Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1021/13.9TBCHV.G1
Relator: ANABELA TENREIRO
Descritores: INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
RENÚNCIA
DIREITOS
NULIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/25/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- Na teoria da interpretação da declaração negocial, a ressalva da parte final do n.º 1 do art. 236.º do C.Civil também se aplica aos casos em que a declaração negocial contém fórmulas jurídicas, pré-elaboradas pelo próprio declaratário, cujo significado e efeito jurídico é desconhecido pelo declarante.
II- A alusão, na declaração de quitação e renúncia, a danos patrimoniais e não patrimoniais, sem a mínima concretização desses danos, bem como a renúncia a direitos (de acção judicial e a indemnizações emergentes do mesmo acidente) constitui matéria de direito que não era apenas desconhecida dos declarantes, pais do lesado menor, e do círculo de pessoas em que os declarantes vivem mas da grande maioria das pessoas, não licenciadas em direito ou sem experiência na área jurídica, deste país.
III- Se os próprios declarantes desconheciam o significado e alcance dos termos objectivos da declaração que subscreveram, não podendo, por esse motivo, ser-lhes imputada, conclui-se que a declaração de vontade, nessa parte, é nula, ou de nenhum efeito, por via da interpretação, isto é, como resultado da actividade interpretativa.
IV- A representação geral dos filhos, nos termos do artigo 1878.º, n.º 1 do C.Civil, faz parte do conteúdo das responsabilidades parentais, desde que seja exercida no interesse destes.
V-A abdicação ou renúncia aos direitos dos filhos menores é considerada prejudicial ao interesse destes, e por esse motivo, não se encontra abrangida pelo poder de representação a cargo dos pais, sendo, por isso, nula.
Decisão Texto Integral: Relatora : Anabela Andrade Miranda Tenreiro
Adjunta : Francisca Micaela Fonseca da Mota Vieira
Adjunto : Fernando Fernandes Freitas
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Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I—RELATÓRIO
João M, contribuinte fiscal n.º xxx xxx xxx, residente no Bairro S, lote 2, 1 ° direito, 5425 Vidago, intentou ação declarativa com processo comum contra Companhia de Seguros I, S.A., pessoa coletiva n.º xxx xxx xxx, com sede na Rua A, 53, 1269-152 Lisboa, cuja denominação foi alterada para “F - Companhia de Seguros, S.A.”, com sede no largo do calhariz, 30, em Lisboa, pedindo
- que seja a Ré condenada ao pagamento da quantia indemnizatória de € 81.000,00 (oitenta e um mil euros), a saber:
- € 6.000,00 (seis mil euros) a título de danos patrimoniais;
- € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais, incluindo quantum doloris e dano estético;
- € 40.000,00 (quarenta mil euros) a título de lucros cessantes, resultantes da incapacidade permanente global.
- Devem também as quantias ser acrescidas de juros à taxa legal de 4%, desde a data da citação da Ré.
Como fundamentos para esta sua pretensão, alegou, em síntese, que:
- no dia, hora e local referidos nos autos, ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente o trator de matrícula 14-69-00, no qual o autor era transportado, trator que era conduzido por Carlos T, o qual conduzia em circunstâncias tais que lhe fazem imputar a culpa na ocorrência do acidente;
- nesse acidente sofreu o autor danos, quer de ordem material quer moral, sendo que é na quantificação desses danos que encontra o montante peticionado.
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Regularmente citada, a Ré “F - Companhia de Seguros, S.A.” contestou, admitindo a ocorrência do acidente, mas excecionando que a situação em causa está fora do contrato de seguro, já que o condutor do trator não estava habilitado legalmente para o conduzir e o autor seguia fora do assento, em local inapropriado para o transporte de passageiros.
Mais invoca a exceção de pagamento, alegando que, ainda assim, porque o autor era menor e a sua família carenciada, extrajudicialmente assumiu indemnizar o autor, tendo acordado com o mesmo e seus legais representantes pagar-lhe uma indemnização no montante de € 4.600,00 pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, o que foi aceite de forma livre, tendo recebido a dita indemnização e dado quitação.
No mais, impugna os factos alegados, invoca a culpa do próprio autor e impugna os valores peticionados pelo autor e a extensão dos danos sofridos.
Alegando que o condutor do trator conduzia sem habilitação legal, requereu a intervenção principal acessória de Carlos D, a qual veio a ser admitida.
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Citado o interveniente, não apresentou contestação.
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Proferiu-se sentença que julgou a presente ação parcialmente procedente, por provada e, consequentemente, na procedência parcial da excepção de exclusão da garantia do seguro:
1°_Condenou a ré F - Companhia de Seguros, S.A. a pagar ao autor João M a quantia global de € 20.000,00 (vinte mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente que se discute nos autos, quantia, essa, à qual acrescem juros, à taxa legal, a contar da citação até efetivo e integral pagamento.
2°_Absolveu a ré da parte restante do pedido formulado pelo autor.
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Inconformada com a sentença, a Ré interpôs recurso, terminando com as seguintes
CONCLUSÕES
1ª O presente recurso de apelação é interposto da douta sentença proferida e a apelante apenas se insurge contra a matéria de direito, que foi objecto de apreciação e decisão.
2ª A recorrente não se conforma com a improcedência da exceção de pagamento por si invocada e que foi julgada improcedente, e subsidiariamente pelo não reconhecimento e aplicação pelo Tribunal da concorrência de culpas da conduta do lesado na produção dos danos.
Assim,
3ª A apelante, através do seu representante, procedeu ao pagamento de uma indemnização no valor de 4.600,00€, do qual o autor, através dos seus representantes legais, por à data ser menor, deu plena quitação e na qual se declarou integralmente ressarcido.
4ª Entender, como entendeu o tribunal a quo, que o documento em causa é "camuflado" é contraditório até com o valor peticionado pelo A, que correspondia praticamente ao pretendido pelo mesmo, conforme resulta dos factos provados da douta sentença.
5ª Para tanto, bastará atentar, aliás, aos factos dados como provados:
"41 - Tendo sido acordado com o autor, sua mãe e sua irmã, a indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, na quantia de 4.600,00€.
42 - Quantia, esta, que o autor, sua mãe e sua irmã, aceitaram de livre espontânea vontade, e que correspondia praticamente ao montante por si pretendido".
6ª- Salvo o devido respeito, facilmente se alcança que o tipo e tamanho de letra que é absolutamente igual em todo o texto e está na sequência lógica e formal do teor do documento, não está de forma alguma camuflado, antes da assinatura.
7ª Bem como não se poderão tratar de outros danos, pois que a quantia recebida foi a título de reparação integral e definitiva de todos os danos sofridos em consequência do acidente e sem quaisquer reservas, como consta do recibo assinado pelos seus pais.
Sª- Por outro lado decorreram cerca de 24 dias entre o acordo celebrado com o representante da Ré e a data em que o Autor por intermédio de seus pais receberam a quantia, pelo que não foi de forma alguma decisão precipitada, pois que tiveram muito tempo para ponderar e pensar no montante que iriam receber
9ª- Além de que correspondia aquela à desvalorização sofrida pelo autor em consequência das sequelas constantes do Relatório de Avaliação Final do Dano Corporal, que foi entregue ao autor e de acordo com os parâmetros da Portaria 679/2009, e aliás, de acordo com o valor aproximado pretendido pela mãe do autor, pelo autor e pela irmã, aquando das negociações.
10ª Acresce que, não foi requerida e nem tão-pouco declarada a anulabilidade por erro sobre o objecto do negócio, ou seja, não tendo sido requerida a anulabilidade, nem o negócio considerado nulo, o negócio mantêm-se válido e, por conseguinte, entende-se por cumprida a obrigação.
11 ª Parece-nos, salvo melhor opinião, que para improceder a exceção de pagamento necessário seria que fosse invocada alguma causa de invalidade do mesmo e pedida sua anulabilidade, o que não sucedeu.
12ª Também não estão em causa quaisquer danos supervenientes pois que em lado algum se referiu isso, ou mesmo foi isso alegado, tratando-se outrossim de danos já existentes e indemnizados pela ré, aqui recorrente.
Sem prescindir, caso não proceda a excepção:
13ª A ora recorrente não se conforma, quanto à indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais pois entende que o tribunal a quo ignorou circunstâncias relatadas e dadas como provadas nos presentes autos que contribuíram para os danos no presente sinistro.
14ªA recorrente não pode concordar dado que o Tribunal a quo não considerou a culpa do lesado na produção dos danos por si sofridos, tal como resulta dos factos provados sob os pontos 31, 32, 33, 34. 35 e 36 da douta sentença.
15ª Perante tais factos, a apelante entende, salvo o devido respeito e melhor opinião, que deveria o tribunal a quo, perante a notória culpa do A. nas consequências daquele sinistro, ter levado em consideração essa mesma culpa na determinação da responsabilidade pela produção dos danos e reduzir proporcionalmente a respectiva indemnização.
16ª Com a sua conduta o sinistrado violou culposamente o preceituado no nº 4 do art. 54.º do Código da Estrada, comprometendo inevitavelmente a sua segurança, bem sabendo que estava a violar uma norma estradal e de cuidado básico, conformando-se com o eventual resultado que dai adviesse.
17ª O autor agiu com elevado grau de inobservância do dever objectivo de cuidado, sendo previsível a verificação do perigo e dano, configurando a actuação do mesmo uma omissão fortemente indesculpável das precauções ou cautelas mais elementares.
18ª Pelo que o resultado pelas lesões a ele deve ser imputado, atendendo a que se não se fizesse transportar em cima do guarda lamas da roda traseira do trator, obviamente que não teria caído e sofrido qualquer dano ou lesão.
19ª Ao assim não entender conforme supra violou a sentença proferida o disposto no art. 570.º do CC que dispõe "Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída".
20ª Pelo exposto, entende a aqui recorrente que se verifica uma concorrência de culpas na produção dos danos, nunca inferior a um terço, pelo que se deverá atentar a essa mesma proporção aquando da atribuição da indemnização por danos não patrimoniais.
21ª Aliás, assim tem entendido o nosso mais Alto Tribunal numa situação bem menos perigosa e relatada no Ac. STJ de 5.2.2009, proc. nº 08P3181, disponível in www.dgsi.pt.,
22ª- Assim a douta sentença recorrida fez uma errada interpretação e aplicação da lei aos factos provados, designadamente violando o disposto nos arts 576º e 579º do CPC e o disposto nos arts 483º e 570º do CC.
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Contra-alegou o Autor nos seguintes termos que se resumem:
O que está em causa, é que as quantias disponibilizadas pela Ré à mãe do menor, ficam muito aquém dos danos por este sofridos e insuficiente para a sua cabal indemnização, não tendo ressarcido todos os danos, entre os quais a incapacidade que o afecta.
E isto ocorreu porque a Ré se prevaleceu da debilidade económica da mãe do menor e esta ter assinado o documento "da indemnização" sem se aperceber do pleno significado e alcance dos danos, lesões e dos direitos que o autor tinha em termos indemnizatórios; e ter agido, ao deparar-se com tal oferta "indemnizatória", de boa fé e sem qualquer capacidade para compreender, dialogar e discutir valores indemnizatórios adequados à ressarcibilidade dos danos sofridos pelo seu filho, aceitando a oferta dez dias apenas decorridos da consulta de 07 de Junho de 2011.
Ou seja, a mãe do autor, aceitou a quantia de 4.600,00 €, nesse condicionalismo, sem ter noção exacta das coisas e com a vontade desvirtuada e não esclarecida.
E neste contexto e atenta a factualidade provada e não impugnada em sede recursiva, o Mmº Juiz a quo atribuiu uma indemnização por danos não patrimoniais de 20.000,00 € a acrescer aos 4.600,00 € já recebidos extrajudicialmente por conta dos danos sofridos no acidente (o que arreda a tese defendida pela Ré da necessidade de suscitar invalidades como pressuposto de improcedência da invocada excepção de pagamento).
A actuação da mãe do menor, configura deficiente, incompleto e insuficiente exercício e defesa do direito do sinistrado, seu filho, então menor, a ser indemnizado de todos os danos sofridos e protegidos pelo direito, o que justificou plenamente que o sinistrado, agora maior, demandasse a Ré com a finalidade de tutelar efectivamente e com maior plenitude o seu direito (próprio) a ser indemnizado por todos os danos legalmente tutelados.
No que tange à invocada concorrências de culpas, não assiste a mínima razão à recorrente.
É manifesto que o sinistrado não contribuiu em nada na eclosão do sinistro, como se extrai da factualidade assente.
A actuação imprudente (acima descrita e relatada) do condutor do tractor que conduziu ao despiste e ao tombar da viatura foi causa adequada e exclusiva (física e jurídica) da eclosão do sinistro; e nem se vê de que modo o sinistrado que seguia sentado no guarda-lamas do rodado pôde interferir, dar azo e contribuir para a produção do sinistro.
Coisa diversa é a contribuição do sinistrado para a verificação dos danos.
E nesta vertente ficou assente que ao fazer-se transportar no tratar do enunciado modo, no guarda-lamas dessa viatura, contribuiu para a ocorrência de danos e nesse sentido foi concorrente na produção dos mesmos.
Só que esta circunstância foi apreciada e valorada pelo tribunal na fixação do quantum indemnizatório, como lavrado na sentença recorrida ... " ( .. .) acrescendo, ainda o facto de o autor, ao fazer-se transportar no tractor nas circunstâncias descritas supra ter contribuído para a verificação dos danos,afigura-se-nos equilibrado fixar a quantia global de 20.000,00 € para compensar o autor por todos os referidos danos não patrimoniais, e englobando esse valor o dano inerente às lesões sofridas na sua integridade física, o dano correspondente á intensidade do sofrimento físico e moral causado e as sequelas de que ficou afectado" (sic).
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II—Delimitação do Objecto do Recurso
As questões a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, consistem nas seguintes:
--Se o recebimento de uma quantia monetária, extrajudicialmente, com declaração de quitação, subscrita pelos pais do menor, como indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do sinistro acima mencionado, renunciando a qualquer outro direito perante a companhia, o seu segurado e condutor do respectivo veículo, sem compreenderem o pleno significado e alcance dos danos, lesões e dos direitos que assistiam ao Autor em termos indemnizatórios, é válido e/ou impeditivo da atribuição de uma indemnização superior, em sede judicial.
--Quantificação dos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor.
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III—FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS (elencados na sentença, com o aditamento do teor dos documentos juntos a fls. 21, 77 e 78)
A) O Autor, nascido a 11 de Março de 1994, sofreu acidente de trator em 23/10/2010, à data ainda menor.
B) O trator, matrícula 14-69-00, estava segurado pela Ré, com a apólice n.º AU21556853, para quem foi transferida a responsabilidade civil.
C) Nesse dia, o autor esteve na aldeia de Redial.
D) O Autor era ocupante do trator supra, identificado, juntamente com o condutor, Carlos T, solteiro, residente em A, 5425 Chaves, quando, se deslocava para a aldeia.
E) Pelas 11.30 horas do dia 23 de Outubro, quando se deslocava de Redial para Pereira de Selão, ao chegar ao local denominado "Poula Grande", o trator tombou.
F) A Ré marcou ao Autor, através da sua mãe, a consulta para avaliação do dano corporal para o dia 31 de Maio de 2011.
G) No entanto, a última consulta do Autor, marcada pela Ré, foi a 7 de Junho de 2011.
H) A mãe do autor assinou o documento de fls. 78 dos autos e o autor recebeu a quantia de € 4.600,00 (quatro mil e seiscentos euros) aí referida.
Após produção dos meios de prova :
1- Nesse dia, o Autor esteve a trabalhar à jeira na aldeia de Redial, para uma senhora chamada Ana Ferreira.
2- O condutor desengatou o trator, tendo este começado a fazer "zigue-zague" na estrada, ganhando velocidade, indo de uma faixa para a outra, e, no momento em que o condutor guinou para entrar novamente na faixa, o trator tombou.
3- Quando as rodas da frente do trator ressaltaram, o Autor disse-lhe para parar, mas aí deu-se o acidente.
4- O Autor bateu com a cabeça contra o chão e rebolou, indo parar a cerca de 25 metros de distância do trator.
5- O Autor ficou ferido, com traumatismos vários.
6- Por esse motivo e face ao seu estado foi imediatamente transportado para o Hospital de Chaves, onde deu entrada no serviço de urgência por volta das 12h00.
7- O Autor apresentava contusão na cabeça, na região parieto-occipital esquerda, tinha ferida na face, cervicalgia, dor no tornozelo esquerdo, cefaleias e fraturas em C2/C3 e C7, como refere o relatório médico da Unidade Hospitalar de Chaves do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, E.P.E.
8- Dada a gravidade das lesões foi transferido para o Hospital de S. João no Porto, o que aconteceu por volta das 19h00 desse mesmo dia.
9- O Autor esteve internado no Hospital de S. João durante duas semanas, só tendo alta médica em Novembro de 2010.
10- Do acidente resultaram para o Autor os seguintes danos corporais:
- lesão na face, por baixo do olho esquerdo, tendo sido suturado com 7 pontos;
- contusão na cabeça, tendo sido suturado com 3 pontos;
- deslocou o pé esquerdo;
- fraturou 3 elos na coluna;
- sofreu traumatismo craniano.
11- E ficou com sequelas, nomeadamente:
- continua com dores generalizadas nas costas e cabeça;
- quando movimenta a cabeça tem dores no pescoço e cabeça;
- continua com dores no pé esquerdo;
- ficou com cicatriz na face esquerda e no tornozelo.
12- Desde a data do acidente e até Junho de 2011 foi a várias consultas médicas, algumas delas marcadas pela Ré.
13- No dia 17 de Junho, o Autor, pessoa humilde com baixa escolaridade, na altura menor, uma pessoa que se identificou como representante da Ré, de nome Eduardo A, e a mãe do autor encontraram-se no café/Padaria Raposeira, em Vidago, onde o referido perito lhes propôs o pagamento de € 4.600,00 (quatro mil e seiscentos euros).
14- Pedindo-lhes logo os dados pessoais e preenchendo em parte o documento junto a fls. 21 dos autos, cujo teor integral se dá por reproduzido, e no qual consta um texto pré-elaborado pela Ré;
14-A-Nesse documento ficou consignada a data, o nome da mãe do Autor e qualidade em que intervinha (preenchidos manualmente nos espaços em branco desse documentos) e no texto pré-elaborado pela Ré consta, a seguir à identificação da mãe do Autor, que “e o Sr. Eduardo A na qualidade de liquidatário da Companhia de Seguros I para, de comum acordo, avaliarem todos os danos e prejuízos sofridos pelo primeiro, ou por quem ele representa, em consequência do acidente de viação ocorrido no dia…”; e que “Após conversações havidas, foram os citados danos e prejuízos avaliados em…”; Mais se acrescentou nesse texto pré-elaborado que “Com o pagamento daquela importância, a efectuar brevemente pela Companhia de seguros, considera o primeiro signatário que ficam inteiramente indemnizados os citados danos e prejuízos, renunciando a quaisquer direitos de acção judicial e indemnizações emergentes do mesmo acidente, contra a referida Companhia, contra o seu segurado e contra o proprietário do veículo e seu condutor.”
15- A mãe do Autor, sem nada perceber destes procedimentos, assinou o referido documento e posteriormente recebeu a citada quantia de € 4.600,00 (quatro mil e seiscentos euros).
16- A mãe do Autor assinou de boa-fé o documento que lhe foi colocado à frente, depois de lhe comunicarem que lhe dariam € 4.600,00 (quatro mil e seiscentos euros);
17-Assim, a mãe do Autor assinou o mencionado documento sem se aperceber do pleno significado e alcance dos danos, lesões e dos direitos que o Autor tinha em termos indemnizatórios.
18-A mãe do A., pessoa simples, pobre, sem quaisquer condições económicas, ao deparar com tal oferta, de boa-fé e sem qualquer capacidade para compreender, dialogar e discutir valores indemnizatórios adequados à ressarcibilidade dos danos sofridos pelo seu filho, aceitou a oferta dez dias apenas decorridos da consulta de 7 de Junho de 2011.
19-Durante, pelo menos, 198 dias, o Autor não pôde fazer esforços, pois as dores impediam-no de exercer qualquer atividade laboral, designadamente agrícola, impedindo-o de aceitar jeiras e trabalho como o fazia até à data do acidente.
20-O trabalho do Autor era importante para si e para o seu agregado familiar, composto por 6 elementos, dos quais 3 irmãos ainda menores, com grandes dificuldades de subsistência.
21-O Autor, que vive do trabalho agrícola à jeira, tem hoje maior dificuldade em realizar esses trabalhos.
22-O Autor esteve internado durante duas semanas.
23-Durante algum tempo teve de usar colar cervical, o que provocava incómodo, mau estar e o impedia de realizar várias tarefas.
24-O Autor não trabalhou nem pôde trabalhar durante, pelo menos, 198 dias, após o acidente.
25-O Autor continua condicionado na sua mobilidade cervical, o que lhe dificulta trabalhar, durante períodos contínuos de tempo.
26-O Autor tem cefaleias.
27-Tem a sua face marcada pelo acidente com uma cicatriz por baixo do olho esquerdo.
28-Tem igualmente uma cicatriz, sequela do acidente, no seu tornozelo.
29-Desde a data do acidente e durante seis meses, o Autor deixou de receber a quantia diária de € 30,00 (trinta euros), por cada dia de trabalho ajeira.
30-O Autor não tem habilitações literárias para um trabalho que lhe exija menor esforço do que o trabalho agrícola.
31-O autor circulava no referido trator sentado em cima do guarda-lamas da roda traseira esquerda do trator.
32-Tendo em consequência do sinistro caído com o mesmo para a faixa de rodagem.
33-Bem sabendo que seguindo em cima do guarda-lamas do pneu do trator, punha em causa a sua segurança.
34-E que com os solavancos próprios de um trator podia cair a qualquer momento.
35-O autor, pese embora a sua idade de 17 anos ao tempo do acidente, sabia que o local onde seguia no trator era proibido e perigoso, pois podia cair a qualquer momento.
36-Não obstante quis e aceitou seguir no trator naquelas condições e consequências que daí podiam advir, designadamente cair e magoar-se.
37- Chegou ao conhecimento da Ré que o autor, ainda menor, e sua família, eram pessoas carenciadas.
38-Por isso, a Ré, extrajudicialmente, aceitou e assumiu indemnizar o autor após consulta para avaliação do dano corporal.
39-Para o efeito, a Ré nomeou como seu representante o Sr. Eduardo A, para negociar com os pais do autor, então menor, e acordar os termos da indemnização.
40-O Sr. Eduardo A, em representação da Ré, em 17 de Junho de 2011, encontrou-se com o autor, a mãe do autor e com uma irmã deste, de maior idade, num café em Vidago.
41-Tendo sido acordado com o autor, sua mãe e sua irmã, a indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, na quantia de 4.600,00 euros.
42-Quantia, esta, que o autor, sua mãe e sua irmã, aceitaram de livre espontânea vontade, e que correspondia praticamente ao montante por si pretendido;
42.A-A Ré remeteu aos legais representantes do Autor uma carta que continha um “recibo de indemnização” junto a fls. 78, acompanhado da seguinte missiva :
“Exmos Senhores
Com referência ao acidente acima mencionado e na sequência do acordo celebrado, entre V.Exa. e o nosso colaborador, Sr(a) Eduardo A, informamos que aprovamos nesta data, o montante de 4600,00 Eur, correspondente à indemnização de todos os prejuízos decorrentes do mesmo.
Com o recebimento da importância acima indicada, V.Exa. declaram estar ressarcidos de todos os danos resultantes do sinistro, renunciando a qualquer outro direito relativo aos mesmos perante essa Seguradora, à qual conferimos plena e geral quitação, subrogando-a em todos os direitos, acções, e recursos contra os eventuais responsáveis pelo sinistro.
Anexamos o nosso recibo de indemnização que deverá ser apresentado para pagamento num dos nossos balcões”
43-O documento de fls. 78 intitulado de “Recibo de Indemnização Seguro Automóvel” foi assinado pelos pais do autor, na qualidade de representantes legais de seu filho menor com o seguinte teor: “Declaramos ter recebido deste segurador a importância deste recibo, como indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do sinistro acima mencionado, renunciando a qualquer outro direito perante a companhia, o seu segurado e condutor do respectivo veiculo, aos quais conferimos plena e total quitação”.
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IV—DIREITO
Fixados os factos pertinentes, cumpre decidir as questões suscitadas pela recorrente que se resumem, essencialmente, a duas : saber se a declaração subscrita pelos pais do Autor, na altura menor, dando quitação a uma indemnização por todos os danos (patrimoniais e não patrimoniais) e renúncia a outros direitos, impede a atribuição de uma indemnização superior ao montante por aqueles recebido extrajudicialmente e proceder à quantificação da compensação devida pelos danos não patrimoniais sofridos.
Defende a Recorrente que a quantia recebida foi a título de reparação integral e definitiva de todos os danos sofridos em consequência do acidente e sem quaisquer reservas, como consta do recibo assinado pelos pais do Autor, sendo que tiveram muito tempo para ponderar e pensar no montante que iriam receber.
E argumentou que não foi requerida e nem tão-pouco declarada a anulabilidade por erro sobre o objecto do negócio, mantendo-se válido o negócio e cumprida, em consequência, a obrigação.
A questão suscitada no recurso, aparentando ser simples, exige, porém, uma reflexão apurada e uma análise muito rigorosa incidente sobre as declarações atribuídas aos pais do Autor, consignadas nomeadamente no mencionado documento junto a fls. 78 dos autos, sem esquecer o circunstancialismo em que foi assinado e sobretudo a compreensão do verdadeiro significado e alcance da responsabilidade assumida pelos declarantes, em representação do seu filho, menor.
O que está essencialmente em causa é saber se aquele “acordo” extrajudicial é válido e eficaz, ou seja, se os pais do Autor, com o recebimento da quantia de € 4.600,00 consideraram que todos os danos sofridos pelo seu filho, ficaram, integral e definitivamente, ressarcidos.
Em primeiro lugar, cumpre notar que não se mostra pertinente, por não terem sido invocados vícios da vontade, aferir da eventual anulabilidade desse acordo.
A metodologia que nos parece adequada para a decisão da questão implica duas operações cruciais: a primeira, prende-se com a interpretação da declaração negocial, subscrita pelos pais do Autor e a segunda, com o seu enquadramento legal.
Sobre a interpretação do sentido normal da declaração dispõe o normativo inserto no art. 236.º do Código Civil:
“1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamente do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. (negrito e itálico nossos)
2- Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.
Este preceito, no n.º 1, consagra a chamada Teoria da Impressão do Destinatário, que, pelo seu carácter objectivista, se entende ser aquela que dá “tutela plena e legítima confiança da pessoa em face de quem é emitida a declaração”.
Todavia, o critério objectivista que resulta do n.º1 do citado normativo é atenuado, de certa forma, por uma restrição de índole subjectivista: sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, a declaração valerá de acordo com essa vontade (n.º 2 do artigo).
A ressalva da parte final do n.º 1, explica A. Varela , tem plena aplicação naqueles casos, por exemplo, em que o sentido razoavelmente atribuído pelo declaratário a determinados vocábulos da declaração seja completamente ignorado do círculo de pessoas em que vive o declarante, e muito diferente do sentido com que este os empregou.
Acrescentando, com muito interesse para o caso sub judice, que a normalidade do declaratário, não reside apenas na capacidade de entender o texto da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.
E, nesta delicada tarefa, o intérprete deve procurar averiguar a vontade que está atrás da manifestação, a vontade que se pretendeu declarar. O “sentido” de que o art. 236.º, n.º 1 fala, é o sentido pretendido pelo declarante, o sentido que o declarante quis dar.
Ademais, a fixação de um sentido à declaração (deduzido pelo declaratário do comportamento do declarante) pressupõe, segundo Höster , um uso linguístico comum a ambos, atribuindo a lei ao declarante esse risco uma vez que dispõe de todos os meios para se fazer entender.
Cumpre sublinhar, em conformidade com as reflexões (sempre actuais) sobre a matéria de Ferrer Correia que interpretação objectiva não corresponde a uma interpretação meramente literal pois o que se tem em vista é uma interpretação que procure fixar o sentido das declarações considerando-as no seu ambiente, atendendo às particularidades do caso, concedendo importância fundamental às circunstâncias individuais de cada situação concreta.
No processo ficou demonstrada, na parte que interessa à resolução desta questão, a seguinte factualidade:
Chegou ao conhecimento da Ré que o Autor, ainda menor, e sua família, eram pessoas carenciadas.
Por isso, a Ré, extrajudicialmente, aceitou e assumiu indemnizar o Autor após consulta para avaliação do dano corporal.
Para o efeito, a Ré nomeou como seu representante o Sr. Eduardo A, para negociar com os pais do autor, então menor, e acordar os termos da indemnização.
O Sr. Eduardo A, em representação da Ré, em 17 de Junho de 2011, encontrou-se com o Autor, pessoa humilde, com baixa escolaridade, e com a mãe e irmã deste, de maior idade, num café em Vidago, onde o referido perito lhes propôs o pagamento de € 4.600,00, pedindo-lhes logo os dados pessoais e preenchendo em parte o documento junto a fls. 21 dos autos, e no qual consta um texto pré-elaborado pela Ré.
Nesse documento ficou consignada a data, o nome da mãe do Autor e qualidade em que intervinha (preenchidos manualmente nos espaços em branco desse documentos) e no texto pré-elaborado pela Ré consta, a seguir à identificação da mãe do Autor, que “e o Sr. Eduardo A na qualidade de liquidatário da Companhia de Seguros I para, de comum acordo, avaliarem todos os danos e prejuízos sofridos pelo primeiro, ou por quem ele representa, em consequência do acidente de viação ocorrido no dia…”; e que “Após conversações havidas, foram os citados danos e prejuízos avaliados em…”; Mais se acrescentou nesse texto pré-elaborado que “Com o pagamento daquela importância, a efectuar brevemente pela Companhia de seguros, considera o primeiro signatário que ficam inteiramente indemnizados os citados danos e prejuízos, renunciando a quaisquer direitos de acção judicial e indemnizações emergentes do mesmo acidente, contra a referida Companhia, contra o seu segurado e contra o proprietário do veículo e seu condutor.”
A mãe do Autor, sem nada compreender sobre estes procedimentos, e sem se aperceber do pleno significado e alcance dos danos, lesões e dos direitos que o Autor tinha em termos indemnizatórios, assinou de boa-fé o documento que lhe foi colocado à frente, depois de lhe comunicarem que lhe dariam € 4.600,00 com o seguinte teor: “Declaramos ter recebido deste segurador a importância deste recibo, como indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do sinistro acima mencionado, renunciando a qualquer outro direito perante a companhia, o seu segurado e condutor do respectivo veiculo, aos quais conferimos plena e total quitação”.
Posteriormente àquele encontro e à assinatura daquele documento, a Ré remeteu aos legais representantes do Autor uma carta que continha um “recibo de indemnização” junto a fls. 78, acompanhado da seguinte missiva:
“Exmos Senhores
Com referência ao acidente acima mencionado e na sequência do acordo celebrado, entre V.Exa. e o nosso colaborador, Sr(a) Eduardo A, informamos que aprovamos nesta data, o montante de 4600,00 Eur, correspondente à indemnização de todos os prejuízos decorrentes do mesmo.
Com o recebimento da importância acima indicada, V.Exa. declaram estar ressarcidos de todos os danos resultantes do sinistro, renunciando a qualquer outro direito relativo aos mesmos perante essa Seguradora, à qual conferimos plena e geral quitação, subrogando-a em todos os direitos, acções, e recursos contra os eventuais responsáveis pelo sinistro.
Anexamos o nosso recibo de indemnização que deverá ser apresentado para pagamento num dos nossos balcões”
O referido “Recibo de Indemnização Seguro Automóvel” foi assinado pelos pais do autor, na qualidade de representantes legais de seu filho menor e contém a seguinte declaração, previamente elaborada pela Ré: “Declaramos ter recebido deste segurador a importância deste recibo, como indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do sinistro acima mencionado, renunciando a qualquer outro direito perante a companhia, o seu segurado e condutor do respectivo veiculo, aos quais conferimos plena e total quitação”. (negrito nosso)
A primeira conclusão relevante que decorre desta factualidade é que foi a Ré, declaratária, e não os pais do Autor, quem escolheu e redigiu previamente as palavras constantes da dita “declaração”, atribuída aos pais do Autor.
E para efeitos de recebimento da acordada quantia monetária de € 4.600,00, a Ré exigiu, a pessoas, que sabia serem carenciadas, simples, e consequentemente, sem qualquer capacidade para compreender, dialogar e discutir valores indemnizatórios adequados à ressarcibilidade dos danos sofridos pelo seu filho, a assinatura de documentos que continham fórmulas jurídicas (indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais, renúncia a qualquer outro direito, plena e total quitação) cujo significado e alcance só é compreensível por juristas.
Não existe qualquer harmonia entre essa declaração escrita, que os pais do Autores se limitaram a subscrever, com a real e esclarecida vontade dos mesmos.
E essa conclusão é deveras evidente, não só pela utilização de conceitos de direito, mas também porque nunca foram discriminados, nos mencionados documentos, quais os danos concretos, patrimoniais e não patrimoniais, que ambas as partes discutiram naquele encontro e incluíram naquele montante indemnizatório.
Os pais do Autor e o próprio Autor, desconheciam completamente o efeito jurídico que aquelas expressões implicavam no exercício do direito que lhe assistia, como titular de um direito a uma indemnização, emergente de responsabilidade extracontratual.
Em face do circunstancialismo do caso concreto, das pessoas envolvidas, e da especificidade do sinistro, a Ré Seguradora, na qualidade não só de declaratária normal e real, mas também de autora das referidas declarações, assinadas pelos declarantes, tomou necessariamente conhecimento que estes não dominavam o significado das expressões jurídicas utilizadas, e que não tinham, por isso, a mínima noção sobre as consequências desse acto.
Como pessoas normais e simples, apenas perceberam que iriam receber da Ré a quantia por esta proposta de € 4.600,00, em resultado do acidente de que o Autor foi vítima, e que, para esse efeito, teriam de assinar aquela declaração, cujo exacto significado desconheciam, quantia essa que lhes fazia muita falta por não terem quaisquer condições económicas, circunstância esta do conhecimento da Ré Seguradora.
Por outras palavras, as fórmulas jurídicas que a declaratária, ora Ré, consignou nos referidos documentos para aceitar conceder aos declarantes, pais do Autor, um determinado valor indemnizatório, atribuindo-as a este último, sabendo de antemão que eram conceitos do seu total desconhecimento, e posteriormente, valendo-se delas para se eximir ao pagamento de uma indemnização de valor significativamente superior é contrária ao princípio da boa fé consagrado no artigo 227.º do C.Civil.
Com efeito, a alusão a danos patrimoniais e não patrimoniais, sem a mínima concretização desses danos, a renúncia a direitos (de acção judicial e a indemnizações emergentes do mesmo acidente) constitui matéria de direito que não é apenas desconhecida dos declarantes, e do círculo de pessoas em que os declarantes vivem mas da grande maioria das pessoas, não licenciadas em direito ou sem experiência na área jurídica, deste país.
Ora, se os próprios declarantes desconheciam o significado dos termos objectivos da declaração que subscreveram, não podendo, por esse motivo, ser-lhes imputada, conclui-se que a declaração de vontade, nessa parte, é nula por via da interpretação, isto é, como resultado da actividade interpretativa.
Assim, acompanhamos o raciocínio da Mma. Juíza ao declarar que tendo em conta a escolaridade dos pais do autor e o facto de não resultar dos autos que lhes foram explicadas devidamente as consequências da assinatura dessa declaração, considera-se que os documentos em causa não são impeditivos para que o autor possa vir reclamar outros danos pelos quais não se mostre ainda ressarcido e relacionados com o acidente em causa, até porque não ficou provado que o mesmo quando foi emitida tal declaração de quitação, se apercebeu do seu pleno significado e alcance.
Portanto, o único segmento objectivo do texto, facilmente compreensível pelos declarantes, e que corresponde a um normal procedimento quando é paga uma determinada importância, é aquele que confere quitação apenas ao montante indemnizatório por eles recebido e nada mais.
Assim sendo, estamos em condições de enquadrar as declarações em análise numa mera quitação referente ao recebimento de € 4.600,00, com efeitos probatórios.
Não estamos, por isso, perante uma renúncia abdicativa, prevista no artigo o art. 863.º, n.º 1 do C.Civil, como causa de extinção das obrigações, para além do cumprimento.
Conforme ensina Antunes Varela , na remissão abdicativa é o próprio credor que, com a aquiescência do devedor, renuncia ao poder de exigir a prestação devida, afastando definitivamente da sua esfera jurídica os instrumentos de tutela do seu interesse que a lei lhe conferia.
O Autor era, na altura em que ocorreu o acidente, menor por não ter completado dezoito anos de idade, pelo que carecia de capacidade de exercício de direitos, situação suprida pela representação legal-cfr. arts. 122.º, 123.º, 124.º e 130.º do C.Civil.
Mesmo que a declaração de quitação total e consequente renúncia a direitos emergentes do acidente de viação não fosse nula, ou de nenhum efeito, por via interpretativa, o perdão parcial de uma eventual indemnização, de montante superior, era nula, por ser contrária aos interesses do menor.
A representação geral dos filhos, nos termos do artigo 1878.º, n.º 1 do C.Civil, faz parte do conteúdo das responsabilidades parentais, desde que seja exercida no interesse destes.
A abdicação ou renúncia aos direitos dos filhos é considerada prejudicial ao interesse dos menores, e por esse motivo, não se encontra abrangida pelo poder de representação a cargo dos pais.
Se tal suceder, por ser contrária à lei, a declaração negocial emitida pelos representantes não se repercute na esfera jurídica do representado, sendo declarada nula.
Por conseguinte, também por esta via, a quitação total e consequente renúncia aos demais direitos emergentes do acidente de viação sofrido pelo Autor não é válida.
A segunda questão que a recorrente pretende que seja solucionada diz respeito à compensação indemnizatória dos danos não patrimoniais.
O seu inconformismo, quanto à indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais, radica na circunstância de considerar que o tribunal não ponderou a culpa do lesado na produção dos danos, face aos factos provados sob os pontos 31, 32, 33, 34. 35 e 36 da douta sentença.
Na sentença, e relativamente à indemnização dos danos não patrimoniais, fixou-se a indemnização na quantia global de € 20.000,00.
E o julgador considerou essa quantia global equilibrada mesmo ponderando o facto de o autor, ao fazer-se transportar no trator nas circunstâncias descritas supra, ter contribuído para a verificação dos danos, (…) e englobando este valor o dano inerente às lesões sofridas na sua integridade física, o dano correspondente à intensidade do sofrimento físico e moral causado e as sequelas de que ficou afetado.
A compensação dos danos não patrimoniais atribuída pelo tribunal com base na equidade só deverá ser alterada pelo tribunal superior, em recurso, caso este conclua por uma manifesta afronta dos critérios e orientações da jurisprudência em relação a casos similares.
Tendo em consideração a culpa muito elevada do condutor do tractor, que imprimiu ao veículo uma trajectória em "zigue-zague", ganhando velocidade, de uma faixa para a outra, até que tombou, a total ausência de culpa do Autor na eclosão do evento, a contribuição parcial para a produção dos danos (fazia-se transportar sentado no guarda-lamas do tractor) e a gravidade das lesões e sofrimento do Autor e a jurisprudência conhecida em casos similares , não se nos afigura exagerada a quantia monetária atribuída ao jovem Autor, a título de compensação destes danos.
*
V—DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo, em consequência, a sentença.
Custas pela apelante.
Notifique e registe.
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)
Guimarães, 25 de Maio de 2016
(Anabela Andrade Miranda Tenreiro)
(Francisca Micaela Fonseca da Mota Vieira)
(Fernando Fernandes Freitas)
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1 Cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 444.
2 Cfr. Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição, pág. 223.
3 Cfr. Hörster, Henrich Ewald, A Parte Geral do Código Civil Português, Almedina, 1992, pág. 510.
4 Cfr. ob. cit., pág. 510.
5 Cfr. Erro e Intrepretação na Teoria do Negócio Jurídico, Colecção Teses, Almedina, 1985, págs.156 e 158.
6 Cfr. Ferrer Correia, ob. cit., pág. 304.
7 Das Obrigações em Geral, vol. II, pág. 233.
8 Cfr. neste sentido, Santos, Eduardo dos, Direito da Família, 1985, Almedina, pág. 561.
9 Cfr. neste sentido, Ac. STJ de 16.10.2000 in www.dgsi.pt.
10 O Autor apresentava contusão na cabeça, na região parieto-occipital esquerda, tinha ferida na face, cervicalgia, dor no tornozelo esquerdo, cefaleias e fraturas em C2/C3 e C7, como refere o relatório médico da Unidade Hospitalar de Chaves do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, E.P.E. Dada a gravidade das lesões foi transferido para o Hospital de S. João no Porto, o que aconteceu por volta das 19h00 desse mesmo dia. O Autor esteve internado no Hospital de S. João durante duas semanas, só tendo alta médica em Novembro de 2010.
Do acidente resultaram para o Autor os seguintes danos corporais: - lesão na face, por baixo do olho esquerdo, tendo sido suturado com 7 pontos; - contusão na cabeça, tendo sido suturado com 3 pontos; - deslocou o pé esquerdo; - fraturou 3 elos na coluna; - sofreu traumatismo craniano.
E ficou com sequelas, nomeadamente: - continua com dores generalizadas nas costas e cabeça; - quando movimenta a cabeça tem dores no pescoço e cabeça; - continua com dores no pé esquerdo; - ficou com cicatriz na face esquerda e no tornozelo.
Durante, pelo menos, 198 dias, o Autor não pôde fazer esforços, pois as dores impediam-no de exercer qualquer atividade laboral, designadamente agrícola, impedindo-o de aceitar jeiras e trabalho como o fazia até à data do acidente.
O Autor esteve internado durante duas semanas.
Durante algum tempo teve de usar colar cervical, o que provocava incómodo, mau estar e o impedia de realizar várias tarefas.
O Autor não trabalhou nem pôde trabalhar durante, pelo menos, 198 dias, após o acidente. O Autor continua condicionado na sua mobilidade cervical, o que lhe dificulta trabalhar, durante períodos contínuos de tempo. O Autor tem cefaleias. Tem a sua face marcada pelo acidente com uma cicatriz por baixo do olho esquerdo. Tem igualmente uma cicatriz, sequela do acidente, no seu tornozelo.
11 A título exemplificativo, consultar a jurisprudência citada no Acórdão da Rel.Porto de 16/12/2015 in www.dgsi.pt.