraldes, Ob. cit. pgs. 239-240.
12. Cfr. Abrantes Geraldes, Ob. cit. pgs. 240-241.
13. Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. IV (Reimpressão), Coimbra, 1987 - Coimbra Editora, pg. 553.
14. Ac. do STJ de 4-02-97 proferido no processo n.º 458/96 - 1.ª Secção - citado por António Santos Abrantes Geraldes, Ob. cit. p. 239, nota 311
15. P. 65/14.8TBCVD.E1, disponível em www.dgsi.pt.
16. Cfr. o Ac. TRG de 4-10-2018 (relator: Pedro Damião e Cunha), P. 4142/15.0T8GMR.G1, disponível em www.dgsi.pt.
17. Cfr. o teor do ponto II do requerimento apresentado a 29-10-2018 (ref.ª citius 1777068).
18. Ainda que apenas em sede de fundamentação de direito, já que o resultado da perícia médico-legal foi, como se viu, considerado pelo Tribunal a quo no âmbito do ponto 23 da matéria de facto provada.
19. Cfr. o Ac. do STJ de 18-12-2013(relator: João Bernardo), proferido no processo n.º 150/10.5TVPRT.P1.S1 - 2.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt.
20. Proferido no processo n.º 843/12.2TBVNG.P2.S1 - 7.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt.