Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
975/17.0T8BGC.G1
Relator: RAQUEL BATISTA TAVARES
Descritores: PRIVAÇÃO DE LIBERDADE
INDEMNIZAÇÃO
RESPONSABILIDADE DO ESTADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A alínea c) do n.º 1 do artigo 225º do Código de Processo Penal, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, foi verdadeiramente inovadora ao consagrar um novo fundamento de indemnização: o legislador previu expressamente a obrigação do Estado indemnizar o lesado em casos em que a prisão preventiva ou a obrigação de permanência na habitação aplicadas não foram ilegais e nem se verificou qualquer erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependiam, mas veio a comprovar-se que o arguido não foi o agente do crime ou atuou justificadamente.

II- Tendo por base as regras da interpretação da lei, em particular o n.º 2 do artigo 9º do Código Civil, temos de concluir da interpretação do artigo 225º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Penal, recorrendo aos trabalhos preparatórios, que a opção do legislador ao referir-se ao “comprovar” quer significar que o direito de indemnização apenas está reservado ao arguido que tenha sido absolvido sem dúvidas acerca da sua inocência e que foi vontade do legislador restringir a indemnização aos arguidos absolvidos por intermédio do princípio in dubio pro reo.

III- Com a redação introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, veio assim consagrar-se, no n.º 1 do artigo 225º do Código de Processo Penal, que quem sofreu detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação tem direito a ser indemnizado pelos danos sofridos nos seguintes casos:
- se a privação da liberdade for ilegal, nos termos do n.º 1 do artigo 220º ou do n.º 2 do artigo 222º do Código de Processo Penal;
- se a privação da liberdade se tiver devido a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia;
- se se comprovar que o arguido não foi agente do crime ou atuou justificadamente.

IV- Conforme preceitua o n.º 5 do artigo 27º da Constituição da republica Portuguesa a privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado.

V- Contudo, este preceito (n.º 5 do artigo 27º) remete para a lei ordinária os termos em que o Estado se constitui nesse dever de indemnizar, reservando para o legislador ordinário tal encargo, e não fornecendo qualquer critério orientador sobre os pressupostos dessa indemnização.

VI- E o legislador ordinário entendeu que a indemnização só é devida se se mostrar comprovado que o arguido não foi o agente do crime ou que atuou justificadamente.

VII - Tal opção não contraria a Constituição pois esta, impondo o dever de indemnizar por parte do Estado se a privação da liberdade o foi contra o disposto na Constituição e na lei, não impõe que o Estado indemnize todas as pessoas sujeitas a prisão preventiva que depois venham a ser absolvidas em obediência ao princípio do in dubio pro reo.

VIII - Não é inconstitucional a norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 225.º do Código de Processo Penal quando interpretada no sentido de fazer depender o direito à indemnização, em resultado da prisão preventiva, da comprovação de que o arguido não cometeu o(s) crime(s) de que era acusado, ou que atuou justificadamente.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

A. S. intentou a presente acção de processo comum contra o ESTADO PORTUGUÊS, peticionando a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia total de €200.000,00 (duzentos mil euros), a título de compensação por todos os danos morais, acrescida dos respectivos juros legais, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Para o efeito, e em síntese, alegou factos tendentes a demonstrar que o Réu está constituído na obrigação de indemnizar os danos peticionados.
Regularmente citado, o Ministério Público, em representação do Estado Português, apresentou contestação invocando a excepção da incompetência material do tribunal administrativo e a caducidade do direito de acção e impugnou parte dos factos articulados pelo Autor.
O Tribunal Administrativo declarou-se materialmente incompetente, sendo o processo remetido ao Tribunal Judicial da Comarca de Bragança.
Em sede de audiência prévia, o Autor respondeu à excepção de caducidade.
Foi Proferido despacho saneador, que, além do mais, julgou improcedente a excepção de caducidade, e foi proferido despacho a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova.

Veio a efectivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:
“Pelo exposto, julgo a acção improcedente e, em consequência, absolvo o Réu dos pedidos.
Condeno o Autor nas custas (cf. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do C. P. Civil).
Registe e notifique..”

Inconformado, apelou o Autor concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“1ª Salvo o devido respeito, que é muito, não pode o ora Recorrente concordar com a douta Sentença, que julgou improcedente o pedido de indemnização formulado pelo Autor.
2ª Entende-se que atenta a factualidade dada como provada na douta Sentença, - o A. ficou triste, revoltado, chorando, é um homem que não dorme, com falta de apetite, que não consegue socializar, a mulher afastou-se dele, jamais as pessoas deixarão de o apontar, sofrerá esse estigma para o resto da sua vida. Hoje é infeliz, anda deprimido, deixou de fazer o que mais gosta. Factos provados de 27 a 48, coadjugado com os restantes que se explanaram e expõem nas conclusões a Ré deveria ter sido condenada.
3ª O Recorrente foi detido em 26 de Maio de 2014, sujeito a 1º interrogatório judicial a 28 de Maio de 2014, tendo-lhe sido aplicada a medida de prisão preventiva.
4ª Tal medida de coacção foi substituída, por despacho de 13/06/2014, pela medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica.
5ª Esteve, assim, o Recorrente privado da liberdade, 20 dias em prisão preventiva e 8 meses e 19 dias em prisão domiciliária.
6ª Quando foi detido e depois apresentado a 1º interrogatório judicial, o Autor prestou-se de imediato a explicar que não esteve no local dos factos, desconhecia as pessoas e os factos e como e onde esteve durante esse dia, sem que tenham sido feitas diligências para se apurar da veracidade de tais argumentos
7ª No auto de notícia, o lesado/ofendido, C. L., informou que era proprietário de um stand e que, momentos antes, teria sido abordado no interior do escritório do stand por três indivíduos de sexo masculino, possivelmente de etnia cigana
8ª No auto de investigação da PJ – auto de reconhecimento – há testemunhas dos factos que não reconheceram o arguido, ora Autor .
9ª Nas suas declarações prestadas em 1º interrogatório, o Recorrente negou a prática dos factos, argumentando na sua defesa que naquele dia e hora em que os factos alegadamente ocorreram estava em Mirandela e tinha ido buscar a sua neta ao Infantário
10ª Ora, a medida de coacção de prisão preventiva aplicada pelo Juiz de Instrução em sede de 1º interrogatório, só podia ser aplicada se houvesse fortes indícios conforme prescreve o art. 202º do CPP.
11ª Tal Despacho que determinou a prisão preventiva fez aplicação manifestamente errada das normas que estabelecem os pressupostos de aplicação da medida de coacção.
12ª Porquanto a prova indiciária existente era completamente inconsistente porque o próprio denunciante e ofendido C. L., apresentou queixa crime contra desconhecidos e a única descrição dos alegados autores do crime circunscreve-se a que seriam três indivíduos de etnia cigana,
13ª No auto de reconhecimento, as testemunhas oculares dos factos não reconheceram o arguido, nem tão pouco este tem qualquer semelhança com indivíduos dessa etnia.
14ª O artigo 193º, nº 2, do CPP, impõe o poder-dever de só aplicar-se a prisão preventiva como último recurso.
15ª Face a esses indícios que não passavam de meras suposições ou suspeições genéricas e inconclusivas, que incidiu sobre o primeiro e essencial pressuposto de que dependia o decretamento da prisão preventiva, traduz-se, na nossa modesta opinião, num erro grosseiro ou, pelo menos, acto temerário que o decisor devia ter evitado.
16ª Deste modo, verifica-se uma errada interpretação do Direito, o que conduz a uma errada subsunção dos factos dados como provados ao Direito aplicável e, por via disso, andou mal o Tribunal “a quo” ao não condenar o Réu na indemnização peticionada, em clara violação, entre outros, dos artigos 225º, nº 1, alínea b) e nº 2, do CPP e artigo 22º e 27º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.
17ª Sem prescindir do anteriormente alegado, entendeu ainda o douto Tribunal “a quo” que o Autor não demonstrou que o Tribunal Colectivo tenha comprovado que não foi o agente dos crimes ou tenha actuado justificadamente, o que afasta a aplicação da alínea c) do nº 1 do artigo 225º do CPP.
18ª Não pode o Recorrente concordar com este entendimento.
19ª Do Acórdão do tribunal Colectivo no qual o recorrente foi absolvido consta que “face à não pronúncia dos arguidos C. X. e J. P., ficou o Tribunal sem apurar o motivo e a que título os arguidos (nomeadamente, o Autor) se poderiam ter dirigido ao referido stand (local dos factos) e praticado os factos que lhe são imputados – ponto 18 dos Factos Provados.
20ª Deste modo, salvo melhor entendimento, o Recorrente provou nesta acção que efectivamente não praticou o crime ou crimes de que era acusado e pelos quais foi absolvido porque se ao tempo dos factos se encontrava em Mirandela e se esse local como é sabido dista cerca de 120 km do local onde os factos que lhe eram imputados ocorreram, é manifesto e resulta à evidência e das regras da experiência comum, que não foi o Recorrente o autor dos crimes.
21ª Tendo sido absolvido, o Recorrente provou a sua inocência e tem que se concluir que se verificam os respectivos pressupostos legais, mormente o dispostos no artigo 225, alínea c) do CPP e os constantes do artigo 483º do Código Civil.
22ª Actualmente não se concebe uma distinção entre sentenças absolutórias de primeira categoria, (aquelas em que se comprove a inocência do arguido) e sentenças absolutórias de segunda categoria(aquelas em que não se comprove a inocência do arguido).”vide Comentário ao Cod. Proc Penal, de Paulo Pinto de Albuquerque pag. 595”
23ª Sem prescindir, acresce que, salvo melhor opinião, a norma e a interpretação dada na douta sentença ao artº 225º. nº1 al.c) é inconstitucional violando o Art 32 da CRP. o que se invoca para os devidos e legais efeitos.
24ª Esta norma e esta interpretação de que se exige a prova da sua inocência(sentenças absolutórias de primeira categoria) para poder ser ressarcido pelos danos sofridos viola o principio da presunção de inocência, prejudicando manifestamente o arguido absolvido por força do principio “in dúbio pro reu”.
25ª De resto, a solução de indemnizar todos os arguidos que tenham estado presos preventivamente ou privados da sua liberdade corresponde ao ponto 34 da Recomendação (2006) do Conselho da Europa) que aponta exactamente para a reparação de todas as pessoas que não sejam condenadas pelos crimes à conta dos quais sofreram prisão preventiva ou outra forma de privação da liberdade.
26ª O que tem acontecido pacificamente em todos acórdãos do TEDH sobre casos idênticos. ).”vide Comentário ao Cod. Proc. Penal, de Paulo Pinto de Albuquerque pag. 595 e sgts” 2007 Universidade Católica
27ª Desaplicando a norma ou a interpretação inconstitucional é aplicável o regime geral de responsabilidade civil directa do Estado por actos da sua função juridiscional para o arguido que sofre prisão preventiva e venha a ser absolvido, com base no artº 22 da CRP. Neste sentido Ac. Stj de 12.11.1998 in Cj, Ac. STJ de 12.10. 2000 in cj ac dos STJ VIII,3 112 e ac. STJ de 11.03.2003 in, Cj XXVIII, 1, 116, A. Trib Rel Ev de 26.09.2002, cj XXVII, 4; 231.
28ª Ao não decidir assim, violou o douto Tribunal “a quo” o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 225º e o nº 2 deste artigo do CPP e os artigos 22º, 27º, nº 5 e 32, ambos da CRP, o que se invoca para os devidos e legais efeitos”.

Pugna o Autor pela integral procedência do recurso e, em consequência, pela revogação da decisão recorrida por outra que considere a presente acção procedente, por provada e condene o Réu no valor indemnizatório peticionado pelo Autor.
O Ministério Público contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelo Recorrente, são as seguintes:

1- Saber se se verifica a situação prevista na alínea b) do artigo 225º do Código de Processo Penal.
2 - Saber se se verifica a situação prevista na alínea c) do artigo 225º do Código de Processo Penal.
3 - Saber se a interpretação da alínea c) do artigo 225º do Código de Processo Penal no sentido de fazer depender o direito à indemnização, em resultado de prisão preventiva ou de obrigação de permanência na habitação, da comprovação de que o arguido não cometeu o(s) crime(s) de que era acusado, ou que atuou justificadamente é inconstitucional por violar o artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos

Factos considerados provados em Primeira Instância:

1.º - O Autor foi detido em 26 de Maio de 2014, pela Brigada da Polícia Judiciária de Braga, e constituído arguido na mesma data, à ordem do processo de inquérito n.º 120/14.4JABRG.
2.º - Tanto a detenção efectuada, como a constituição de Arguido do Autor, foram validadas em 27 de Maio de 2014, pelo Digníssimo(a) Procurador(a) da República, que promoveu o 1.º interrogatório judicial apara aplicação de medidas de coacção diferente da prestada em sede de constituição de arguido por, no seu entender, esta se mostrar insuficiente.
3.º - Um dia depois, ou seja, em 28 de Maio de 2014, o Autor foi ouvido em 1.º interrogatório judicial por Juiz de Instrução no Tribunal Judicial de Felgueiras.
4.º - Nessa mesma data – 28 de Maio de 2014 – a Meritíssima Juiz de Instrução aplicou ao Autor a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, "aplicando-se porém a prisão preventiva enquanto não for possível executar aquela primeira medida".
5.º - O Autor era suspeito da prática de um crime de coacção agravada, na forma tentada, um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, e um crime de ofensa à integridade física qualificado, na forma consumada.
6.º - Nas suas declarações prestadas, em 1.º interrogatório judicial, o Autor negou a prática dos factos que lhe eram imputados, disse desconhecer os ofendidos e que naquele dia 30 de Março de 2014 não se deslocou à cidade de Felgueiras.
7.º - No mesmo interrogatório disse que vivia na cidade de Mirandela e que, no dia dos alegados factos que eram imputados, se deslocara à cidade do Porto para, no IPO, ser visto pelo médico, tendo-se deslocado até lá de autocarro.
8.º - E informou que, nesse mesmo dia e já depois da consulta, regressara à cidade de Mirandela, tendo chegado por volta das 18 horas.
9.º - Além do mais, o Tribunal entendeu que “a postura dos arguidos durante os seus depoimentos, nomeadamente a calma e a frieza com que prestaram declarações, não é compatível com duas pessoas que, de facto, nada tivessem a ver com a factualidade que lhes foi comunicada e, assim, tivessem sido apanhadas “de surpresa” por tas imputações que, na sua tese, seriam falsas. Com efeito, a ser verdade que os dois arguidos não estivessem envolvidos, por que forma fosse, nestes acontecimentos, teria sido uma manifesta surpresa a sua detenção e, certamente, estariam revoltados e até amedrontados com uma tal confusão que os tivesse envolvido em factos a que fossem totalmente alheios. Porém, o que transpareceu das suas vozes e das suas posturas é que nada disto foi uma surpresa para estes e apenas procuravam apresentar de um modo calmo e sereno um alibi para os desresponsabilizar”.
10.º - O Autor deixou a prisão preventiva a 14 de Junho de 2014 e manteve-se com a medida de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, até 05 de Março de 2015.
11.º - Em 28 de Agosto de 2014, foi proferido despacho onde foram reexaminados os pressupostos da medida de coacção aplicada, mantendo-se o estatuto coactivo.
12.º - Em 24 de Novembro de 2014, o Ministério Público/Comarca Porto Este – Felgueiras – DIAO, Secção Única, proferiu despacho de acusação no inquérito n.º 120/14.4JABRG, por entender terem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os crimes e de quem foram os seus agentes.
13.º - O arguido, ora Autor, era acusado da prática, em concurso efectivo, de um crime de coacção agravado, na forma tentada, um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, um crime de ofensa à integridade física qualificado, um crime de sequestro agravado e dois crimes de sequestro.
14.º - Foi requerida a instrução.
15.º - Encerrada a instrução, em 5 de Março de 2015, foi proferido despacho que decidiu não pronunciar o arguido/Autor, pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada; um crime de ofensa à integridade física qualificada; um crime de sequestro agravado e um crime ele sequestro.
16.º - E pronunciar o arguido/Autor, pela prática, em co-autoria e em concurso efectivo, de um crime de coacção agravado, na forma tentada, um crime de homicídio simples, na forma tentada, um crime de ofensa à integridade física simples e um crime de sequestro, p. e p. no art. 158.º/1 do C. P.
17.º - Naquela altura entendeu, o Meritíssimo Juiz de Instrução substituir a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação pelo TIR.
18.º - Em sede de julgamento, perante o Tribunal Colectivo, não se veio a provar, por falta de prova, que o Autor tenha praticado os factos que lhe eram imputados, em co-autoria e em concurso efectivo.
19.º - Por acórdão do tribunal colectivo da Instância Central Criminal de Penafiel, foi absolvido, não só de um crime de coacção agravado, na forma tentada, um crime de homicídio simples, na forma tentada, um crime de ofensa à integridade física simples e um crime de sequestro. Também igualmente ficou, em consequência, absolvido do pedido [cível] contra ele deduzido.
20.º - O Autor juntou aos autos um documento emitido pelo IPO do Porto que atesta a sua presença nesta Instituição entre as 9:30h e as 15:19, no dia 3 de Março de 2014, ou seja, na data em que os alegados factos foram praticados.
21.º - A testemunha L. P., ouvida na audiência de julgamento, declarou que “habitualmente” quem ia buscar a sua neta ao infantário era o seu avô, o Autor.
22.º - No auto de notícia, elaborado pela GNR, C. L., identificado como lesado, após abordagem ao piquete da GNR, informou que era proprietário do stand e que, momentos antes, teria sido abordado no interior do escritório do stand, por três indivíduos do sexo masculino, possivelmente de etnia cigana.
23.º - No auto de investigação da PJ, há uma testemunha dos factos que não reconheceu o arguido, ora Autor.
24.º - Sempre reclamou a sua inocência.
25.º - No acórdão referido em 19.º, “constata-se que, não foram respeitadas as formalidades legais prescritas na lei. Desde logo, em tais autos é omissa a descrição dos indivíduos que irão reconhecer, bem como os que com ele se encontravam na linha de identificação”.
26.º - No acórdão referido em 19.º consta que “face à não pronúncia dos arguidos C. X. e J. P., ficou o tribunal sem apurar o motivo e a que título os arguidos [nomeadamente, o Autor] se poderiam ter dirigido ao referido stand [local dos factos] e praticado os factos que lhe são imputados”.
27.º - O Autor sentia constante desassossego e incerteza, um mal-estar horrível, tristeza, revolta, solidão, isolamento de tudo e todos, chorando em privado e quando era visitado por poucos familiares”.
28.º - Ainda hoje não consegue dormir. 29.º - Tem falta de apetite.
30.º - Sente-se envergonhado e humilhado.
31. º - Ainda hoje as pessoas não acreditam na sua inocência, não obstante ter sido absolvido da prática dos crimes de que foi acusado.
32.º -Não consegue socializar.
33.º - Sempre viveu na zona de Mirandela.
34.º - É pessoa conhecida, foi taxista, camionista e por via disso muitas pessoas o conheciam e conhecem.
35.º - Era uma pessoa que tinha uma boa relação com as pessoas e era conhecido por ser uma pessoa honesta.
36.º - Desde que foi preso as pessoas começaram a olhá-lo de forma diferente, tecendo comentários acerca da sua pessoa, colocando a sua seriedade e honestidade em causa.
37.º - A sua reacção era chorar e fechar-se casa. Não conseguia comer.
38.º - Deixou de sorrir e de olhar para a vida com a felicidade que antes sentia.
39.º - É uma pessoa infeliz e que nunca mais vai voltar a ser o mesmo.
40º - Sofre de deficiência física – perna. 41.º - A sua mulher afastou-se dele.
42.º - Enquanto esteve preso, viu-se privado da companhia dos seus entes mais queridos.
43.º - Hoje, é uma pessoa triste, infeliz, deprimida, sem vontade de viver e que não consegue ter um pouco de paz.
44.º - A sua mulher desacreditou nele e afastou-se; ainda hoje a sua relação não esta nas condições que existiam antes da detenção.
45.º - Deixou de fazer o que mais gostava na sua vida, conduzir, ver os jogos de futebol na televisão, estar com os amigos no café; um passatempo de mecânica numa oficina, onde passava parte do seu tempo.
46.º - O Autor foi um homem simples, honesto, trabalhador e respeitador dos outros, convivendo com toda a gente, tendo sã convivência com a sua família e amor pelos filhos e netos.
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3.2. O DIREITO

Tal como já delimitado importa apreciar e decidir no presente recurso se no caso dos autos estamos perante uma situação enquadrável na alínea b) do n.º 1 do artigo 225º do Código de Processo Penal, isto é se a sua privação da liberdade se deveu a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia, ou enquadrável na alínea c) do mesmo preceito, ou seja se se mostra comprovado que o arguido não foi agente do crime ou atuou justificadamente.
O Autor veio efetivamente demandar nos presentes autos o Estado Português peticionando a quantia de €200.000,00 a título de compensação por danos morais e fundando a sua pretensão nas referidas alíneas b) e c) do artigo 225º do Código de Processo Penal e ainda nos artigos 22º, 26º e 27º da Constituição da República Portuguesa.
Foi entendimento do tribunal a quo, plasmado na sentença recorrida, que a privação de liberdade do Autor não ocorreu devido a erro grosseiro (ou temerário) na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia a aplicação, excluindo a aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 225º, e que o Autor não demostrou que o tribunal coletivo haja comprovado que não foi agente dos crimes ou tenha atuado justificadamente, afastando também a aplicação da alínea c) dos mesmo preceito.
É contra este entendimento que se insurge o Recorrente sustentando que em face da factualidade até então recolhida a valoração efetuada traduz um erro grosseiro ou pelo menos de ato temerário e que provou que efetivamente não praticou o crime ou crimes de que era acusado.

Vejamos então se lhe assiste razão.

Dispõe o n.º 1 do artigo 225º do Código de Processo Penal, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, (e que tem aplicação no caso concreto) que “Quem tiver sofrido detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos quando: a) A privação da liberdade for ilegal, nos termos do n.º 1 do artigo 220.º, ou do n.º 2 do artigo 222.º; b) A privação da liberdade se tiver devido a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia; ou c) Se comprovar que o arguido não foi agente do crime ou atuou justificadamente”.
Na sua versão primitiva (redação dada pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro) dispunha este preceito que quem tivesse sofrido detenção ou prisão preventiva manifestamente ilegal podia requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos com a privação da liberdade (n.º 1), aplicando-se ainda tal disposição, segundo o n.º 2 do preceito, a quem tivesse sofrido prisão preventiva que, não sendo ilegal, viesse a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia, se a privação da liberdade lhe tiver causado prejuízos anómalos e de particular gravidade, ressalvando-se o caso de o preso ter concorrido, por dolo ou negligência, para esse erro.
Entretanto, o artigo 225º veio a sofrer alteração na sua redação com a Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto passando a ter a seguinte redação: “1 - Quem tiver sofrido detenção ou prisão preventiva manifestamente ilegal pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos com a privação da liberdade. 2 - O disposto no número anterior aplica-se a quem tiver sofrido prisão preventiva que, não sendo ilegal, venha a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia. Ressalva-se o caso de o preso ter concorrido, por dolo ou negligência, para aquele erro”.
O n.º 1 do preceito abarcava os casos de detenção ou prisão preventiva manifestamente ilegal e o n.º 2 os casos em que a prisão preventiva, ainda que não sendo ilegal ou manifestamente ilegal e não caindo na previsão do n.º 1, viesse a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia.
Podemos, por isso, dizer que antes da redação introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, a lei fazia depender a atribuição de uma indemnização a quem tivesse estado sujeito a prisão preventiva da verificação de um daqueles referidos requisitos: ou da sua manifesta ilegalidade ou da existência de erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto que determinavam a sua aplicação.
As situações de indemnização por prisão preventiva previstas no n.º 2 do artigo 225º pressupunham, ao contrário da previsão contida no seu n.º 1, a legalidade da prisão preventiva, aplicando-se aos casos de prisão preventiva materialmente injustificada, isto é, quando tivesse sido decretada com erro grosseiro na avaliação dos respetivos pressupostos de facto.

Com a redação introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, veio consagrar-se que quem sofreu detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação tem direito a ser indemnizado pelos danos sofridos nos seguintes casos:

1 - se a privação da liberdade for ilegal, nos termos do n.º 1 do artigo 220º ou do n.º 2 do artigo 222º do Código de Processo Penal;
2 - se a privação da liberdade se tiver devido a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia;
3 - se se comprovar que o arguido não foi agente do crime ou atuou justificadamente.

Paulo Pinto de Albuquerque, em análise crítica à nova redação deste preceito anotava que “O fundamento da «ilegalidade» da privação da liberdade pressupõe a existência de uma decisão judicial que declarou a ilegalidade da privação da liberdade com os fundamentos dos arts. 220.º, n.º 1, e 222.º, n.º 1, do CPP, e em consequência, revogou a privação de liberdade. Esta formulação da lei visa concretizar a expressão usada na lei anterior, que referia apenas a «manifesta ilegalidade» da privação da liberdade e cuja constitucionalidade foi apreciada pelo acórdão do TC n.º 160/95. (…) O erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto da privação da liberdade é um erro indesculpável, crasso ou palmar, cometido contra todas as evidências e no qual incorre quem atua sem os conhecimentos ou as diligências exigíveis, bem como o ato temerário, no qual, devido à ambiguidade da situação, se corre o risco evidente de provocar um resultado injusto (…) A Lei n.º 59/98, de 25-08, suprimiu a exigência de que a privação da liberdade resultante do erro grosseiro devesse ter causado «prejuízos anómalos e de particular gravidade». Os pressupostos de facto da privação da liberdade devem ser avaliados à luz das circunstâncias do momento em que foi aplicada a medida de coação ou detida a pessoa (…) Isto é, o tribunal deve proceder a um juízo de prognose póstuma reportado à data em que foi proferida a decisão. A privação de liberdade relevante para efeito de indemnização diz respeito à prisão preventiva, à obrigação de permanência na habitação ou qualquer outra forma de «detenção» ordenada com fim processual (…) independentemente da natureza criminal ou não criminal do processo, incluindo, portanto, a detenção, a prisão preventiva, a obrigação de permanência na habitação e a privação da liberdade sofridas ao abrigo da Lei n.º 36/98, de 24-07, da Lei n.º 144/99, de 31-08, da Lei n.º 65/2003, de 23-08, e da Lei n.º 23/2007, de 04-07. (…) A Lei n.º 48/2007, de 29-08, introduziu um novo fundamento de indemnização: a comprovação no processo criminal de que o arguido não foi agente ou atuou justificadamente. Portanto, o tribunal cível poderá recusar indemnização sempre que não se tiver comprovado que o arguido não foi o agente do crime ou atuou justificadamente, isto é, sempre que o tribunal de condenação tenha absolvido com base no princípio in dubio pro reo ou tenha absolvido com base em causa de extinção da responsabilidade criminal diferente da justificação do ato” (Comentário ao Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição atualizada, 2011, páginas 641 e 642, apud Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/12/2013, Relator Conselheiro Martins de Sousa, www.dgsi.pt).

No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/10/2011 (Relator, por vencimento, Conselheiro Moreira Alves, disponível em www.dgsi.pt), distinguindo a ilegalidade da prisão preventiva, dos casos de prisão injustificada considerou-se que “Se o despacho que determinou a prisão preventiva do autor fez aplicação manifestamente errada das normas que estabelecem os pressupostos de aplicação da referida medida, maxime, do art. 202.º, n.º 1, al. a), do CPP, na medida em que não analisou a prova indiciária existente (e que era completamente inconsistente) no sentido de verificar e ponderar, como era elementar, da existência de fortes indícios da prática dos crimes imputados ao autor na acusação, condição primeira e necessária da aplicação da medida, estar-se-á no campo do erro de direito, que se mostra grosseiro, evidente e fora do campo em que é natural a incerteza, gerador, por isso, da manifesta ilegalidade da prisão preventiva decretada (art. 225.º, n.º 1, do CPP)” e que se estará no âmbito do erro do facto, do erro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia a aplicação da medida a que se refere o n.º 2 do artigo 225º “perante o erro na apreciação dos indícios disponíveis da prática dos crimes, que é a primeira operação a realizar pelo julgador e da qual depende, desde logo, a aplicação da medida.”
Mas verdadeiramente inovadora foi a alínea c) introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, consagrando um novo fundamento de indemnização: o legislador previu expressamente a obrigação do Estado indemnizar o lesado em casos em que a prisão preventiva que lhe foi aplicada ou a obrigação de permanência na habitação não foram ilegais e nem se verificou qualquer erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia, mas veio a comprovar-se que o arguido não foi agente do crime ou atuou justificadamente.
Na exposição dos motivos presente na Proposta de Lei n.º 109/X (página 0009, DR II Série A - Número 031, de 23 de Dezembro de 2006) salienta-se que foi vontade do legislador estabelecer um novo regime de indemnização já que “…atribui-se o direito de ser indemnizado a quem tiver sofrido detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação e não for condenado por não ter sido o agente do crime ou por ter atuado justificadamente. Apesar de a medida de privação da liberdade ter sido corretamente aplicada, é justo que o Estado de direito assuma a responsabilidade pelos danos sofridos por arguidos inocentes.”

No caso concreto não está em causa averiguar da existência de prisão preventiva manifestamente ilegal nos termos da alínea a), uma vez que o objeto do presente recurso se encontra delimitado à apreciação das alíneas b) e c) do n.º 1 do referido artigo 225º.
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Analisemos então se estamos perante um erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia a aplicação da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação.
Conforme já referimos o que está aqui em causa é o erro de facto que incide sobra a factualidade que o julgador teve em consideração para fundamentar a decisão de aplicar a medida de coação de prisão preventiva e de obrigação de permanência na habitação e não qualquer outra, menos gravosa: o erro que se traduz na falta da correspondência entre os motivos de facto em que se fundou a decisão e a realidade concreta revelada no processo.
De todo o modo, não basta a existência de um qualquer erro pois só o erro suscetível de ser qualificado como grosseiro confere o direito à indemnização, sendo certo que a par do erro grosseiro propriamente dito, tem-se entendido que o preceito abrange ainda o chamado ato temerário.
O erro há-de pois ser manifesto, notório, crasso, evidente e indesculpável fruto de uma atuação judicial arbitrária, absolutamente inadmissível ou inconcebível; um erro que nenhum juiz de diligência média teria cometido, atuando com um mínimo de prudência e responsabilidade (v. Acórdão da Relação de Lisboa de 10/10/2017, Processo n.º 6568/16.2T8SNT.L1).
Tal como se refere na sentença recorrida citando o ensinamento de Manuel de Andrade (Teoria Geral, Vol. II, página 239) o erro grosseiro é o erro “escandaloso, crasso, supino (...) aquele em que não teria caído uma pessoa dotada de normal inteligência, experiência e circunspeção”.
Por ato temerário deverá entender-se aquele que, integrando um erro decorrente da violação de solução que os elementos de facto notória ou manifestamente aconselham, se situa num nível de indesculpabilidade e gravidade elevada, embora de menor grau que o erro grosseiro propriamente dito (v. o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/10/2011); é de considerar, conforme vem sendo entendimento uniforme, que a previsão da alínea b) do n.º 2 do artigo 225º do Código de Processo Penal, não obstante falar apenas em erro grosseiro, abrange também o chamado ato temerário, sob pena de se tornar praticamente inaplicável à generalidade dos casos.
De referir ainda que a apreciação a fazer no sentido de qualificar o eventual erro como grosseiro ou temerário, terá necessariamente de se de reportar ao momento, em que a decisão impugnada teve lugar.
Ora, conforme decorre do artigo 202º do Código de Processo Penal a medida de coação de prisão preventiva, além de subsidiária em relação às demais previstas na lei, só pode ser aplicada se “houver fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos”.
E segundo o disposto no artigo 201º do mesmo diploma legal a medida de coação de obrigação de permanência na habitação, também subsidiária em relação às demais previstas na lei, que não a prisão preventiva, também só pode ser aplicada se “houver fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos”.
Tal implica que, no momento da aplicação da medida, se ponderem concreta e criticamente todos os indícios até então recolhidos, sendo que estes só relevam para fundamentar a medida se, tendo em conta as regras da experiência comum, revelarem uma séria probabilidade de ter o arguido praticado os factos que lhe são imputados, isto é se forem firmes e seguros.
Do exposto decorre que é com base nos factos, elementos e circunstâncias que ocorriam na altura em que as medidas de coação foram decretadas, ou mantidas, que temos de avaliar se existe erro grosseiro ou temerário.
Ora, a simples leitura dos factos tidos por provados não revela, considerando a data em que foram aplicadas ao Autor as medidas de coação, bem como quando foram mantidas, a existência de erro grosseiro ou ato temerário.
Na verdade, resulta demonstrado que o Autor foi detido em 26 de Maio de 2014 e constituído arguido na mesma data, à ordem do processo de inquérito n.º 120/14.4JABRG; tanto a detenção como a constituição de arguido do Autor, foram validadas em 27 de Maio de 2014, tendo o Autor sido ouvido em 1.º interrogatório judicial por Juiz de Instrução no Tribunal Judicial de Felgueiras em 28 de Maio de 2014, que nessa data lhe aplicou a medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, “aplicando-se porém a prisão preventiva enquanto não for possível executar aquela primeira medida”.
O Autor deixou a prisão preventiva a 14 de Junho de 2014, mantendo-se com a medida de obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, até 05 de Março de 2015.
O Autor era suspeito da prática de um crime de coação agravada, na forma tentada, um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, e um crime de ofensa à integridade física qualificado, na forma consumada e nas suas declarações prestadas e em 1.º interrogatório judicial, negou a prática dos factos que lhe eram imputados, disse desconhecer os ofendidos e que naquele dia 30 de Março de 2014 não se deslocou à cidade de Felgueiras; disse ainda que vivia na cidade de Mirandela, que, no dia dos alegados factos que eram imputados, se deslocara à cidade do Porto para, no IPO, ser visto pelo médico, tendo-se deslocado até lá de autocarro e que nesse mesmo dia e já depois da consulta, regressara à cidade de Mirandela, tendo chegado por volta das 18 horas.
O Tribunal entendeu, além do mais, que “a postura dos arguidos durante os seus depoimentos, nomeadamente a calma e a frieza com que prestaram declarações, não é compatível com duas pessoas que, de facto, nada tivessem a ver com a factualidade que lhes foi comunicada e, assim, tivessem sido apanhadas “de surpresa” por tas imputações que, na sua tese, seriam falsas. Com efeito, a ser verdade que os dois arguidos não estivessem envolvidos, por que forma fosse, nestes acontecimentos, teria sido uma manifesta surpresa a sua detenção e, certamente, estariam revoltados e até amedrontados com uma tal confusão que os tivesse envolvido em factos a que fossem totalmente alheios. Porém, o que transpareceu das suas vozes e das suas posturas é que nada disto foi uma surpresa para estes e apenas procuravam apresentar de um modo calmo e sereno um alibi para os desresponsabilizar”.

Sustenta o recorrente que a prova indiciária era inconsistente porque o próprio denunciante C. L. apresentou queixa crime contra desconhecidos e que no auto de reconhecimento as testemunhas oculares dos factos o não reconheceram, mas na verdade o que consta do auto de reconhecimento (cfr. a fls. 541 dos presentes autos) é que o referido C. L. no dia 26/05/2014 reconheceu o individuo na posição 1 (ostentando o n.º 1), ou seja o aqui Autor, como sendo aquele que no dia dos factos lhe pontou uma arma de fogo, lhe exigiu dinheiro e lhe fez ameaças de morte; e do auto de reconhecimento efetuado no mesmo dia 26/05/2014 (fls. 542 dos autos) consta ainda que J. P., testemunha dos factos, reconheceu também o aqui Autor como sendo o que no dia dos factos usava óculos de sol.
E se é certo que decorre dos factos provados que o Autor juntou aos autos um documento emitido pelo IPO do Porto que atesta a sua presença nessa Instituição entre as 9:30h e as 15:19, no dia 3 de Março de 2014, ou seja, na data em que os alegados factos foram praticados, não é menos certo que os factos ocorreram, segundo a matéria de facto considerada provada no acórdão proferido no processo crime pelo tribunal coletivo da Instância Central Criminal de Penafiel, pelas 18.30 horas, não decorrendo da junção de tal documento que tendo saído da instituição pelas 15.19 não pudesse estar a essa hora em Felgueiras, local onde ocorreram os factos.
De todo o modo, e conforme bem se salienta na sentença recorrida, não alegou o Autor e não resulta dos factos provados, o momento em que tal documento foi junto, designadamente se se encontrava nos autos no momento em que foi decidida a aplicação da prisão preventiva (veja-se que o despacho proferido elenca os diversos meios de prova em que o tribunal fundou a sua convicção e neles não consta qualquer menção a tal documento), sendo certo que a apreciação a efetuar para qualificar o eventual erro deve reportar-se ao momento da decisão, não relevando a existência de prova que não se encontrava disponível nesse momento.
Acresce ainda que do facto da testemunha L. P., declarar na audiência de julgamento que “habitualmente” quem ia buscar a sua neta ao infantário era o seu avô, o aqui Autor, não decorre que no dia dos concretos factos o Autor efetivamente a foi buscar; de todo o modo estariamos de igual forma perante prova não disponível no momento em que o juiz de instrução proferiu o despacho.
Perante este quadro factual, considerando a fundamentação constante do despacho que aplicou a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação e os meios de prova ao seu dispor não vemos a existência de erro grosseiro ou temerário e nem que devam considerar-se injustificadas por essa via aquelas medidas de coação.
Não ocorreu, pois, erro grosseiro, na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação, sendo certo que não é pelo facto de o Autor ter sido absolvido em julgamento (veja-se ainda que, tendo sido requerida a abertura de instrução, o mesmo foi pronunciado) por força do principio in dubio pro reu que a prisão preventiva ou a permanência na habitação se tornaram injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependiam.
Assim sendo, não existindo prisão preventiva e nem obrigação de permanência na habitação injustificadas por erro grosseiro, não tem o Autor direito à indemnização pretendida com esse fundamento, improcedendo desde logo, e nessa parte, o recurso.
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Analisemos agora se o quadro factual que resulta provado permite enquadrar o caso concreto na alínea c) do n.º 2 do artigo 225º, isto é se se mostra comprovado que o arguido não foi agente do crime ou atuou justificadamente.
Na sentença recorrida foi considerado que o Autor não demonstrou que o tribunal coletivo haja comprovado que não foi o agente dos crimes ou que atuou justificadamente tendo sido afastada a aplicação da referida alínea c).
Sustenta o Recorrente que no acórdão proferido no processo crime consta que “face à não pronúncia dos arguidos C. X. e J. P., ficou o tribunal sem apurar o motivo e a que título os arguidos [nomeadamente, o Autor] se poderiam ter dirigido ao referido stand [local dos factos] e praticado os factos que lhe são imputados” e que em sede dos factos provados consta que foi buscar a sua neta em Mirandela; entende, por isso, ter ficado demonstrado que não cometeu qualquer dos crimes tendo provado que foi ao IPO do Porto e que à hora dos factos tinha ido ao Infantário da Santa Casa em … e que a sua absolvição não se fundamentou somente, nem sobretudo, no principio in dúbio pro reu.
Não tem contudo razão o Recorrente pois da simples leitura do acórdão proferido no processo crime ressalta sem margem para dúvida que a absolvição do Autor tem por base aquele princípio.
Como se pode ler no acórdão proferido pelo tribunal coletivo da Instância Central Criminal de Penafiel “a prova produzida não é de molde a eliminar a persistência da dúvida – positiva e invencível – sobre a exatidão do reconhecimento realizado pela vitima, impondo-se decisão favorável aos arguidos, de harmonia com o principio in dúbio pro reu”; e, após tecer considerações sobre este principio, consigna ainda o tribunal coletivo que “No caso dos autos, não foi produzida prova suficiente para se concluir que foram os arguidos quem praticaram os factos e causaram e as lesões supra referidas (…) Ora, como ensina F. dias, um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido: é com este conteúdo que se afirma o principio in dubio pro reo (…)”.
É neste contexto que se deve fazer a leitura do que também consta do referido acórdão ao referir que “face à não pronúncia dos arguidos C. X. e J. P., ficou o tribunal sem apurar o motivo e a que título os arguidos [nomeadamente, o Autor] se poderiam ter dirigido ao referido stand [local dos factos] e praticado os factos que lhe são imputados”.
E, por outro lado, não é verdade que em sede dos factos provados consta que o Autor foi buscar a sua neta em Mirandela; o que consta dos factos provados é que a testemunha L. P., ouvida na audiência de julgamento, declarou que “habitualmente” quem ia buscar a sua neta ao infantário era o seu avô, o Autor, o que é bem diferente de ficar provado que no dia dos factos foi o Autor efetivamente quem foi buscar a neta.
Do exposto não resta senão concluir conforme consta da decisão recorrida: não resulta comprovado do acórdão proferido pelo tribunal coletivo e nem dos presentes autos que o Autor não foi o agente dos crimes ou que tenha atuado justificadamente.
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Questão distinta é se deve também interpretar-se a alínea c) do n.º 1 do artigo 225º do Código de Processo Penal como abarcando todas as sentenças absolutórias, assim se incluindo no âmbito da norma a absolvição fundada no princípio do in dubio pro reo.
É esta a posição sustentada pelo Recorrente que invoca ainda a inconstitucionalidade da norma se interpretada no sentido de abarcar apenas as sentenças absolutórias em que se comprove a inocência do arguido, por violação do artigo 32º da Constituição da Republica Portuguesa.
Ora, tendo por base as regras da interpretação da lei, em particular o n.º 2 do artigo 9º do Código Civil, temos de concluir da interpretação do artigo 225º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Penal, recorrendo ainda aos trabalhos preparatórios, que a opção do legislador ao referir-se ao “comprovar” quer efetivamente significar que o direito de indemnização apenas está reservado ao arguido que tenha sido absolvido sem dúvidas acerca da sua inocência e que foi vontade do legislador restringir a indemnização aos arguidos absolvidos por intermédio do princípio in dubio pro reo.
Vejamos então se se verifica a invocada inconstitucionalidade por violação do princípio in dúbio pro reo.
Com a redação da alínea c) do n.º 1 do artigo 225º introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto veio a consolidar-se por parte de alguns um entendimento mais abrangente quanto à responsabilidade do Estado nos casos de absolvição de arguidos que estiveram privados da liberdade, pois que “o motivo de injustificação da privação de liberdade mencionado no artigo 225°, nº 1, Alínea c) (…), tornando exigível a prova de que o “arguido não foi agente do crime ou atuou justificadamente” parece cobrir apenas os casos em que a decisão final proferida no processo penal declara a inocência do arguido ou considera que o facto não é punível por se encontrar excluída a ilicitude ou a culpa, afastando portanto as hipóteses em que o preso preventivo tenha vindo a ser absolvido por insuficiência de provas, com base na aplicação do princípio in dubio pro reo” (Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, Coimbra Editora, 2ª edição, Junho de 2011, página 254; v. também Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, Volume I, 3ª Edição, página 1462 e seguintes).
Podemos assim falar em duas correntes quanto à interpretação e aplicação da referida alínea c): de um lado os que defendem uma interpretação literal do preceito, por o não considerarem inconstitucional, não abarcando os casos em que o arguido é absolvido por insuficiência de provas, com base na aplicação do princípio in dubio pro reo, e do outro lado, os que, julgam a norma inconstitucional por considerarem que o arguido não tem que provar a sua inocência, e que ao exigir que o arguido tenha de fazer prova, na ação de indemnização, de que não cometeu o crime ou que atuou justificadamente se viola o principio in dubio pro reo, constitucionalmente consagrado.
É nesta última posição que se integra o Recorrente.
Não é, contudo, salvo o devido respeito por tal posição, o entendimento que perfilhamos pelo que não sustentamos a inconstitucionalidade da norma constante da referida alínea c) do n.º 1 do artigo 225º quando interpretada nos termos referidos: que o direito de indemnização apenas está reservado ao arguido que tenha sido absolvido sem dúvidas acerca da sua inocência ou que comprove que não foi o Autor do crime ou agiu justificadamente, e que foi vontade do legislador não conceder a indemnização aos arguidos absolvidos por intermédio do princípio in dubio pro reo.

Vejamos.

O Tribunal Constitucional foi já chamado por diversas vezes a pronunciar-se relativamente à constitucionalidade da norma do artigo 225º do Código de Processo Penal; neste sentido podemos citar os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 12/2005/T (DR, II Série, de 28 de Junho de 2005), n.º 13/2005/T (DR, II Série, de 29 de Junho de 2005), e n.º 185/2010 (in http:www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos).
Neste último Acórdão (com um voto de vencido) foi decidido “Não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 225.º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de se não considerar injustificada prisão preventiva aplicada a um arguido que vem a ser absolvido com fundamento no princípio in dubio pro reo”.
Na sua fundamentação pode ler-se que “O bem jurídico protegido pelo direito consagrado no artigo 27.º da Constituição ocupa, no sistema de bens jusfundamentalmente tutelados, um inquestionável lugar de relevo. A proteção da liberdade é contígua dos princípios do Estado de direito e da dignidade da pessoa humana; por isso, a norma constitucional que a consagra não pode deixar de impor ao legislador especiais deveres de proteção, desde logo através da emissão de normas que impeçam que a liberdade de cada um seja lesada, por ato da comunidade erguida em Estado ou por ato individual de qualquer dos seus membros. A injunção contida no n.º 5 do artigo 27.º da CRP, segundo a qual a privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado em dever de indemnizar (nos termos que a lei estabelecer), integra um desses deveres de proteção, impendentes sobre o legislador ordinário, e cujo cumprimento é exigido pelo particular relevo que o bem jusfundamentalmente tutelado assume. (…) É que a apreciação da questão de saber se a repartição solidária do sacrifício afeta ou não a eficácia do sistema criminal, ou a segurança e, fundamentalmente, a liberdade individual dos demais membros da comunidade implica, dada a estrutura multipolar das relações jurídicas envolvidas, arbitrar um verdadeiro conflito de liberdades, algo que o Tribunal Constitucional não está em condições de efetuar. Dito de outra maneira, o controlo sobre o modo como o legislador ordinário cumpriu os seus deveres de proteção de bens jurídicos tutelados constitucionalmente, ainda que com restrição de direitos, liberdades e garantias individuais, não pode ter como consequência ser o poder judicial a proceder a avaliações sobre factos, a efetuar ponderações entre bens e a formular juízos de prognose que integram, na sua essência, a função legislativa do Estado.
(…) O Tribunal Constitucional não tem agora que tomar posição sobre se, perante esse cenário, i. é, perante um cenário em que existisse, sem margem para dúvida, um nexo de causalidade entre a introdução de um regime de responsabilização solidária e uma situação de deficit de prisão preventiva, estaria ou não em condições de intervir com fundamento em inconstitucionalidade por excesso de restrição. (…) Sabendo que a sujeição de um indivíduo a prisão preventiva, em caso de posterior absolvição, daria sempre lugar à atribuição de uma indemnização, o magistrado judicial poderia, consciente ou inconscientemente, sentir-se menos compelido a moderar o recurso a essa medida de coação comparativamente com o que sucede face ao regime atualmente em vigor, verificando-se, inclusive, um aumento do número de prisões preventivas decretadas e, portanto, uma afetação mais intensa da própria liberdade individual do arguido. Não interessa saber se tal cenário é certo, provável, ou apenas hipotisável. A mera incerteza basta para que o Tribunal Constitucional não possa senão deferir perante o juízo formulado pelo legislador, gozando este último de ampla liberdade de conformação relativamente ao próprio juízo quanto à necessidade do regime contido no n.º 2 do artigo 225.º do CPP. Assim, deve concluir-se que, face ao disposto no artigo 27.º da CRP – e face à leitura sistémica do regime contido no seu n.º 5 –, não é inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 225.º do CPP, quando interpretada no sentido de se não considerar injustificada prisão preventiva aplicada a um arguido que vem a ser absolvido com fundamento no princípio in dubio pro reo”.
Neste Acórdão, o Tribunal Constitucional considerou ainda que “como o Tribunal sempre tem dito (veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 12/2005, § 14), o artigo 22.º consagra antes do mais uma garantia de instituto. (…) A tese segundo a qual decorreria, in casu, e da simples redação do artigo 22.º da CRP, um direito à indemnização diretamente aplicável, análogo a um direito, liberdade e garantia nos termos conjugados dos artigos 17.º e 18.º, n.º 1, primeira parte – o que seria bastante para fundamentar a inconstitucionalidade das condições “restritivas” do dever público de indemnizar fixadas no n.º 2 do artigo 225.º do CPP – não colhe, portanto, atenta a natureza de garantia institucional que detém a previsão, na Lei Fundamental, do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado. Face a este parâmetro, não merece portanto censura a norma sob juízo.

5.2. Como o não merece face ao disposto no n.º 5 do artigo 5.º da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, acompanhando-se, quanto a este ponto, a fundamentação já constante dos Acórdãos ns.º 12/2005 e 160/95. Neste domínio, a norma da Convenção nada acrescenta face ao disposto no artigo 27.º da Constituição portuguesa; assim sendo, o juízo que se fez quanto à inexistência de qualquer desconformidade do regime contido no n.º 2 do artigo 225.º do CPP face ao parâmetro contido no artigo 27.º da CRP é extensivo, pela própria natureza das coisas, às normas pertinentes da Convenção Europeia”.

Tanto quanto nos é dado conhecer é posição maioritária na jurisprudência dos tribunais superiores a constitucionalidade do preceito (v. o Acórdão da Relação de Lisboa de 30/09/2014, Relator Desembargador José Pimentel Marcos onde são ainda citados os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 03/12/1998, Revista n.º 864/98, da 2ª Secção, de 11/11/99, Revista n.º 743/99, da 2ª Secção, de 09/12/99, Revista n.º 762/99, da 1ª Secção, de 06/01/2000, Revista n.º 1.004/99, da 7ª Secção, in CJSTJ, Ano VIII, Tomo 1, p. 23, de 18/03/2004, in JSTJ000, de 04/04/2000, Revista n.º 104/00, da 6ª Secção, in JSTJ00034772, de 20/06/00, Revista n.º 433/00, da 6ª Secção, de 19/09/2002, Revista n.º 2.282/02, da 7ª Secção, de 13/05/2003, Revista 1.018/03, da 6ª Secção, de 27/11/2003, Revista 3.341/03, da 7ª Secção e de 19/03/2009).
A defender a constitucionalidade podemos aqui mencionar Américo Marcelino (“A indemnização por prisão indevida”, in Estudos Jurídicos, Boletim da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, n.º 4, página 173), Maia Gonçalves (Código de Processo Penal Anotado e Legislação complementar, Almedina, 17.ª edição, página 560) e Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto (Código de Processo Penal, Comentário e notas práticas, Coimbra Editora, 2009, página 584).

Como salientam os Magistrados do Ministério Público na anotação a este artigo “Há quem entenda que a al. c), tal como se encontra, poderá violar a presunção de inocência (art. 32º, n.º 2, da C.R.P.), porquanto permite a distinção entre sentenças absolutórias de primeira categoria (em que se comprove a inocência do arguido ou a justificação do ato) e sentenças absolutórias de segunda categoria (em que se não comprova a inocência do arguido ou a justificação do to) dando s primeiras lugar a indemnização da prisão preventiva e as segundas não (…) parece-nos que a opção do legislador, constante da redação do art. 225º, permite a atribuição de uma indemnização justa e a salvaguarda do risco normal da atividade judiciária, monopólio do estado, exercida em beneficio da comunidade em geral”.
A norma será, por isso, resultado de uma ponderação/opção feita pelo legislador tendo em consideração a margem de risco que caracteriza a atividade dos órgãos de polícia criminal e das autoridades judiciárias, de modo que a tutela indemnizatória seja criteriosa, indemnizando-se aqueles que logrem “a prova indispensável de que efetivamente estavam inocentes, que nenhuma culpa tiveram para merecerem a prisão que, de facto, era objetivamente imerecida” (Américo Marcelino, Ob. Cit. página 173 e Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, Ob. Cit. página 584).

Ora, o artigo 27º (Direito à liberdade e à segurança) da Constituição da República Portuguesa dispõe que:

“1. Todos têm direito à liberdade e à segurança.
2. Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.
(…)
5. A privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer”.
Do n.º 5 deste artigo resulta que o mesmo remete para a lei ordinária os termos em que o Estado deve indemnizar o lesado pelos danos resultantes da privação da liberdade, sendo que o Estado apenas pode ser responsabilizado pela privação de liberdade contra o disposto na Constituição e na lei.

E o artigo 32º (Garantias de processo criminal) da Constituição da República Portuguesa dispõe que:

“1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
3. O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os atos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória.
4. Toda a instrução é da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades a prática dos atos instrutórios que se não prendam diretamente com os direitos fundamentais.
5. O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.
6. A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em atos processuais, incluindo a audiência de julgamento.
7. O ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei.
8. São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.
9. Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior.
10. Nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa”.

Nos termos do n.º 2 do artigo 225º, antes da redação do artigo 225º introduzida pela Lei n.º 48/2007, quem tivesse sofrido detenção ou prisão preventiva que, não sendo ilegal, viesse a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia podia requerer, perante o tribunal competente indemnização dos danos sofridos com a privação da liberdade; o Tribunal Constitucional (v. Acórdãos n.º 12/2005 (DR, II Série, de 28 de Junho de 2005), n.º 13/2005 (DR, II Série, de 29 de Junho de 2005), chamado a pronunciar-se, julgara já então que não era inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 225.º na parte em que fazia depender a indemnização por “prisão preventiva que, não sendo ilegal, venha a revelar-se injustificada da existência de um “erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia”.
No entanto, a Lei n.º 48/2007 veio alargar a atribuição de indemnização, pelos danos sofridos, nos termos da alínea c) do artigo 225º, ao arguido que tiver sofrido detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação nos casos em que se comprove que o arguido não foi agente do crime ou atuou justificadamente.
Tal comprovação resultará da decisão absolutória mas, segundo cremos, pode ainda o lesado invocar, na ação de indemnização, que não cometeu o crime de que era causado ou que atuou justificadamente, já não se tornando necessário invocar a existência de “erro grosseiro”.
Como se afirma no já citado Acórdão da Relação de Lisboa de 30/09/2014 “Como é sabido, numa boa percentagem dos casos, os arguidos são absolvidos apenas por falta de provas, o que não quer dizer que estejam inocentes. Isto significa que se se concedesse indemnização a todos os arguidos presos preventivamente e que depois são absolvidos por falta de provas, teríamos o Estado a indemnizar pessoas que cometeram graves crimes, apenas porque, findo o julgamento, ficou nos juízes a dúvida sobre se aquele cidadão cometeu o crime pelo qual estivera preso preventivamente. No direito penal há que respeitar o princípio da presunção de inocência do arguido (“in dúbio pro reo”) (art.º 32.º, n.º 2, da CRP). E tantos são os casos em que o arguido é absolvido somente por obediência a este princípio. Por outro lado, muitos casos existem em que, embora os arguidos sejam também absolvidos com fundamento naquele princípio, não cometeram efetivamente o crime de que eram acusado, ou qualquer outro. E então é que se põe a questão da falada repartição do risco. (…) Estamos, sem dúvida, como se refere neste voto de vencido, perante um problema de ponderação de valores em que se questiona em que medida e com que consequências é que a privação da liberdade (em prisão preventiva) de quem veio a ser absolvido é justificada pelo interesse geral em realizar a justiça e prevenir a criminalidade. Ou seja: será legítimo exigir-se, em absoluto e sem condições, a cada cidadão o sacrifício da sua liberdade em nome da necessidade de realizar a justiça penal, quando tal cidadão venha a ser absolvido? (…) “Ora, à colocação da questão neste ponto extremo terá que se responder negativamente, isto é, pela não exigência, sem limites, de um tal dever, pelo menos em todos os casos em que a pessoa em questão não tenha dado causa a uma suspeita sobre si própria, mas surja como vítima de uma inexorável lógica investigatória.” Com efeito, não poderá aceitar-se um sistema de responsabilidade civil pela prisão preventiva, revelada injustificada ex post, devido à absolvição do arguido, que se baseie apenas na legalidade ex ante da sua aplicação em face dos elementos então disponíveis. Todavia, como se vem dizendo, não é isso o que agora está em causa, pelo menos a partir da atual redação do artigo 225.º do CPP. (…) O problema só se põe agora quanto ao ónus da prova na ação de indemnização. É evidente que o arguido inocente deve ser indemnizado. Mas também é óbvio que o culpado (embora absolvido) não o deve ser”.
De facto, conforme se conclui no citado acórdão se é certo que pode não ser totalmente razoável que o arguido tenha de provar, na ação de indemnização, que não cometeu o crime, até porque tal prova nem sempre é fácil, a verdade é que também seria pouco razoável que o Estado fosse condenado a indemnizar todos os arguidos presos preventivamente e que depois fossem absolvidos apenas em obediência ao principio in dúbio pro reu, quando há na atividade judiciária uma margem de risco determinada muitas vezes pela “questão da insegurança da prova em especial no momento do julgamento: testemunhas que depõem em julgamento de forma não convincente, diferente ou que não comparecem (…)” (v. Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, ob. cit. página 584).
Se, por um lado, do n.º 5 do artigo 27º da Constituição da República Portuguesa consta o dever de indemnizar e este preceito remete para a lei ordinária os termos em que o Estado se constitui nesse dever de indemnizar, reservando para o legislador ordinário tal encargo, não sendo fornecido qualquer critério orientador sobre os pressupostos dessa indemnização; por outro lado, o legislador ordinário entendeu que a indemnização só é devida se se mostrar comprovado que o arguido não foi o agente do crime ou que atuou justificadamente.
Tal opção, salvo o devido respeito por opinião contrária, não contraria a Constituição pois esta determina que a indemnização é devida nos termos que forem estabelecidos pela lei ordinária; e o legislador ordinário, admitindo o direito à indemnização, tal como consagrado na Constituição, optou por fazer depender esse direito da prova do não cometimento ou que o arguido atuou justificadamente.
Tal opção não contraria a Constituição pois esta, impondo o dever de indemnizar por parte do Estado se a privação da liberdade o foi contra o disposto na Constituição e na lei, não impõe que o Estado indemnize todas as pessoas sujeitas a prisão preventiva que depois venham a ser absolvidas em obediência ao princípio do in dubio pro reo.
Assim, não vemos motivo para decidir em termos distintos do juízo de constitucionalidade constante do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 185/2010 que, como já referimos, julgou que não era inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 225º quando interpretada no sentido de se não considerar injustificada a prisão preventiva aplicada a um arguido que depois viesse a ser absolvido com fundamento no princípio in dubio pro reo e que considerou ainda que, neste domínio, a norma da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (cfr. n.º 5 do artigo 5.º) nada acrescenta face ao disposto no artigo 27º da Constituição Portuguesa pelo que o juízo quanto à inexistência de qualquer desconformidade do regime contido no n.º 2 do artigo 225º “face ao parâmetro contido no artigo 27º da CRP é extensivo, pela própria natureza das coisas, às normas pertinentes da Convenção Europeia”.
Não é, por isso, inconstitucional a norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 225.º do Código de Processo Penal quando interpretada no sentido de fazer depender o direito à indemnização, em resultado da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, da comprovação de que o arguido não cometeu o(s) crime(s) de que era acusado, ou que atuou justificadamente, não se mostrando desconforme com os artigos 22º, 27º e 32º da Constituição.
Ora, no caso sub judice, não se pode concluir, para efeitos de atribuir uma indemnização, que o Autor não cometeu qualquer dos crimes pelos quais foi pronunciado e nem que atuou justificadamente.
Não merece por isso censura a decisão do tribunal a quo de indeferir a pretensão do Recorrente julgando improcedente a ação e absolvendo o Réu dos pedidos, improcedendo integralmente o recurso.
As custas são da responsabilidade do Recorrente atento o seu integral decaimento (artigo 527º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil).
***
SUMÁRIO (artigo 663º n.º 7 do Código do Processo Civil):

I - A alínea c)do n.º 1 do artigo 225º do Código de Processo Penal, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, foi verdadeiramente inovadora ao consagrar um novo fundamento de indemnização: o legislador previu expressamente a obrigação do Estado indemnizar o lesado em casos em que a prisão preventiva ou a obrigação de permanência na habitação aplicadas não foram ilegais e nem se verificou qualquer erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependiam, mas veio a comprovar-se que o arguido não foi o agente do crime ou atuou justificadamente.
II - Tendo por base as regras da interpretação da lei, em particular o n.º 2 do artigo 9º do Código Civil, temos de concluir da interpretação do artigo 225º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Penal, recorrendo aos trabalhos preparatórios, que a opção do legislador ao referir-se ao “comprovar” quer significar que o direito de indemnização apenas está reservado ao arguido que tenha sido absolvido sem dúvidas acerca da sua inocência e que foi vontade do legislador restringir a indemnização aos arguidos absolvidos por intermédio do princípio in dubio pro reo.
III - Com a redação introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, veio assim consagrar-se, no n.º 1 do artigo 225º do Código de Processo Penal, que quem sofreu detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação tem direito a ser indemnizado pelos danos sofridos nos seguintes casos:
- se a privação da liberdade for ilegal, nos termos do n.º 1 do artigo 220º ou do n.º 2 do artigo 222º do Código de Processo Penal;
- se a privação da liberdade se tiver devido a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia;
- se se comprovar que o arguido não foi agente do crime ou atuou justificadamente.
IV - Conforme preceitua o n.º 5 do artigo 27º da Constituição da republica Portuguesa a privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado.
V – Contudo, este preceito (n.º 5 do artigo 27º) remete para a lei ordinária os termos em que o Estado se constitui nesse dever de indemnizar, reservando para o legislador ordinário tal encargo, e não fornecendo qualquer critério orientador sobre os pressupostos dessa indemnização.
VI - E o legislador ordinário entendeu que a indemnização só é devida se se mostrar comprovado que o arguido não foi o agente do crime ou que atuou justificadamente.
VII - Tal opção não contraria a Constituição pois esta, impondo o dever de indemnizar por parte do Estado se a privação da liberdade o foi contra o disposto na Constituição e na lei, não impõe que o Estado indemnize todas as pessoas sujeitas a prisão preventiva que depois venham a ser absolvidas em obediência ao princípio do in dubio pro reo.
VIII - Não é inconstitucional a norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 225.º do Código de Processo Penal quando interpretada no sentido de fazer depender o direito à indemnização, em resultado da prisão preventiva, da comprovação de que o arguido não cometeu o(s) crime(s) de que era acusado, ou que atuou justificadamente.
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Guimarães, 13 de fevereiro de 2020
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (relatora)
Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta)
Margarida Sousa (2ª Adjunta)