Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
| ||
Relator: | TOMÉ BRANCO | ||
Descritores: | OFENSAS À HONRA INJÚRIA | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/03/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário: | I – A expressão «sois um bando de filhos da puta», tem uma carga injuriosa, não podendo ser considerada uma mera manifestação de falta de civismo, grosseria, falta de educação ou cultura, ainda que proferida no âmbito de uma discussão familiar. II – Existem expressões, comunitariamente tidas como obscenas ou soezes, que, objetivamente, atingem a honra do visado, a não ser que se demonstre que este as emprega usualmente e aceita sempre receber a carga de ofensividade que é inerente a elas. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do tribunal da Relação de Guimarães I) Relatório No processo Singular do Tribunal Judicial de Vieira do Minho supra referenciado, por sentença de 18.03.2014, foi para além do mais, decidido: Condenar a arguida M... SILVA, pela prática, como autora material, de um crime de injúria. p. e p. pelo artigo 181°, n° 1. do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante global de € 300,00 (trezentos euros). Condenar a demandada/arguida a pagar ao demandante João Fernando Magalhães a quantia de 500,00 Euros, a título de danos não patrimoniais sofridos, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, a contar da presente sentença. Inconformada, interpôs recurso a arguida Maria de Jesus, terminando a motivação com conclusões das quais resulta serem as seguintes as questões a decidir: Saber se a sentença padece dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto e do erro notório na apreciação da prova Saber se a Senhora juíza apreciou correctamente a prova Saber se foi violado o princípio in dúbio pró reo Saber se a expressão em causa tem a virtualidade para preencher a acção típica do crime de injúrias. Saber se a pena que foi aplicada é excessiva. O Mº Pº junto da 1ª instância respondeu, batendo-se pela manutenção da decisão recorrida. Nesta Relação o Exmº Procurador-Geral adjunto emitiu douto parecer defendendo igualmente a manutenção do julgado por considerar que a sentença recorrida não padece de nenhum dos vícios que lhe é apontado pelo recorrente devendo, assim manter-se inalterada a matéria de facto que foi dada como assente. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir. Estão dados como provados os seguintes factos: 1) Em meados do mês de Novembro de 2012, em dia não concretamente apurado, entre as 10:00 e as 11:00 horas, na Rua A..., G..., Vieira do Minho, a arguida proferiu contra o assistente os seguintes termos: "sois uns bandos de filhos da puta". 2) As expressões foram proferidas pela arguida de forma a serem escutadas por quem se encontrasse nas imediações. 3) Com tais palavras, a arguida quis ofender o assistente na honra e consideração que lhe são devidas, como efectivamente ofendeu. 4) A arguida agiu livre, consciente e voluntariamente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei, não se abstendo de a levar a cabo. 5) O demandante encontrava-se a atravessar uma doença de foro oncológico, encontrando-se particularmente sensível e fragilizado. 6) O demandante sentiu abalo moral e tristeza. Condições da arguida. 7) Nada consta do certificado de Registo Criminal da arguida. 8) A arguida é casada, trabalha na agricultura e o marido é reformado, auferindo rendimento que não foi possível apurar. 9) A arguida tem como habilitações literárias o 4° ano de escolaridade. 10) A arguida é tida pelas pessoas que com a mesma privam como uma pessoa trabalhadora e que tem uma situação económica modesta. FACTOS NÃO PROVADOS: Com interesse para a decisão da causa, não consideramos provados quaisquer outros factos, especificamente: a) A arguida no momento mencionado 'em 1. dos factos provados, para além da factualidade aí constante também dirigiu a expressão "tu és um deficiente que aí andas". b) A vinda a Juízo causou ao assistente incómodos e arrelias. c) O demandante despendeu a quantia de € 250,00, em deslocações à GNR, Tribunal e escritório da sua Advogada. Os restantes factos na acusação particular e pedido de indemnização civil não elencados quer nos factos dados como provados, quer nos factos dados como não provados, foram considerados pelo tribunal irrelevantes, conclusivos, que encerravam conceitos de direito ou se encontram em contradição com os factos dados como provados. MOTIVAÇÃO O Tribunal proferiu a decisão quanto à matéria provada e não provada com base na prova produzida em audiência de julgamento analisada e conjugada criticamente à luz das regras da experiência. Assim, desde logo e quanto aos factos considerados como provados, teve-se em conta as declarações prestadas pelo assistente João Fernando Vieira de Magalhães, que de uma forma segura, serena e que pareceu imparcial, relatou ao Tribunal os factos que ocorreram no dia constante dos factos provados, sendo certo que nem o assistente, a arguida ou as testemunhas conseguiram concretizar o dia em que ocorreram os factos, apenas se tendo apurado que os mesmos ocorreram em meados do mês de Novembro de 2012, esclarecendo ainda que passavam das 10:00 horas da manhã. Por outro lado, as declarações do assistente, considerando o modo como foram prestadas e a postura serena do mesmo, lograram convencer o Tribunal que a arguida proferiu as expressões constantes dos factos provados, e que eram dirigidas ao assistente. Ora, as declarações prestadas pelo assistente foram corroboradas, na sua essência, pelo teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas Leonor Guimarães, mulher do assistente e sobrinha da arguida, que para além das expressões constantes dos factos provados atestou que a arguida chamou "deficiente" ao marido, os factos ocorreram entre as 10:30 e as 11:00 horas e que teve de "agarrrar o marido" e J... Gonçalves, que apesar de não ter escutado as expressões dirigidas pela arguida ao assistente ouviu a arguida "a desafiar" o assistente e a mulher do assistente a ir buscá-lo e levá-lo para casa, o que se mostra em consonância com as declarações prestadas pelo assistente e depoimento da mulher do mesmo. É ainda de salientar que o assistente mencionou que apenas se recordava de ouvir a arguida dizer "sois uns bandos de filhos da puta". Assim sendo, e tendo em conta que o assistente foi a pessoa visada pela arguida e que se sentiu ofendido, no que respeita às concretas expressões que foram proferidas pela arguida, o Tribunal valorou o depoimento do assistente, considerando-se não provadas as restantes expressões constantes da acusação que consubstanciavam expressões injuriosas. E verdade que a arguida negou a prática dos factos que lhe são imputados, tendo esclarecido o Tribunal que as relações entre as partes são conflituosas e que já tinham ocorrido desentendimentos anteriores. Ora, não obstante, nesta parte, a versão da arguida nos parecer credível, aliás, foi confirmada pelo assistente, o certo é que a mesma já nos pareceu comprometida no que respeita aos factos em causa nos presentes autos. Com efeito, a arguida declarou que nesse dia nada se passou de anormal, sendo que nunca chamou qualquer "nome" ao assistente, mas que se recorda que a filha se dirigiu à janela perguntando-lhe se se passava alguma coisa, pelo que, na versão da arguida existindo alguma "discussão" a filha que estava em casa teria de ouvir. Sucede que ao longo da audiência de julgamento foi patente a postura comprometida, pouco serena e "desafiadora" da arguida, e considerando a prova produzida já mencionada, com especial relevo para as declarações prestadas pelo assistente que, como já referimos, prestou declarações que pareceram isentas e, por isso, convincentes, o Tribunal ficou convencido que a arguida, em meados do mês de Novembro de 2012, em dia não concretamente apurada, mas situada entre as 10:00 e as 11:00 horas, na Rua A..., G..., Vieira do Minho, a arguida proferiu contra o assistente os seguintes termos: "sois uns bandos de filhos da puta". Com efeito, em face da prova produzida, o Tribunal não ficou com qualquer dúvida de que os factos de que vinha acusada a arguida ocorrerem do modo descrito na factualidade provada. Foram também inquiridas as testemunhas A... Gonçalves, filha da arguida, que prestou um depoimento comprometido e por isso não mereceu relevância por parte do Tribunal, e A... Rebelo, Fernando D... e S... Duarte, que asseveraram, de um modo convincente, que a arguida é tida como pessoa trabalhadora e de situação económica modesta. No que respeita aos n°s 3. e 4. dos factos provados, os mesmos resultaram das regras da normalidade do acontecer, tendo-se ainda valorado o teor do certificado de Registo Criminal junto aos autos, no que respeita à ausência de antecedentes criminais. Quanto à condição económica e social da arguida, o Tribunal valorou as declarações que a mesma prestou, conjugadas com o teor do depoimento prestado pelas testemunhas, do qual se concluiu que a arguida tem uma modesta situação económica. Os factos relativos ao pedido de indemnização deduzidos nos autos e que foram dados como provados, resultaram da prova produzida em julgamento, supra mencionada, analisada e conjugada com as regras da normalidade do acontecer. Relativamente aos factos dados como não provados, os mesmos resultaram da total ausência de prova da sua verificação, sendo certo que os danos patrimonais peticionadas não resultaram demonstradas, atenta a ausência de prova credível da sua verificação. II) As conclusões da motivação balizam o objecto do recurso (artº 412º, nº 1 do C.P.P.).Assim a questão fundamental suscitada no recurso tem a ver com a forma como a Senhora Juíza a quo apreciou a prova produzida em julgamento. Posta a questão passemos à sua apreciação: A recorrente, ao longo de toda a motivação e também das conclusões, limita-se a tecer considerações sobre a forma como o tribunal a quo valorou a prova, concluindo que as conclusões que foram tiradas pela Senhora juíza a quo são incompreensíveis (o recorrente não entende porque é que a testemunha presencial, sem interesse na causa tendo ouvido a arguida a desafiar o assistente não ouviu a expressão injuriosa em causa). Ora, ao assim motivar o seu recurso a recorrente pretende que se faça tábua rasa do julgamento realizado na 1ª instância e que este tribunal de recurso proceda a um novo julgamento e forme uma nova e diferente convicção. Porém, como é sabido, os recursos não se destinam à repetição do julgamento. São, isso sim, «remédios jurídicos» (não «meios de refinamento jurisprudencial») Cfr. Simas Santos e Leal-Henriques – Recursos em Processo Penal – 5ªEd., pág.25 e também Germano Marques da Silva - Fórum Justitiae, Maio/99., destinados a corrigir erros in judicando ou in procedendo, em que incumbe ao recorrente não só manifestar a sua discordância mas também apresentar «as razões da discordância e, bem assim, as provas (...) que não só demonstrem a possível incorrecção decisória mas também permitam configurar uma alternativa decisória» Revista Portuguesa de Ciência Criminal – Ano 8, Fasc.2º, pág.259/260.. O recurso da decisão em matéria de facto fixada na primeira instância, escreve-se no acórdão da Relação do Porto, de 29/01/2014 http://www.dgsi.pt/jtrp. «não serve para suprir ou substituir o juízo que o tribunal da primeira instância formula, apoiado na imediação, sobre a maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas. O que a imediação dá, nunca poderá ser suprido pelo tribunal da segunda instância. Este não é chamado a fazer um novo julgamento, mas a remediar erros que não têm a ver com o juízo de maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas. Esses erros ocorrerão quando, por exemplo, o tribunal pura e simplesmente ignora determinado meio de prova (não apenas quando não o valoriza por falta de credibilidade), ou considera provados factos com base em depoimentos de testemunhas que nem sequer aludem aos mesmos, ou afirmam o contrário. Quando, no artigo 412º, nº 3, b), do C.P.P., se alude às «concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida», deve distinguir-se essa situação daquelas em que as provas em causa, sem imporem decisão diversa, admitiriam decisão diversa da recorrida na base de um outro juízo sobre a sua fidedignidade.» A recorrente, como se disse, manifesta a sua discordância quanto à forma como o tribunal a quo apreciou a prova e indica a forma como deveria ser apreciada. Como é manifesto, limita-se a fazer a sua própria análise crítica da prova mas, como bem se escreveu no acórdão desta Relação, de 12/09/2011 http://www.dgsi.pt/jtrg. , «…o momento processualmente previsto para o efeito são as alegações finais orais a que alude o artigo 360 do CPP. A impugnação da decisão da matéria de facto não se destina à repetição, agora por escrito, do que então terá sido dito. Fica-se a saber qual teria sido a decisão se o arguido/recorrente tivesse sido a juiz do seu próprio caso, mas isso nenhumas consequências pode ter, pois é ao juiz e não a outros sujeitos processuais, naturalmente condicionados pelas específicas posições que ocupam, que compete o ofício de julgar. Verdadeiramente, nesta parte, a procedência do recurso implicava que a relação censurasse o tribunal recorrido por, cumprindo a lei, ter decidido segundo a sua livre convicção, conforme lhe determina o art. 127 do CPP.» Nos termos do artº127º do C.P.P., a prova, salvo quando a lei dispuser diferentemente, é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, ou seja, o julgador é livre na sua apreciação, estando apenas «vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório» Cavaleiro Ferreira - Curso de Processo Penal – 1986 - 1ºVol. – pág.211. E, no caso, tratando-se, como se trata, exclusivamente de prova testemunhal, não existem critérios legais que determinem o valor a atribuir-lhe A regra do artº127º sofre algumas excepções ou “limites”, como lhes chama Castanheira Neves, «designadamente, as respeitantes ao valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (art.169.º); ao caso julgado, não obstante este apenas se encontrar indirectamente regulado no CPP, a propósito do pedido cível (art.84.º); à confissão integral e sem reservas no julgamento (art.344.º) e à prova pericial (art.163.º)».. Ensina Alberto dos Reis Código de Processo Civil Anotado – Vol.III, pág.245. que «o que está na base do conceito (de livre convicção) é o princípio da libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal, sem que, entretanto, se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas (…). O sistema da prova livre não exclui, e antes pressupõe, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica.» A liberdade na apreciação da prova, escreve também Castanheira Neves Sumários de Processo Criminal – Coimbra 1968, pág.48., «não é, nem deve implicar nunca o arbítrio, ou sequer a decisão irracional, puramente impressionista-emocional que se furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação. Trata-se antes de uma liberdade para a objectividade – não aquela que permita uma “intime conviction”, meramente intuitiva, mas aquela que se determina por uma intenção de objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, i. é, uma verdade que transcenda a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros – que tal só pode ser a verdade do direito e para o direito.» Por isso é que o artº379º do C.P.P. impõe que a sentença, sob pena nulidade (al.a) do nº1), para além de enumerar os factos provados e não provados, contenha a exposição dos motivos que fundamentam a decisão e a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (nº2 do artº374º). Ora, na sentença recorrida a Srª Juíza a quo, dá a conhecer, pormenorizadamente, as provas em que assentou a sua convicção, indica sumariamente o seu conteúdo e o que de cada uma foi relevante, faz o seu exame crítico, expondo o percurso seguido na aquisição da convicção probatória, de forma detalhada e clara, permitindo-nos facilmente perceber as razões pelas quais deu credibilidade ao assistente João Fernando e ao testemunho da sua mulher e da sobrinha da arguida, ao mesmo tempo que fundamenta as razões pelas quais afastou a versão da arguida. Não estamos perante uma convicção caprichosa mas perante uma convicção exaustiva e formada de acordo com critérios racionais, na qual se não vislumbra qualquer elemento objectivo que coloque em causa a credibilidade dos depoimentos tidos em conta relativamente aos factos impugnados. Ademais, não pode deixar de referir-se que, tanto quanto se entrevê do aresto recorrido, o Tribunal a quo, com os privilégios da imediação e da oralidade, fez uma adequada apreciação da prova produzida em audiência. Por isso que o recurso, nesta parte, não pode deixar de improceder. 2ª Questão: vícios do artº 410º do C.P.P. Como é sabido o erro notório na apreciação da prova constitui um dos vícios de que a decisão pode padecer, o qual está previsto no artº 410º, nº2 c) do CPP . Como escrevem Simas Santos e Leal Henriques (in C.P.P. Anotado, II Vol., pág. 140) "Verifica-se erro notório quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto ( positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida. Mas existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis, como sucede quando o tribunal se afasta infundadamente do juízo dos peritos". Por outro lado há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artº 410º n° 2 a) CPP), quando da factualidade vertida na decisão se verifica faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição. Como se refere no Ac. STJ 97.11.12 (citado por Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal anotado, Vol. II, pág. 752), quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão assumida, ou, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz. Do exposto resulta que o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não pode de modo algum confundir-se com insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão esta situada na esfera do princípio da livre apreciação da prova (artº 127° CPP), a qual é insindicável em reexame da matéria de direito. Contudo há que ter presente que os referidos vícios têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum (artº 410º, n° 2 CPP), não sendo admissível a consulta a outros elementos que constem do processo, como vem sendo o entendimento da jurisprudência. Assim as raízes desses vícios têm de estar implantadas na decisão recorrida. Ora acontece que no caso vertente a arguida Maria de Jesus vislumbra aqueles vícios na divergência que tem relativamente à apreciação da prova que foi levada a cabo por parte do tribunal, isto é não concorda com os factos que foram dados como provados, o que, face a tudo quanto acaba de ser exposto nada tem a ver com os referidos vícios. Só que essa divergência quanto à forma como o tribunal valorou a prova produzida, nada tem a ver com os vícios previstos no citado artº 410º, nº 2 a) e c) do C.P.P. Uma coisa é a apreciação da prova pelo juiz que tem de decidir sobre os factos trazidos a juízo e outra a apreciação da prova feita pelo recorrente. Essa convicção, conforme o estatuído no artº 127º do C.P.P., é formada, salvo quando a lei dispuser diferentemente, segundo as regras da experiência e a livre convicção. E foi com base nesses princípios legais que o Tribunal valorou a prova produzida em audiência de julgamento, designadamente nas declarações do assistente nos termos já anteriormente explanados. Não foram, pois, violados os critérios legais sobre apreciação de prova, como pretende a recorrente. Ora segundo os meios de prova dos autos deu-se como assente a descrita conduta da arguida Maria de Jesus e desta forma, a conclusão do Tribunal pela condenação da arguida como autora de um crime injúria do artº 181º, do C.P., notoriamente não está errado, pois que, atentando na fundamentação da matéria de facto dada com assente, é patente que se não valorizaram provas contra as regras da experiência comum ou "contra legem", nem se afirmou algo de impossível verificação (em si ou por inconciliável ou contraditório com outro algo). Como assim, do texto da decisão sob recurso, quer em si, quer conjugada com as regras da experiência comum não se mostram os apontados vícios. Improcede, pois, também a pretensão do recorrente neste ponto. Violação do princípio in dubio pro reo e da presunção de inocência; Invoca a arguida a violação do princípio in dubio pro reo, alegando para o efeito que não existe, in casu, uma certeza para além de qualquer dúvida razoável por parte do tribunal a quo de que a arguida haja imputado ao assistente a expressão “sois uns bandos de filhos da puta”. Segundo o princípio da presunção de inocência, consagrado no artº32º nº2 da CRP, “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantia de defesa.”. Ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Ed. Revista – Coimbra Editora, em anotação ao artº32, pág.203., que integra o conteúdo deste princípio, designadamente, a proibição de inversão do ónus de prova em detrimento do arguido. Para estes autores: “O princípio da presunção de inocência surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjectiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa.” O princípio do in dubio pro reo funciona, assim, na hipótese da incerteza dos factos que constituem o pressuposto da decisão. Para que se impusesse ao tribunal a aplicação deste princípio era necessário que perante a prova produzida restasse no espírito da julgadora alguma dúvida sobre os factos. Mas não bastaria uma qualquer dúvida. Teria que ser uma dúvida razoável, invencível (a doubt for wich reasons can be given). Ora, no caso, o Tribunal a quo não manifestou a existência de qualquer dúvida razoável acerca dos factos provados e muito menos que perante alguma dúvida tenha escolhido a tese desfavorável à arguida. Da fundamentação da decisão não se descortina qualquer necessidade de deitar mão a este princípio nem da decisão resulta que o seu não uso seja censurável. Daí que o recurso improceda neste particular. Da qualificação criminal dos factos Saber se a expressão «sois uns bandos de filhos da puta» não integra, no concreto, qualquer injúria: Defende a arguida/recorrente que a expressão «sois uns bandos de filhos da puta», dado o contexto em que foi proferida, “não tem virtualidade de ser considerada acção típica de um crime de injúrias, sendo mais uma expressão de falta de civismo, grosseria e mesmo de falta de educação ou cultura”. Tal expressão, acrescenta, “que aponta para a existência do referido conflito familiar resulta da animosidade existente entre a arguida e o ofendido e decorre numa situação de provocação e de exaltação”. Não assiste razão à arguida/recorrente. Os argumentos utilizados pela arguida/recorrente carecem de fundamento, como muito bem se demonstra no Acórdão de 30/11/2009, deste Tribunal Relatado pela Exª Des. Nazaré Saraiva, tendo como adjunta a aqui relatora - http://www.dgsi.pt/jtrg. , que versa sobre a interpretação da mesma expressão e que, por isso, se passa a transcrever: “Difamar e injuriar mais não é basicamente que imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, entendida aquela como o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui, tais como o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um, e esta última como sendo o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, o bom-nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, ou seja a dignidade objectiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma a opinião pública – cfr. ac. da Rel. de Lisboa de 6.2.96, CJ I, 156. No entanto, vem-se entendendo, unanimemente, que nem todo o facto que envergonha e perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos arts 180º e 181º do Código Penal, tudo dependendo da «intensidade» da ofensa ou perigo de ofensa. Assim, nesta linha, decidiu o Ac. da Rel. de Évora, de 02/07/96, onde se escreveu: «Um facto ou juízo, para que possa ser havido como ofensivo da honra e consideração devida a qualquer pessoa, deve constituir um comportamento com objecto eticamente reprovável, de forma a que a sociedade não lhe fique indiferente, reclamando a tutela penal de dissuasão e repressão desse comportamento. Supõe, pois, a violação de um mínimo ético-necessário à salvaguarda sócio-moral da pessoa, da sua honra e consideração” – (negrito nosso). cfr., CJ96, IV, 295. Pois bem, ao proferir, num contexto de desavença, e dirigida ao ofendido a expressão «filho da puta», o arguido atingiu «o património pessoal» deste, enxovalhando-o e humilhando-o como pessoa, sabido que tal expressão comporta uma carga pejorativa para a comunidade em geral por se lhe atribuir o significado de que a mãe do visado não se porta bem e que ele (visado) nem sabe quem é o pai. É certo que o recorrente argumenta que a expressão em causa «resultou do estado de espírito que dominava o arguido e que em desabafo corrente de um minhoto, a expressão saiu-lhe com o hábito, que podemos criticar a linguagem, mas ela não exprime e carrega consigo o peso de ofensa, não se podendo invocar o facto de o assistente, por tal expressão, ter sido injuriado». Ora, a propósito de tal argumentação, não podemos deixar de chamar à colação a notável lição de Faria Costa, constante a fls 630/631, do Tomo I, do Comentário Conimbricense do Código Penal. Escreve este autor: “Observe-se, antes de outras apreciações posteriores, que temos para nós, mesmo quanto perante palavras comunitariamente tidas como obscenas ou soezes, não ser possível defender uma qualquer compreensão sustentadas na ideia de um dolus in re ipsa. Consideramos que o significado das palavras, quando mais nos movemos no mundo da razão prática, tem um valor de uso. Valor que se aprecia, justamente, no contexto situacional, e que ao deixar intocado o significante ganha ou adquire intencionalidades bem diversas, no momento em que apreciamos o significado. Todavia, defender-se a posição doutrinária que se acaba de enunciar, não quer significar, nem por sombras, que não haja palavras cujo sentido primeiro e último seja tido, por toda a comunidade falante, como ofensivo da honra e consideração. Na verdade, se, em uma reunião pública, mesmo que restrita, um dos intervenientes (A) chama a outro (B) “cabrão” ou outro epíteto de igual jaez, é evidente que não tem sentido invocar o facto de, no contexto sócio-cultural de A, aquela palavra não ter a carga pejorativa que normalmente se lhe atribui. Sem dúvida que pode não ter a significação ofensiva naquele contexto. Só que a palavra foi proferida em um outro quadro situacional da vivência humana e nesse, dúvidas não há: ela exprime e carrega consigo um indesmentível desvalor objectivamente ofensivo. No entanto, coisa bem diversa é a observação da utilização quotidiana de uma linguagem desbragada – por exemplo, no seio da família ou só entre os cônjuges -, e depois vir defender-se que a palavra ou as palavras obscenas, milhares de vezes anteriormente empregadas, foram ofensivas da honra de quem delas foi objecto. Vale por afirmar: se A empregou durante anos a fio uma linguagem sustentada em bordões sugestivos de obscenidades e se aceitou também durante esse tempo, comunicar, recebendo sempre no diálogo a mesma carga de ofensividade, é evidente que não pode em um determinado e posterior momento vir invocar o facto de ter sido injuriado. O contexto sócio-cultural que A ajudou a construir e onde o facto tido por injurioso teve lugar que se não possa sustentar o sentido ofensivo daquela ou daquelas obscenidades. Admitir a relevância do facto ofensivo por último referido seria descontextualizá-lo de maneira insustentável e seria mesmo, em bom rigor, sufragar a aceitação da concretização de insustentável admissibilidade de um venire contra factum proprium.». Pois bem, presente este ensinamento é evidente que chamar «filho da puta» a outrem é dirigir-lhe uma expressão obscena ou soez, com uma carga manifestamente injuriosa. Sem necessidade de mais considerações, também nesta parte o recurso improcede. Medida da pena – Saber se a pena fixada é excessiva: 60 dias de multa à taxa de cinco euros A recorrente entende que “a pena de multa aplicada é manifestamente desproporcionada e não teve em consideração todas as circunstâncias, designadamente, a conduta anterior aos factos, as condições pessoais da arguida e a sua situação económica”. O critério para fixação da pena de multa é o critério geral do artº 71º do Cód. Penal que estatui que deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo em vista a protecção dos bens jurídicos e a reintegração daquele (artº40º nº1 do C.P.). E no seu nº 2 manda atender àquelas circunstâncias que não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra o agente, indicando, a título exemplificativo, algumas delas nas várias alíneas. Na determinação do número de dias da multa a Srª Juíza a quo teve em consideração todo o circunstancialismo que havia a considerar – a intensidade do dolo (directo), as necessidades de prevenção geral (significativas tendo em conta a frequência com que este tipo de ilícito ocorre), a ausência de antecedentes criminais (considerando, assim não relevantes as exigências de prevenção especial). Não será despiciendo sublinhar que, no concernente à determinação da medida concreta da pena de multa e às exigências de prevenção (geral e especial) intervêm apenas na fixação do número de dias de multa e não também - sob pena de violação do princípio da proibição da dupla valoração proclamada no citado artº 71º, nº 2 do C. Penal - na determinação do quantitativo diário, em que relevam exclusivamente a situação económico-financeira e os encargos pessoais do condenado (artº 47º, nº 2 do C. Penal), factores estes que devem ser pura e simplesmente expurgados de consideração, na fase da determinação concreta do número de dias de multa. Ora, variando a pena de multa, no caso, entre 10 e 120 dias (artº 181º nº1 do C.P.) e considerando que para realizar as finalidades da punição, a pena de multa tem representar uma censura suficiente do facto, sentido verdadeiramente pelo arguido e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada Ac. Rel. do Porto, de 19/02/03, in www.dgsi.pt/jtrp., a sentença seguiu um critério equilibrado e justo, não nos merecendo, por isso, qualquer reparo. Daí que o recurso, tenha de improceder em todos os aspectos. Não foram, pois, violadas quaisquer normas legais, maxime, as apontadas pela recorrente. Em conclusão, a decisão recorrida não merece qualquer censura. Resta decidir: III) Pelo exposto, os Juízes desta Relação acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando-se inteiramente a douta decisão recorrida.DECISÃO Fixa-se a taxa de justiça devida pelo recorrente em duas Ucs Notifique. Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º, nº 2 do C.P.P.) Guimarães |