Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4000/16.0T8BRG.G1
Relator: PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: DANO BIOLÓGICO
DANO NÃO PATRIMONIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A afectação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico – porque é determinante de consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado e, especificamente, também, da sua actividade laboral.

II- A indemnização a fixar a título de danos não patrimoniais deverá ser justa e equitativa, ou seja, não se apresentar como um montante meramente simbólico ou miserabilista, mas representar a quantia adequada a viabilizar um lenitivo ao lesado pelos padecimentos que sofreu em consequência do sinistro.
Decisão Texto Integral:
- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –

I. RELATÓRIO

M. G., divorciada, residente na Rua ..., Braga, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de acidente de viação, contra X – SUCURSAL EM PORTUGAL, com sede Rua … Lisboa, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 160.000,00, acrescida de juros de mora a contar da citação até integral pagamento.

Para tanto, alegou ter sofrido danos de natureza patrimonial e não patrimonial decorrentes de um embate que sofreu, como peão, causado pelo veículo automóvel segurado na Ré, cuja responsabilidade exclusiva imputa ao condutor deste último.

A Ré contestou, nos termos constantes de fls. 32 a 35 do processo físico, aceitando desde logo a responsabilidade pela eclosão do acidente, mas impugnando a extensão dos danos alegados pela Autora e os montantes indemnizatórios peticionados, alegando ainda que pagou já as quantias respeitantes a perdas salariais referentes ao período de 28-09-2013 e 06-03-2015.

Concluiu pedindo a improcedência da acção.

Em 09-01-2017 (cf. fls. 61 e 62 do processo físico) foi proferido despacho saneador, foi fixado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.

Por requerimento de 01-07-2009, a Autora veio requerer a ampliação do pedido inicial, com vista a incluir o segmento “bem como ser a Ré condenada a pagar à Autora indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais ainda não determináveis, relegando-se tal fixação para momento ulterior, nomeadamente para incidente de liquidação de execução de sentença.”, ampliação esta que foi admitida por despacho de 05-09-2019.
Procedeu-se seguidamente a julgamento.

Seguiu-se a sentença que terminou com o seguinte dispositivo:

Por tudo o exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência:

- condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 77.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde a citação até integral pagamento.
- condenar a Ré a pagar à Autora a quantia que se vier a liquidar referente aos danos patrimoniais e não patrimoniais que venha a sofrer no futuro decorrentes da intervenção cirúrgica a que terá que ser submetida e da medicação que terá que continuar a tomar (até ao valor total de € 30.000,00);
- absolver a Ré do restante pedido.
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Custas por Autora e Ré, na proporção do respectivo decaimento quanto ao montante já liquidado (art. 527º nºs 1 e 2 do C.P.C.) e, provisoriamente em parte iguais, quanto ao valor por liquidar (cf. Acs. da R.P., de 19-04-1995, Proc. nº 9410955 e da R.E., de 28-05-2013, Proc. nº 838/08.0TALGS.E1, ambos in www.dgsi.pt).
*
Registe e notifique.

Descontente a ré apresenta recurso que termina com as seguintes conclusões:

A Ré não se conforma com a Sentença, mais exactamente no que à decisão de direito diz respeito e, neste âmbito, tanto no que concerne à vertente patrimonial da condenação, como no que tange à vertente não patrimonial.

DO DIREITO

I - Dos danos patrimoniais

2. O Tribunal a quo condenou a Ré a pagar à A. uma compensação no valor de €40.000,00 por danos patrimoniais, correspondentes à perda de capacidade de ganho, aos quais já deduziu os €3.000,00 que a Demandada já lhe tinha liquidado por conta da indemnização final.
3. Conforme consta da Sentença, na fixação da indemnização pela perda de capacidade de ganho, o Tribunal teve presente:
a) o vencimento mensal ilíquido da A. de €549,26 x 14 meses;
b) o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica de 22,4 pontos;
c) que à data do sinistro a A. tinha 55 anos;
d) que a esperança média de vida fixa-se nos 84,6 anos;
e) que o limite provável da vida activa da lesada fixa-se nos 70 anos;
f) que a perda de capacidade de ganho será ponderada até aos 70 anos e o dano biológico até aos 84 anos.
4. Primeiro, há que ter presente que, apesar do sinistro ter ocorrido em 28/09/2013, quando a A. tinha 55 anos, esta teve alta a 06/03/2015 e foi ressarcida de todos os salários que lhe eram devidos desde a data do acidente até 23/05/2015,
5. pelo que não pode o Tribunal a quo ter como premissa a idade à data do acidente, mas sim a idade à data até à qual recebeu todos os salários (23/05/2015).
6. Segundo, se a indemnização tiver como premissa a esperança de vida, tal significa que, no que respeita ao hiato temporal entre a idade da reforma e o limite da esperança de vida, a A. acabará por acumular a indemnização com a pensão, de reforma que sempre iria receber, mesmo que não tivesse sofrido o acidente.
7. Ora, na fixação da indemnização por danos patrimoniais, o Tribunal tem obrigatoriamente que seguir o princípio da Teoria da Diferença.
8. Além disso, há ainda que ter presente que, no caso em apreço, a A. não sofreu uma diminuição efectiva dos seus rendimentos, uma vez que continua a trabalhar e que, conforme consta da Sentença, auferia€549,26/mês à data do sinistro e agora (com referência a Junho de 2019) aufere €600,00/mês.
9. Acresce que a incapacidade de que ficou a padecer, não impossibilita a A. de exercer a sua actividade.
10. Por isso, deve atender-se ao rendimento que auferia antes do sinistro (€549,26/mês), ao Défice de que ficou a padecer (22,4 pontos), à idade à data em que deixou de receber os salários devidos pela Ré (56 anos), à idade da reforma (66 anos e 5 meses) e às actividades que ainda poderia continuar a desempenhar após atingir a idade da reforma, sem perder de vista a vida activa, necessariamente inferior à da esperança de vida,
11. concorrendo, para a fixação da indemnização, fórmulas matemáticas devidamente temperadas por critérios de equidade,
12. pelo que, afigura-se justa e equitativa uma indemnização por danos patrimoniais respeitantes à perda de capacidade de ganho no valor de €25.000,00.

II - Dos danos não patrimoniais

13. O Tribunal a quo condenou a Ré a pagar à A. uma compensação por danos não patrimoniais no valor de €40.000,00.
14. Conforme consta da Sentença, na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, o Tribunal teve presente, em síntese:
a) as lesões sofridas;
b) três intervenções cirúrgicas e respectivos períodos de internamento;
c) as sequelas (nomeadamente a claudicação ao nível do membro inferior esquerdo, a limitação na mobilidade do joelho);
d) ter deixado de conseguir correr, a dificuldade em subir e descer escadas, em baixar-se e ajoelhar-se);
e) quantum doloris de grau 4;
f) dano estético de grau 2;
g) repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau 3;
h) os períodos de défice temporário;
i) o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 22,4 pontos.
15. Tendo por referência a mais avisada jurisprudência é manifestamente exagerada a quantia de €40.000,00 em que a Ré foi condenada a título de danos não patrimoniais.
16. O referido montante de €40.000,00 é aquele que tem vindo a ser arbitrado para situações (com todo o respeito pela A.) mais graves do que aquela de que se ocupam os presentes autos [todos os Acórdãos a citar estão disponíveis para consulta em www.dgsi.pt].
17. A título de exemplo, é o que resulta da decisão proferida no Acórdão do TRL de 01/03/2018 (Proc. 12361/15.2ALM.L1-2): A. com 52 anos, traumatismo craniano, fractura do côndilo occipital esquerdo, traumatismo vertebral, fractura de várias costelas, contusão de todos os lobos do pulmão direito, traumatismo do ombro direito com rotura do tendão, traumatismo do punho esquerdo, do joelho direito e fractura do menisco, quantum doloris 5, dano estético 2, repercussão nas actividades desportivas e de lazer 1, prejuízo sexual 1, défice permanente da integridade físico-psíquica de 32,90 pontos e incompatível com a sua actividade profissional, acompanhamento médico e fisiátrico para o resto da vida, necessidade de reabilitação vestibular e de reabilitação psicológica para o resto da vida e de nova cirurgia ao joelho – indemnização por danos não patrimoniais €40.000,00.
18. Porém, em casos com maiores semelhanças com o dos presentes autos, os valores arbitrados são consideravelmente mais reduzidos:
19. Acórdão do TRP de 17/03/2011 (Proc. 2993/08.0TBPVZ.P1): A. com 17 anos, estudante; lesões graves, várias cirurgias, internamentos hospitalares, tratamentos e consultas; incapacidade absoluta durante dez meses; perda do ano escolar; danos físicos irreversíveis, atrofia muscular no membro inferior esquerdo; quantum doloris 4, dano estético 4, IPP 15% – indemnização por danos não patrimoniais €24.000,00; 20. Acórdão do STJ de 16/12/2010 (Proc. 4948/07.3TBVNG.P1.S1): A. com 19 anos; acabado de entrar na universidade, perdeu o ano lectivo devido ao acidente; graves e extensas lesões, fractura do côndilo femural, do prato tibial interno, do joelho direito, com fractura cominutiva da rótula, esfacelos graves no membro inferior direito; dores intensas; quatro cirurgias, prolongados internamentos, graves sequelas e limitações para a vida inteira, com tendência para agravamento; reflexos nas actividades laborais e de lazer (praticava ciclismo); dano estético 3, quantum doloris 5, prejuízo de afirmação pessoal 2 numa escala de 5, IPP para o trabalho de 23,65% com futuro agravamento de 8% – indemnização por danos não patrimoniais €25.000,00.
21. Assim, atendendo a que em casos mais graves que o da A. a jurisprudência arbitrou valores iguais ao fixado nos presentes autos e que em casos análogos ao ora em apreço fixou valores inferiores,
22. deve a indemnização por danos não patrimoniais ser reduzida para um quantitativo nunca superior a €26.000,00.

III - Dos juros

23. Lê-se na Decisão da Sentença ora em crise que sobre o total de €77.000,00 em que a Ré foi condenada incidem juros calculados desde a citação
24. Resulta, porém, da Sentença em crise, que o montante relativo à perda de capacidade de ganho foi obtido com recurso à equidade: “terá que ancorar-se primordialmente na equidade…”; “afigura-se nos adequado e equitativo fixar em €40.000,00”.
25. É igualmente esse o critério seguido no que respeita aos danos não patrimoniais: corresponde à regra comummente seguida; é o que resulta do uso da expressão “afigura-se-nos adequada”.
26. Ora, se os montantes arbitrados foram obtidos com recurso a critérios de equidade, tal significa que se encontram actulizados à data da prolação da Sentença,
27. pelo que devem os juros em que a Ré foi condenada ser contabilizados não desde a citação, mas sim desde a data da Sentença.

Termos em que deve o presente Recurso ser dado como procedente e, em consequência:

a). Ser a indemnização por danos patrimoniais reduzida para o valor de €25.000,00;
b). Ser a indemnização por danos não patrimoniais reduzida para o valor de €26.000,00;
c). Serem os juros em que a Ré foi condenada contabilizados apenas desde a data da Sentença.

Assim decidindo, farão Vªs. Exs., aliás como sempre, JUSTIÇA.

A recorrida contra-alega pugnando pela manutenção da decisão.

Apresenta as seguintes conclusões:

1. A douta sentença a quo é certa, válida, adequada e justa, não merecendo qualquer censura.
2. Desconhece as normas jurídicas que a Recorrente considera violadas ou o sentido em que as normas que fundamentam a decisão deveriam ter sido interpretadas.
3. A sentença encontra-se devidamente fundamentada e é de fácil apreensão o raciocínio lógico jurídico que levou ao arbitramento dos valores à Recorrida.
4. A Recorrente não apresenta qualquer facto ou elemento concreto que permita fazer qualquer juízo de censura à sentença proferida. DOS DANOS PATRIMONIAIS
5. No arbitramento do montante pelo défice funcional ficou bem claro que o mesmo representa um dano patrimonial autónomo indemnizável, independentemente da perda ou diminuição da retribuição.
6. À data do acidente a recorrida tinha 54 anos, e à data da consolidação médico-legal das lesões (em 06.03.2015), data considerada na sentença para efeitos de contabilização do dano (página 12), a Recorrida tinha 55 anos, pelo que, em Maio de 2015 a Recorrida tinha igualmente 55 anos.
7. Não é aceitável, e é até chocante, o raciocínio efectuado pela Recorrente de que o tribunal deve obrigatoriamente seguir a teoria da diferença, dando a entender que, a Recorrida, porque continuou a receber o salário mínimo (que até aumentou alguns euros) e porque irá receber de reforma valor que sempre iria receber, não existe qualquer diferença entre a situação que a Recorrida vive actualmente, a real, e a situação que teria caso o acidente não tivesse ocorrido, a hipotética.
8. A Recorrente não explica ou concretiza como chegou ao cálculo de €25.000,00 a atribuir aos danos patrimoniais, desconhecendo a Recorrida por que motivo só com a diminuição de €15.000,00 é mais adequado o valor da indemnização.
9. A sentença estabelece e fundamenta de forma irrepreensível os critérios subjacentes ao arbitramento do valor.
10. Não tem qualquer fundamento, factual ou jurídico, o invocado pela Recorrente no que diz respeito à diminuição do montante de €40.000,00 atribuído à Recorrida pelos danos patrimoniais, devendo manter-se a sentença nos seus precisos termos.

DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS

11. Entende a Recorrente que a quantia de €40.000,00 a título de danos não patrimoniais em que foi condenada é manifestamente exagerada, fundamentando esta sua posição apenas na analogia jurisprudencial de três situações de acidente de viação nos quais se atribuíram valores inferiores (um de valor igual mas para caso concreto alegadamente com contornos mais graves).
12. Na verdade, os Acórdãos assinalados pela Recorrente, não só dizem respeito a factos concretos distintos como não se pode considerar que os mesmos constituem uma linha jurisprudencial que permita concluir pela diminuição do valor de €40.000,00 doutamente arbitrado à Recorrida, conforme bem se explica no douto Acórdão da Relação de Coimbra Proc. n.º 18/13.3GAFIG.C1, datado de 16.12.2015, relator Dr. Abílio Ramalho, in www.dgsi.pt
13. Há que atender aos contornos distintos das acções, não se podendo tratar de forma igual situações, quer formais quer objectivas, diferentes.
14. No sentido jurisprudencial com contornos idênticos aos da douta decisão ora em crise Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 24.04.2013, Proc. n.º 198/06TBPMS.C1. S1, relator Dr. Pereira da Silva, in www.dgsi.pt
15. O valor de €40.000,00 a título de danos não patrimoniais atribuído à Recorrida, não se encontra desajustado ou exagerado, nomeadamente em função do entendimento jurisprudencial seguido nos tribunais superiores.
16. Tal montante afigura-se, certo, justo e adequado, não merecendo a douta sentença qualquer censura, devendo manter-se nos precisos termos.

DOS JUROS

17. A douta sentença condena a Recorrente a pagar à Recorrida os juros de mora vencidos desde a data de citação até efectivo e integral pagamento, esclarecendo e fundamentando que assim decide porque nos valores da indemnização e compensação, por danos patrimoniais e por danos não patrimoniais, que estabeleceu não se procedeu a qualquer actualização.
18. Carece de qualquer fundamento o invocado pela Recorrente de que as quantias foram estabelecidas de acordo com juízos de equidade e que “tal significa que se encontram actualizados à data da prolação da Sentença” e que “devem os juros em que a Recorrente foi condenada ser contabilizados não desde a citação, mas sim desde a data da Sentença”.
19. Um valor justo e equitativo devê-lo-á ser no inicio, no meio e no fim, e para o ser deve ser actualizado, pelo que se a douta sentença assume expressamente que não fez qualquer actualização condenando-se para o efeito a Recorrente nos juros de mora desde a citação, com o devido respeito, não se pode considerar que o valor da condenação está actualizado, cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. n.º
976/12.5TBBCL.G1. S1, datado de 29.06.2017, relator Ex.mo Dr. Lopes do Rego, in
www.dgsi.pt
20. Não merece qualquer censura a douta sentença proferida, devendo a mesma manter-se relativamente à data de vencimento dos juros.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ O RECURSO INTERPOSTO PELA RECORRENTE IMPROCEDER, MANTENDO-SE, NA ÍNTEGRA E NOS PRECISOS TERMOS A DOUTA DECISÃO CONDENATÓRIA ORA EM CRISE
ASSIM SE FAZENDO INTEIRA E DEVIDA JUSTIÇA!

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito devolutivo – artºs 629º, nº1; 644º, nº1, al. a); 638º; 645º, nº1, al. a) e 647º, nº1, do Código de Processo Civil.

Foram colhidos os vistos legais.

II. ÂMBITO DO RECURSO.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelo apelante serem as seguintes as questões a apreciar:

- Analisar se as quantias fixadas a título de indemnização por danos não patrimoniais e dano patrimonial futuro são adequadas aos danos decorrentes do acidente.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO

Os Factos

Na sentença foram considerados provados e não provados os seguintes factos:

1. No dia 28 de Setembro de 2013, cerca das 10 horas, a Autora caminhava pelo passeio da Rua …, União de freguesias …, em Braga, no sentido ascendente, quando foi embatida pelo veículo automóvel, marca Renault, modelo Trafic, com a matrícula HD, conduzido por F. J., motorista da empresa M. D., Lda.
2. O HD efectuava uma manobra de marcha atrás, tendo invadido o passeio destinado aos peões e atingido, com a sua parte de trás, a Autora na retaguarda, provocando-lhe uma queda violenta no chão.
3. Como consequência desse embate e posterior queda, a Autora sofreu fractura com depressão da plataforma tibial interna, verificando-se igualmente traço de fractura na vertente anterior da plataforma tibial externa; fractura da vertente superior da cabeça peronial, com destacamento de fragmento ósseo com 9mm de maior eixo, em provável relação com fractura avulsiva do ligamento colateral externo; lipohemartrose no espaço intra-articular, em consequência da fractura intraarticular das plataformas tibiais; densificação a envolver o ligamento cruzado anterior; densificação dos tecidos moles pré-tibiais em relação com infiltração hemática/edematosa; fenómenos entesopáticos no pólo superior da rótula.
4. No Serviço de Urgência foi aplicada à Autora imobilização da perna esquerda, com tala gessada cruropodalica posterior, tendo logo de seguida sido internada para tratamento cirúrgico.
5. No dia 04/10/2013, a Autora foi submetida a intervenção cirúrgica ao joelho esquerdo, através de redução cirúrgica e osteossíntese com placa e parafusos.
6. No dia 11/10/2013, a Autora teve alta do internamento, após o que passou a ser seguida em consultas externas de ortopedia, tendo-se mantido prescrita a suspensão do joelho esquerdo, movimentação com apoio de canadianas e medicação.
7. Após a alta hospitalar, a Autora esteve 15 dias acamada e quase 60 dias sem sair de casa, dependendo de terceiros para satisfazer as suas necessidades mais básicas.
8. Em 4/12/2013 dirigiu-se à urgência do Hospital de Braga onde foi consultada e fez exames.
9. No dia 06/12/2013, tendo obtido autorização da ortopedia para carga progressiva, foi a Autora observada em consulta de Medicina Física de Reabilitação, tendo seguido, desde Dezembro de 2013, programa de fisioterapia no Hospital.
10. Em 28/01/2014, dada a persistência de grave limitação da mobilidade do joelho esquerdo, a Autora foi encaminhada para novo procedimento cirúrgico, tendo sido submetida a artroscopia, shaving de aderência e manipulação sob anestesia.
11. A Autora permaneceu no hospital de 24 a 28 de Março de 2014, retirou os pontos em 01/04/2014 e foi inscrita para posterior intervenção cirúrgica para extracção do material cirúrgico.
12. Nesta altura, mais uma vez, a Autora voltou ao início da sua recuperação, ficando totalmente dependente de terceiros para satisfazer as suas necessidades mais básicas, tendo ficado em repouso absoluto domiciliário cerca de 10 dias.
13. Fez tratamentos fisiátricos e, em nova consulta de medicina física e reabilitação realizada em 02/06/2014 no Hospital, foi verificado edema no joelho e perna esquerdos, tendo sido prescrita continuação do tratamento fisiátrico para manutenção do trofismo muscular e diminuição da lombalgia agravada pelo uso de canadianas, que dificultava a continuação da necessária utilização das mesmas.
14. Em 10 de Dezembro de 2014, já através dos serviços médicos da Ré, foi a Autora submetida a nova intervenção cirúrgica para extracção do material cirúrgico, tendo ficado internada durante 2 dias e depois cerca de 15 dias em casa em repouso absoluto.
15. Posteriormente foi acompanhada em consultas de ortopedia pelos serviços médicos da Ré e reiniciou tratamentos de fisioterapia particular.
16. Entre Novembro de 2013 e Janeiro de 2015, a Autora utilizou duas canadianas para a auxiliar a caminhar, após o que passou a andar apenas com uma até Fevereiro de 2015, altura em que começou por andar agarrada até conseguir força e confiança para caminhar pelo seu pé.
17. As lesões da Autora atingiram a consolidação médico-legal em 06/03/2015, tendo resultado, directa e necessariamente, do embate as seguintes sequelas: claudicação do membro inferior esquerdo; limitação da mobilidade do joelho esquerdo com flexão de 40º e extensão até aos 10º; hipotrofia da coxa de 3 cms e da perna de 2 cms; cicatriz, de aspecto cirúrgico, de 21 por 2 cms na face anterior e medial do joelho; palpação do joelho dolorosa; patela pouco deslocável e aderente e edema ligeiro do joelho; joelho apenas ligeiramente globoso.
18. A Autora não mais conseguiu correr, tem dificuldades em subir e descer escadas e não mais conseguiu flectir totalmente o joelho esquerdo, baixar-se até ao chão, ajoelhar-se ou posicionar-se de cócoras.
19. A Autora sofre dores permanentes no joelho, que irradiam para toda a perna.
20. Após as intervenções cirúrgicas a que foi sujeita em virtude do acidente, a Autora esteve absolutamente incapaz de realizar qualquer tarefa.
21. Eram, nomeadamente, o companheiro da Autora e a filha desta que a ajudavam na sua higiene pessoal, designadamente, no seu banho diário e a deslocar-se à casa de banho, faziam as compras de supermercado, preparavam as refeições e cuidavam de todas as restantes tarefas domésticas.
22. Dentro do prédio onde vive, para aceder ao seu apartamento, a Autora tem de subir ou descer 2 lanços de cerca de 5 escadas cada, o que fazia rapidamente antes do acidente.
23. Após o acidente e como consequência das lesões sofridas, as escadas tornaram-se um obstáculo para a Autora sair e regressar a casa, que supera com dificuldade.
24. A Autora, durante o período da sua recuperação, só conseguia subir e descer as ditas escadas sentada e arrastando-se pelas mesmas no chão.
25. Actualmente sobe e desce as escadas posicionando o corpo de lado e muito devagar agarrada ao corrimão, o que faz pelo menos duas vezes por dia, designadamente para ir trabalhar.
26. A Autora não consegue colocar a roupa no estendal, não pode baixar-se para limpar a casa e só consegue cozinhar e passar a ferro sentada e com a perna esquerda em descanso.
27. A Autora antes do acidente deslocava-se todos os dias a pé para o seu local de trabalho (caminhando cerca de 10 minutos), passeava a pé pela cidade nas suas horas livres, ia a pé ao parque brincar com a sua neta, o que após o acidente não mais conseguiu fazer.
28. Actualmente, a Autora para se deslocar e regressar diariamente do trabalho ou deslocar-se a qualquer local, está totalmente dependente de boleia em veículo automóvel de terceiros (nomeadamente do seu companheiro).
29. A Autora não mais conseguiu andar de autocarros públicos pois sente grande dificuldade para subir e descer os degraus.
30. A Autora deixou de poder ir levar e buscar as netas ao estabelecimento escolar e de com elas passear e brincar nos parques da cidade, o que lhe causa profunda tristeza e abatimento, mágoa e sentimento de impotência e inutilidade.
31. Antes do acidente, a Autora, quando não trabalhava à tarde, dava grandes passeios no centro da cidade, sozinha ou com amigas, o que já não pode fazer.
32. Actualmente, quando caminha por algum tempo a Autora fica de imediato com dores agudas na perna esquerda que se prolongam por vários dias, fazendo com que o sofrimento causado pelas lesões sofridas seja permanente.
33. A Autora também sente dor cada vez que tem de ficar durante algum tempo de pé ou manter-se certos períodos sentada na mesma posição.
34. Antes do acidente, a Autora saía em excursões de autocarro e fazia caminhadas com amigas ao Sameiro e Bom Jesus, o que agora não consegue, nem conseguirá, voltar a fazer.
35. Após o acidente a Autora passou a ter dificuldade em adormecer, pelas dores, posicionamentos e até pesadelos e sonhos.
36. A Autora deixou de usar vestidos e saias devido à cicatriz com que ficou no seu joelho, o que lhe causa desgosto, sentindo-se diminuída e insegura, o que se reflecte negativamente na sua auto-estima.
37. A claudicação da marcha de que sofre e irá sofrer para o resto da vida, à vista de todos, causa-lhe grande tristeza e desgosto e diminuição da sua auto-estima.
38. A Autora era, antes do acidente, uma mulher independente e bastante dinâmica, saudável, alegre e com grande ânimo e força vital.
39. Em virtude do acidente é agora uma pessoa sem autonomia, dependente de terceiros para manter a sua rotina diária, já alterada, o que lhe causa grande frustração e mágoa.
40. A Autora, devido a todas as lesões decorrentes acidente, com repercussão nas rotinas que tanto estimava, sente-se diminuída psicologicamente e tornou-se uma pessoa triste e desanimada perante a vida.
41. Desde a data do acidente que a Autora necessita de medicação da classe dos anti-inflamatórios não esteroides e dos opioides.
42. À data do acidente a Autora exercia a profissão de cantoneira de limpeza da empresa pública municipal Y - Empresa de Águas, Efluentes e Resíduos de …,
integrando a equipa exterior de limpeza de resíduos das ruas, exercendo funções varredura de ruas e limpeza de sarjetas de uma determinada área urbana, o que implicava, durante todo o horário de trabalho, percorrer a pé diariamente vários kms, dobrar constantemente os joelhos e colocar-se de cócoras.
43. Nessa data auferia um vencimento mensal base ilíquido de € 549,26, acrescido de subsídio de alimentação de € 89,67, vencimento que foi actualizado para € 600,00 mensais ilíquidos, com referência a Junho de 2019.
44. Após a alta, a Autora foi colocada pela sua entidade empregadora na vigilância de sanitários públicos, na operação de máquinas de remoção de pastilhas elásticas e no apoio às equipas de lavagem de pavimento e esvaziamento de papeleiras.
45. As sequelas do acidente são compatíveis com o exercício da actividade habitual da Autora, mas implicam esforços suplementares. 46. A Autora irá necessitar, no futuro, de nova intervenção cirúrgica para colocação de prótese total do joelho e de continuar a tomar a medicação referida em 41º.
47. A Autora esteve afectada de défice funcional temporário total entre 29-09-2013 e 28-10-2013, entre 24-03-2014 e 12-04-2014 e entre 10-12-2014 e 19-12-2014 e de défice funcional temporário parcial entre 28-11-2013 e 06-03-2015.
48. O quantum doloris sofrido pela Autora é de grau 4, enquanto que o dano estético é de grau 2, ambos numa escala de 0 a 7.
49. As sequelas do acidente tiveram para a Autora repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 3, também numa escala de 0 a 7.
50. Em consequência das mesmas sequelas, a Autora ficou afectada de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 22,4 pontos.
51. A Ré pagou à Autora todos os montantes relativos a salários devidos entre a data do acidente e 23-05-2015.
52. Para além do referido em 51º, a Ré entregou à Autora a quantia de € 3.000,00 por conta da indemnização final.
53. A Autora nasceu no dia - de Agosto de 1959.
54. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 005993355, em vigor à data do sinistro, o proprietário do HD havia transferido para a Ré a responsabilidade civil decorrente da circulação do mesmo.

Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a discussão da causa, nomeadamente os seguintes:

a). Após a intervenção cirúrgica, a Autora permaneceu completamente imobilizada na cama, durante todo o período de internamento, com a perna esquerda suspensa (presa ao alto), não conseguindo, pela posição e dores, dormir durante vários dias, o que só foi amenizado através de forte medicação.
b) Como consequência das lesões do embate, a Autora apresenta lombalgia e alterações lombares degenerativas.
c) Antes do acidente a Autora também praticava exercício em casa, numa bicicleta, o lhe dava grande prazer.
d). Desde o acidente a Autora nunca mais conseguiu dormir uma noite inteira descansada.
e) A Autora, após o acidente e devido às lesões e dores sofridas, entrou em depressão, chora frequentemente (chora quando vai para o trabalho, chora quando vê as anteriores colegas de trabalho saírem a pé, chora quando vê alguém a correr, chora quando se depara com a sua deficiência), sofre de irritabilidade e de mudanças humor.
f) A Autora apenas pode executar funções distintas das que tinha.
g) Todas as sequelas se agravarão no futuro, atenta a evolução do seu quadro clínico, necessitando de aumentar a medicação e de recurso a técnicas terapêuticas.
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O Direito:

Se merece censura o que foi decidido quanto às parcelas indemnizatórias objecto da apelação da ré

A presente acção reporta-se a acidente de viação que ocorreu entre a autora e a viatura segurada na ré.
A sentença recorrida considerou verificados os pressupostos de que depende o dever de indemnizar a cargo da ré, estabelecidos no art. 483º nº 1 do C. Civ., por ter entendido que quem deu causa exclusiva ao sinistro, devido à sua condução negligente e culposa, foi o condutor do veículo segurado naquela.
A apelante não questiona no recurso, a verificação, no caso «sub judice», de tais pressupostos da responsabilidade aquiliana. Trata-se, por conseguinte, de questão já definitivamente assente/decidida e que está fora do «thema decidendum» deste acórdão.
Discorda dos valores fixados a título de indemnização.

Adiantamos desde já que, o entendimento deste Tribunal no caso em apreço vai no sentido da douta sentença proferida em primeira instância, acompanhando assim várias decisões proferidas pelos vários Tribunais de recurso, incluindo pelo STJ, que no decurso deste acórdão serão citadas.

Apreciando

1) A quantia de 40.000,00 € a título de indemnização pela perda de capacidade de ganho e dano biológico;

Pelo dano patrimonial supra referido a decisão recorrida, para o compensar fixou a indemnização em EUR 40.000,00.
A recorrente insurge-se contra esta decisão, pretendendo que se fixe esta indemnização em EUR 25. 000,00.
Pois bem
Se a incapacidade permanente parcial tiver reflexos na remuneração que o lesado vai deixar de auferir, não há dúvida que a respectiva indemnização se enquadra nos danos patrimoniais – danos futuros – a que se refere o artigo 564.º, n.º 2 do Código Civil.
Contudo, pode a IPP não determinar nenhuma diminuição do rendimento do lesado, quer porque a sua actividade profissional não é especificamente afectada pela incapacidade, quer porque embora afectado pela incapacidade, o lesado consegue exercer a sua actividade com um esforço complementar ou quer porque o lesado está desempregado ou ainda quer porque o lesado é uma criança ou um jovem que ainda não entrou no mercado de trabalho.
Em todos estes casos, pode-se discutir se a IPP constitui um dano patrimonial ou um dano não patrimonial.

No caso dos autos, sabe-se que a autora ficou com uma IPG de 22.4% pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, embora impliquem esforços suplementares.
Nestas situações, a uma perda de ganho efectiva equivale, de alguma forma, para efeitos de indemnização, o esforço suplementar que as vítimas de incapacidade têm que desenvolver para realizar o seu trabalho.
Ou seja, a incapacidade para o trabalho que vai passar a afectá-la, não determina nenhuma diminuição actual de rendimento, mas afectá-la-á em toda a sua vida futura.
Na verdade, sendo a incapacidade permanente, “de per si”, um dano patrimonial indemnizável, pela limitação que o lesado sofre na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, deve ser reparado, quer acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais – cf., entre muitos outros, os Acórdãos do STJ de 20/11/2011 e de 20/01/2010 e o Acórdão da Relação de Coimbra de 04/12/2007, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Assim, a incapacidade em causa, constitui uma desvalorização efectiva que, normalmente, terá expressão patrimonial, embora em valores não definidos e com a consequente necessidade de recurso à equidade para fixar a correspondente indemnização.
“A afectação do ponto de vista funcional, não pode deixar de ser determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado, revestindo cariz patrimonial que justifica uma indemnização para além da valoração que se impõe a título de dano não patrimonial” - Ac. do STJ, de 23.04.2009 (relator Salvador da Costa), proferido no Proc. nº 292/04, disponível em www.dgsi.pt..
De igual modo se defende no Ac. do STJ de 16.12.2010 (Lopes do Rego), disponível em www.dgsi.pt. que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico do lesado deverá compensá-lo também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida no nível de rendimento auferido. “É que a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas”.
Os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se limitam “à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física. Por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução (…)” – cf. Acórdãos do STJ de 28/10/1999, in www.dgsi.pt e de 25/06/2009, in CJ/STJ, II, pág. 128, sendo que, neste último expressamente se consagra a ideia de que, também deve considerar-se, por isso mesmo, o período de esperança média de vida, de modo a contar com a vida activa e com o período posterior à normal cessação da actividade laboral.
Não contendo a nossa lei ordinária regras precisas destinadas à fixação da indemnização por danos futuros, deve a mesma calcular-se segundo critérios de verosimilhança, ou de probabilidade, de acordo com o que, no caso concreto, poderá vir a acontecer; e se não puder, ainda assim, apurar-se o seu exato valor, deve o tribunal julgar segundo a equidade, nos termos enunciados no art. 566°, n.º 3, do C.C.

Neste contexto, para determinar a indemnização pelos danos futuros, utilizam-se habitualmente os seguintes critérios orientadores:

- A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinga no final do período provável de vida do lesado;
- As tabelas financeiras ou outras fórmulas matemáticas, a que, por vezes, se recorre, têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;
- Pelo facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, o montante apurado deve ser, em princípio, reduzido de uma determinada percentagem, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado, à custa alheia;

Por outro lado, o julgamento de equidade, como processo de acomodação dos valores legais às características do caso concreto, não deve prescindir do que é normal acontecer (id quod plerumque accidit) no que se refere à expectativa de vida do cidadão masculino médio, à progressão profissional, e aos previsíveis aumentos da remuneração salarial. (1)
O recurso à equidade não afasta, todavia, a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade (cf. art.13º, nº1, da CRP), o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível, naturalmente, com a devida atenção às circunstâncias do caso. Quer isto significar que as decisões judiciais devem ter em consideração os critérios jurisprudenciais adotados em casos idênticos por forma a obter, tanto quanto possível, uma interpretação e aplicação uniforme do direito (cf. art.º 8.º, n.º 3, do CC).
Foi, precisamente, com base na equidade que o Tribunal recorrido fixou os montantes indemnizatórios, aqui em causa.
Ora, como o Supremo Tribunal da Justiça já observou em diversas ocasiões, “o julgamento de acordo com a equidade envolve um juízo de justiça concreta e não um juízo de justiça normativa, razão por que a determinação do quantum indemnizatório não traduz, em rigor, a resolução de uma questão de direito.
(…)
Neste contexto, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça deve reservar-se à formulação de um juízo crítico de proporcionalidade dos montantes decididos em face da gravidade objetiva e subjetiva dos prejuízos sofridos.
A sua apreciação cingir-se-á, por conseguinte, ao controle dos pressupostos normativos do recurso à equidade e dos limites dentro dos quais deve situar-se o juízo equitativo, nomeadamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade conducentes à razoabilidade do valor encontrado” - Cf. o ac. STJ de 14.12.2017, proc. nº 589/13.4TBFLG.P1, de que foi Relatora a Conselheira Fernanda Isabel Pereira.

No caso concreto, há, portanto, a ter em conta nos termos assinalados na sentença que a Autora nasceu no dia 29 de Agosto de 1959, tendo portanto 55 anos de idade na data da consolidação médico-legal das lesões (que ocorreu, como vimos, em 06-03-2015) e que ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 22,4 pontos.
Há que considerar ainda a evolução da esperança média de vida à nascença em Portugal, a qual, de acordo com dados estatísticos revelados pela Pordata (in https://www.pordata.pt/Europa/Esperan%C3%A7a+de+vida+%C3%A0+nascen%C3%A 7a+total+e+por+sexo-1260) se situa em 78,40 anos para os homens e 84,60 anos para as mulheres – o que nos permite considerar como equilibrado, tendo em conta o cada vez maior avanço da medicina, um limite temporal provável de vida activa do lesado70 anos de idade, no seguimento, aliás, de entendimento jurisprudencial que vem sendo ultimamente seguido (veja-se por todos, os Acs. da R.P. de 11/04/2000, 30/01/2001, 31/10/2001 e 28/11/2001, sumariados em www.dgsi.pt/jtrp.nsf, e mais recentemente o Ac. da R.P. de 22/01/2004, publicado no mesmo sítio) e até em face das actuais tendências de política legislativa ao nível da fixação do termo da vida profissional activa.
Os danos patrimoniais resultantes directamente da perda da capacidade de ganho da Autora serão assim ponderados até aos 70 anos de idade, enquanto que a vertente do dano biológico relativa à diminuição da sua condição física e à necessidade de esforços acrescidos em todas as vertentes da sua vida pessoal (não laboral) será ponderada até aos 84 anos de idade.
Finalmente, há que tomar em consideração igualmente, como o exige o recurso à equidade, outros factores (imponderáveis) como a incerteza sobre as alterações ao estado de saúde em cada momento e o tempo de vida, as alterações das taxas de remuneração do capital e da inflação, a evolução dos índices económicos (cf. Ac. da R.P de 06/07/2000 e os já referidos Acs. de 30/01/2001 e de 31/10/2001, todos sumariados no mesmo sítio da Internet)
E ainda a própria previsível evolução das lesões e sequelas da Autora e a evolução da medicina, que, sendo um imponderável, pode no futuro alterar a actual situação desta, quer ao nível da percentagem da sua incapacidade, quer do grau de esforço que a realização de tarefas profissionais lhe acarreta.
Tendo em conta todas estas circunstâncias, afigura-se-nos adequado e equitativo fixar em 40.000,00 valor que não se afasta dos padrões jurisprudenciais habitualmente utilizados em casos semelhantes.
Para aferir da adequação deste valor face aos valores das decisões mais atualistas do Supremo Tribunal de Justiça ver acórdão desta Relação datado de 30.05.2019 e proferido no processo nº 1760/16.2VCT.G18 Relatora Margarida Sousa)
Não merece, pois, censura o decidido, sendo as demais considerações apontadas pela recorrente irrelevantes.
***
2) A quantia de 40.000,00 € a título de indemnização do dano não patrimonial

Pelo dano patrimonial supra referido a decisão recorrida, para o compensar fixou a indemnização em EUR 40.000,00.

A recorrente insurge-se contra esta decisão, pretendendo que se fixe esta indemnização em EUR 26. 000,00.

No que se reporta a esta questão deve dizer-se que “o juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade” – cf. Acórdão do STJ de 27/05/2010, in www.dgsi.pt – o que suporta o nosso entendimento no sentido da confirmação do montante fixado na 1.ª instância a título de danos não patrimoniais.

É que, no caso dos danos não patrimoniais, não há a intenção de pagar ou indemnizar o dano, mas apenas o intuito de atenuar um mal consumado, sabendo-se que a composição pecuniária pode servir para satisfação das mais variadas necessidades, desde as mais grosseiras e elementares às de mais elevada espiritualidade, tudo dependendo, nesse aspeto, da utilização que dela se faça - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 5ª edição, páginas 563 e 564.
Como também se tem dito, trata-se de prejuízos de natureza infungível, em que, por isso, não é possível uma reintegração por equivalente, como acontece com a indemnização, mas tão-só um almejo de compensação que proporcione ao beneficiário certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro. A indemnização tem aqui um papel mais compensatório, mais do que reconstitutivo.
Como ensina Antunes Varela in ob. cit., pág. 568, “a indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”.
O dano deve ser de tal modo grave que justifique a tutela do Direito, pela concessão da satisfação de ordem pecuniária – artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil.
O montante da indemnização deve ser fixado equitativamente pelo tribunal (nº 3 do referido art.º 496º), através de adequado e equilibrado critério de justiça material e concreta.
Atentando-se, ainda, que a jurisprudência do nosso STJ, em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a respectiva compensação deve constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, assim, ser miserabilista. Devendo, para responder actualizadamente ao comando do art. 496°, constituir uma efectiva possibilidade compensatória, devendo ser significativa, desse modo viabili­zando uma compensação para os danos suportados e a suportar, já que os mesmos, necessariamente, se irão prolongar no tempo. - Cf., entre outros, os de 17.1.2008, proc. 07B4538 e de 29.1.2008, proc. 07A4492 e Ac datado de 28,02 .2013 e relatado pelo Dr. Lopes do Rego in www.dgsi.pt; mas também tem que ser justificada e equilibrada, não podendo constituir um enriquecimento abusivo e imoral.
Assim, a apreciação da gravidade do dano, embora tenha de assentar no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjetividade inerente a alguma particular sensibilidade humana, e a fixação da indemnização deve orientar-se em harmonia com os padrões de cálculo adoptados pela jurisprudência mais recente, de modo a salvaguardar as exigências da igualdade no tratamento do caso análogo, uniformizando critérios, o que não é incompatível com o exame das circunstâncias de cada caso.
São de ponderar circunstâncias várias, como a natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas eventualmente sofridas e o grau de risco inerente, os internamentos e a sua duração, o quantum doloris, o dano estético, o período de doença, situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, apresentação e autoestima, alegria de viver, a idade, a esperança de vida e perspetivas para o futuro, entre outras a que acresce, como vimos, o dano biológico na vertente enunciada.
Merecendo ser ainda destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente á União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito á integridade física e á qualidade de vida.
Considerando agora o pendor das prévias decisões jurisprudenciais, dir-se-á que a indemnização pela perda do maior bem, a vida, vem sendo fixada entre os € 50,000,00 e €80,000,00 indo alguns dos mais recentes arestos a € 100,00,00 (conforme indicado no A.C do STJ datado de 03.11.2016 proferido no processo nº 6/15.5T8VFR.P1. S1, relator Ex Conselheiro António Joaquim Piçarra).
Contudo, e embora se possam tomar estes valores como uma referência, serão apenas mais um dos factores de ponderação em causa.
Com efeito, o «montante pecuniário compensatório, a arbitrar genericamente a título de danos de carácter não patrimonial, não tem que obedecer a qualquer critério (obrigatório) de proporcionalidade relativamente ao específico dano morte (compensação pela perda do direito à vida)», «face à natureza, autonomia e especificidade inerentes às duas espécies de danosidade em equação” (Ac. do STJ, de 14.09.2010, Ferreira de Almeida, Processo nº 797/05.1TBSTS.P1).
«Na realidade, embora se reconhecendo que o direito à vida é o valor supremo em si mesmo, há situações em que a sobrevivência a um acidente ou desastre corresponde a uma forma insidiosa de opressão contínua e de desfalecimento, cuja dor, pela sua persistência e gravidade se instala na vítima a tal ponto e por tanto tempo que a faz crer que a vida deixa de valer ou de fazer sentido, porque a depressão ataca profundamente e a vítima se sente morrer a cada dia que passa». Ora, foi considerando-o que, a jurisprudência tem vindo «a atribuir indemnizações compensatórias por danos não patrimoniais a vítimas com graves sequelas ou incapacidades, consideravelmente superiores às compensações geralmente atribuídas pela perda do direito à vida” (Ac. do STJ, de 20.01.2010, Mário Cruz, Processo nº 60/2002.L1. S1).
Com estas coordenadas, há a considerar todas as lesões, dores e sequelas referidas na sentença recorrida, que não vão aqui ser novamente transcritas, porque seria meramente repetitivo. E não serão necessárias mais considerações para se aquilatar da elevada gravidade das lesões sofridas por causa do acidente, bem como das suas sequelas, que acompanharão a Autora pelo resto da vida.
Ponderado o exposto concluímos que, a indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais/morais alcançou o ponto de equilíbrio a que acima se aludiu e deve ser mantida, o que não aconteceu com o valor proposto pela ré.

Para se aferir da razoabilidade deste valor, de modo particular na jurisprudência é de referir as recentes decisões do Supremo Tribunal de Justiça publicitadas no site www.dgsi.pt.:

- Ac STJ 03 de dezembro de 2015 (Proc. 3969/07.0TBBCL.G1. S1, 2ª secção) - em 04.04.2006 a lesada, com 73 anos foi vitima de atropelamento e sofreu fratura dos ossos da perna direita, fratura do olecrâneo direito e traumatismo do hemitorax esquerdo, com fratura de 8 costelas, com uma IPP de 10%, contribuindo com a sua conduta para a produção do embate, foi atribuída uma indemnização por danos morais no montante de € 30.000,00.
- Ac. STJ 04 de junho de 2015, (Proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1, 7º secção) – em acidente que ocorreu em 30 de julho de 2005, a lesada sofreu incapacidade parcial permanente para o trabalho de 16,9 pontos; ponderou-se em sede de danos não patrimoniais: as circunstâncias do acidente, o sofrimento que implicou, os tratamentos médicos, intervenções, internamentos e períodos que se lhe seguiram que se prolongaram no tempo, tendo a lesada apenas tido alta mais de 4 anos depois do acidente; (ii) a repercussão não patrimonial da incapacidade parcial permanente fixada à autora; (iii) as sequelas do acidente, as repercussões estéticas, as dores e demais sofrimento que se prolongarão pela vida da autora, que à data do acidente era saudável e tinha apenas 17 anos, e, finalmente; (iv) o grau de culpa da condutora do veículo causador do acidente que resultou de uma infração séria às regras de circulação automóvel, traduzidas no desrespeito de um sinal de stop colocado à entrada de um cruzamento; mostrou-se ajustado fixar a indemnização devida à autora por danos não patrimoniais em € 40.000,00.
- Ac. STJ 07 de abril de 2016 (Proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1) – em acidente ocorrido em 08-10-2011 : (i) esteve internada durante três semanas, tendo mantido o repouso após a alta hospitalar; (ii) passou a ter incontinência urinária; (iii) as suas lesões estabilizaram em 13-04-2012; (iv) o quantum doloris foi fixado em 4 numa escala de 1 a 7; (v) o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi fixado em 8%; (vi) as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual mas implicam esforços suplementares; (vii) o dano estético foi fixado em 3 numa escala de 1 a 7; (viii) a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer foi fixada em 1 numa escala de 1 a 7; (ix) sofreu angústia de poder vir a falecer e tornou-se uma pessoa triste, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, nervosa, desgostosa da vida e inibida e diminuída física e esteticamente, quando antes era uma pessoa dinâmica, expedita, diligente, trabalhadora, alegre e confiante, considerou-se justa e adequada a fixação da compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 50 000,00.
- Ac. STJ 19 de fevereiro de 2015 (Proc. 99/12.7TCGMR.G1.S1, 2ª secção) considerou-se adequada a quantia de € 20 000 arbitrada a título de danos não patrimoniais tendo em atenção que (i) à data do acidente o autor tinha 43 anos de idade; (ii) em consequência do acidente sofreu traumatismo do ombro direito, com fratura do colo do úmero, fratura do troquiter, traumatismo do punho direito, com fratura do escafoide, traumatismo do ombro esquerdo, com contusão, (iii) foi submetido a exames radiológicos e sujeito a imobilização do ombro com “velpeau”; (iv) foi seguido pelos Serviços Clínicos em Braga e submetido a uma intervenção cirúrgica ao escafoide; (v) foi submetido a tratamento fisiátrico; (vi) mantém material de osteossíntese no osso escafoide; (vii) teve de permanecer em repouso; (viii) ficou com cicatriz com 5 cms, vertical, na face anterior do punho; (ix) teve dores no momento do acidente e no decurso do tratamento; e (x) as sequelas de que ficou a padecer continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodos e mal-estar que o vão acompanhar toda a vida e que se acentuam com as mudanças do tempo, sendo de quantificar o quantum doloris em grau 4 numa escala de 1 a 7.
- Ac. STJ 21 de janeiro de 2016 (Proc. 1021/11.3TBABT.E1.S1, 7ª secção) - em acidente ocorrido em 12 de setembro de 2009 considerou-se adequado atribuir ao lesado pelas lesões sofridas em acidente de viação o montante de €50.000,00, atribuído como compensação dos danos não patrimoniais, num caso caracterizado pela existência de múltiplos traumatismos (traumatismo na bacia, traumatismo toráxico, com hemotórax, traumatismo crânio-encefálico grave, com hemorragia subaracnoideia e contusão cortico-frontal, à esquerda, traumatismo abdominal, fratura do condilo occipital esquerdo, fratura do acetábulo direito e desernevação do ciático popliteu externo direito), envolvendo sequelas relevantes ao nível psicológico e de comportamento, produzindo as lesões internamento durante 83 dias, quantum doloris de 5 pontos em 7 e dano estético de 2 pontos em 7; ficando com um deficit funcional permanente da integridade físico - psíquica, fixável em 16 pontos, e com repercussão nas atividades desportivas e de lazer, fixável em grau 2 em 7,envolvendo ainda claudicação na marcha e rigidez da anca direita; implicando limitações da marcha, corrida, e todas as atividades físicas que envolvam os membros inferiores e determinando alteração relevante no padrão de vida pessoal do lesado, que coxeia e é inseguro, física e psiquicamente, triste, deprimido e com limitação na capacidade de iniciativa; sofrendo incómodos, angústias e perturbações resultantes das lesões que teve, dos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que foi sujeito; terá de suportar até ao fim dos seus dias os sofrimentos e incómodos irreversivelmente decorrentes das limitações com que ficou.
- Ac. STJ 26 de janeiro de 2016 (Proc. 2185/04.8TBOER.L1.S1, 6ª secção) - em acidente ocorrido em 27 de janeiro 2000, com culpa exclusiva do causador do acidente, o lesado sofreu lesão que provocou encurtamento de 4 cm, na perna esquerda e pela lesão na perna direita coxeia, sente dores ao andar, não dobra a perna esquerda na totalidade, para lá das lesões permanentes que afetam os seus membros superiores, tendo ainda em conta que, desde os 20 anos, o Autor viu condicionada a sua integridade física, ficou afetado física e psicologicamente, não sendo razoável considerar que a sua menos valia física, relevante para quantificar o dano patrimonial, não seja valorada como sofrimento, pelo sentimento de inferioridade psicológica que representa alguém jovem e saudável, sendo desportista, e apreciador dos prazeres da vida, se vê com o corpo com cicatrizes em zonas visíveis e padeceu de acentuado grau de sofrimento e relevante dano estético, com sequelas psicológicas que implicam perda de autoestima e sentimentos de inibição, levando à alteração do padrão de vida pessoal e social. Considerou-se adequado para compensação do dano não patrimonial, com base na equidade a quantia de € 45 000,00.
Extrai-se das doutas decisões que a natureza das lesões sofridas são semelhantes às sofridas pela autora (fraturas de membros inferiores ou superiores, com internamento hospitalar e intervenções cirúrgicas), as quais determinaram sempre uma incapacidade, com prejuízo estético e limitações funcionais, sendo que nas indemnizações arbitradas de valor superior estão em causa lesões e sequelas mais graves, sendo o lesado mais jovem.
Por último, diz a Ré/Recorrente que Lê-se na Decisão da Sentença ora em crise que sobre o total de €77.000,00 em que a Ré foi condenada incidem juros calculados desde a citação
Resulta, porém, da Sentença em crise, que o montante relativo à perda de capacidade de ganho foi obtido com recurso à equidade: “terá que ancorar-se primordialmente na equidade…”; “afigura-se nos adequado e equitativo fixar em €40.000,00”.
É igualmente esse o critério seguido no que respeita aos danos não patrimoniais: corresponde à regra comummente seguida; é o que resulta do uso da expressão “afigura-se-nos adequada”.
Ora, se os montantes arbitrados foram obtidos com recurso a critérios de equidade, tal significa que se encontram actulizados à data da prolação da Sentença,
Pelo que devem os juros em que a Ré foi condenada ser contabilizados não desde a citação, mas sim desde a data da Sentença.
Que dizer?
Como se sabe, de acordo com o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2002, de acordo com o qual, sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566º do CCiv, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º/3 (interpretado restritivamente), e 806º/1, ambos do CC, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação.
O princípio contido nessa decisão é o de evitar a duplicação de benefícios resultantes do decurso do tempo, fazendo incidir uma taxa de juro e procedendo à atualização da indemnização, nos termos do artigo 566º, nº 2, do CC
Na verdade, quando no cálculo do valor dos danos se leva em consideração a desvalorização monetária entre o momento da lesão e o da decisão, a indemnização arbitrada já compreende o prejuízo que os juros moratórios visam reparar relativamente a esse período, sendo que, doutro modo, a incidência de juros moratórios sobre o montante alcançado proporcionaria ao lesado-credor uma vantagem alheia ao fim económico da atribuição do direito àqueles juros.
Daí que seja correto dizer-se que quando se recorre à equidade para a fixação da indemnização se deva colocar, na medida em que o recurso à equidade pode integrar a ponderação da desvalorização da moeda, a questão do momento a partir do qual são devidos juros, independentemente, pois, de estarem em causa danos não patrimoniais ou patrimoniais.
Todavia, não se pode esquecer que, como se frisa no Acórdão do STJ de 13.07.2004 (Relator Salvador da Costa) “o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº. 4/2002, de 9 de Maio, assenta na ideia de uma decisão actualizadora da indemnização em razão da inflação no período compreendido entre ela e o momento do evento danoso, decisão que, tendo em conta a motivação daquele Acórdão, tem que ter alguma expressão no sentido da utilização, no cálculo da indemnização ou da compensação, do critério da diferença de esfera jurídico-patrimonial a que se reporta o nº. 2 do artigo 566º do Código Civil, incluindo a menção à desvalorização do valor da moeda”, pelo que “se na sentença apelada nada se expressou sobre a impropriamente designada actualização à luz do nº. 2 do artigo 566º do Código Civil, designadamente à consideração da desvalorização da moeda entre o tempo do evento danoso e o da sua prolacção, queda na espécie inaplicável a interpretação da lei decorrente daquele Acórdão”.

No caso, no que concerne à indemnização por danos patrimoniais, não obstante ter julgado de acordo com critérios de equidade, o tribunal de primeira instância, condena a Recorrente a pagar à Recorrida os juros de mora vencidos desde a data de citação até efectivo e integral pagamento, esclarecendo e fundamentando que assim decide porque nos valores que estabeleceu não se procedeu a qualquer actualização. (2)
Carece, pois, de qualquer fundamento o invocado pela Recorrente de que a indemnização foi estabelecida de acordo com juízos de equidade e que “tal significa que se encontram actualizados à data da prolação da Sentença” e que “devem os juros em que a Recorrente foi condenada ser contabilizados não desde a citação, mas sim desde a data da Sentença”.
Improcede, pois, a apelação da Ré na sua totalidade.
***
Sumário (nº 7 do art. 663º do CPC)

. A afectação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico – porque é determinante de consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado e, especificamente, também, da sua actividade laboral.
. A indemnização a fixar a título de danos não patrimoniais deverá ser justa e equitativa, ou seja, não se apresentar como um montante meramente simbólico ou miserabilista, mas representar a quantia adequada a viabilizar um lenitivo ao lesado pelos padecimentos que sofreu em consequência do sinistro.

IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando e mantendo o decidido na 1ª instância.
Custas pela recorrente
Notifique
Guimarães, 27 Fevereiro de 2020
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)
O presente acórdão é assinado eletronicamente pelos respectivos
Maria Purificação Carvalho (Relatora)
Maria dos Anjos Melo Nogueira (1ª adjunta)
José Cravo (2º adjunto)


1 - Neste sentido ver acórdão do STJ datado de 06.12.2018 proferido no processo nº 52/16.0T8GMR.G1. S2 acessível em dgsi.pt
2 - No caso concreto, porque não se procedeu a qualquer actualização, uma vez que se teve em conta o pedido inicialmente formulado pelo Autor e se consideraram os factos conforme alegados à data da propositura da acção, não se coloca sequer a questão de aplicação ou não de tal jurisprudência. E, não sendo um caso de actualização, os juros são devidos desde a citação. Pois, sempre perfilhámos o entendimento de que também aos danos não patrimoniais se aplica o disposto no art. 805º, nº 3 do C.C., uma vez que a lei aí não faz qualquer distinção entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, seguido, entre outros, no Ac. do S.T.J. de 26/5/93, C.J.S.T.J., ano I, tomo 2, pág. 130 .São pois devidos juros desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4% (art. 559º, nº 1 do C. Civil e Portaria 291/03, de 08/04), ou outra que legalmente venha a estar em vigor.” – Sentença páginas 17 e 18.