Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1304/15.3T8VRL.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: ACÇÃO LABORAL
INSOLVÊNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Não consubstancia nem causa de prejudicialidade, nem motivo justificativo para a suspensão da instância de uma acção laboral declarativa condenatória a pendência de uma acção de declaração de insolvência não decidida instaurada contra o empregador/devedor.

II – Só com trânsito em julgado da decisão que declare a insolvência da Ré, pode ocorrer a inutilidade superveniente da acção declarativa em que é pedida a condenação no pagamento de quantia certa, já que apenas nesta altura se verificam os pressupostos de aplicação do Acórdão Uniformizador de jurisprudência n.º 1/2014, do STJ.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

APELANTE: J. P.

APELADO: TRANSPORTES UNIPESSOAL, LDA
Comarca de Braga, Instância Central V.N. Famalicão, 4ª Secção do Trabalho, J1.

I - RELATÓRIO

J. P., residente na Travessa dos …, Medrões, com o patrocínio oficioso do Ministério Público intentou a presente acção declarativa, emergente de contrato individual de trabalho contra TRANSPORTES UNIPESSOAL, LDA., com sede no …, Gafanha da Nazaré pedindo que se declare licita, com justa causa, a resolução do contrato de trabalho por si promovida e se condene a Ré pagar-lhe a quantia global de 22.047,68 Euros (vinte e dois mil e quarenta e sete euros e sessenta e oito cêntimos), acrescida dos respetivos juros vencidos e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento.
Realizada a audiência de partes e não tendo sido possível obter a conciliação, a Ré foi notificada para apresentar contestação, o que fez dentro do prazo legal, tendo também deduzido pedido reconvencional.
Seguidamente o Autor apresentou resposta à contestação/reconvenção e posteriormente o Tribunal ao ter conhecimento da pendência dos Autos de Insolvência da Ré a correr os seus termos na 2ª Secção do Comércio - J3, Vila Nova de Gaia, processo n.º 31/16.9T8VNG, solicitou diversas informações sobre o seu estado, resultando das mesmas não ter sido possível até então obter a citação da Ré, razão pela qual em 17/03/2017 foi proferido pela Mmª Juiz a quo o seguinte despacho:
“Estando pendente a acção de insolvência acima indicada, visando a aqui demandada e atenta influência que a procedência daquela acção detém sobre o andamento dos presentes autos, determina-se a suspensão da presente instância, por causa prejudicial, ao abrigo do disposto no art. 272º nº 1 do C.P.C. até que seja proferida decisão final nos autos supra referidos.
Notifique.”
Inconformado com este despacho, dele veio o Autor interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões:

1ª) Na presente acção está há muito finda a fase dos articulados;

2ª) A pendência noutro tribunal de processo visando a declaração de insolvência da aqui Ré e no âmbito do qual se aguarda, há mais de 1 ano, a realização da citação daquela, não constitui, nem integra, para os efeitos do artº 272º, nº1 do CPCivil, causa prejudicial passível de justificar a suspensão da presente instância;

3ª) Sendo certo que, de acordo com a estatuição, economia e finalidade da norma contido naquele preceito legal, por um lado, e a natureza e regime tramitacional dos processos em causa, por outro, inexiste relação de prejudicialidade entre uma acção declarativa de condenação e a mera pendência de acção de insolvência não decidida da ali Ré;

4ª) Ao decretar nesta acção, sem a anuência das partes, a suspensão, “sine die”, da instância, com fundamento na pendência de processo de insolvência da Ré, no âmbito do qual ainda não ocorreu sequer a citação daquela, desaplicou a Srª juíza recorrida, por erro de interpretação, o disposto no artº 272º, nº1 do CPCivil;

5ª) Assim, deverá a correspondente decisão (recorrida) ser revogada e determinado o prosseguimento, de harmonia com os seus termos normais, da presente acção.”
Não foi pela Recorrida apresentada contra alegação.
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito devolutivo, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do Recorrente (artigos 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87º n.º 1 do CPT), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, a questão trazida à apreciação deste Tribunal da Relação é a de saber se a pendência do Processo de Insolvência instaurado contra a Ré, sem que tenha sido proferida decisão, consubstancia causa prejudicial ou motivo justificativo para a suspensão da instância da acção de natureza declarativa laboral instaurada contra a Ré.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes para a decisão da causa são os que resultam do relatório supra.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Da suspensão da instância ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 272º do CPC em face da instauração do processo de insolvência contra a ora aqui Ré.
Prescreve o artigo 272.º n.º 1 do CPC., com a epigrafe ”suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes” que “o tribunal pode ordenar a suspensão, quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificativo.”
A 1ª causa de suspensão da instância a que alude o citado preceito respeita à dependência de causas, ou seja desde que a causa prejudicial esteja já proposta, o juiz pode ordenar a suspensão da causa dependente, tenha esta ou sido proposta em data anterior ou posterior àquela.
O critério para aferir da prejudicialidade é o de o julgamento de uma das causas em confronto poder destruir a razão de ser da outra causa – cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao C.P.C., Vol. III, 1946, pág. 268.
No dizer de Alberto dos Reis, devem considerar-se duas hipóteses conceptuais de existência do nexo de prejudicialidade, uma mais forte ou de dependência necessária, outra menos intensa ou de dependência facultativa: a primeira existe quando numa causa se discute, em via principal, uma questão que é essencial para decisão de outra (e que não pode resolver-se nesta em via incidental); a segunda ocorre quando numa causa se discute a título principal uma questão que se discute noutro processo a título incidental (ob. cit., pág. 269). E mais adiante sintetiza aquele autor que a ratio da suspensão da instância por prejudicialidade é a «coerência de julgamentos» (ob. cit., pág. 272).
Neste sentido também se defendeu no Ac. da Relação do Porto de 7/1/2010, disponível in www.dgsi.pt, o seguinte:
- (…) Resta saber em que consiste essa dependência ou prejudicialidade que é susceptível de determinar a suspensão da instância.
Segundo o Prof. Manuel de Andrade, só existe verdadeira prejudicialidade e dependência quando na primeira causa se discute, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental – cfr. Lições de Processo Civil, págs. 491 e 492.
Mas, segundo o mesmo autor, nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos, podendo considerar-se prejudicial, em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal.
Concordando com esse entendimento, o Prof. José Alberto dos Reis refere que “sempre que numa acção se ataca um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, aquela é prejudicial em relação a esta” – cfr. Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, pág.206.
Em termos gerais, podemos afirmar a existência de prejudicialidade quando a decisão de uma causa possa afectar e prejudicar o julgamento de outra, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser, o que acontece, designadamente, quando “…na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem que ser considerada para a decisão do outro pleito, quando a decisão de uma acção - a dependente - é atacada ou afectada pela decisão ou julgamento emitido noutra” (cfr. Ac. do STJ de 29/09/93, processo nº 084216, em http://www.dgsi.pt) ou quando “…numa acção já instaurada se esteja a apreciar uma questão cuja resolução tenha que ser considerada para a decisão da causa em apreço” (cfr. Ac. do STJ de 06/07/2005, processo nº 05B1522, em http://www.dgsi.pt).
Entende-se, assim, por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.
Importa, desde já, referir que a existência de prejudicialidade ou dependência, para efeitos de suspensão da instância, não pressupõe a identidade de sujeitos e de pedidos, sendo apenas necessário que exista, entre as duas causas, a conexão necessária para que a decisão de uma delas tenha a virtualidade de afectar e interferir com a decisão da segunda.
Tal como se refere no Acórdão do STJ de 18/02/1993, in BMJ, nº 424, pág. 587, a prejudicialidade “…pressupõe uma coincidência parcial de objectos processuais simultaneamente pendentes em causas diversas”. Como se refere no mesmo acórdão, citando Miguel Teixeira de Sousa, Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXIV, a prejudicialidade a que se refere o citado art. 279º, nº 1, verifica-se quando a dependência entre objectos processuais é acidental e parcialmente consumptiva e pode definir-se como a situação proveniente da impossibilidade de apreciar um objecto processual (o objecto processual dependente) sem interferir na análise de um outro (o objecto processual prejudicial).”
Em suma a prejudicialidade pressupõe que a decisão que vier a ser proferida na causa prejudicial tenha efectiva e real influência na causa suspensa, de modo a concluir-se que a decisão desta depende efectivamente daquela, sendo certo que a razão de ser da suspensão da instância por prejudicialidade prende-se quer com a economia, quer com a coerência dos julgamentos. E deve ter-se presente que não obstante a pendência de uma causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão da instância se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens – cfr. n.º 2 do artigo 272.º do CPC.
De qualquer modo, importa sublinhar que o poder que é conferido ao juiz pelo nº 1 do art. 272º não se configura como discricionário, dependendo sempre o seu exercício da pendência de causa prejudicial. Ora, a decisão que vier a ser proferida na causa indicada como prejudicial tem que revestir a virtualidade de uma efectiva e real influência na causa suspensa, por forma a poder concluir-se que a decisão desta depende incontornavelmente daquela.
Retornando ao caso em apreço constatamos ser inexistente qualquer relação de prejudicialidade/dependência, pois a decisão a proferir em cada uma destas acções não afeta, nem interfere uma com a outra, nem tem qualquer relação de dependência.
Na verdade, o julgamento de qualquer uma destas causas não destrói a razão de ser da outra, simplesmente em face do regime da acção de declaração de insolvência, uma vez que esta seja definitivamente decretada poderá vir a revelar-se de inútil o prosseguimento acção laboral declarativa de condenação.
Resulta assim do regime da acção de declaração de insolvência, que declarada a insolvência vencem-se imediatamente todas as obrigações do insolvente, abre-se a fase de convocação dos credores e a respectiva reclamação de créditos dentro do prazo fixado na sentença (artigo 91º. e seguintes do CIRE).
Tal reclamação tem um carácter universal, abrangendo todos os créditos existentes à data da declaração de insolvência (artigos 47º nº. 1 e 128º nº. 1 do CIRE), independentemente da natureza e fundamento do crédito e da qualidade do credor.
Assim, os credores da insolvência, quaisquer que sejam, devem reclamar a verificação dos seus créditos, nos termos do artigo 128º. do CIRE e dentro do prazo assinalado na sentença declaratória da insolvência e isto ainda que o credor tenha já reconhecido o seu crédito por decisão definitiva “não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento”, como resulta, expressamente, do disposto no nº. 3 do artigo 128.º do CIRE.
Deste preceito resulta que com a declaração de insolvência do devedor, transitada em julgado, deixa de poder prosseguir a acção para o reconhecimento de eventuais direitos de crédito, uma vez que os mesmos sempre terão de ser objecto de reclamação no processo de insolvência.
No entanto, tal só sucede com o trânsito em julgado de tal decisão, o que significa que até lá o credor mantém todo o interesse em ver reconhecido o seu crédito de forma célere, pois obtido o respectivo título executivo não tendo sido declarada a insolvência do devedor, nada o impedirá de agir, tendo em vista a obtenção do pagamento do seu crédito.
Por outro lado, a sentença proferida nesta acção laboral, desde que o seja antes do trânsito em julgado da declaração de insolvência do devedor, terá sempre utilidade para efeito de prova do crédito no processo de insolvência, pois estando reconhecidos os créditos na acção laboral os mesmos tornam-se mais consistentes e insuscetíveis de impugnação no processo de insolvência.
Resumindo a simples pendência da acção de declaração de insolvência, não pode de forma alguma ser considerada de causa prejudicial do prosseguimento desta acção, pois ainda que após o trânsito em julgado da sentença que declare a insolvência do devedor, os créditos de que seja titular qualquer credor, designadamente o trabalhador tenham necessariamente de ser reclamados nos autos de insolvência, até lá não se vislumbra qualquer razão para que os autos destinados a obter a condenação/reconhecimento da existência de créditos não prossigam os seus normais trâmites, não sendo por isso de considerar a existência de qualquer prejudicialidade entre a acção declarativa condenatória e a pendência da acção de insolvência.
Relativamente à segunda parte do n.º 1 do artigo 272º do CPC. diremos que o tribunal pode ordenar a suspensão da instância quando entenda que ocorre motivo justificativo, isto é diferente da pendência de causa prejudicial, mas que justifique a suspensão.
Tal como se refere no recente Acórdão desta relação de 19/01/2017, proferido no Proc. n.º 735/16.6T8VCT.G1 (relatora Maria João Pinto de Matos) a propósito de outro motivo justificativo parece “razoável considera-lo como tal requerimento “formulado por ambas as partes, (…) com a alegação de doença ou ausência prolongada do advogado duma delas, já que pode ser vantajoso, para a boa condução do processo, que não haja mudança de advogado.
Fora do caso de acordo das partes baseado em motivo digno de ser atendido, o Prof. Manuel de Andrade aponta os seguintes:
- O juiz tentou, sem resultado, a conciliação; mas apesar disse, convence-se de que elas não estão muito longe de chegar a acordo;
- Uma das partes alega que tem notícia do falecimento da outra; não pode juntar logo o documento comprovativo, mas fornece sérios elementos de informação nesse sentido;
- Pode também constituir fundamento para a suspensão, embora o ponto não seja isento de dúvidas, o incidente de oposição espontânea;
- O facto de se apresentarem documentos não selados devidamente ou de se invocarem actos por que se deixou de pagar imposto de transmissão a que estão sujeitos pode também, em circunstâncias excepcionais, justificar a procedência da suspensão, posto que seja pouco provável que a justifique».
Contudo, importará evitar que a suspensão da instância se traduza num benefício concedido ao transgressor em detrimento da parte contrária, «que pode ter interesse no andamento do processo, sem que o benefício tenha como justificação a necessidade de salvaguardar a defesa ou evitar a perda do direito substancial» (Professor José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, Coimbra Editora, Limitada, p. 279 a 282, de novo com bold apócrifo).“

Retomando o caso dos autos também constatamos não estar na presença de nenhuma das mencionadas situações que poderiam levar o juiz a determinar a suspensão da instância, pois o facto de se encontrar pendente a acção de declaração de insolvência do devedor, que apesar da sua natureza urgente, pode demorar anos até que seja proferida decisão, designadamente por dificuldade na obtenção da citação do devedor (como ao que tudo indica sucede no caso em apreço), traduzindo-se assim a suspensão da instância mais num benefício concedido ao devedor em detrimento do credor.
Na verdade, o credor que mantém o interesse no reconhecimento do seu crédito de forma célere, tendo como justificação a necessidade de salvaguarda de evitar a perda do seu direito, já que obtido o título executivo nada o impede de instaurar execução para cobrança do seu crédito e isto no caso de não ter sido proferida decisão de declaração da insolvência do devedor.
Por fim, importa ainda fazer algumas considerações sobre a inutilidade superveniente da lide, uma vez que esta nos termos previstos no artigo 277.º al. e) do CPC determina a extinção da instância, o que ocorre após a propositura da acção quando se verifica extrajudicialmente um facto diverso da composição da lide, que determina a falta de interesse processual. Ou seja a decisão a proferir, determinada pela ocorrência de novos factos deixa de possuir qualquer efeito útil, ou porque já não é possível satisfazer a pretensão do demandante ou porque o fim pretendido foi alcançado por outro meio.
Com efeito, importa atentar no citado artigo 128.º do CIRE aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18 de Março do qual decorre que ainda que os credores tenham os seus créditos reconhecidos por decisão definitiva não estão dispensados de reclamar a verificação dos seus créditos, se quiserem obter o respectivo pagamento no processo de insolvência, o único a partir de então legalmente disponível para o efeito.
Importa também ter presente o disposto no art.º 36.º al. j) do CIRE, do qual resulta que na sentença que declarar a insolvência o juiz designa prazo, até 30 dias, para a reclamação de créditos, sendo certo que o crédito reclamado pode ser ou não reconhecido pelo administrador da insolvência, ou ser impugnado por qualquer interessado – cfr. arts. 129.º e 130.º do CIRE – obrigando então o credor a produzir prova sobre a sua existência, seguindo-se a tramitação própria de uma acção declarativa que terminará com a prolacção da sentença de verificação e graduação de créditos – cfr. artigos 134.º a 140.º do CIRE) e será exclusivamente com base nesta sentença, transitada em julgado que se procederá ao pagamento dos créditos sobre a insolvência – cfr. artigo 173.º do CIRE.
Tudo isto se compreende se atentarmos na natureza do processo de insolvência, que não é mais do que um processo de execução universal no qual se procede à liquidação da totalidade do património do devedor insolvente procedendo seguidamente à repartição do produto obtido por todos os seus credores/reclamantes, ou à satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência
Daí que, tal como acima já deixámos expresso, depois do devedor ser declarado insolvente, seja considerado de inútil o prosseguimento das acções declarativas contra si interpostas e que estejam pendentes, uma vez que a decisão final a proferir não vincularia os restantes credores, nem seria exequível, pois tal como resulta do disposto no artigo 88.º do CIRE a declaração de insolvência obsta à instauração e ao prosseguimento de qualquer acção executiva instaurada pelos credores da insolvência.
Neste sentido veio o STJ a proferir o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014, de 8 de Maio de 2013, publicado no DR, I Série, n.º 39, de 2 de Fevereiro de 2014, no qual se impôs o seguinte: “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da al. e) do art.º 287.º do C.P.C.”
Tudo isto para se concluir que, até lá não existe qualquer motivo nem para extinguir a instância por inutilidade superveniente da lide, nem para a suspender, pois o facto de ter sido instaurada uma acção para declaração da insolvência de devedor, não nos permite concluir que tal venha a ocorrer num curto espaço de tempo, sendo certo que a eventual suspensão da instância a prever uma eventual extinção da instância pode vir a revelar-se de prejudicial para o credor, que vê adiado o reconhecimento do seu crédito sem que daí lhe advenha qualquer vantagem.
Concretizando, tendo o autor instaurado a presente acção declarativa de condenação com vista a obter o pagamento dos seus créditos laborais, acção essa que apresentada contestação/reconvenção, cujos articulados chegaram ao seu término, não tendo os autos prosseguido apenas porque surgiu a informação de que teria sido instaurada uma acção de declaração da insolvência do devedor, à ora aqui Ré, sendo desconhecido o desfecho dessa acção, já que até à data não foi proferida sentença, não existe qualquer fundamento para suspender a instância. Tal como acima defendemos não estamos perante qualquer causa prejudicial, nem existe qualquer motivo para suspender a instância, devendo os autos prosseguir os seus termos normais, sob pena de inegáveis e inadmissíveis prejuízos para o Autor, resultante da demora na apreciação da sua pretensão.
Assim sendo mais não resta do que julgar procedente o recurso e revogar o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que proceda ao saneamento dos autos.

V – DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e consequentemente revogam o despacho recorrido, devendo os autos prosseguir os seus termos normais, nomeadamente com o seu saneamento.
Custas da apelação a cargo do recorrente, sem prejuízo da isenção de que beneficia.
Notifique.

Guimarães, 21 de Setembro de 2017

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins

Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C.

I – Não consubstancia nem causa de prejudicialidade, nem motivo justificativo para a suspensão da instância de uma acção laboral declarativa condenatória a pendência de uma acção de declaração de insolvência não decidida instaurada contra o empregador/devedor.

II – Só com trânsito em julgado da decisão que declare a insolvência da Ré, pode ocorrer a inutilidade superveniente da acção declarativa em que é pedida a condenação no pagamento de quantia certa, já que apenas nesta altura se verificam os pressupostos de aplicação do Acórdão Uniformizador de jurisprudência n.º 1/2014, do STJ.

Vera Sottomayor