Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
570/15.9T8VVDL.G1
Relator: ELSA PAIXÃO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
AUTO DE NOTÍCIA
INDICAÇÃO DO LOCAL DOS FACTOS
DILIGÊNCIAS REQUERIDAS PELO ARGUIDO
COMPETÊNCIA DA ENTIDADE ADMINISTRATIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I) O processo de contraordenação comporta a fase administrativa [regulada nos arts. 33º a 58º do RGCOC] e pode comportar uma fase judicial [regulada nos arts. 59º a 82º do RGCOC], nos termos do disposto no art. 62º, nº 1 do RGCOC, sendo que o que no processo vale como acusação é a apresentação dos autos ao juiz pelo Ministério Público.
II) Por isso, não só a notificação feita pela autoridade administrativa não tem que obedecer aos requisitos da acusação pública deduzida em processo criminal na fase de inquérito, previstos na alínea b) do nº 3 do art. 283º do CPP, como no processo por contraordenação, entrado na fase judicial, não existe uma verdadeira e própria acusação, mas um seu ‘equivalente’, constituído pelos autos apresentados.
III) A decisão administrativa da ANSR que aplicou a sanção acessória ao arguido pela prática da contraordenação p. e p. pelo artº 60º, nº 1, do RCE, contém todos os elementos exigidos pelo art. 58º, nº 1 do RGCOC e, especificamente, os mencionados na sua alínea b), pelo que não padece de qualquer nulidade, mormente a invocada pelo recorrente, referente à falta de indicação do local da prática dos factos.
IV) É a autoridade administrativa que dirige o processo de contraordenação que decide pela realização ou não das diligências requeridas pelo arguido, devendo abster-se de realizar as que se lhe não afigurem de utilidade para a descoberta da verdade.
V) No caso dos autos não se vislumbrando a necessidade de qualquer diligência com vista a apurar qual a sinalização que se encontra aprovada na avenida onde os factos ocorreram, como pretendia o arguido, impõe-se concluir pelo indeferimento da pretensão do recorrente, nesta matéria.
VI) É que, por um lado, tal diligência de prova apenas poderia vir confirmar factos já por si admitidos (a existência de linhas longitudinais contínuas e descontínuas na referida via), e aceites pela própria entidade administrativa e no auto de notícia que deu origem ao processo de contra ordenação e, por outro lado, seria perfeitamente irrelevante saber em que parte há linha descontínua, pois a infração correu no local da linha contínua.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório
No processo de impugnação judicial de decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária nº 570/15.9T8VVD, da Instância Local de Vila Verde - Secção Criminal (J1) da Comarca de Braga, foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
O Tribunal julga improcedente o recurso e, em consequência, decide manter a decisão proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que inibiu o arguido Ricardo D. de conduzir por um período de 30 (trinta) dias.
Custas a cargo do arguido, fixando-se a taxa de justiça em duas U.C. (artigo 8.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais).
Notifique o arguido e o Ministério Público.
Comunique nos termos do artigo 70.º, n.º 4 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de outubro.
***
Inconformado com tal decisão, o arguido recorreu para este Tribunal da Relação, terminando a motivação com as seguintes conclusões:
1 - O Arguido não se pode conformar com a sentença nos termos da qual decidiu a meritíssimo juiz a quo julgar o recurso de impugnação judicial interposto pelo arguido improcedente, mantendo a decisão proferida pela Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária que inibiu o arguido de conduzir por um período de 30 (trinta) dias.
2 - Com o devido respeito, que é merecido e muito, não foi feita a devida aplicação do artigo 283.° n.° 3 b) do Código de processo Penal, nomeadamente a indicação do local da alegada prática da contra-ordenação, tampouco foi devidamente aplicado o artigo 120.° n.° 2 alínea d) do Código de Processo Penal, que prevê a nulidade dependente de arguição no caso de insuficiência de instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatório e a omissão posterior de actos que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
3 - Ora vejamos: o tribunal recorrido deu como provado que
“1. No dia 13 de Julho de 2013, pelas 00.25 horas, na Avenida dr Bernardo Brito Ferreira, Vila verde, conduzindo o veiculo ligeiro misto de matricula …, o arguido efectuou manobra de ultrapassagem a outros veículos, pisando e transpondo a linha longitudinal contínua marca Ml, separadora de sentido de trânsito, sentido norte-sul;
2. O arguido não agiu com o cuidado a que estava obrigado;
3. O arguido pagou voluntariamente a coima”
4 - Sendo certo que, o tribunal recorrido para dar como provados os factos acima mencionados apresentou a seguinte motivação:
“os factos provados resultam do teor do auto de noticia e da decisão de folhas 25 e 26”
5 - E relativamente as nulidades invocadas a seguinte:
“Alega o arguido que não se recorda de ter circulado no local identificado no auto de notícia no dia e hora ali referenciados e que o auto de notícia não especifica o local exacto da pratica da contra-ordenação. O facto de o arguido não se lembrar de passar no local em nada releva para a questão, por outro lado, entendemos que o auto identifica de modo suficiente o local da infracção, uma vez que indica a rua e o sentido de marcha, mais esclarecendo que foi num local onde existe o traço continuo (linha Ml). Naturalmente que o facto de a Avenida em causa não ser dotada em toda a sua extensão de linha longitudinal contínua, também não releva, uma vez que segundo o auto a infracção ocorreu num local em que essa linha efectivamente existe …
Alega ainda o arguido que requereu à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que oficiasse à Camara Municipal de Vila verde para certificar a sinalização da Avenida Dr Bernardo Brito Ferreira, o que não foi feito. Na sua resposta a autoridade administrativa disse que o local da infracção se encontra suficientemente indicado, pelo que, não obstante não se tenha referido expressamente à diligência de prova requerida, deduz-se da sua resposta que tal diligencia seria inútil. Com efeito, concluindo-se que o local da infracção se encontra suficientemente indicado, seria irrelevante saber em que parte há linha descontinua, pois a infracção correu no local da linha contínua.
Assim entendemos que não obstante não tenha havido expressa pronúncia da autoridade administrativa, a sua resposta á defesa do arguido esclarece a razão da não realização da diligência requerida, não se verificando qualquer nulidade.”
6 - Sucede que, atenta à prova documental que se encontra junta aos autos, entendemos que deveria a meritíssima juiz a quo ter verificado que padeciam o Auto de Notícia e decisão administrativa de aplicação da coima e sanção acessória de inibição de conduzir de nulidade.
7 -Nos termos do Autor de Notícia notificado ao Arguido em 16 de Setembro de 2013 e junto aos autos, no dia 13/07/2013, pelas 00h25 m, na Av.ª Dr. Bernardo Brito Ferreira, em Vila Verde, concelho de Vila Verde, distrito de Braga, o arguido vem acusado de “o condutor que no dia, local e hora conduzia o veículo citado, efectuou a ultrapassagem a outros veículos, pisando e transpondo a linha longitudinal continua (Marca Ml) separadora de sentidos de trânsito; (sentido Sul-Norte); Auto elaborado nos termos do n.° 2 do artigo 271.° do Código da Estrada”.
8 - Tal facto constitui uma contra ordenação muito grave conforme o disposto no artigo 146°,
alínea o) do Código da Estrada, sancionável com coima de €49,88 a 248,40€, nos termos do
artigo 65.°, alínea a) do Decreto Regulamentar n.° 22-A/98 de 01 de Outubro (que aprovou o Regulamento de Sinalização do Trânsito), e ainda com a sanção acessória de inibição de conduzir de 2 a 24 meses, de acordo com o 146.° artigo 147°, n.° 2 do C.E.
9 - Ao ilícito de mera ordenação social, é aplicável subsidiariamente as regras do D. Penal e do Processo Penal nos termos dos Arts. 32° e Art. 41° do RGCO, respectivamente.
10 - É relevante para a defesa do arguido conhecer todos os factos que lhe são imputados, bem como toda e qualquer circunstância relevante para a determinação da sanção aplicável, na comunicação prévia da imputação destinada a assegurar a defesa do arguido, ou seja da notificação do Auto de Noticia.
11 - Salvo o devido respeito, que é muito, a douta sentença de que agora se recorre faz uma errónea interpretação do teor do Auto de Notícia e da alegação da nulidade por falta de identificação do local da prática da alegada infracção.
12 - A entidade administrativa aquando da notificação ao arguido do Auto de Notícia não forneceu ao arguido a identificação e narração do lugar da prática dos factos que fundamentam a aplicação de coima e sanção acessória.
13 - Na fase administrativa do processo, a imputação dos factos respeitantes a uma contraordenação equivale à acusação em processo penal, sendo nesta, inequívoca a exigência desses elementos, sob pena de nulidade, nos termos da alínea b) do n° 3 do Art. 283° do Código de Processo Penal (CPP);
14 - O Arguido desde logo impugnou o teor do Auto de Notícia (cfr, doc. 1 junto ao recurso de impugnação correspondente à defesa escrita remetida a ANSR) negando ter transposto a linha longitudinal na Avenida em questão. Apenas desde logo alegando o Arguido que não conseguia visualizar qual o local mencionado no auto de contra ordenação, para efeitos da nulidade do mesmo.
15 - Salvo o devido respeito, o facto do arguido não se lembrar de ter circulado na via referida no Auto de contra ordenação deveria ter relevado na apreciação feita pela meritíssima juiz a quo precisamente na verificação de sequer circular nessa via, o que não foi feito além de constar do auto de contra ordenação cujo teor impugnou.
16 - Não foi ouvida a agente da autoridade que elaborou o Auto de contra ordenação, para sua confirmação, ou não, pelo que a veracidade do mesmo não pôde ser averiguado, ou em bom rigor sequer ponderado.
17 - Vejamos que a via em questão Avenida Dr Bernardo Brito Ferreira tem mais de três quilómetros, aliás, cerca de metade da via em questão não possui sequer linha longitudinal contínua. Mas o arguido residindo em …, nem sequer circula em toda extensão da referida avenida quando vem a Vila verde, já que as vias de trânsito entre as duas freguesias se encontram sensivelmente a meio da referida avenida.
18 - Estes factos, não necessitavam de ter sido alegada anteriormente pelo arguido, já que não
lhe cabe o ónus da prova da prática da alegada contra ordenação, com a descrição do local da mesma mas sim a entidade autuante.
19 - Mas, não tendo a entidade autuante devidamente descrito o local vê-se o arguido impedido de alegar que o mesmo não circula no local em que a entidade autuante entendeu que praticou a contra ordenação.
20 - Ficou ainda o arguido impedido de comprovar nos autos que no local em questão não existe linha longitudinal continua.
21 - Com efeito, como consta da douta sentença recorrida nem toda a Avenida Dr. Bernardo de Brito Ferreira se encontra dotada de linha longitudinal continua!
22 - Estes elementos apenas poderiam ter sido objecto de defesa pelo arguido se este soubesse a que ponto da avenida se refere o auto de contra ordenação.
23 - Por outro lado, carece de fundamento lógico a douta sentença quando entende salvo o devido respeito que encontra-se devidamente identificado o local em questão por que “entendemos que o auto identifica de modo suficiente o local da infracção, uma vez que indica a rua e o sentido de marcha mais esclarecendo que foi num local onde existe o traço contínuo (linha Ml)”
24 - Assim a fundamentação de identificação DO local, é apenas e só que o auto se refere a UM local.
25 - Não se pode conceber tal, existem diversos locais, com e sem linha continua, não sendo exigível que o arguido fizesse a prova que não circulou em nenhum dos locais com linha contínua.
26 - Pior, tal interpretação impediria qualquer possibilidade para o arguido de comprovar que no local não existe linha longitudinal continua.
27. A isto acresce que, o fundamento para a meritíssima juiz a quo entender da suficiência da indicação do local no auto de contra ordenação, é apenas e só o próprio Auto de notícia, ou seja o mesmo do qual se aprecia a nulidade.
28. Ou seja tal terá ocorrido num local com linha contínua porque o Auto de contra ordenação assim o diz.
29. Tudo isto pese embora seja reconhecido na sentença recorrida que a avenida em questão
não se encontra dotada de linha contínua em toda a sua extensão e que não há qualquer meio
lógico e fundamentado de se discernir do auto de contra ordenação em que local em concreto terá o arguido praticado a contra ordenação.
30. Ora a acusação é a peça fundamental no âmbito do processo contra ordenacional, só podendo o arguido ser condenado ou lhe ser aplicada uma coima pelos factos que aí lhe são imputados e normas alegadamente violadas, e não por qualquer outros factos ou normas.
31. A acusação deve conter a descrição fundamentada de modo, tempo e lugar dos factos ou
comportamentos imputados ao arguido, sendo de todo irrelevante qualquer tipo de acusação
meramente abstracta ou genérica, tanto na vertente dos factos como das normas legais alegadamente violadas.
32. Só dessa forma se poderá assegurar ao arguido o direito constitucionalmente consagrado
da sua defesa, a qual envolve não só responder a acusação exercendo por escrito o direito de
audição e defesa a fim de apresentar os elementos relevantes para o esclarecimento dos factos e da sua participação nos mesmos, mas também o direito de produzir prova pertinente para o esclarecimento da verdade.
33. Ou seja, a acusação é a peça fundamental do processo contra ordenacional, pois não pode o arguido ser condenada por factos ou normas diversos do que os pelos quais vem acusado.
34. Pelo exposto, o recorrente considera que não foi feita a devida aplicação do artigo 283.° n.° 3 b) do Código de processo Penal, nomeadamente a indicação do local da alegada prática da contra-ordenação
35 - A isto acresce que, no seguimento da referida insuficiência de indicação do local da pratica da contra ordenação e para permitir á entidade administrativa verificar que a Avenida Dr Bernardo Brito Ferreira não se encontra dotada de linha longitudinal contínua em toda a sua extensão, o arguido requereu no quadro da defesa escrita apresentado que fosse notificada a Autoridade Nacional para a Segurança Rodoviária para certificar qual a sinalização que se encontra aprovada na mesma.
36 - A entidade administrativa, sem se ter sequer pronunciado sobre o dito requerimento de prova proferiu decisão nos termos da qual aplicou ao arguido a sanção acessória de inibição de conduzir, especialmente atenuada nos termos do art.° 140.° do Código da Estrada pelo período de 30 dias.
37 - Sucede que, pese embora a meritíssima juiz a quo reconheça tal facto, entende que tal não consubstancia nulidade por insuficiência da instrução.
38 - Para o efeito, a meritíssima juiz a quo sustenta que
“Na sua resposta a autoridade administrativa disse que o local da infracção se encontra suficientemente indicado, pelo que, não obstante não se tenha referido expressamente à diligência de prova requerida, deduz-se da sua resposta que tal diligencia seria inútil. Com efeito, concluindo-se que o local da infracção se encontra suficientemente indicado, seria irrelevante saber em que parte há linha descontínua, pois a infracção correu no local da linha contínua.
Assim entendemos que não obstante não tenha havido expressa pronúncia da autoridade administrativa, a sua resposta á defesa do arguido esclarece a razão da não realização da diligência requerida, não se verificando qualquer nulidade.”
39 - Salvo o devido respeito, não pode o arguido compartilhar tal entendimento.
40. A verdade é que, a entidade administrativa não só não requereu que se oficiasse a Camara municipal de Vila verde como nem tampouco apreciou tal requerimento de prova.
41. Não é feito ao longo da decisão administrativa impugnada qualquer referencia a desnecessidade da requerida diligencia, posição que não se pode deduzir sem qualquer elemento nesse sentido que apenas o silêncio da entidade administrativa.
42 - O facto de entender que o local se encontra suficientemente indicado, mesmo assim não seria suficiente para afastar tal diligencia, pois sem a mesma nem sequer é feita prova da existência de linha longitudinal continua, a não ser mais uma vez o auto de contra ordenação, o que se revela insuficiente, já que é precisamente o auto de Contra ordenação que foi desde o início impugnado.
43. Peca assim a decisão recorrida por insuficiência da fase instrutória por não ter sido praticado acto essencial a descoberta da verdade.
44 - Nulidade que expressamente se arguiu para todos os devidos efeitos legais.
45 - Pelo exposto, incorreu o meritíssimo tribunal a quo em incorrecta valoração da prova e errónea aplicação do artigo 120.° n.° 2 alínea d) do Código de Processo Penal, que prevê a nulidade dependente de arguição no caso de insuficiência de instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatório e a omissão posterior de actos que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
TERMOS EM QUE, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, e, em consequência, ser a douta decisão revogada nos termos e pelos motivos supra expostos, arquivando os autos.
Mas certamente V.Ex.a farão a INTEIRA e SÃ JUSTIÇA, como já é habitual.

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O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação do Porto, por despacho de fls. 103.
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O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu conforme fls. 107 a 114, defendendo que o recurso não deve proceder, devendo a decisão recorrida ser confirmada e mantida na íntegra. Formulou as seguintes conclusões:
1. Alega o arguido que a entidade administrativa não praticou todas as diligências de prova necessárias à descoberta da verdade, não se pronunciando sobre a diligência probatória pelo mesmo requerida em sede de defessa na fase administrativa.
2. A fase de investigação e instrução em processo contraordenacional é da competência da entidade administrativa, sendo que a mesma deverá dar ao arguido, atento o disposto no artigo 50º do RGCOC, oportunidade para apresentar a sua defesa, requerendo a prática de diligências que considere necessárias caso o pretenda.
3. Contudo, em nenhuma norma do RGCOC nem do Código de Processo Penal, aplicado subsidiariamente atento o disposto no artigo 41º do RGCOC, se estabelece que a entidade administrativa é obrigada à prática de todos os actos requeridos pelo arguido.
4. Apenas se exige, até em face do estabelecido no artigo 120°, n.° 2, alínea d) do Código de processo Penal que se pratiquem os actos necessários e essenciais à descoberta da verdade.
5. Ora, admitindo o arguido que a Avenida onde os factos terão sido praticados é composta por traçado contínuo e descontínuo, o que a própria entidade administrativa também admite - isso decorre não só do auto de notícia como da decisão administrativa, sendo, por isso, facto assente, de nenhuma utilidade para a descoberta da verdade se revestiria o requerido pelo arguido.
6. Por conseguinte, e considerando a entidade administrativa que tal facto se mostra assente, sendo a sua indagação futura inútil para a descoberta da verdade, não se tratando de acto obrigatório ou que se repute essencial para a descoberta da verdade, o indeferimento de tal diligência não integra a nulidade prevista no artigo 120°, n.° 2, alínea d) do Código de Processo Penal.
7. Assim, deverá improceder, nesta parte o recurso do arguido.
8. No que concerne à falta de indicação do local de infracção, entendemos que tal não existe, o que decorre desde logo da simples leitura do auto de notícia e da decisão da entidade administrativa, de acordo com os quais os factos foram praticados no dia 13/07/2013, pelas 00h25m, na Avenida Dr. Bernardo Brito Ferreira, em Vila Verde, na parte em que existe linha longitudinal contínua.
9. Pelo que, se monstra completamente circunscrito o local da prática dos factos, tendo tal sido inclusive correctamente apreendido pelo arguido, que alegou em sua defesa não se recordar de aí ter passado o que indica que sabe a que local da via se refere o auto de notícia e a decisão administrativa quando lhe imputa a prática da contra-ordenação melhor descrita nos autos.
10. Entendemos, assim, dever improceder, também nesta parte, o recurso do arguido.
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Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, sufragando por inteiro o entendimento e considerações expendidos na resposta do Ministério Público junto da 1ª instância, emitiu parecer no sentido de que “deverá ser negado provimento ao recurso”.
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Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, tendo o arguido deduzido resposta ao parecer em que reitera as considerações expendidas nas alegações do recurso, e remata com a mesma conclusão.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar.
Há que dizer que o presente recurso é restrito à matéria de direito, visto o disposto nos artigos. 75º, n.º 1 e 41º, n.º 1, ambos do DL n.º 433/82, de 27 de outubro, sucessivamente alterado (alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 356/89, de 17 de outubro, e 244/95, de 14 de setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro - RGCOC), salvo verificação de qualquer dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal (só o processamento e julgamento conjunto de crimes e contraordenações, previsto no art. 78º do RGCOC, permite o conhecimento pela 2.ª instância, em sede de recurso, da matéria de facto).
Questões a decidir.
Vistas as conclusões apresentadas, o objeto do presente recurso prende-se com:
- Nulidade do auto de notícia e da decisão administrativa, por falta de indicação do local da prática da contraordenação (violação do disposto no artigo 283º, nº 3, alínea b) do Código de Processo Penal);
- Nulidade da decisão administrativa decorrente da omissão de atos legalmente obrigatórios e essenciais para a descoberta da verdade (artigo 120º, nº 2, alínea d) do Código de Processo Penal).
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Segue a transcrição da decisão proferida.
“Ricardo D., residente no Lugar de … Vila Verde veio, ao abrigo do disposto nos artigos 55.º e 59.º do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27 de outubro, com a redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 244/95 de 14 de setembro, interpor recurso de impugnação da decisão da A.N.S.R. que lhe aplicou a sanção acessória de inibição de conduzir por 30 dias, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 60.º n.º 1 do Regulamento do Código da Estrada.
Para tanto, invoca a nulidade da decisão administrativa por insuficiência da descrição do local da infração, sendo que não se pronunciou sobre um ato essencial à descoberta da verdade, caso assim se não entenda pede a suspensão da execução da sanção.
Conclui pedindo o arquivamento ou a suspensão da execução da inibição de conduzir.

II.
O Tribunal é competente.
O processo é o próprio.
O arguido invoca a nulidade da decisão administrativa.
Alega o arguido que não se recorda de ter circulado no local identificado no auto de notícia no dia e hora ali referenciados e que o auto de notícia não especifica o local exato da prática da contraordenação. O facto de o arguido não se lembrar de passar no local em nada releva para a questão, por outro lado, entendemos que o auto identifica de modo suficiente o local da infração, uma vez que indica a rua e o sentido de marcha, mais esclarecendo que foi num local onde existe o traço contínuo (linha M1). Naturalmente que o facto de a Avenida em causa não ser dotada em toda a sua extensão de linha longitudinal contínua, também não releva, uma vez que segundo o auto a infração ocorreu num local em que essa linha efetivamente existe…
Alega ainda o arguido que requereu à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que oficiasse à Câmara Municipal de Vila Verde para certificar a sinalização da Avenida Dr. Bernardo Brito Ferreira, o que não foi feito. Na sua resposta a autoridade administrativa disse que o local da infração se encontra suficientemente indicado, pelo que, não obstante não se tenha referido expressamente à diligência de prova requerida, deduz-se da sua resposta que tal diligência seria inútil. Com efeito, concluindo-se que o local da infração se encontra suficientemente indicado, seria irrelevante saber em que parte há linha descontínua, pois a infração correu no local da linha contínua.
Assim, entendemos que não obstante não tenha havido expressa pronúncia da autoridade administrativa, a sua resposta à defesa do arguido esclarece a razão da não realização da diligência requerida, não se verificando qualquer nulidade.

Não há nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.

III.
Resultaram provados os seguintes factos, com relevância para a decisão da causa:
1. no dia 13 de julho de 2013, pelas 00.25 horas, na Avenida Dr. Bernardo Brito Ferreira, Vila Verde, conduzindo o veículo ligeiro misto de matrícula …, o arguido efetuou manobra de ultrapassagem a outros veículos, pisando a transpondo a linha longitudinal contínua marca M1, separadora de sentido de trânsito, sentido norte-sul;
2. o arguido não agiu com o cuidado a que estava obrigado;
3. o arguido pagou voluntariamente a coima.

Toda a restante matéria alegada resultou não provada.

Motivação
Os factos provados resultaram do teor do auto de notícia e da decisão de folhas 25 e 26.

IV.
Enquadramento jurídico-penal
O objeto do presente recurso restringe-se tão só à sanção acessória que foi aplicada ao arguido.
Assim sendo, iremos tratar da questão que está aqui em causa.
O arguido pede a suspensão da execução da sanção acessória da inibição de conduzir.
Vejamos, então.
De acordo com o preceituado no artigo 138º, nº 1 do Código da Estrada, as contraordenações graves e muito graves são sancionadas com coima e com sanção acessória de inibição de conduzir.
Por seu turno, o artigo 139º do citado diploma legal, alterado pelo Decreto-Lei nº 44/2005 de 23 de fevereiro, fornece os critérios a que se deve atender para determinar a medida da sanção.
Prevê a lei a possibilidade de suspensão da execução da sanção (cfr. artigo 141º) cominada para as contraordenações graves.
Reportando-nos ao caso em apreço, a infração cometida pelo recorrente consubstancia um contraordenação muito grave – cfr. artigo 146º, alínea o).
Poderá beneficiar da suspensão da execução da sanção?
Face à redação do artigo em causa parece clara a exclusão das sanções muito graves do seu âmbito de aplicação, inexistindo assim fundamento legal para a suspensão da execução da sanção.
Nos termos do artigo 140.º do Código da Estrada:
«Os limites mínimo e máximo da sanção acessória cominada para as contraordenações muito graves podem ser reduzidos para metade tendo em conta as circunstâncias da infração, se o infrator não tiver praticado, nos últimos cinco anos, qualquer contraordenação grave ou muito grave ou facto sancionado com proibição ou inibição de conduzir e na condição de se encontrar paga a coima.»
A entidade administrativa já procedeu à atenuação especial, pelo que quanto a esta matéria nada mais há a ordenar.
***
Comecemos por tratar a primeira questão acima elencada e que se prende com a nulidade do auto de notícia e da decisão administrativa, por falta de indicação do local da prática da contra ordenação (segundo o recorrente decorrente da violação do disposto no artigo 283º, nº 3, alínea b) do Código de Processo Penal).
Reitera-se que, em matéria de contraordenações, como é o caso, o poder de cognição deste tribunal está efetivamente limitado à matéria de direito, funcionando este Tribunal da Relação como Tribunal de revista ampliada (sem prejuízo do conhecimento oficioso de qualquer dos vícios indicados no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal).
E é neste contexto que tem que ser analisado e decidido o presente recurso.
O recorrente alega que “a sentença recorrida faz uma errónea interpretação do teor do Auto de Noticia e da alegação da nulidade por falta de identificação do local da pratica da alegada infração, sendo que a entidade administrativa aquando da notificação ao arguido do Auto de Noticia não forneceu ao arguido a identificação e narração do lugar da prática dos factos que fundamentam a aplicação de coima e sanção acessória”.
E defende ainda que na fase administrativa do processo, a imputação dos factos respeitantes a uma contraordenação equivale à acusação em processo penal, sendo nesta, inequívoca a exigência desses elementos, sob pena de nulidade, nos termos da alínea b) do n° 3 do Art. 283° do Código de Processo Penal (CPP).
Vejamos.
Comecemos por lembrar que o processo de contraordenação comporta a fase administrativa [regulada nos arts. 33º a 58º do RGCOC] e pode comportar uma fase judicial [regulada nos arts. 59º a 82º do RGCOC], nos termos do disposto no art. 62º, nº 1 do RGCOC, sendo que o que no processo vale como acusação é a apresentação dos autos ao juiz pelo Ministério Público.
Por isso, não só a notificação feita pela autoridade administrativa não tem que obedecer aos requisitos da acusação pública deduzida em processo criminal na fase de inquérito, previstos na citada alínea b) do nº 3 do art. 283º do Código de Processo Penal, como no processo por contraordenação, entrado na fase judicial, não existe uma verdadeira e própria acusação, mas um seu ‘equivalente’, constituído pelos autos apresentados.
O Código da Estrada contém específica regulamentação, estabelecendo os requisitos do auto de notícia pela prática de contraordenação rodoviária.
Na verdade, nos termos do disposto no art. 170º, nº 1 do Código da Estrada [redação do Dec. Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro, em vigor na data da prática dos factos], o auto de notícia relativo ao cometimento de contraordenação rodoviária presenciado por qualquer autoridade ou agente de autoridade, no exercício das suas funções de fiscalização, deve mencionar:
- Os factos que constituem a infração;
- O dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foi cometida;
- O nome e a qualidade da autoridade ou agente de autoridade que a presenciou;
- A identificação do autor da infração;
- A identificação, quando possível, de pelo menos uma testemunha presencial dos factos.
O auto de contraordenação de fls. 5 observa integralmente os requisitos previstos no art. 170º, nºs 1 e 5 do C. da Estrada, pois dele constam os factos integradores da infração, o dia, hora, local e circunstâncias em que foi praticada, o nome e qualidade do agente da autoridade que o levantou e a sua assinatura, a identificação do agente da infração, ou seja que no dia 13 de julho de 2013, pelas 00.25 horas, na Avenida Dr. Bernardo Brito Ferreira, Vila Verde, conduzindo o veículo ligeiro misto de matrícula …, o arguido efetuou manobra de ultrapassagem a outros veículos, pisando e transpondo a linha longitudinal contínua marca M1, separadora de sentido de trânsito, sentido norte-sul, conduta que infringiu o artigo 60º, nº 1 do Regulamento do Código da Estrada, sancionável nos termos do artigo 65º, alínea a) do mesmo Regulamento.
E ainda que não seja aplicável ao auto, o disposto no art. 283º do Código de Processo Penal, uma vez que o mesmo não é uma acusação, os requisitos supra referidos correspondem, com as necessárias adaptações, ao exigido pela alínea b) do nº 3 do artigo citado.
Não padece, pois, o auto de contraordenação de qualquer nulidade.
E que dizer quanto à decisão administrativa?
Nos termos do art. 58º, nº 1 do RGCOC, a decisão administrativa que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter, a) a identificação dos arguidos, b) a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, c) a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão, d) a coima e as sanções acessórias.
A decisão administrativa da ANSR, de fls. 25 e 26, que aplicou ao arguido a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de trinta dias, contém a identificação do arguido, a descrição dos factos, o meio de prova que os evidencia [o auto de notícia, com o valor probatório previsto no nº 3 do art. 170º do Código da Estrada], as normas aplicáveis e a sanção acessória decretada.
Quanto aos factos descritos, concretamente quanto ao local da prática da contraordenação, o mesmo é identificado de modo suficiente na decisão administrativa, já que dela consta a indicação da rua e o sentido de marcha, mais nela se esclarecendo que foi num local onde existe o traço contínuo (linha M1), ou seja, dela resulta expressamente que o local onde os factos ocorreram se situa na Avenida Dr. Bernardo Brito Ferreira, Vila Verde, no sentido de trânsito norte-sul, onde existe uma linha longitudinal contínua marca M1.
E não podemos escamotear que, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 170º do Código da Estrada “O auto de notícia levantado e assinado nos termos dos números anteriores faz fé sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário”.
Na verdade, conforme se refere na sentença recorrida, não pode colher o argumento expendido pelo recorrente pois o facto de este “…não se lembrar de passar no local em nada releva para a questão…”, para além de que “…o facto de a Avenida em causa não ser dotada em toda a sua extensão de linha longitudinal contínua, também não releva, uma vez que segundo o auto a infração ocorreu num local em que essa linha efetivamente existe…”
Acresce que, analisada a defesa apresentada pelo arguido junto da entidade administrativa, as alegações da impugnação judicial da decisão administrativa e as próprias alegações de recurso da sentença proferida nos autos, das mesmas resulta que o arguido conhece a Avenida Dr. Bernardo Brito ferreira, em Vila Verde, de tal modo que sabe que a mesma não apresenta o mesmo traçado de linhas longitudinais, admitindo passar na mesma via algumas vezes no seu caminho para a sua residência.
Ora, conhecendo o arguido o traçado da via, alegando apenas que não se recorda de nela ter passado no dia 13/07/2013, pelas 00h25m, não se vê de onde possam as suas garantias de defesa terem sido prejudicadas com a referida indicação de local, já que o mesmo corresponderá à parte da referida via onde se encontra aposta linha longitudinal contínua.
Assim, face ao exposto, a decisão administrativa da ANSR que aplicou a sanção acessória ao arguido contém todos os elementos exigidos pelo art. 58º, nº 1 do RGCOC e, especificamente, os mencionados na sua alínea b), pelo que não padece de qualquer nulidade, mormente a invocada pelo recorrente.
Improcede, pois, este fundamento do recurso.
Aqui chegados, cumpre apreciar a segunda questão acima elencada e que se prende com a nulidade da decisão administrativa decorrente da omissão de atos legalmente obrigatórios e essenciais para a descoberta da verdade.
Alega o recorrente que requereu na defesa apresentada que fosse notificada a Câmara Municipal de Vila Verde para certificar qual a sinalização que se encontra aprovada na Avenida Dr. Bernardo Brito Ferreira, sendo que a autoridade administrativa, sem se ter pronunciado sobre o dito requerimento de prova, proferiu decisão e aplicou ao arguido a sanção acessória de inibição de conduzir, especialmente atenuada nos termos do art.° 140.° do Código da Estrada pelo período de 30 dias.
E conclui o recorrente no sentido de que tal diligência de prova se mostrava essencial para a descoberta da verdade, por permitir saber o local exacto onde a alegada contraordenação terá sido praticada, configurando-se assim uma nulidade prevista no artigo 120°, n.° 1 e 2, alínea d) do Código de Processo Penal.
Vejamos.
Dispõe o artigo 50° do Regime Geral das Contra ordenações e Coimas (RGCOC) que “não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre “. Neste normativo se consagra o direito de defesa constitucionalmente estabelecido no artigo 32°, n.° 10 da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e de defesa”.
O direito de defesa do arguido também se encontra previsto no artigo 61º, n.° 1, al. f) do Código de Processo Penal onde lhe é conferido o direito de intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas, e requerendo as diligências que se lhe afigurem necessárias, e que se aplica ao processo contra-ordenacional por força da remissão operada pelo artigo 41° do RGCOC.
Daqui decorre que na fase de investigação e instrução, da competência da entidade administrativa, poderá o arguido, no exercício do seu direito de defesa, apresentar provas e requerer diligências, todavia, daqui não decorre que a entidade administrativa é obrigada a realizar todas as diligências de prova que lhe são requeridas pelo arguido.
Na verdade e como referem Oliveira Mendes e Santos Cabral (in Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, 2ª Ed., pág. 139) “o arguido tem o direito de se pronunciar sobre a contra-ordenação e sobre a sanção ainda na fase administrativa. Igualmente não se vislumbra motivo para se negar naquela fase a possibilidade de o arguido requerer a prática de diligências relevantes para a sua defesa em termos perfeitamente equiparados aos que sucedem em sede de inquérito relativamente à autoridade judiciária.
Questão diversa será a de saber se a autoridade administrativa está obrigada à prática dos actos requeridos pelo arguido e aí entendemos que a resposta terá de ser negativa. Na verdade, se aquela entidade preside à investigação e instrução apenas deverá praticar os actos que se proponham atingir as finalidades daquela fase processual o que pode não coincidir, necessariamente, com os actos propostos”.
Na verdade, a autoridade administrativa não está obrigada a admitir a produção de todas as provas indicadas pelo arguido na sequência da notificação para o efeito ao artigo 50º do RGCOC (neste sentido os acórdãos da TRP de 04.06.2008; TRL de 04.10.2011; TRC de 09.01.2012; TRE de 24.09.2013, todos citados pelo Ex.mo Procurador Geral-Adjunto no seu parecer e disponíveis em www.dgsi.pt).
Por outro lado, dispõe o artigo 120º, n.° 2, alínea d) do Código de Processo penal, aplicável ex vi artigo 41° do RGCOC, que “constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais (...) a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.”.
Assim, no caso em apreço verificamos que o arguido, em sede de defesa, prevista no artigo 50º do RGCOC, requereu que se oficiasse à Câmara Municipal de Vila Verde para que certificasse qual a sinalização que se encontrava aprovada na Avenida Dr. Bernardo Brito Ferreira, designadamente as linhas longitudinais de toda a mencionada Avenida, indicando uma testemunha.
Ora, é a autoridade administrativa que dirige o processo de contraordenação que decide pela realização ou não das diligências requeridas pelo arguido, devendo abster-se de realizar as que se lhe não afigurem de utilidade para a descoberta da verdade.
Ao arguido foi imputada a prática em 13/07/2013, pelas 00:25m, dos seguintes factos: naquele dia e hora, na Avenida Dr. Bernardo Brito ferreira, em Vila Verde, mediante a condução do veículo automóvel ligeiro misto, com a matrícula … efectuou uma manobra de ultrapassagem de outros veículos, pisando e transpondo uma linha longitudinal contínua marca Ml, separadora de sentido de trânsito (sentido norte-sul).
Compulsada a decisão da ANSR, verifica-se que a mesma analisou a argumentação do arguido, concretamente a defesa por ele apresentada e considerou “que o local da infração se encontra indicado de forma perfeitamente suficiente”. E concluindo que o local da infração se encontra suficientemente indicado, despiciendo seria diligenciar no sentido pretendido pelo arguido.
De facto, da defesa apresentada decorre que o arguido, conhecendo tal via, alega que a mesma é composta por linhas longitudinais contínuas e linhas longitudinais descontínuas - o que também é aceite pela decisão da entidade administrativa e na sentença recorrida. Por conseguinte, estando tal facto assente, de nenhuma relevância se mostra comprovar tal facto documentalmente, pois o mesmo resulta não apenas do auto de notícia como das próprias alegações do arguido, e isso mesmo se mostra espelhado na decisão proferida pela entidade administrativa na parte em que faz a apreciação crítica da defesa do arguido.
Na verdade, para além de entendermos, tal como a ANSR e o tribunal a quo que a decisão administrativa (tal como o auto de notícia) identifica o local da prática da contraordenação, não se vislumbra a necessidade de qualquer diligência com vista a apurar qual a sinalização que se encontra aprovada na Avenida Dr. Bernardo Brito Ferreira, conforme pretende o arguido, já que, por um lado, tal diligência de prova apenas poderia vir confirmar factos já por si admitidos (a existência de linhas longitudinais contínuas e descontínuas na referida via), e aceites pela própria entidade administrativa e no auto de notícia que deu origem ao processo de contra ordenação e, por outro lado, ser perfeitamente irrelevante saber em que parte há linha descontínua, pois a infração correu no local da linha contínua.
Com efeito, não colhe a argumentação do arguido no sentido de que só dessa forma poderia identificar-se suficientemente o local onde a contraordenação terá sido praticada, pois conforme resulta da sentença recorrida, do auto de notícia e da decisão da entidade administrativa decorre que os factos ocorreram na parte da via que está assinalada com linha longitudinal contínua, pelo que de nada servirá saber qual a parte da via que está assinalada com linha longitudinal descontínua - diferente seria se toda a via estivesse marcada com linha longitudinal descontínua – o que nem o próprio arguido concebe. Ou seja, não havendo dúvidas quanto ao traçado existente na referida Avenida, constituída em parte por linha contínua e noutra parte em linha descontínua, nenhuma utilidade revestiria a diligência requerida pelo arguido.
Assim, face a todo o exposto nenhuma nulidade se constata existir no indeferimento de tal diligência.
Naufraga, assim, também, este fundamento do recurso.
Pelo que nenhuma censura merece a sentença recorrida, proferida sem violar qualquer norma legal, mormente as invocadas pelo recorrente.
Improcede, na totalidade, o recurso.
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III. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido Ricardo D., mantendo integralmente a decisão recorrida.
Custas pelo decaimento total no recurso pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC’s.
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Guimarães, 07 de novembro de 2016