Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1340/12.1TBGMR.G1
Relator: ISABEL SILVA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CONDIÇÃO SUSPENSIVA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: a) As nulidades a que se refere o art. 615º do CPC haverão que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só, sem necessidade de recurso a elementos que lhe sejam exteriores.
b) O vício de oposição entre os fundamentos e a decisão [al. c) nº 1 art. 615º CPC] reporta-se à contradição lógica entre as premissas (os factos e os fundamentos jurídicos) e a conclusão (o dispositivo, o que se decidiu).
c) São realidades diferentes o facto e o documento (meio de prova) que o demonstra. Por isso, em boa técnica jurídica, constitui uma deficiência que na exposição da matéria de facto se fixem factos por remissão para o teor de documentos.
d) Estando a obrigação exequenda dependente de condição suspensiva, o Exequente tem o ónus de, logo no requerimento executivo, alegar e provar que a condição se verificou: art. 715º nº 1 e nº 2 do CPC.
e) Não o fazendo, a execução deve ser declarada extinta, por falta de condições de exequibilidade do título (sem prejuízo de, no momento próprio, se usar do convite ao aperfeiçoamento, art. 590º nº 3 e 4 CPC).
f) Sendo o título executivo que define o conteúdo da obrigação executiva e fixa os limites da ação executiva, não é possível proceder à redução de uma cláusula penal em sede de execução.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - HISTÓRICO DO PROCESSO
1. B., LDA deduziu oposição à execução para pagamento de quantia certa que lhe foi instaurada por C. e D..
O título executivo era constituído por uma sentença homologatória de transação, na qual a Oponente reconhecia a existência de defeitos numa obra de empreitada que havia executado numa moradia dos Exequentes.
Nessa transação, a Oponente comprometeu-se a eliminar e corrigir os defeitos em determinados prazos e mais se estabeleceu que as partes “estipulam de cláusula penal em caso de incumprimento dos prazos referidos, o montante de 10.000,00 (dez mil euros)”.
É esta cláusula penal que foi dada à execução, alegando os Exequentes que a Executada não cumpriu qualquer dos prazos estipulados.
A Oponente alegou que os Exequentes ainda não tinham iniciado os trabalhos prévios que eram da sua responsabilidade, nem pelos técnicos tinham sido dadas as instruções necessárias, pelo que a cláusula penal não é exigível.
Os Exequentes contestaram, impugnando parcialmente a factualidade alegada.
Realizada audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida sentença que julgou a oposição improcedente.

2. Inconformada, apela a Oponente para este Tribunal da Relação, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«1ª- Fundando-se a execução em sentença homologatória de transacção, que remete expressamente para documentos existentes no processo principal, essa sentença e esses documentos constituem o título executivo que nos termos do artigo 10º n.º5 do Código de Processo Civil baliza o fim e os limites da acção executiva.
2ª- Constando desse título que a ré se comprometia “a executar os trabalhos de eliminação e correcção dos aludidos defeitos sob a orientação do arquitecto Jorge e dos engenheiros João e Hélder” e que os trabalhos a executar pela ré deveriam ser conformes a “um descritivo técnico de como e de que forma serão realizados”, a afirmação constante da sentença sob censura segundo a qual “não está consagrado no acordo (…) que a executada apenas pudesse realizar as reparações se houvesse pleno entendimentos entre os peritos ou se fosse entregue um projecto de execução”, não apenas não corresponde à verdade como viola o caso julgado formado pelo título executivo que contém aquelas exigências.
3ª- Por outro lado, a sentença dada à execução dizendo que as mesmas exigências se não provaram, quando elas se provaram plenamente, pelo contrário, e, por isso, as omitiu, cometeu as nulidades previstas no artigo 615º nº1 al. c) e d) do Código de Processo Civil, porque os fundamentos adoptados, amputados desses factos, ficam em oposição com a decisão, implicando ainda pronuncia e decisão sobre questão (a pretensa inexistência daquelas cláusulas no compromisso dado à execução) de que não podia tomar conhecimento, nulidades essas de que importa conhecer, com as legais consequências.
4ª- Sem prescindir, a matéria de facto selecionada como tendo sido provada é manifestamente insuficiente pois deveria ter sido aditada da provada em audiência de julgamento por documentos juntos aos autos, da autoria de testemunhas confirmaram integralmente o seu teor, dos quais resulta que os técnicos escolhidos pelas partes deslocaram-se em vários dias ao local, sem prestarem à ré os esclarecimentos de que esta necessitava pois ficaram “várias situações por definir” em 12 de Setembro de 2011 (fls.85) não existiu “consenso do necessário a realizar e da responsabilidade desses trabalhos”, em 20 de Setembro de 2011 (fls.85) e em 3 de Outubro de 2011, dia da última reunião esta “foi inconclusiva por não se encontrar presente o Sr. Arq. Jorge, necessário nesta reunião”, tendo, para além disso um dos técnicos escolhidos pelas partes opinado que só deviam ser feitas as obras dadas à execução, depois de o proprietário ter eliminado patologias de sua responsabilidade, pois “sem a execução destes trabalhos” “todas as correcções que praticarem” teriam “um novo surgimento”.
5ª- Ainda sem prescindir, e no que respeita à matéria de facto, a mesma deve ainda ser corrigida na parte em que, de entre os factos provados considerou que “foi dada à execução a sentença homologatória junta a fls. 12 a 14 nos autos de execução, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e que remete para o documento de fls. 6 a 8 dos autos de execução que se dá por integralmente reproduzido”, pois tal forma de fixar a matéria de facto é manifestamente irregular, já que o que se prova são factos e não documentos, devendo eliminar-se a referida alínea e substituir-se pelos pertinentes factos, conforme, entre muitos, doutrinaram, os acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/02/2010 in www.dgsi.pt e da Relação de Lisboa de 24/06/1993 e de 28/10/1993, in Col. Jurisp. ano XVIII, III, 139 e ano XVIII, IV, 159, que entenderam dever transcrever-se o que releva do documento em termos de facto, em substituição do referido documento.
6ª- Quanto à decisão de direito, julgando a sentença, nos termos expostos, que a acção executiva tinha fundamento não obstante (fls.71) não ter sido fornecido previamente à executada “um descritivo técnico de como e de que forma” os trabalhos deviam ser realizados, e o empreiteiro não ter obtido dos técnicos que o deviam instruir a informação necessária a iniciar e concluir a obra, violou o direito pois a obra não podia ser iniciada nem concluída sem a verificação daqueles dois pressupostos, exigidos pelo título executivo.
7ª- A sentença aceitou acriticamente a possibilidade de aplicação e execução da cláusula penal estabelecida, desprezando as condições de facto que devia analisar e que, se o tivessem sido, levariam ou à impossibilidade legal e técnica da figuração de qualquer cláusula penal ou à sua redução, segundo juízos de equidade.
8ª- Na verdade, representando a figura jurídica da “cláusula penal” uma pena civil imposta ao contraente que, lesando as expectativas da outra parte não cumpre aquilo a que se obrigou ou está em mora quanto ao cumprimento, não pode tal figura aplicar-se à situação sub judice pois havia pressupostos ao inicio das obras (a elaboração de um descritivo técnico de como e de que modo as mesmas seriam realizadas), e contemporâneos da própria execução das mesmas (as orientações prestadas por técnicos nomeados na sentença), que não ocorreram.
9ª- A cláusula penal (art.810º do Código Civil) está prevista para permitir às partes fixarem por acordo o montante da indemnização devido pelo incumprimento, isto é, tem por base uma actividade que não chegou a ter início de execução, não está prevista para a hipótese vertente, por falta daqueles pressupostos, só podendo ter como fundamento a inexecução da obra a partir do momento em que esta pudesse ser responsavelmente iniciada (cfr. Pires de Lima A Varela, Código Civil Anotado, art.810º, Ver. Leg. Jurisp. 119-347, e, sobretudo, Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização).
Termos em que na procedência do recurso deve a sentença recorrida ser revogada por mal fundada, corrigir-se a matéria de facto nos termos propugnados e, com ou sem essa correcção, a oposição ser julgada inteiramente procedente e provada com as legais consequências.»

3. Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO
4. OS FACTOS
Foram os seguintes os factos considerados provados em 1ª instância:
«a) Foi dada à execução a sentença homologatória junta a fls. 12 a 14 dos autos de execução, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e que remete para o documento de fls. 6 a 11 dos autos de execução que se dá por integralmente reproduzido.
b) A oponente realizou trabalhos de reparação na moradia dos exequentes nos dias 12, 14 e 16 de Setembro e 3 de Outubro.
c) O dia 3 de Outubro de 2011 foi o último dia em que a executada realizou obras de reparação na moradia dos exequentes.
d) Os exequentes foram confrontados com a possibilidade de que algumas das reparações que a executada estava obrigada a realizar apresentariam maiores garantias com a realização de obras para melhor drenagem das águas do terreno onde a moradia dos exequentes está implantada, tendo-se os exequentes oferecido para suportar 50% dos custos com essas obras.
e) A executada não chegou a fazer obras dentro da moradia, tendo reparado fissuras no exterior da habitação e procedido à colocação de tela de isolamento para impermeabilização.»

5. O MÉRITO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art. 639º nº 1, 635º nº 3 e 4, art. 608º nº 2, ex vi do art. 663º nº 2, do Código de Processo Civil (de futuro, apenas CPC).
No caso, são as seguintes as QUESTÕES A DECIDIR:
• Se a sentença é nula
• Se a matéria de facto apurada carece de vícios
• Se estavam verificadas as condições de exequibilidade do título
• Redução da cláusula penal

5.1. NULIDADES DA SENTENÇA
A Recorrente invoca duas causas de nulidade da sentença.
«É frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades.
(…)
Enfim, ainda que nem sempre se consiga descortinar que interesses presidem à estratégia comum de introduzir as alegações de recurso com um rol de pretensas “nulidades” da sentença, sem qualquer consistência, quando tal ocorra (…), cumpre ao juiz pronunciar-se sobre tais questões, (…).». (1)

Por contradição entre os fundamentos e decisão
Elementos essenciais duma sentença são, para além do dispositivo, os fundamentos de facto e de direito em que o mesmo se estriba: art. 607º nº 3 e 4 do CPC.
O juiz, após descriminação dos factos provados, inicia a sua subsunção às normas de direito que considera aplicáveis ao caso, para terminar por concluir/decidir se ao Autor assiste ou não razão.
Nisto se cifram os fundamentos (de facto e de direito) e a decisão (comando com que se termina a sentença, condenando ou absolvendo do pedido).
Tal como ocorre num silogismo, em que a conclusão é a consequência necessária das premissas, maior e menor, a decisão tem de ser a consequência lógica dos fundamentos.
O vício de nulidade reporta-se à contradição lógica entre as premissas (fundamentos, os factos e a argumentação jurídica) e a conclusão (o dispositivo, o que se decidiu).
Trata-se, portanto, de uma questão de lógica de raciocínio, ou seja, «Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se.»(2)
Nessa medida, as nulidades a que se refere o art. 615º do CPC haverão que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só, sem necessidade de recurso a elementos que lhe sejam exteriores.
Segundo se extrai das conclusões de recurso, os Recorrentes consideram verificar-se contradição entre os fundamentos e a decisão pelo facto de os factos provados e os preceitos legais que lhe devem ser aplicados imporem decisão diversa da que foi tomada.
Só que isto remete-nos para a questão do erro de julgamento na aplicação do direito aos factos, e não para a contradição entre os fundamentos e a decisão.
A decisão tomada é consentânea com a linha de raciocínio por que se enveredou, pelo que não existe violação da lógica jurídica do mesmo.
Se a linha de abordagem seguida não é a mais correta, é questão que colide com a reapreciação da matéria de direito (erro de julgamento).

Também quando invocada por referência à matéria de facto (diz-se na conclusão 3ª que haveria outros factos que se provaram, contrariamente ao que se refere na sentença), a contradição entre factos integra uma das hipóteses de erro de julgamento, de erro notório.
Ao estabelecer-se um facto como provado ou não provado está a fazer-se um juízo sobre a existência ou realidade de uma coisa, normalmente reportada a um tempo, espaço e precisos.
Existirá contradição quando se afirma e nega simultaneamente uma mesma coisa, quando duas realidades se excluem mutuamente.
Quanto aos factos provados, serão contraditórios se o que resulta de um deles for inconciliável com o que se extrai do outro facto, em termos de ambas as realidades não poderem ocorrer ao mesmo tempo em termos de raciocínio lógico ou face às regras da experiência comum.
A eventual existência de outros factos que não foram considerados na sentença integra um vício atinente à matéria de facto, e não uma contradição entre fundamentos/decisão ou entre factos, pela simples razão lógica de ser impossível ocorrer contradição entre uma realidade existente e uma inexistência.

Por omissão de pronúncia
De acordo com o art. 608º n.º 2 do CPC, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, (...).
A inobservância de tal comando é, como se sabe, sancionada com a nulidade da sentença: art. 615º n.º 1 al. d) CPC.
Utilizando a singela clareza de exposição de Rodrigues Bastos: «É a nulidade mais frequentemente invocada nos tribunais, pela confusão que constantemente se faz entre «questões» a decidir e «argumentos» produzidos na defesa das teses em presença»(3)e «Também devem arredar-se os «argumentos» ou «raciocínios» expostos na defesa da tese de cada uma das partes, que podendo constituir «questões» em sentido lógico ou científico, não integram matéria decisória para o juiz. Temos, assim, que as questões sobre o mérito a que se refere este n.º 2 serão as que suscitam a apreciação quer a causa de pedir apresentada, quer o pedido formulado».(4)
No mesmo sentido, Alberto dos Reis que, a propósito de qual o critério de reconhecimento do que se deve entender por questão a resolver, pondera: «as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado».(5)
Invoca-se que existiu prova sobre factos que não constam do elenco dos factos provados.
Só que, a não consideração de factos, essenciais ou instrumentais, não integra o vício de omissão de pronúncia, mas sim um erro de julgamento no tocante à matéria de facto, eventualmente a ser corrigido no âmbito do art. 662º nº 2 al. c) e nº 3 al. c) do CPC.


5.2. SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
Extrai-se notoriamente das conclusões de recurso que este não suscita a reapreciação da prova no quadro do art. 640º do CPC.
Na verdade, essa sindicância está absolutamente dependente do cumprimento pelo Recorrente do ónus de alegação que o normativo lhe impõe:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O incumprimento destas regras formais é tido pela lei como preclusivo à possibilidade de o Tribunal da Relação se debruçar sobre a matéria de facto, impondo-se-lhe a rejeição do recurso nessa parte.
Ora, a Recorrente não cumpriu esse ónus de alegação.
As conclusões (e motivação, aliás) são completamente omissas quanto à indicação de quais os concretos pontos de facto incorretamente julgados ou omitidos, quanto aos concretos meios probatórios que importavam decisão diversa e em que sentido deviam os mesmos ser decididos.
Tais exigências legais têm uma função: não só a de delimitar o âmbito do recurso, mas também para conferir efetividade ao uso do contraditório pela parte contrária, pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo.
Afinal, «I – (…) Pretende-se que o advogado apresente um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se «impunha» a formação de uma convicção no sentido pretendido pelo recorrente.»(6)

No entanto, fora desse ónus de alegação e da iniciativa de parte, incumbe oficiosamente aos Tribunais da Relação a alteração da matéria de facto sempre que ocorrer violação das regras de direito probatório material (art. 662º nº 1 do CPC).
Neste âmbito, suscita a Recorrente as seguintes questões:

A insuficiência de factos
Invoca-se que deviam ter sido aditados outros factos na audiência de julgamento (conclusão 4ª).
Porém, como atrás já se referiu, omite-se completamente quais seriam os concretos factos que deveriam ter sido considerados e não foram.
Por outro lado, caindo no mesmo erro que se aponta logo de seguida à sentença (conclusão 5ª), confunde-se os factos com os meios de prova que os suportam.

As irregularidades na descrição dos factos
Reage-se quanto ao facto provado na alínea a), na parte em que remete e dá por reproduzido o que consta do título executivo: «a) Foi dada à execução a sentença homologatória junta a fls. 12 a 14 dos autos de execução, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e que remete para o documento de fls. 6 a 11 dos autos de execução que se dá por integralmente reproduzido.»
Trata-se efetivamente de uma forma deficiente da exposição dos factos, contra a qual se tem reagido, mas que insiste em se manter.
«Deve obstar-se à seleção de factos por remissão para o conteúdo de documentos (v. g. “dou por reproduzido o doc. de fls. X”), na medida em que os documentos não são factos, mas simples meios de prova de factos alegados.
Se, eventualmente, a alegação dos factos tiver sido feita com remissão para os documentos, considerados estes como uma simples extensão dos articulados, deve o juiz selecionar dentro dos referidos documentos os factos que importem à decisão da causa.
(…)
Aquela regra deve ser observada também aquando da elaboração da sentença, (…), não bastando considerar reproduzidos determinados documentos, (…).
Resta acrescentar que se acaso tal consignação não for feita na sentença, nada obsta a que, em sede de recurso, a tarefa seja assumida pela Relação que também conhece da matéria de facto.»(7)

Assim, colmatando a deficiência, passa a ser o seguinte o conteúdo da alínea a) dos factos provados:
«Foi dada à execução a sentença homologatória de transação, com as seguintes cláusulas:
1º -
A ré admite a existência das anomalias/defeitos de construção no prédio em apreço nos autos, bem assim as causas das mesmas, nos exactos termos constantes do documento ora junto aos autos.
2ª –
A ré compromete-se a efectuar a eliminação das anomalias e defeitos, antes referidas. Os trabalhos da ré para o indicado efeito, terão início até ao dia 15 de Julho do ano em curso e serão executados até ao dia 30 de Setembro do mesmo ano.
3ª –
A ré compromete-se a executar os trabalhos de eliminação e correcção dos aludidos defeitos sobre a orientação do arquitecto Jorge Augusto Pereira Araújo e dos Engenheiros João Luís de Castro Oliveira Novo e Hélder Miguel Henriques.
4ª –
Quanto ao produto “Prodema” referido no art. 13º do documento junto, uma vez que é fornecido por terceiros, o prazo para a execução dos trabalhos de aplicação do mesmo, terá início no prazo máximo de 15 dias após a entrega pelo fornecedor da ré.
5ª –
Autores e ré estipulam de cláusula penal em caso de incumprimento dos prazos referidos, o montante de 10.000,00 (dez mil euros).
(…).»
O documento referido na transação é um relatório pericial, que refere o seguinte:
«1.º
R.: Afirmativo. As juntas entre as madeiras do pavimento do hall de entrada localizado no r/c apresentam aberturas. No piso -1. no hall de acesso à cozinha, verificam-se sinais de humidade no pavimento e parede confinante revestida a madeira.
Relativamente ao pavimento de madeira, os peritos acordam que a responsabilidade terá de ser compartilhada pelos dois intervenientes. Relativamente à humidade, é da responsabilidade do empreiteiro a sua resolução, no entanto que aquando a intervenção de reparação em questão, caso se verifique que existiu má utilização ou falta de manutenção, a mesma responsabilidade poderá ser ponderada.
2.º
R.: Afirmativo. As juntas entre as madeiras do pavimento da sala localizada no apresentam aberturas. Verificam-se sinais de humidade no pavimento e paredes confinantes revestidas a madeira e estanho.
Relativamente ao pavimento de madeira, os peritos acordam que a responsabilidade terá de ser compartilhada pelos dois intervenientes. Relativamente à humidade das paredes, é da responsabilidade do empreiteiro a sua resolução.
3.º
R . No piso de mármore existe uma fissura em todo o cumprimento. Verifica-se que existe sinais de humidade numa parede.
Relativamente ao fogão de sala, o Autor diz que o mesmo não expele o fumo convenientemente para o exterior. Os peritos analisaram que o problema poderá ser de má execução 011 má concepção do mesmo, nomeadamente da conduta exterior estar mal localizada.
Relativamente à humidade das paredes, os peritos acordam que é da responsabilidade do empreiteiro a sua resolução. Relativamente ao fogão de sala e ao pavimento de mármore a responsabilidade da resolução do problema é do Autor.
4.º
R.: Afirmativo. Verifica-se que existem sinais de humidade nos tectos da cozinha.
Relativamente à humidade nos tectos, é da responsabilidade do empreiteiro a sua resolução, no entanto aquando a intervenção de reparação em questão, caso se verifique que existiu má utilização ou falta de manutenção, a mesma responsabilidade poderá ser imputada.
5.º
R.: Afirmativo. Verifica-se que a parede exterior confinante com o w/c de serviço tem uma fissura exterior horizontal. Existem também fissuras numa parede interior da garagem e o revestimento interior de mármore do wc apresenta fissuras.
Relativamente aos pontos acima referidos, os peritos acordam que é da responsabilidade do empreiteiro a sua resolução.
6.º
R .. Afirmativo. Verifica-se que a fechadura da parta principal da moradia não funciona em todos os pontos de encaixe (fecho).
Relativamente ao ponto acima referido, os peritos acordam que é da responsabilidade do autor.
7.º
R.: Afirmativo. Nas paredes e tecto do quarto ocupado pelo filho do Autor, verificam-se sinais de humidade, assim como o piso de madeira riscado.
Relativamente aos pontos acima referidos, os peritos acordam que é da responsabilidade do empreiteiro a sua resolução.
8.º
R.: Verificam-se fissuras nas paredes do quarto ocupado pela filha e o Autor diz que o aquecimento por piso radiante desse compartimento, não funciona.
Relativamente às fissuras nas paredes, os peritos acordam que é da responsabilidade do empreiteiro a sua resolução. Relativamente ao piso radiante, a responsabilidade da resolução do problema é do Autor, por ser ele a ter colocado o referido sistema, salvaguardando no entanto que caso se verifique que existiu incúria por parte do empreiteiro aquando a colocação dos pisos, a mesma responsabilidade poderá ser ponderada.
9.º
R.: o Autor diz que o aquecimento por piso radiante no compartimento do quarto principal, não funciona e verificam-se cheiros provenientes da casa de banho. Verificou-se também sinais de humidade num painel de madeira de revestimento de urna parede.
Relativamente à humidade no painel de madeirada parede e aos cheiros desagradáveis provenientes da casa de banho, os peritos acordam que é da responsabilidade do empreiteiro a sua resolução. Relativamente ao piso radiante, a responsabilidade da resolução do problema é do Autor, por ser ele a ter colocado o referido sistema, salvaguardando no entanto que caso se verifique que existiu incúria por parte do empreiteiro aquando a colocação dos pisos, a mesma responsabilidade poderá ser ponderada.
10.º
R.: Afirmativo. Verificou-se indícios de presença de água no pavimento, paredes e tecto da casa de máquinas.
Relativamente ao ponto acima referido, os peritos acordam que é da responsabilidade do empreiteiro a sua resolução.
11.º
R.: Afirmativo. Verificou-se uma fissura no muro da piscina, vertical e horizontal.
Relativamente ao ponto acima referido, os peritos acordam que é da responsabilidade do empreiteiro a sua resolução.
12.º
R.: Afirmativo. Verificou-se várias fissuras nos muros exteriores. Relativamente ao muro limite de propriedade localizado a Norte, apresenta além das fissuras, um deslocamento horizontal de alguns centímetros e as escadas uma cedência horizontal e vertical bastante significativa.
Relativamente ao ponto acima referido, os peritos acordam que é da responsabilidade do empreiteiro a sua resolução.
13.º
R.: Afirmativo. Verificou-se várias fissuras nas paredes exteriores com acabamento a areado. Relativamente ao revestimento exterior em "Prodema", o mesmo apresenta-se bastante descolorado, com zonas de degradação evidentes.
Relativamente ao ponto acima referido, os peritos acordam que é da responsabilidade do empreiteiro a sua resolução. O material será fornecido pela Prodema, sendo a colocação a encargo do empreiteiro.
14.º
R.: Afirmativo. Verificou-se uma ruptura vertical no muro exterior limite de propriedade confinante com o portão de entrada da moradia. Relativamente ao portão seccionado da garagem, o mesmo apresenta esforço ao fechar e ao abrir e no portão de acesso da moradia, o mesmo apresenta-se empenado, com sinais visíveis de oxidação. Verificou-se também que nenhum destes portões tem sistema de células fotoeléctricas de protecção.
Relativamente ao ponto acima referido, os peritos acordam que é da responsabilidade do empreiteiro a sua resolução.
15.º
R.: Afirmativo. Verificou-se várias irregularidades nos tectos interiores da moradia, relativamente ao acabamento final.
Relativamente ao ponto acima referido, os peritos acordam que é da responsabilidade do empreiteiro a sua resolução.
16.º
R.: Verificou-se que alguns estores se encontravam com lâminas danificadas e sistemas de suporte rebentados.
Relativamente ao ponto acima referido, os peritos acordam que é da responsabilidade do Autor a sua resolução, pelo motivo de ter sido alterado o solicitado no caderno de encargos, pelo Arquitecto do projecto e fiscalização e pelo Autor.
17.°
R.: Afirmativo. Verificou-se que foi alterado o previsto no caderno de encargos no que diz respeito ao revestimento de protecção da impermeabilização da cobertura e mesmo do próprio sistema de impermeabilização, tendo sido verificado que foi colocado uma impermeabilização com telas líquidas, um isolamento térmico com "Roofmate" de 4 cm e protecção de sensivelmente 5 cm de godo.
Relativamente ao ponto acima referido, os peritos acordam que é da responsabilidade do empreiteiro a sua resolução.
18.º
R.: Afirmativo. Verificou-se que foi alterado o previsto no caderno de encargos no que diz respeito ao revestimento de isolamento da cobertura, tendo sido colocado um isolamento térmico com "Roo/mate" de 4 cm, estando no caderno de encargos previsto 6 cm.
Relativamente ao ponto acima referido, os peritos acordam que é da responsabilidade do empreiteiro a sua resolução.
19.º
R.: Afirmativo. Verificou-se que o sistema de rufos da clarabóia e dos muretes da cobertura se encontram com várias deficiências, quer do material apresentando deficiências, quer da própria concepção do mesmo.
Relativamente ao ponto acima referido, os peritos acordam que é da responsabilidade do empreiteiro a sua resolução.
20.º
R.: Afirmativo. Verificou-se que várias portas interiores de madeira se encontravam empenadas.
Relativamente ao ponto acima referido. os peritos acordam que é da responsabilidade do empreiteiro a sua resolução.
22.º(8)
R.: Afirmativo. Verificou-se que o revestimento exterior em pladur do tecto localizado a poente (junto à piscina), se encontra em muito mau estado.
Relativamente ao ponto acima referido, os peritos acordam que é da responsabilidade do empreiteiro a sua resolução.
Nota final
Todos os trabalhos aqui imputados ao empreiteiro terão de ser acompanhados pelos técnicos intervenientes neste processo, para além da elaboração de um descritivo técnico de como e forma serão realizados estes trabalhos.
Guimarães, 20 de Junho de 2011»
No mais, nada há a alterar à matéria de facto, pelas razões atrás apontadas.

5.3. SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO
Neste âmbito, considera a Recorrente que, para que a cláusula penal fosse exigível e exequível, eram necessários os dois pressupostos constantes do título executivo.
Como se viu, o título dado à execução é uma sentença homologatória de transação em que a aqui Executada/Recorrente assumiu a obrigação de eliminar as anomalias e defeitos da obra dos Exequentes, entre 15/07 e 30/09, sob a orientação do arquiteto Jorge e dos Engenheiros João e Hélder.
Dado que o produto "Prodema", necessário ao revestimento das paredes exteriores, era fornecido por terceiros, mais acordaram as partes que a execução dos trabalhos da sua aplicação, teria início no prazo máximo de 15 dias após a entrega pelo fornecedor da Ré (aqui Recorrente).
Estipularam ainda que todos os trabalhos a efetuar pela Recorrente teriam de ser acompanhados pelos técnicos intervenientes nesse processo, para além da elaboração de um descritivo técnico de como e forma serão realizados estes trabalhos.
Por fim, consignou-se na cláusula 5ª: “Autores e ré estipulam de cláusula penal em caso de incumprimento dos prazos referidos, o montante de 10.000,00 (dez mil euros)”.
Regista-se que a execução aqui em apreço visa apenas a cobrança coerciva desta cláusula penal.
Os Exequentes alegaram apenas que, “não obstante instada por diversas vezes a executada não cumpriu quaisquer dos prazos fixados”.
A Oponente alegou que os Exequentes ainda não tinham iniciado os trabalhos prévios que eram da sua responsabilidade, nem pelos técnicos tinham sido dadas as instruções necessárias, pelo que a cláusula penal não é exigível.
Os Exequentes contestaram, impugnando parcialmente a factualidade alegada.

É pelo título executivo que se determinam o fim e os limites da ação executiva: art. 10º nº 5 do CPC.
«O título executivo habilita a determinar o fim da acção executiva, porque é por ele que se verifica qual foi a obrigação contraída pelo executado e é essa obrigação que define o fim da execução.
(…)
Finalmente, o título fixa os limites da acção executiva. É pelo título que se conhece, com precisão, o conteúdo da obrigação do devedor (…).».(9)
Da enumeração do art. 703º do CPC, vemos que o título executivo há-de ser sempre um documento escrito, o qual é o suporte material da obrigação, ou, nas palavras de Lebre de Freitas, «(…) o documento escrito é um objecto representativo duma declaração (…).».(10)
O título pode existir, mas não ter ainda força executiva, como acontece se as prestações devidas estiverem sujeitas a condições ainda não verificadas.
No dizer do art. 713º do CPC, a obrigação tem de ser certa, exigível e líquida.
A isto se chama as condições de exequibilidade.
Essa necessidade e rigor de certeza da obrigação são perfeitamente percetíveis: «O título executivo justifica o uso da acção executiva, que é como quem diz o uso da força, precisamente porque dá ao órgão executivo a garantia e a segurança de que o exequente tem razão.
O título executivo por excelência é a sentença de condenação transitada em julgado. (…)
Se o título é de carácter negocial (escritura pública, letra, livrança, cheque, escrito particular), a segurança não é a mesma, porque atrás do título não está um longo processo declarativo, com todas as suas garantias e cautelas (…).(11)

Resulta do título executivo que a cláusula penal só era devida no caso de incumprimento dos prazos; e, como é sabido, só podemos concluir pelo incumprimento duma obrigação, quando ela está na total disponibilidade da vontade de atuação do obrigado, sendo que este não o faz, por culpa sua.
Há, portanto, que verificar se a obrigação da Executada estava já perfeitamente certa e exigível, se era exequível, se do próprio título constava já a integral definição da obrigação.
Para apuramento dessas condições de exequibilidade, há que proceder à interpretação do título executivo.
Na transação, a ora Executada admitiu a existência das anomalias e defeitos de construção, bem assim as causas das mesmas, nos exactos termos constantes do documento junto”, e só esses se comprometeu a eliminar/corrigir nos prazos referidos.
Nesse documento descriminam-se os defeitos e anomalias que os peritos consideraram da responsabilidade da Executada e os da responsabilidade dos Exequentes; mas, para além desses, existem outros cujas causas não ficaram claras pelo que a responsabilidade só seria definida aquando dos trabalhos de reparação (caso das situações visadas nos quesitos 1º, 4º, 8º e 9º).
Por fim, em “nota final”, consignou-se nesse documento/relatório pericial que “todos os trabalhos aqui imputados ao empreiteiro terão de ser acompanhados pelos técnicos intervenientes neste processo, para além da elaboração de um descritivo técnico de como e forma serão realizados estes trabalhos”.
Assim sendo, resulta daqui claramente que a ora Executada só poderia proceder à correção/eliminação dos defeitos e anomalias depois de os peritos efetuarem o “descritivo técnico” pois só depois de ele realizado é que a Executada/empreiteira saberia o “como e forma” de realizar os trabalhos que lhe competiam.
Na verdade, se a Executada se vinculou nos “exatos termos” do relatório pericial, tal significa que não poderia fazer os trabalhos com autonomia; pelo contrário, teria de os executar da forma que lhe fosse indicada no “descritivo” dos técnicos e sob a superintendência do arquiteto e dos engenheiros (cláusulas 1ª a 3ª da transação).
Esse “descritivo” não estava ainda elaborado na data da transação/sentença.
Assim, para se concluir que a Executada não cumpriu com os prazos (sendo por isso devida a cláusula penal) era essencial a demonstração de que no dia 15 de Julho, o dito “descritivo” já estava elaborado e nas suas mãos.
Doutra forma, estaria ela a cumprir defeituosamente por violação das cláusulas que a obrigavam a executar os trabalhos em conformidade com o “descritivo técnico” e sob a superintendência do arquiteto e dos engenheiros.
Juridicamente, as cláusulas em apreço integram a figura duma condição imprópria (art. 270º CC), na modalidade de “condição necessária”, na classificação de Manuel de Andrade.
«Neste caso, o evento condicionante é futuro, mas certo. (…)
Os efeitos do negócio forçosamente que hão-de produzir-se, ou resolver-se, porque o evento considerado não pode falhar, pela própria natureza das coisas. Não há estado de pendência do negócio: o que pode acontecer é que as partes só queiram que os efeitos do negócio comecem, se tornem exercitáveis ou acabem passado esse tempo. Do que se tratará no fim de contas é de um verdadeiro termo (dies), da modalidade certus an incertus quando — modalidade em que o acontecimento posto como termo e certo em si mesmo, sendo incerto apenas o momento da sua verificação.»(12)

Aqui chegados, resta apurar a quem competia a alegação e prova de que no dia 15 de Julho já o “descritivo” estava elaborado e nas mãos da Executada, condição necessária para a Executada poder iniciar as reparações.
O art. 715º nº 1 do CPC (texto correspondente ao anterior 804º) é claro: quando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, incumbe ao credor alegar e provar documentalmente, no próprio requerimento executivo, que se verificou a condição ou que efetuou ou ofereceu a prestação.
Ora, já atrás vimos que tal não foi feito pelos Exequentes, pois no título executivo, além de se remeterem para o teor da transação/homologação, apenas alegaram que, “não obstante instada por diversas vezes a executada não cumpriu quaisquer dos prazos fixados”.
«A prestação da obrigação sob condição suspensiva só é exigível depois de a condição se verificar, pois até lá todos os efeitos do respetivo negócio constitutivo ficam suspensos (art. 270 CC).
Daí que o art. 804º, nº 1 e 2, exija ao credor exequente a prova da verificação da condição, sem o que a execução não é admissível.»(13)
Daqui resulta que temos de concluir pela falta de condições de exequibilidade do título executivo e, consequentemente, pela extinção da execução.
Em situação idêntica à dos autos, ainda que considerando que o vício “que estaria em causa era o próprio facto constitutivo da obrigação exequenda consistente na situação do incumprimento definitivo do acordo de transação”, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça:
«1. O título executivo expressa a exequibilidade extrínseca da obrigação exequenda, assumindo a natureza dum pressuposto processual específico da ação executiva, através do qual se afere a idoneidade do objeto da respetiva pretensão.
2. Importa não confundir essa exequibilidade com os demais requisitos exigidos para a obrigação exequenda, nos termos do artigo 713.º do CPC, ressalvada a hipótese do n.º 6 do art.º 704.º, os quais, não interferindo com a exequibilidade do título, se dele não constarem, devem ser liminarmente preenchidos pelo exequente, através dos procedimentos previstos nos artigos 714.º a 716.º do CPC.
3. Constando de transação homologada por sentença uma cláusula de indemnização devida pelo eventual não cumprimento definitivo das obrigações de prestação de facto ali assumidas, não se têm por compreendidas no âmbito da eficácia do caso julgado dessa sentença nem a situação de incumprimento definitivo verificada posteriormente nem a obrigação de indemnização que desta possa decorrer.
4. Sendo tal situação de incumprimento um facto constitutivo essencial da obrigação de indemnização, cujo ónus de prova impende sobre o credor, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do CC, a não cobertura daquele facto pelo acordo homologado obsta a que se extraia da sentença homologatória uma condenação implícita do devedor na pretendida obrigação indemnizatória.
5. Em tal medida, essa sentença homologatória é manifestamente insuficiente para servir de título à execução da pretendida obrigação de indemnização, o que constitui vício insuprível determinativo da extinção da execução.»(14)

Tudo visto, não se tendo alegado, nem demonstrado que a condição para a exigência da cláusula penal (que o “descritivo técnico” havia sido entregue à Executada em tempo e que os técnicos de acompanhamento da obra estavam disponíveis) estava cumprida, o título executivo carece de condições de exequibilidade, pelo que a execução terá de ser julgada extinta.

Quanto à redução da cláusula penal, é questão que fica prejudicada face ao que acaba de se concluir.
De qualquer forma, não pode deixar de adiantar-se que tal pretensão nunca poderia ser atendida, dado que o montante de tal cláusula ficou definitivamente apurado com o trânsito em julgado da sentença homologatória e, por outro lado, não cabe no âmbito dum processo de execução alterar o título executivo.

6. SUMARIANDO (art. 663º nº 7 do CPC)
a) As nulidades a que se refere o art. 615º do CPC haverão que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só, sem necessidade de recurso a elementos que lhe sejam exteriores.
b) O vício de oposição entre os fundamentos e a decisão [al. c) nº 1 art. 615º CPC] reporta-se à contradição lógica entre as premissas (os factos e os fundamentos jurídicos) e a conclusão (o dispositivo, o que se decidiu).
c) São realidades diferentes o facto e o documento (meio de prova) que o demonstra. Por isso, em boa técnica jurídica, constitui uma deficiência que na exposição da matéria de facto se fixem factos por remissão para o teor de documentos.
d) Estando a obrigação exequenda dependente de condição suspensiva, o Exequente tem o ónus de, logo no requerimento executivo, alegar e provar que a condição se verificou: art. 715º nº 1 e nº 2 do CPC.
e) Não o fazendo, a execução deve ser declarada extinta, por falta de condições de exequibilidade do título (sem prejuízo de, no momento próprio, se usar do convite ao aperfeiçoamento, art. 590º nº 3 e 4 CPC).
f) Sendo o título executivo que define o conteúdo da obrigação executiva e fixa os limites da ação executiva, não é possível proceder à redução de uma cláusula penal em sede de execução.

III. DECISÃO
7. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação.
Consequentemente, revogando-se a sentença recorrida, julga-se extinta a execução.
Custas a cargo dos Exequentes.
Guimarães, 22.09.2016

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(Relatora, Isabel Silva)

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(1º Adjunto, Pedro Alexandre Damião e Cunha)

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(2º Adjunto, Maria João Matos)
(1) Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, 2ª edição, Almedina, pág. 139.
(2) Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 704.
(3) in “Notas ao Código de Processo Civil”, 1969, vol. III, pág. 247.
(4) Obra citada, pág. 228.
(5) in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 53.
(6) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (TRP), de 17.03.2014 (processo 3785/11.5TBVFR.P1, Relator Alberto Ruço), disponível em www.gde.mj.pt, sítio a ter em conta nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem.
(7) Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, Almedina, 4ª edição, 2004, pág. 149, bem como o teor da nota (242) e jurisprudência aí citada.
(8) Existe um evidente lapso de escrita, passando-se diretamente do nº 20 para o nº 22.
(9) Alberto dos Reis, “Processo de Execução”, vol. 1º, 3ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 69.
(10) Lebre de Freitas, “A Acção Executiva, depois da reforma”, 4ª edição, Coimbra Editora, 2004, pág. 66/67.
(11) Alberto dos Reis, obra citada, pág. 68/69.
(12) Manuel de Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, Coimbra, 1983, pág. 366.
(13) Lebre de Freitas, “A Acção Executiva, depois da reforma”, pág. 92.
(14) Acórdão de 30.04.2015 (processo 312-H/2002.P1.S1, Relator: Tomé Gomes).