Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
629/14.0TTGMR.4.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: REVISÃO DE INCAPACIDADE
REEMBOLSO DE DESPESAS MÉDICAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/20/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Estando em causa o restabelecimento do estado de saúde, da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e a sua recuperação para a vida ativa, nas situações em que o sinistrado tenha procurado, ainda que à revelia da seguradora, cuidados ou tratamentos médicos que lhe proporcionaram o restabelecimento do seu estado de saúde e se justificados à luz da “legis artis”, a própria seguradora deveria ou teria de os ter ministrado ou suportado o seu custo, já que é a responsável pela reparação, será sempre responsável pelo preço dos actos médicos praticados no valor que seria despendido caso fosse a seguradora a suportar esse custo
II – O sinistrado terá direito ao reembolso das despesas realizadas, caso prove que os actos clínicos e/ou os tratamentos por si contratados foram adequados ao restabelecimento do seu estado de saúde e à recuperação para a sua vida activa

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

APELANTE: E. C.
APELADA: X, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.
Tribunal da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de GUIMARÃES – Juiz 2

Nos presentes autos de acção especial emergente de acidente de trabalho em que é sinistrada E. C. e responsável X, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., veio a sinistrada deduzir incidente de revisão da pensão, em 13/11/2019, alegando em resumo que as sequelas resultantes do acidente de trabalho participado nos autos no âmbito do qual lhe foi atribuída já em sede de revisão a IPP de 6%, desde 21/08/2018, agravaram-se, já que as dores intensificaram, o que a levou a realizar novos exames tendo-se concluído que só com a cirurgia e colocação de uma prótese a sinistrada viria a melhorar. Necessitando de ser operada com urgência, decidiu a sinistrada a recorrer a assistência médica particular. No dia 20 de Maio de 2019 foi submetida a uma artroplastia uni compartimental do joelho direito, tendo recuperado a marcha, voltando a locomover-se sem a ajuda de canadianas e com muito menos dores, vem por isso reclamar o reembolso das despesas efectuadas, designadamente com a cirurgia, honorários médicos, tratamentos médicos e medicamentosos, fisioterapia que efectuou após a operação e despesas com deslocações, no montante global de €6.718,88, bem como a indemnização por ITA referente ao período de 15/06/2018 a 4/10/2019, que esteve sem poder trabalhar.

Veio assim a sinistrada requerer que se procedesse à notificação da Seguradora, X – Companhia de Seguros, S.A, para esta proceder ao pagamento dos seguintes montantes:

A) A quantia de €6 550,09, despendida pela Sinistrada em honorários médicos e tratamentos médicos e medicamentosos (cirurgia);
B) A quantia de €70,00, despendida pela Sinistrada em consultas médicas;
C) A quantia de €33,99, despendida pela Sinistrada em exames médicos;
D) A quantia de €64,80, despendida pela Sinistrada em deslocações para as consultas médicas e realização de exames médicos, para o Hospital Santa Maria, no Porto
E) Ao pagamento das indemnizações por Incapacidade Temporária Absoluta referente ao período de 15 de Junho de 2018 a 04 de Outubro de 2019.

Para o efeito apresentou prova documental e testemunhal requereu a prestação de declarações de parte e a realização de prova pericial pelo Instituto de Medicina Legal.
Foi solicitado ao Gabinete Médico-Legal e Forense do Ave a realização de exame médico na pessoa da sinistrada.
A seguradora responsável veio pronunciar-se sobre o pagamento das despesas reclamadas pela sinistrada, dizendo que as despesas apresentadas pela sinistrada não foram prescritas pelos seus serviços clínicos, nem foram previamente autorizadas pela Seguradora, por nunca ter tido conhecimento delas, não tendo o seu entendimento de proceder ao seu pagamento.
O Gabinete Médico-Legal e Forense do Ave procedeu à realização de exame médico na pessoa da sinistrada, tendo concluído no relatório junto aos autos que a actual IPP de que padece a sinistrada é de 15%, tendo estado em situação de ITA durante 477 dias (de 15/06/2018 a 4/10/2019).
A sinistrada e a Seguradora responsável não se conformaram com o resultado do relatório médico e vieram requerer exame por junta médica tendo ambas apresentado os respectivos quesitos, aos quais os Srs. Peritos Médicos responderam da seguinte forma:

Quesitos apresentados pela seguradora aos quais os Srs. Peritos responderam de forma unânime:

1. Houve agravamento do quadro sequelar da sinistrada? No caso da resposta afirmativa, quais os fundamentos médico-legais?
R: Houve agravamento do quadro sequelar da Sinistrada na medida em que foi realizada artroplastia do joelho direito para o qual se admite o nexo com o sinistro em apreço.
2. Qual a IPP final global que a sinistrada é portadora?
R: É de atribuir uma Incapacidade Parcial Permanente Profissional final de 15%, ou seja, um agravamento de 7%, atendendo a que a sinistrada apresenta sequelas de artroplastia uni compartimental do joelho direito com muito bom resultado funcional.

Quesitos apresentados pela sinistrada aos quais os Srs. Peritos responderam de forma unânime:

2) A Sinistrada realizou Artroplastia parcial do joelho direito?
R: Sim
3) Antes da cirurgia a Sinistrada apresentava sequelas no joelho direito? Apresentava extursão meniscal e alterações degenerativas do compartimento interno no joelho direito
R: Sim
4) Tal sequela é passível de dar dor intensa?
R: Sim
6) Tendo em consideração que a Sinistrada é Empregada de Limpeza, é crível que as sequelas que apresentava no joelho direito a impediam de exercer a sua atividade profissional, que envolve: subir e descer escadas, subir e descer escadas carregando baldes de água; limpar escadas e respetivos corrimões, limpar vidros, portas, janelas, sendo que para tal terá que fletir várias vezes o joelho, implicando que faça vários agachamentos por hora
R: Sim
7) A Sinistrada, após realizar a Artroplastia do joelho direito recuperou a sua marcha, voltando a locomover-se sem a ajuda de canadianas, em marcha normal (não claudicante) e com muito menos dores ao nível do joelho direito?
R: Sim
8) A Sinistrada esteve com incapacidade temporária absoluta para o trabalho entre o dia 15-06/2018 e o dia 04/10/2019?
R: Sim
9) A Sinistrada retomou a sua atividade profissional a 4 de Outubro de 2019?
R: Sim, segundo o relatado pela própria
10) Após a cirurgia, a Sinistrada apresentou melhorias, tendo recuperado a sua marcha, deixou de ter marcha claudicante como sucedia.
R: Sim
11) A Artroplastia parcial do joelho direito revelou-se, assim, o tratamento adequado às sequelas apresentadas pela Sinistrada?
R: Sim

Concluíram assim os Srs. Peritos Médicos, por unanimidade que houve agravamento do quadro sequelar da sinistrada por ter sido submetida a artroplastia do joelho direito para o qual se admite o nexo causal com o sinistro em apreço, sendo actualmente portadora da IPP de 15% - Cap. I. 12.3.a).

Seguidamente foi proferida a seguinte decisão:
A sinistrada (E. C.) veio requerer, no dia 13/11/2019, a revisão da incapacidade que nestes autos lhe fora fixada, alegando ter sofrido um agravamento da mesma.
Submetida à requerida perícia, o Sr. perito médico foi de parecer que a sinistrada se encontra afectada de uma incapacidade permanente parcial de grau superior.
Inconformada, a seguradora (X Companhia de Seguros, S.A.) requereu perícia por junta médica a qual foi de parecer, por unanimidade dos Srs. peritos, que a sinistrada sofreu um agravamento sequelar ao qual corresponde uma incapacidade permanente parcial de grau superior (mais concretamente de 15%, o que equivale a um agravamento de 9% relativamente à incapacidade de 6% anteriormente fixada – por isso, sendo manifesto o lapso de escrita constante de fls.192 e devendo lavrar-se cota em conformidade).
Cumpre decidir.
Nos presentes autos, ultimamente, com base na última IPP de 6% e na retribuição de € 565,84 por 14 meses, acrescida de € 34,50 por 11 meses a título de subsídio de alimentação, foi fixado, com início em 21/8/2018, o capital de remição da pensão anual vitalícia de €348,65, a cargo da seguradora – cfr. fls. 114-115.
Ora, considerando o teor da actual perícia médica colegial unânime de fls. 191 a 193(aqui dado por reproduzido), o disposto na Tabela Nacional de Incapacidades (aprovada pelo D.L. nº 352/2007, de 23-10) e o regime contido nos arts. 70º e 77º, al. b), da Lei nº 98/2009, de 4-9 e no art. 145º, nº 6, do C.P.T., altero o grau da incapacidade permanente parcial para 15% e, consequentemente, a respectiva pensão anual e vitalícia é aumentada para 871,63 desde o dia 13/11/2019.
Porém, atenta a referida remição daquela pensão ultimamente fixada, a sinistrada, apenas, tem direito à diferença entre ambos os valores, o que perfaz a quantia anual de 522,98 acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde aquela data.
*
Fixo o valor deste incidente em € 7.131,36.

Custas a cargo da seguradora que também deve pagar a quantia de € 10 que fixo a favor da sinistrada pelas deslocações para estas perícias.
Faça menção no registo informático.
Notifique, advertindo a seguradora para o dever de assegurar à sinistrada todas as ajudas médicas e/ou medicamentosas e/ou tratamentos ou outras prestações em espécie que sejam necessárias para fazer face ao seu actual quadro sequelar – cfr. os arts. 23º, al. a), e 25º, nº 1, da Lei nº 98/2009.
Oportunamente, proceda ao cálculo do capital de remição do valor da diferença acima referido e juros de mora, desde a aludida data do pedido de revisão e segundo a Tabela para pensionistas de ambos os sexos, anexa à Portaria nº 11/2000, de 13-1.
Quanto ao mais e face à posição assumida pela seguradora sob a refª. 34978763 notifique a sinistrada para, no prazo geral, informar e comprovar nos autos se, após a junta médica sob a refª. 162440319 (que considerara, unanimemente, não ser clinicamente indicada uma artroplastia ao joelho direito) a sinistrada peticionou à seguradora uma reavaliação e/ou os alegados tratamentos.
D.n.”
A sinistrada em 7/01/2021 veio requerer de novo que se procedesse à notificação da Seguradora, X – Companhia de Seguros, S.A, para esta proceder ao pagamento das quantias por si despendidas, com o restabelecimento do seu estado de saúde que foram as adequadas tendo em vista a sua recuperação para a vida activa.
A Seguradora responsável pronunciou-se solicitando que a Autora esclarecesse se após a junta médica na qual se considerou por unanimidade, não ser clinicamente indicada uma artroplastia ao joelho direito a sinistrada peticionou à seguradora reavaliação e/o alegados tratamentos.
A sinistrada veio responder em conformidade com o por si requerido no requerimento de 13-11-2019.

Em 12/07/2021, a juiz a quo proferiu a seguinte decisão:

O demais peticionado pela sinistrada é indeferido porque está prejudicado pelo facto de:

- por um lado, esta mesma admitir não ter solicitado à seguradora a reavaliação da sua situação clínica, após o último incidente de revisão em diante (cuja junta médica considerara, por unanimidade, não ser clinicamente indicada uma artroplastia ao joelho direito);
- e por outro lado, a mera alegação (subsequente) de urgência dessa reavaliação e dos subsequentes tratamentos, para além de não estar demonstrada e em que medida, tão pouco justificaria aquela falta de (prévia) solicitação por parte da mesma e por qualquer meio, junto da seguradora.
Sendo de salientar que a este propósito a sinistrada tinha de observar o regime, expressamente, contido os arts. 27º a 34º da Lei nº 98/2009, de 4-9.
E, aliás, para solucionar eventual divergência sempre poderia ter havido a possibilidade de a mesma solicitar, para além de conferência de médicos, a resolução por perito médico do tribunal e, em última instância, pelo juiz do tribunal.
Notifique.
D.n. – fazendo constar do suporte físico dos autos.”

Inconformada com esta decisão dela veio a sinistrada interpor recurso formulando as seguintes conclusões:

“1) No dia 10 de Novembro de 2020 a Requerente/Sinistrada foi submetida a Perícia por Junta Médica.
2) No âmbito da qual, os Peritos Médicos FORAM UNANIMES em considerar que com a cirurgia, “a Sinistrada apresentou melhorias, tendo recuperado a sua marcha, deixou de ter marcha claudicante como sucedia” e que “a Artroplastia parcial do joelho direito revelou-se, assim, o tratamento adequado às sequelas apresentadas pela Sinistrada”
3) Os tratamentos que a Sinistrada realizou (cirurgia) revelaram-se necessários e adequados ao restabelecimento do seu estado de saúde, da sua capacidade de trabalho, bem como à sua recuperação para a vida ativa, estando assim, compreendidos no direito de reparação que assiste à Sinistrada.
4) Ou seja, daqui resulta que a Requerida/Seguradora sempre teria que suportar tais tratamentos, pelo que sempre teria que reembolsar a Requerente das despesas suportadas por aquela.
5) Quanto muito, sempre deveria a Seguradora reembolsar a Sinistrada/Requerente das quantias que a própria despenderia caso as tivesse contratado.
6) É do conhecimento geral que as Seguradoras habitualmente estabelecem contratos de prestação desses serviços com empresas/clinicas de saúde ou médicos, e, por força de tais contratos conseguirão preços inferiores aos que qualquer pessoa individual consegue por cada acto médico.
7) A Seguradora deverá ser responsabilizada pelo preço dos actos médicos praticados que, se justificados à luz das “legis artis”, a própria seguradora teria de suportar, se contratados/praticados por si.
8) Não tem qualquer justificação a Empresa de Seguros não ser responsável pelo valor que sempre suportaria, se os mesmos actos médicos fossem diretamente por si assegurados (através da contratação de tais serviços por si realizada).
9) Pois, defender-se o contrario seria cair numa situação de enriquecimento sem causa.
10)Resultando do Auto de Perícia Médica que a Requerente: “a Sinistrada apresentou melhorias, tendo recuperado a sua marcha, deixou de ter marcha claudicante como sucedia” e que “a Artroplastia parcial do joelho direito revelou-se, assim, o tratamento adequado às sequelas apresentadas pela Sinistrada” a decisão do Tribunal a quo deveria ser no sentido de responsabilizar a Requerida Seguradora pelas quantias que a Autora despendeu com a cirurgia, mas a preços que suportaria, caso tivesse contratado tais serviços.
11)Como dos autos não resulta esse valor, sempre deverá a quantia ser apurado em liquidação de Sentença.
12)a 15 (…)
16)Ora, de todas estas decisões extrai-se um ponto em comum: o direito ao reembolso assenta na prova de que os atos clínicos e os tratamentos contratados pelo sinistrado, foram adequados ao restabelecimento do seu estado de saúde e à recuperação para a vida ativa

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, por via dele, deve a Decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente o peticionada pela Requerente/Sinistrada, e bem assim, condene a Recorrida/Seguradora a pagar àquela o montante a apurar em incidente de liquidação correspondente ao reembolso da montante despendido na cirurgia até ao limite dos preço que a Ré Seguradora suportaria por tais serviços caso fossem por si contratados, tudo com o que se fará, como é apanágio deste alto tribunal, a mais elementar
JUSTIÇA”

A Apelada/Recorrida não apresentou contra-alegação ao recurso.

Admitido o recurso na espécie própria e com adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta 2ª instância, mantido o recurso, determinou-se o cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 87.º do CPT., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
Notificado tal parecer às partes para responderem, veio a recorrente manifestar o seu desacordo com o parecer, concluindo pela procedência do recurso.
Cumprido o disposto na 1ª parte do n.º 2 do artigo 657.º do CPC foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do Recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das que se encontrem prejudicadas pelo conhecimento anterior de outras e não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso coloca-se à apreciação deste Tribunal da Relação a seguinte questão:
Saber se a Seguradora deve ou não reembolsar a sinistrada da despesa realizada com a cirurgia, tendo nomeadamente em conta que esta realizou a intervenção cirúrgica acima referida por iniciativa própria e sem autorização da Seguradora.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Por resultar dos autos, quer por acordo das partes, quer por documento junto aos autos, baseado na falta de impugnação pela seguradora e constituir factualidade relevante, ao abrigo do artigo 662.º do Código de Processo Civil, adita-se à factualidade que consta do relatório que antecede os seguintes pontos factuais:
- Na sequência do incidente de revisão de pensão suscitado pela sinistrada em 21/08/2018, a Seguradora informou no relatório elaborado pelos serviços de Medicina do Trabalho que a sinistrada, empregada de limpeza com 45 anos de idade com AT em 1/2014 tendo sofrido contusão do joelho direito com lesão no menisco interno e externo é muito nova para prótese.
- Na junta médica realizada em 7/03/2019, que teve lugar no âmbito do incidente de revisão de pensão acima referido, os Srs. Peritos Médicos por unanimidade, em sede de resposta aos quesitos formulados pela sinistrada afirmaram que actualmente (7-03-2019) a artroplastia do joelho direito não seria o tratamento adequado às sequelas apresentadas pela Sinistrada.
- Na informação clínica prestada pelo Hospital Privado da … referente à sinistrada consta o relatório, datado de 20/08/2019 do Dr. P. O., médico ortopedista, que acompanha a sinistrada desde 2018, no qual se relata a propósito da situação clínica da sinistrada, além do mais o seguinte: “(…)Foram tentadas várias abordagens de tratamento conservador, com medicação e fisioterapia, porém as queixas da doente foram-se agravando, tendo mesmo obrigado a doente à utilização de meios externos de auxílio de marcha estando a doente francamente incapaz para uma vida de relação ou de trabalho.
Perante a necessidade urgente de melhorar a qualidade de vida e tomar a doente socialmente e profissionalmente ativa, foi proposto proceder à realização de uma artroplastia unicompartimental do joelho no mais curto espaço de tempo possível, pois esta situação arrastava-se no tempo, interferindo já do ponto de vista social, profissional e com de vida de relação da doente. A doente aceitou a proposta e foi operada em Maio de 2019.”
- Na junta médica realizada em 10-11-2020 no âmbito do presente incidente de revisão de pensão os Srs. Peritos Médicos por unanimidade, em sede de resposta aos quesitos formulados pela sinistrada, afirmaram que a artroplastia parcial do joelho direito revelou-se, assim, o tratamento adequado às sequelas apresentadas pela Sinistrada. E também referiram que após a cirurgia, a Sinistrada apresentou melhorias, tendo recuperado a sua marcha, deixou de ter marcha claudicante como sucedia.

IV – DA APRECIAÇÃO DO RECURSO

- Do reembolso da despesa com uma cirurgia suportada pela sinistrada em consequência do acidente a que os autos se reportam

Antes de mais impõe-se deixar consignado que atenta a data em que ocorreu o acidente (23-01-2014) a Lei aplicável para efeitos de reparação do acidente de trabalho, nele se incluindo o pedido de revisão da incapacidade é a Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro (doravante NLAT), que entrou em vigor em 01 de Janeiro de 2010 e que apenas se aplica aos acidentes ocorridos após a sua entrada em vigor (artigos 187º, nº 1 188º).
Pretende a sinistrada ser ressarcida das despesas que efectuou com a cirurgia que efectuou, por sua conta, recusando-se a seguradora responsável a pagar, com o argumento de que tal cirurgia não foi prescrita pelos seus serviços clínicos nem foi dada autorização à sinistrada para fazer. A decisão recorrida acolheu a posição da seguradora, com base na falta de verificação dos pressupostos legais previstos nos artigos 23.º a 27.º da NLAT
Prescreve o art.º 23.º da NLAT que o direito à reparação, como princípio geral, compreende prestações em espécie — prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa; [alínea a)] e em dinheiro — indemnizações, pensões, prestações e subsídios previstos na presente lei [alínea b)].
Daqui resulta que o direito à reparação não estipula ou exige que as prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar ou quaisquer outras tenham de ser suportadas ou pagas pelo próprio sinistrado, apenas exige que as mesmas sejam necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa. Neste sentido cfr. Ac. RL de 8-11-2017, proc.º n.º 404/13.9TTBRR.L1-4, disponível in www.dgsi.pt

De acordo com o prescrito no n.º 1 do artigo 25º, nº 1, da NLAT as prestações em espécie acima referidas compreendem:

a) A assistência médica e cirúrgica, geral ou especializada, incluindo todos os elementos de diagnóstico e de tratamento que forem necessários, bem como as visitas domiciliárias;
b) A assistência medicamentosa e farmacêutica;
c) Os cuidados de enfermagem;
d) A hospitalização e os tratamentos termais;
(…)

Por outro lado, estabelece o art.º 28.º da NLAT que a entidade responsável tem o direito de designar o médico assistente do sinistrado [nº 1], podendo, no entanto, segundo o nº 2 do mesmo artigo, o sinistrado recorrer a qualquer médico nos seguintes casos:

a) Se o empregador ou quem o represente não se encontrar no local do acidente e houver urgência nos socorros;
b) Se a entidade responsável não nomear médico assistente ou enquanto o não fizer;
c) Se a entidade responsável renunciar ao direito de escolher o médico assistente;
d) Se lhe for dada alta sem estar curado, devendo, neste caso, requerer exame pelo perito do tribunal.

E enquanto não houver médico assistente designado, é como tal considerado, para todos os efeitos legais, o médico que tratar o sinistrado [nº 3].

E prescreve o art.º 30.º da NLAT que:
1 - O sinistrado em acidente deve submeter-se ao tratamento e observar as prescrições clínicas e cirúrgicas do médico designado pela entidade responsável, necessárias à cura da lesão ou doença e à recuperação da capacidade de trabalho, sem prejuízo do direito a solicitar o exame pericial do tribunal.
Por outro lado, resulta do prescrito no art.º 32.º da NLAT que o sinistrado tem direito a escolher o médico-cirurgião, nos casos em que deva ser submetido a intervenção cirúrgica de alto risco e naqueles em que, como consequência da intervenção cirúrgica, possa correr risco de vida. E o prescrito no art.º 33.º da NLAT acrescenta que o sinistrado tem o direito a não se conformar com as resoluções do médico assistente ou de quem legalmente o substituir.
Por último o artigo 34.º da NLAT prevê que nas situações ou casos de divergência sobre as matérias reguladas nos artigos 31º (Substituição legal do médico assistente), 32º (Escolha do médico cirurgião) e 33º (Contestação das resoluções do médico assistente) ou outra de natureza clínica, pode ser resolvida por simples conferência de médicos, da iniciativa do sinistrado, da entidade responsável ou do médico assistente, bem como do substituto legal deste [nº 1].

Se a divergência não for resolvida nos termos do número anterior, é solucionada:
a) Havendo internamento hospitalar, pelo respetivo diretor clínico ou pelo médico que o deva substituir, se ele for o médico assistente;
b) Não havendo internamento hospitalar, pelo perito médico do tribunal do trabalho da área onde o sinistrado solicitação de qualquer dos interessados [nº 2].

As resoluções dos médicos referidos nas alíneas do número anterior ficam a constar de documento escrito e o interessado pode delas reclamar, mediante requerimento fundamentado, para o juiz do tribunal do trabalho da área onde o sinistrado se encontra, que decide definitivamente [nº 3].
Nos casos previstos na alínea b) do n.º 2 e no n.º 3, se vier a ter lugar processo emergente de acidente de trabalho, o processado é apenso a este [nº 4].
Dos mencionados normativos podemos concluir que, a solução consagrada na lei impõe aos sinistrados em acidentes de trabalho a obrigação de se submeterem ao tratamento e observar as prescrições clínicas e cirúrgicas do médico designado pela entidade responsável, prevendo-se algumas excepções à regra, as quais se encontram expressamente previstas na lei [n.º 2 do art.º 28.º da NLAT], bem como a forma de como resolver as divergências que ocorram na escolha do médico assistente e nas resoluções tomadas pelo mesmo [31.º a 34.º da NLAT].
Como refere Carlos Alegre em Regime Jurídico Anotado (2.ª edição)- Acidentes de Trabalho e Doenças profissionais, pág. 77: “O princípio que enforma a razão de ser de todas estas prestações pecuniárias é o de que a vítima de um acidente de trabalho não só não deve despender nada com as despesas do seu tratamento e recuperação para a vida activa, como deve, ainda, ser indemnizado em função do seu nível salarial, de forma a que, economicamente não saia prejudicado, por causa do acidente. As prestações em dinheiro, porém quer assumam a forma de indemnização ou a de pensão, não reparam integralmente o prejuízo sofrido pelo sinistrado, tendo, tão somente, um carácter compensatório, como se verifica quando se analisa o efectivo cálculo das prestações”.
Acresce ainda dizer que a entidade responsável pela reparação dos danos provenientes do acidente de trabalho (seguradora e ou empregadora, consoante os casos) cabe providenciar por essa reparação, em espécie e em dinheiro, conferindo-lhe a lei, salvas as excepções legalmente previstas, o direito de designar o médico assistente sem prejuízo do direito do sinistrado ou da entidade responsável contestarem as resoluções daquele.
Numa primeira análise e tal como se decidiu no despacho recorrido, tendo a sinistrada optado por efectuar uma cirurgia em local por si escolhido, sem o conhecimento e a autorização da seguradora responsável, seria de excluir a sua pretensão a ser reembolsada das despesas daí decorrentes, uma vez que a sua actuação contraria o procedimento expressamente previstos na lei.
Contudo os citados preceitos legais permitem-nos extrair uma outra conclusão, uma vez que estando em causa o restabelecimento do estado de saúde, da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e a sua recuperação para a vida ativa, nas situações em que o sinistrado tenha procurado, ainda que à revelia da seguradora, cuidados ou tratamentos médicos que lhe proporcionaram o restabelecimento do seu estado de saúde e se justificados à luz da “legis artis”, a própria seguradora deveria ou teria de os ter ministrado ou suportado o seu custo, já que é a responsável pela reparação, será sempre responsável pelo preço dos actos médicos praticados no valor que seria despendido caso fosse a seguradora a suportar esse custo.
É de conhecimento geral que as empresas de seguros habitualmente estabelecem contratos com outras empresas/clínicas de saúde ou médicos para a prestação dos pertinentes cuidados médicos e por força de tais contratos conseguem preços inferiores aqueles que o cidadão comum tem de liquidar para cada acto médico.
Como tem vindo a ser entendido pela jurisprudência (cfr. Acórdão Relação do Porto de 23/05/2016, proc. n.º 297/12.3TTGDM.P1; Acórdão Relação de Évora de 18/10/2018, proc. n.º 2650/15.T8PTM.E1; Acórdão da Relação de Lisboa de 11/04/2018, proc. n.º 18911/15.7T8SNT.L1; Acórdão da Relação de Coimbra de 27/09/2012, proc. n.º 249/08.8TTAGD.C2, todos consultáveis em www.dgsi.pt.) a qual seguimos de perto, por não vislumbramos razões para divergir, nos casos em que o sinistrado procurou e contratou por si os cuidados médicos que recebeu (fora da seguradora), ou seja à revelia da seguradora, esta não tem de suportar os preços que o sinistrado liquidou, pois a lei assim não o prescreve. Porém, sempre será responsável pelo preço dos actos médicos praticados que, se justificados à luz das «leges artis», a própria seguradora teria de suportar, se contratados/praticados por si.
Melhor dizendo, por força da apólice de seguro a seguradora está obrigada a assegurar ao sinistrado os tratamentos médicos adequados para o restabelecimento, na medida possível, do estado de saúde anterior ao acidente, não podendo o sinistrado, em regra, contratar por si tais serviços de saúde, não sendo assim compreensível, nem aceitável que quando o fizesse a seguradora fosse obrigada a suportar os gastos despendidos quando esses fossem de valor superior ao que suportaria, se tais actos fossem por si assegurados. Contudo nada justifica que a seguradora não seja responsável pelo valor que sempre suportaria, se os mesmos actos médicos, adequados ao restabelecimento do sinistrado, fossem directamente por si assegurados.
Em suma, o sinistrado terá direito ao reembolso das despesas realizadas, caso prove que os actos clínicos e/ou os tratamentos por si contratados foram adequados ao restabelecimento do seu estado de saúde e à recuperação para a sua vida activa.

No caso em apreço, foi prestada à sinistrada assistência médica pela seguradora responsável, sendo certo que já em sede de revisão de incapacidade, foi constatado e determinado o agravamento da IPP inicialmente atribuída à sinistrada tendo os Srs. Peritos que integraram a junta médica, que teve lugar no dia 7/03/2019, se pronunciado no sentido da sinistrada ser muito nova para ser submetida a uma artroplastia nessa altura. Passado cerca de dois meses foi entendido pelo médico consultado pela sinistrada que a artroplastia parcial seria a forma de melhorar o estado de saúde da sinistrada, tendo esta sido operada com urgência em face das dificuldades que apresentava. Seguidamente e já em sede deste incidente de revisão os Srs. Peritos Médicos neles se incluindo o indicado pela seguradora consideraram que a artroplastia foi o tratamento adequado e que pôde melhorar o estado da sinistrada, já que esta deixou de claudicar e voltou a trabalhar ou seja regressou à vida activa.
Assim sendo, dúvidas não restam de que a cirurgia que a sinistrada realizou à revelia da seguradora era necessária e foi motivada por algumas das sintomatologias que a sinistrada apresentava por causa do acidente, revelando ser o tratamento adequado à melhoria do estado geral da autora e que lhe veio a proporcionar a retoma do seu trabalho. Acresce dizer que a ré/seguradora nunca se dispôs a realizar a intervenção, nem ofereceu qualquer alternativa clínica urgente à autora quando esta a procurou aquando do 1º incidente de revisão de pensão, sendo certo que tendo mediado cerca de dois meses entre a altura em que a junta médica por unanimidade se pronunciou sobre desaconselhamento da artroplastia e a altura em que o médico ortopedista consultado pela sinistrada se pronunciou sobre a urgência de tal tratamento como sendo a única forma de melhorar o estado geral da sinistrada, afigura-se-nos que não era exigível atenta a gravidade e urgência da intervenção auscultar de novo a Seguradora.
Em suma, a realização da artroplastia foi um bem, ou uma necessidade, adequada a melhorar o estado geral da sinistrada que deveria ter sido suportado pela seguradora, mais cedo ou mais tarde, já que a posição desta foi sempre de que a autora era nova para se submeter a tal tratamento. Ao não suportar tal despesa teve um enriquecimento indevido pelo que, se nos afigura de justo e adequado, que a Seguradora responsável pela reparação do acidente suporte as despesas realizadas pela sinistrada com esse ato, mas tendo como limite os preços que suportaria por tais serviços, se fossem por si assegurados e/ou contratados.
Ora, o valor que a Ré Seguradora suportaria pelo acto médico em causa, se por si tivesse sido assegurado e contratado, não se encontra apurado, pelo que se impõe relegar o seu apuramento para o incidente de liquidação.
Procede o recurso com a consequente revogação da decisão recorrida.

V – DECISÃO:

Pelo exposto e nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 663.º do Código de Processo Civil, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente o recurso interposto por E. C., e, em consequência a condenar a Ré X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a pagar-lhe a quantia que vier a ser apurada, em ulterior incidente de liquidação, correspondente ao reembolso das despesas efectuadas pela sinistrada com a intervenção cirúrgica (artroplastia), tendo como limite o preço que a Ré suportaria por tal serviço, se fossem por si assegurado e/ou contratado.
Custas a cargo da Recorrida.
Notifique.
20 de Janeiro de 2022

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga