Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
837/08.2TAVNF.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: ADMINISTRAÇÃO DANOSA
ELEMENTOS DO CRIME
INFIDELIDADE
CRIME ESPECÍFICO PRÓPRIO
ARTºS 235º
235º
224º DO CP
359º
DO CPP
519º DO CSC E 32º
Nº 5 DA CRP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - Da descrição contida no art. 235º do C. Penal, que prevê o crime de administração danosa, resulta, nomeadamente à luz da exposição de motivos constante do preâmbulo da versão originária do C. Penal de 1982 (que com o seu art. 333º introduziu no nosso ordenamento o ilícito penal em questão), que o normativo, a par da primordial preocupação de proteger o património de pessoa colectiva integrada no sector público ou cooperativo, visa garantir a observância das normas de controlo e regras económicas de uma gestão racional, ou, por outras palavras, o bom aviamento dado aos bens afectos à satisfação de necessidades públicas ou de necessidades que, sendo privadas, são prosseguidas, sem fins lucrativos, através da entreajuda dos membros das cooperativas.

II - Assim, na vertente objectiva, deparamos no tipo do ilícito em análise com:
1) Um crime específico próprio que, por um lado, só pode ter por sujeito passivo uma entidade do sector público ou cooperativo e, por outro lado, só pode ser praticado por quem (agente activo) detiver a qualidade pessoal inerente à incumbência da gestão ou administração de unidade económica de uma tal entidade e, por isso, com o poder vincular a pessoa colectiva à celebração de um dado negócio jurídico.
2) Uma conduta típica que «obedece a uma combinação do modelo de execução vinculada e de execução típica», exigindo-se a prova da contrariedade do acto (ou omissão imprópria) aos deveres do cargo de gestor: o não adimplemento de normas de controlo ou regras de gestão racional, com as quais se pretende salvaguardar o património de uma unidade económica do sector público ou cooperativo.
3) Um crime material de dano cujo resultado da acção típica terá de se exprimir na ocorrência efectiva de um dano patrimonial, aferido à luz do critério nuclear da respectiva “importância”, sendo esta avaliada, não numa vertente estritamente objectiva ou matemática – o que arreda, por consequência, a noção de valor «elevado» ou «consideravelmente elevado» fornecida pelo art. 202º, do C. Penal –, mas, sim, em função de uma concepção de património orientada para a específica tutela das funções públicas ou supra individuais cometidas à unidade económica, portanto, em concreto, através da aplicação concorrente de um critério objectivo e de um critério subjectivo porque «(…) torna-se indispensável que, pelo seu impacto concreto, o dano possa pôr em causa a subsistência, o funcionamento e o desempenho das tarefas comunitárias cometidas à unidade económica».
4) Por fim, exige-se a ultrapassagem da margem do “risco permitido” ou “calculado”, afinal, a álea que sempre acompanha qualquer actividade económica, e daí que a verificação do dano contra a “expectativa fundada” do agente não seja punida (cf. nº 2 do artigo) e que, tendencialmente, o «acordo (expresso) de todos os cooperantes ou dos órgãos de direção mandatados para o efeito [nas unidades do sector público, dos órgãos de administração respectivos] afasta a tipicidade da conduta do agente», por constituir uma cláusula de exclusão ou justificação da ilicitude.

III - E no que concerne ao tipo subjectivo, há que ter em consideração que o dolo se desdobra nos chamados elementos intelectual – representação, previsão ou consciência dos elementos do tipo de crime – e volitivo – vontade dirigida à realização daqueles elementos do tipo, aos quais acresce um elemento emocional, que é dado, em princípio, pela consciência da ilicitude. Como tal, exige-se que o agente saiba que está atingir o resultado ilícito que a comunidade repele e censura e, apesar disso, o queira: nomeadamente, que saiba que desempenha funções de gestão ou administração numa unidade económica do sector público ou cooperativo e que pratica o facto criminoso no exercício e na prossecução do interesse público ou comunitário que justificou o seu mandato e que, sabendo que o faz, queira violar a relação de confiança instituída pelo acto jurídico de designação e/ou eleição ou de contratação que lhe conferiu tal mandato, bem como provocar o dano patrimonial (com os contornos já definidos), através da infracção ao conteúdo do acto jurídico que lhe conferiu tal mandato ou a norma de controlo ou a regras económicas de uma gestão racional.

IV - No entanto, da descrição contida no citado art. 235º resulta que a acção típica nela prevista possibilita uma dupla ou distinta relevância do elemento volitivo: por um lado, exige-se que a violação de normas de controlo ou regras económicas de uma gestão racional seja intencional, portanto, que seja cometida (apenas) com dolo directo, contra o que, normalmente sucede; por outro, já parece nada obstar a que o resultado típico possa ser imputado ao agente em qualquer das demais modalidades do dolo, inclusive o eventual, bastando-se, pois, com a possibilidade de o agente perspectivar, como resultado possível da sua acção, a ocorrência do dito dano patrimonial “importante” na unidade económica e actuar conformando-se a essa mesma possibilidade.

V - Também o delito de infidelidade é um crime específico próprio, que tendo, igualmente, subjacente a ideia ética da confiança, resultante directamente da lei ou de acto jurídico, somente pode ter por agente a pessoa a quem foi confiado o dever de dispor, administrar ou fiscalizar interesses patrimoniais alheios. E, de acordo com a descrição contida no referido art. 224º do C. Penal, exige-se, para a sua integração, que o agente actue com “grave violação dos deveres” que lhe competem e que o prejuízo patrimonial causado à vítima seja “importante” e, ainda, que essa sua actuação seja “intencional”, portanto, que o mesmo represente o facto que o preenche, actuando com intenção de o realizar, o que aponta no sentido de que se encontra afastada a sua imputabilidade a título de dolo eventual, aqui, também, quanto ao resultado da acção, uma vez que aquela intenção abarca a de causar aos interesses patrimoniais alheios, «prejuízo patrimonial importante».

VI - O art. 519º do CSC regula jurídico-penalmente a prestação de informação sobre matéria da vida da pessoa colectiva contrária à verdade, no âmbito do cumprimento de deveres legais de informação, quando alguém exerce o correspondente direito. Por sua vez, a qualificação desse tipo de ilícito para o crime (agravado) previsto no nº 4 do preceito somente se preenche quando for causado dano grave, material ou moral, e que o autor pudesse prever, a algum sócio que não tenha concorrido conscientemente para o facto, à sociedade, ou a terceiro.

VII - O preenchimento do crime de falsificação exige, a par dos elementos objectivos – o fabrico, falsificação ou alteração de documento, a menção de facto juridicamente relevante e não verdadeiro em documento ou o uso de documento falsificado por outrem –, como elementos do tipo subjectivo: (i) o dolo genérico, que, como em qualquer outro tipo de ilícito, se desdobra nos elementos acima destrinçados (IV) – o conhecimento e vontade de praticar o facto (a falsificação), com consciência da sua censurabilidade; (ii) e o dolo específico – a intenção de causar prejuízo a terceiro, de obter para si ou outra para pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime.

VIII - Perante a estrutura acusatória do nosso processo penal, constitucionalmente imposta (art. 32º, nº 5, da CRP) para assegurar as garantias de defesa do arguido, os poderes de cognição do tribunal estão rigorosamente limitados ao objecto do processo, previamente definido pelo conteúdo da acusação/pronúncia, devendo os “factos” que constituem o “objecto do processo” ter a concretude suficiente para poderem ser contraditados e deles se poder defender o arguido e, sequentemente, a serem sujeitos a prova idónea.

IX - Por isso, a falta de narração na acusação/pronúncia de elementos integrantes da tipicidade do ilícito redunda na pura inexistência dessa tipicidade, não sendo admissível a alteração na sentença dos factos da acusação, para que daquela passem a constar factos integrantes de um comportamento típico dos agentes, a qual, nessa hipótese, consistiria na convolação de uma conduta atípica em conduta típica, proibida pelo comando do art. 359º do CPP. Aliás, em caso de alteração, nem sequer é permitida a comunicação ao Ministério Público para que ele crie novo procedimento pelos novos factos quando estes não são autonomizáveis em relação ao objecto do processo.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

No processo 837/08.2TAVNF do Juízo Central Criminal de Guimarães, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, os arguidos Emília, Maria, Manuel e Alfredo foram submetidos a julgamento por se encontrarem pronunciados como autores materiais um crime de administração danosa, p. e p. pelo art. 235º, nº 1 do C. Penal, em concurso efectivo, as duas primeiras, com a autoria de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 30º, 256º, nº 1, al. d) e e), aplicável ex vi art. 255º, al. a), do C. Penal, e os segundos como autores do crime de informações falsas, p. e p. pelo art. 519º, nº 1 e 2 do Código das Sociedades Comerciais ex vi art. 9º do Código Cooperativo.

Realizado o julgamento, foi proferido acórdão em 7-3-2017, depositado na mesma data, em que decidiu (transcrição):

a) Julgar o presente procedimento, quanto ao crime de informações falsas, p. e p. pelo art. 519.º, n.º 1 e 2 do Código das Sociedades Comerciais ex vi art. 9.º do Código Cooperativo, imputado aos arguidos Alfredo e Manuel, extinto, por prescrição, e, consequentemente, determinar o arquivamento dos autos no que a tal delito respeita;
b) Absolver os arguidos, Emília, Maria, Manuel e Alfredo, do crime de administração danosa, p. e p. pelo art. 235.º, n.º 1 do CP, de que vinham acusados e pronunciados;
c) Condenar a arguida Emília, pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p., pelo art. 256º, n.º1, al. d), do CP/2007, na pena de 210 (duzentos e dez) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), no valor total de € 2100,00 (dois mil e cem euros), e, subsidiariamente, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de prisão;
d) Condenar a arguida Maria, pela prática de um crime de falsificação, p. e p., pelo art. 256º, n.º1, al. d), do CP/2007, na pena de 210 (duzentos e dez) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), no valor total de € 2100,00 (dois mil e cem euros), e, subsidiariamente, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de prisão;
e) Condenar as arguidas no pagamento de taxa de justiça, que se fixa em 4 uc´s / cada, ao abrigo dos arts. 513º, n.º1 e 3, do CPP, e 8º, n.º5, do RCP;
f) Julgar o pedido cível deduzido por X, Crl., contra os arguidos, Emília, Maria, Manuel e Alfredo improcedente e, em consequência, absolvem-se estes do mesmo;
g) Julgar o pedido cível deduzido por Massa Falida de Sociedade Agrícola Irmãos P., Lda., contra os arguidos Emília, Maria, Manuel e Alfredo improcedente e, em consequência, absolvem-se estes do mesmo;
h) Condenar os demandantes nas custas cíveis do processo, atento o seu decaimento, ao abrigo do art. 527º, n.º1 e 2, do CPC.
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Inconformada com essa decisão, a assistente X - Cooperativa Agrícola e dos Produtores de Vila Nova de Famalicão interpôs recurso cujo objecto delimitou com as seguintes conclusões:

1. A recorrente entende que a decisão recorrida padece de erro de julgamento na livre apreciação da prova quanto à matéria dos pontos 11, 28, 35, 54, 66, 68, 73, 78; 88; 89; 101; 108; 110 a 112 e 131 dada como provada na douta decisão do acórdão;
2. Entende também que são incorrectos, inverdadeiros ou incompletos os factos provados nos pontos 11, 28, 35, 54, 66, 68, 73, 78, 88, 89, 101, 108, 110 a 112 e 131 da douta decisão do acórdão;
3. Entende igualmente a recorrente que os pontos 2 a 7, 9, 11 a 21, 23 a 30, 32 a 37 dos factos não provados do douto acórdão e constantes da acusação e pronúncia merecem prova positiva ao contrário do decidido;
4. Em conformidade, a resposta dada ao ponto 11 da matéria de facto dada como provada no douto acórdão, teria de ser necessariamente diversa, no sentido de dar devido ênfase à débil situação económica e financeira da cooperativa, devendo manter-se a redacção ínsita no ponto 15 da acusação e pronúncia, já que foram atribuídas um conjunto de remunerações, gratificações e regalias às arguidas Emília e Maria, completamente desfasadas e incomportáveis economicamente para a cooperativa;
5. O julgamento dado ao ponto 28 da matéria de facto dada como provada no douto acórdão teria de ser necessariamente diverso no sentido de dar como provado que as arguidas com o exclusivo propósito de fazerem suas as quantias da cooperativa deram ordens para processamento dos respectivos prémios nos anos de 2006 a 2008, contrariando todas as regras de gestão da cooperativa, devendo por isso manter-se a redacção enunciada - e bem - no ponto 32 da acusação e pronúncia;
6. O julgamento dado ao ponto 35 da matéria de facto dada como provada no douto acórdão teria de ser necessariamente diverso no sentido de dar como provado que as arguidas manipularam os resultados da cooperativa, atingindo com tais resultados, os objectivos e metas traçados com a direcção – aumento de volume de negócios – somente visando a aparência de legitimidade para recebimentos das gratificações por força de uma suposta “brilhante” gestão, que mais não era do que ruinosa para os interesses da cooperativa, mantendo-se assim a redacção do ponto 41 da acusação e pronúncia;
7. O julgamento dado as pontos 54, 68 e 73 da matéria de facto dada como provada no douto acórdão teria de ser necessariamente diverso no sentido de dar como provado que os arguidos preferiram usar os 2.048.250,19 € a título de gratificações ocasionais e favorecer de forma inexplicável as arguidas contrariando a missão da cooperativa, dos interesses dos seus associados, as regras regulares de gestão, com prejuízo para a cooperativa e com exclusivo fito de enriquecerem, isto é, deveria manter-se a redacção constante dos pontos 61, 77 e 83 da acusação e pronúncia;
8. O julgamento dado ao ponto 66 da matéria de facto dada como provada no douto acórdão teria de ser necessariamente diverso no sentido de concretizar e dar como provado que os efeitos dos factos aí elencados se repercutiram quanto ao exercício de 2007 com a seguinte redacção: “A contabilização manual das Notas de Crédito em Dezembro de 2008 anulou o efeito que o lançamento automático antes da aprovação de contas teria tido no apuramento de Resultados de 2007, eliminando, assim, a redução dos proveitos que teria sido registada”;
9. A matéria dada como provada no ponto 78 do douto acórdão deverá passar a considerar “assim, em termos práticos, a cooperativa ficou a perder porque o aumento verificado no volume de negócios não chegou sequer para pagar o prémio atribuído, o que os arguidos, Emília, Maria, Manuel, Alfredo e António (falecido) bem sabiam, na justa medida que eram atribuídos independentemente de tal resultar de uma boa gestão da cooperativa, mantendo a redacção do ponto 87 da douta acusação;
10. O ponto 88 do elenco dos factos dados como provados no douto acórdão deve ter a respectiva redacção alterada mantendo-se a redacção ínsita no ponto 101 da acusação e pronúncia;
11. O facto dado como provado no ponto 89 do douto acórdão deve ser reapreciado e manter a redacção constante do ponto 102 da acusação e pronúncia;
12. É incorrecto, ou pelo menos incompleto considerar apenas no ponto 101 dos factos dados como provados que “Os arguidos Manuel, António (falecido) e Alfredo decidiram perdoar parte da dívida que dois deles tinha para com a cooperativa, bem sabendo que com isso, reduziam o valor monetário de que a mesma era credora em relação a si”, porque o tribunal recorrido deveria ter-se pronunciado sobre o conhecimento que os mesmos arguidos tinham sobre as consequências de terem perdoado a dívida para a cooperativa, factos que tinham conhecimento directo, nomeadamente, a situação financeira, tendo o acórdão sido omisso razão pela qual incorreu neste ponto em nulidade, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do C.P.P. que, desde já, expressamente se argui;
13. O teor dos factos dados comos provados no ponto 101 deve ser alterado e manter a redacção do ponto 121 da acusação que é do seguinte teor: “Os arguidos Manuel, António (falecido) e Alfredo, sabendo os resultados eleitorais para a direcção da cooperativa e que não iam reconduzidos no cargo que ocupam, decidiram perdoar parte da dívida que dois deles tinha para com a cooperativa, bem sabendo que com isso, reduziam o valor monetário de que a mesma era credora em relação a si, bem sabendo que com isso prejudicavam os interesses da cooperativa”;
14. O ponto 108 dos factos dados como provados deve manter a redacção do ponto 133 da acusação e pronuncia passando a ter o seguinte teor: “As arguidas, Emília e Maria, determinaram a relevação contabilística das Facturas, Notas de Crédito e Contribuições para a Segurança Social nos termos acima referidos com o objectivo de a X, CRL, apresentar Resultados Líquidos positivos nos anos de 2003 a 2007, aumentar o valor do volume de negócios no ano de 2008, uma vez que não seria expectável, ou pelo menos poderia ser posto em causa, e de que o pagamento às mesmas de remunerações a título de “Gratificação Ocasional” e “Gratificações”, supra referidas, não ser posto em causa, em Assembleia-Geral, se a X CRL apresentasse Resultados Líquidos negativos, mesmo que as metas impostas para o pagamento de tais remunerações, designadamente, relacionadas com o Volume de Negócios, tivessem sido atingidas”;
15. A redacção do ponto 110 dado como provado deve ser alterada mantendo a redacção do artigo 135 da acusação com o seguinte teor: “Os arguidos Manuel, Alfredo e António (falecido) sabiam que concediam proveitos patrimoniais às duas arguidas (regalias desmesuradas às directoras), Emília e Maria, e que perdoavam dívidas a si próprios, bem sabendo que isso contrariava os ditames de uma gestão criteriosa e racional e, bem assim, o princípio cooperativo “interesse pela comunidade” onde se estabelece que “as comunidades, através de políticas aprovadas pelo membros” (princípios 7.º e art. 3.º do Código Cooperativo)”;
16. A redacção do facto do ponto 111 dado como provado no acórdão deve ser alterada mantendo a redacção ínsita no ponto 137 da acusação;
17. A decisão do douto acórdão deveria ter dado como provado o ponto 2 dos factos não provados já que a arguida Emília pelo menos desde 2003, com o acordo dos membros da direcção e da própria, bem como da arguida Maria a partir da sua entrada na cooperativa, por si só, geria os recursos e património da cooperativa, gozando de amplos poderes de gestão que a habilitavam a dispor de tais recursos e património e a vincular a cooperativa perante terceiros;
18. Os depoimentos das testemunhas supra referidas e a prova documental neste caso o relatório de auditoria da empresa RA, SROC, L.da junto aos autos de fls 21 a 80 ...que confirmam que a arguida Emília como directora geral da cooperativa gozava de plenos poderes de gestão que a habilitavam a gerir os recursos e o património da cooperativa uma vez que exercia uma ascendência sobre a direcção, pelo que o ponto 2 da matéria não provada deve ser dado como provado.
19. Deveria ter sido dado como provado o ponto 3 dos factos não provados já que as arguidas Emília e Maria, eram na pratica, as únicas dirigentes dos destinos económicos da cooperativa, na justa medida em que é o próprio relatório elaborado pela empresa RA, SROC, a fls 56 dos presentes que: “ refere que a partir de Maio de 2003 com a entrada da Dr.a Maria a gestão da cooperativa passou a ser em benefício das duas arguidas;
20. Também o ponto 3 dos factos não provados deve ser dado como provado, por resultar da prova documental supra referida que a partir de Maio de 2003, verificou-se na verdade uma profunda alteração na forma como a Dr.a Emília geriu a Cooperativa e nos interesses que até então sempre defendeu e colocou acima de tudo. Se até aquela data não restarão quaisquer dúvidas que o superior interesse colectivo da Cooperativa norteava as decisões tomadas pela Dr.a Emília, a partir daquela data, tudo passou a ser diferente, sendo utilizado em benefício próprio e no da Dr.a Maria;
21. Nos termos expostos supra em sede de alegações, impunha-se à luz de tudo o quanto se disse, silogismo judiciário que conduzisse à prova positiva do ponto 4 dos factos não provados, devendo assim alterar-se o julgamento dado e a redacção do mesmo ser dada como provada no acórdão;
22. O julgamento dado como não provado no ponto 5 que “Em data não concretamente apurada, mas seguramente desde meados de 2003 e até Dezembro de 2008 (altura em que foi eleita uma nova direcção), as arguidas Emília e Maria idealizaram a possibilidade de, através da gestão e recursos disponíveis na cooperativa, obterem proveitos económicos para si, muito superiores aos que lhe seriam normalmente devidos, impunha prova positiva devendo a sua redacção ser alterada em conformidade com o respectivo teor na acusação e pronúncia;
23. Também impunha prova positiva o ponto 6 dos factos não provados de que as arguidas Emília e Maria contaram com a colaboração dos arguidos Manuel, Alfredo e António, os quais permitiram intencionalmente que as arguidas executassem o seu plano, o qual bem conheciam e que sabiam prejudicar os interesses da cooperativa e eram contrários à sua Missão;
24. Impunham aqueles factos decisão positiva na justa medida em que nos pontos 11 a 28 dos factos provados resultou provado que durante os anos de 2003 a 2008, em reuniões de direcção em que os arguidos estavam presentes e as arguidas também que foi decidido atribuir um conjunto de remunerações, gratificações e regalias às arguidas e os pontos 108 a 114 o modus operandi dos mesmos.
25. Ao dar-se como provado o ponto 35 o douto tribunal deveria ter dado como provado que os arguidos permitiram intencionalmente que as arguidas executassem o seu plano, o qual bem conheciam e que sabiam prejudicar os interesses da cooperativa e eram contrários à sua Missão, porque independentes dos resultados líquidos da cooperativa, os arguidos indexaram as retribuições ao volume de negócios, para justificar o pagamento e o recebimento das gratificações às arguidas;
26. Os arguidos ao fixarem os objectivos em função do volume de negócios gizaram um plano para serem atribuídas remunerações às arguidas, isto porque, caso os objectivos tivessem sido definidos em função dos resultados obtidos, como resulta do mapa anexo com o n.º 28 do relatório da RA, SROC, L.da, as arguidas não teriam direito a qualquer gratificação uma vez que os resultados de 2003 foram sempre piores que os obtidos em 2002 e assim sucessivamente até ao ano de 2008 – Cfr. pontos 57 e 67 da matéria de facto provada;
27. Em face da prova positiva dada aos pontos 11 a 27, 35, 57, 67 e 108 a 114 do acórdão deverão ser dados como provados os pontos 5 a 7 dos factos não provados;
28. Em face do exposto supra em sede de alegações que por meras razões de economia processual se dá aqui como integrado deverão ser dados como provados os pontos 11,12 e 13 dos factos não provados;
29. Os pontos 14, 15 16 e 17 dos factos dados como não provados impunham prova positiva no sentido de que as arguidas, para conseguirem garantir o recebimento de quantias a título de gratificações ou outras, independentemente da valia da sua gestão, decidiram fixar os prémios de desempenho em função do volume de negócios e não em função dos resultados obtidos; tudo para aumentarem o valor do volume de negócios e, desse modo, garantirem que fossem atingidos os referidos objectivos (dos quais dependia a atribuição dos prémios) foram emitidos documentos de venda ou de prestação de serviços que não correspondiam a efectivas transacções comerciais e que foram até posteriormente anuladas, como ocorreu no ano de 2007;
30. A prova negativa destes quesitos está em contradição directa com a condenação pela falsificação de documentos de que as arguidas foram alvo e, acima de tudo, em contradição directa e frontal com os factos 57 a 67 e 108 a 114 dados como provados no acórdão;
31. Impõe-se assim que os pontos 14, 15 16 e 17 dos factos não provados sejam dados como provados;
32. Os pontos 18, 19, 20 e 21 dos factos não provados deveriam ter sido dados como provados, uma vez que as declarações de dívidas que alguns cooperantes assinaram foram sugestão das arguidas Emília e Maria e porque resulta do ponto 79 dos factos provados que no ano 2004, 2005 e 2006 foram emitidas nove declarações de divida por sugestão das arguidas Emília e Maria;
33. O julgamento positivo dado aos pontos 79 a 86 e 90 da matéria fática dada como provada no acórdão contraria totalmente o julgamento negativo dado aos pontos 18, 19, 20 e 21 dos factos não provados pelo que terá de ser alterada a sua redacção e dada resposta positiva aos mesmos consentânea com o teor da acusação e pronúncia;
34. O julgamento positivo dos pontos 79 a 86 da matéria dada como provada no Acórdão, está em contradição com a prova negativa deste ponto 23 que em consonância deve ter resposta positiva;
35. De acordo com o depoimento da testemunha José que foi a pessoa responsável pela escrita e que lançou os devidos registos contabilísticos, de acordo com acervo documento dos autos, de acordo ainda com a matéria dada como provada nos pontos 79 a 86 o tribunal deveria ter dado como provado o ponto 23, pelo que se impõe uma reposta positiva ao mesmo tal como está na acusação e pronúncia;
36. O julgamento dado aos pontos 24, 25, 26 e 27 da matéria de facto dada como não provada no douto acórdão está eivado de erro e de uma falta de entendimento do fenómeno, merecendo prova positiva tal como se expôs supra em sede de alegações e que por meras razões de economia processual se dá aqui como reproduzido;
37. Por força de tudo o que antecede, quer com base na matéria dada como provada nos pontos 87 e 103 a 114, quer com base nas contas de exercício dos anos de 2003 a 2008, quer ainda com base nos depoimentos e esclarecimentos das citadas testemunhas os pontos 25, 26 e 27 dos factos dados como não provados terão de ter necessária prova positiva com a redacção que mantinham na acusação e pronúncia;
38. O douto tribunal deu como não provado o ponto 28 que entre os arguidos, Emília, Maria, Manuel, Alfredo e António (falecido), pese embora os acordos fixados estarem apenas condicionados a que fosse alcançado determinado volume de negócios, estava implícito, para que os prémios neles previsto fossem pagos às primeiras, que a cooperativa apresentasse lucros, isto é, que os resultados líquidos fossem positivos, porque decorrente das regras de boas gestão atenta a situação específica da cooperativa mas, este ponto deve ter prova positiva pelas razões apontadas em sede de alegações supra;
39. Nos pontos 29 e 30 foram dados como não provados que as arguidas Emília e Maria, gozando da capacidade fáctica de gestão da cooperativa, levaram, determinaram, a que a Direcção lhes atribuísse regalias desmesuradas, bem sabendo que isso contrariava os ditames de uma gestão criteriosa e racional e, bem assim, o referido princípio cooperativo “interesse pela comunidade”, agiram, ainda, com a intenção de elaborar ou mandar elaborar documentos que titulavam as declarações de dívida acima referidas, tendo os mesmos apostas datas de emissão anteriores àquelas em que, efectivamente, foram elaborados, de molde a que os seus dados assim fossem incluídos em documentos contabilísticos relativos a exercícios de anos anteriores, bem sabendo que, dessa forma, abalavam a fé pública, a confiança das pessoas e segurança do comércio jurídico na veracidade daqueles documentos, ofendendo, assim, um interesse legítimo do Estado e da própria cooperativa;
40. No entanto, como se expôs supra deverão os pontos 28, 29 e 30 dos factos não provados ser dados como provados com a redação que tinham originariamente na acusação e pronúncia;
41. O Tribunal recorrido deveria ter-se pronunciado sobre o conhecimento de toda a análise dos indicadores de endividamento, Autonomia Financeira e Solvabilidade Geral, permitiu constatar que a situação da X, CRL, piorou ao longo dos anos de 2004 a 2008 ínsita nos pontos em presença e tendo o acórdão sido omisso nessa matéria incorreu na nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do C.P.P. que expressamente se argui;
42. A matéria ínsita no ponto 127 da acusação e pronúncia permite dar consistência e plasmar o requisito do “dano relevante” quanto ao crime de administração danosa e como tal e absolutamente necessária e relevante para a descoberta material e boa decisão da causa, não podendo pura e simplesmente ser expurgada da decisão como fez o tribunal;
43. Deve ser alterada a decisão e ser dado como provado o ponto 127 da acusação, que refere “A análise dos indicadores de endividamento, Autonomia Financeira e Solvabilidade Geral, permitiu constatar que a situação da X, CRL, piorou ao longo dos anos de 2004 a 2008, tendo inclusive neste último ano apresentado valores negativos, frutos dos Resultados Líquidos negativos apurados”;
44. Toda a prova produzida tem inferência nas provisões consideradas contabilisticamente, nos anos de 2003 a 2008, na justa medida que traduz a determinação instrumental, explicativo do desiderato essencial, que é a questão de resultados e o manifesto interesse de um benefícios económico individual dos arguidos em prol do cooperativo;
45. A questão da falta de provisões e do escamotear do dano rela da cooperativa contende directamente com o requisito do dano relevante porque esclarece a conduta criminosa dos arguidos e o seu incumprimento da lei e, pelos fundamentos que antecedem, deveria o ponto 130 dos factos da douta acusação ter sido dado como provado no acórdão agora sindicado ao invés de haver sido omitido atenta a sua relevância para a boa decisão da causa e a descoberta da verdade material;
46. O douto acórdão foi omisso quanto o facto 131 da acusação dos presentes autos, que estabelecia que “Além deste, atente-se no conteúdo do princípio da prudência [e) Ponto 4: princípios contabilísticos]” significa que é possível integrar nas contas um grau de precaução ao fazer as estimativas exigidas em condições de incerteza sem, contudo, permitir a criação de reservas ocultas ou provisões excessivas ou a deliberada quantificação de activos e proveitos por defeitos ou passivos e custos por excesso”, o que, manifestamente, não aconteceu no caso das dívidas à segurança social.”
47. O princípio da prudência encontra-se ínsito no plano oficial de contabilidade mas ao constar da acusação visava qualificar à semelhança do ponto 130 anterior o comportamento ilícito e culposo dos arguidos por referência à lei
48. Em nome da segurança e do princípio da legalidade, as regras que regem a tributação, designadamente do apuramento da matéria tributável, não podem ser deixadas ao sabor das considerações subjectivas de cada contribuinte e não podiam ter sido ultrapassadas como foram pelos arguidos;
49. Por isso, o ponto 131 da douta acusação dos presentes autos deve ser dado como provado, na justa medida que existiu violação ao princípio da prudência;
50. Toda a prova produzida e os factos dados como provados demonstram a existência de uma violação no princípio da substância sob a forma devendo o douto acórdão, salvo melhor entendimento, ser alterado e passar a considerar o facto dado como provado no ponto 132 da douta acusação dos presentes autos;
51. O douto acórdão, em razão da omissão dos pontos 130, 131 e 132 da acusação, incorreu na nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do C.P.P. que expressamente se argui;
52. O comportamento dos arguidos estribados nos pontos 139 a 144 e 146 da acusação não releva apenas para efeitos do crime de informações falsas, sendo igualmente relevante para a boa decisão da causa, para o apuramento da verdade material e para o preenchimento dos requisitos do crime de administração danosa porque permite esclarecer o modus operandi e o comportamento dos arguidos nos exercícios de 2003 a 2008;
53. Devem os factos 139 a 144 e 146 da douta acusação serem dados como provados, na justa medida que existe prova testemunhal com força probatória inabalável e de resto reconhecida pelo próprio tribunal na fundamentação da matéria de facto;
54. O douto acórdão, em razão da omissão dos pontos 139 a 144 e 146 da acusação, incorreu na nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do C.P.P. que expressamente se argui;
55. Os pontos 32.º e 33.º dos factos não provados do P.I.C. no douto acórdão não podem senão ter resposta positiva nos termos em que supra se expuseram;
56. O ponto 34 da matéria não provada no acórdão do PIC teria de ter tido prova positiva porque, à semelhança dos anteriores pontos, para além de tudo o quanto se alegou supra, nenhuma outra prova se fez em sentido contrário que abalasse ou descredibilizasse a produzida;
57. Em resultado do depoimento das testemunhas referidas supra impõe-se que seja dado como provado o ponto 35 da matéria não provada no acórdão do PIC, uma vez que a cooperativa em consequência directa e necessária da actuação dos arguidos teve que negociar com os fornecedores porque os fornecimentos foram suspensos e reflectiu num aumento dos encargos financeiros;
58. O agravamento da situação de balanço da assistente resulta de mero silogismo judiciário que emerge do confronto entre os pontos 87 e os pontos 103 a 105 da matéria dada como provada no acórdão que prova – por excesso – tal agravamento;
59. Na verdade, deu-se como provado o agravamento da incobrabilidade, o agravamento e a situação deficitária da assistente, resultados negativos e dá-se como não provado no ponto 36 da matéria não provada no acórdão do PIC o que provado está no acórdão até por excesso;
60. Para além disto, a situação real de balanço da assistente foi sobejamente referida pelas testemunhas Luís, Paulo, J. R. e Pedro, todos melhor identificados supra, pelo que tal facto 36 da matéria não provada no acórdão do PIC deveria ter sido necessariamente dado como provado;
61. Em face dos documentos de fls 19 a 21 e do depoimento da testemunha J. R., P. A., Carlos; Adelaide e M. L., o ponto 37 dos factos não provados do PIC deverá ser dado como provado;
62. Assim, em nome do princípio da economia processual, o douto acórdão, em razão da omissão de qualquer referência aos pontos 2 a 13; 15 a 21; 23 a 38; 40; 42; 44 a 50; 53 e 54 referentes aos danos patrimoniais e 55 a 71; 73 e 74 referentes aos danos não patrimoniais do pedido cível, incorreu na violação dos princípios da verdade material e da investigação, e consequentemente na nulidade do acórdão prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do C.P.P. que expressamente aqui se argui;
63. Também em razão de tudo o que antecede devem os pontos 2 a 13; 15 a 21; 23 a 38; 40; 42; 44 a 50; 53 e 54 referentes aos danos patrimoniais e 55 a 71; 73 e 74 referentes aos danos não patrimoniais do pedido cível serem apreciados e dados como provados, em respeito pelo princípio da verdade material e da boa decisão da causa;
64. Alterando-se a decisão em termos de matéria de facto se impõe igualmente a inerente alteração em termos de matéria de direito o que desde já se requer;
65. O tribunal a quo violou também normas jurídicas e fez uma interpretação incompleta e incorrecta do direito que igualmente justificam o presente recurso nos termos do artigo 412, n.º 2, alínea a) e b) do CPP;
66. A justiça deve retirar ilações jurídicas dos comportamentos dos arguidos que violem o espírito e a missão, os princípios e as normas cooperativas;
67. Porque, diferentemente das empresas onde imperam razões privadas, de acordo com o 2.º princípio cooperativo, enunciado no artigo 3.º, do Código Cooperativo, as cooperativas são organizações democráticas geridas pelos seus membros, os quais participam activamente na formulação das suas políticas e na tomada de decisões;
68. Enunciado o Princípio da Gestão Democrática pelos membros, os arguidos tinham o dever de informar todo e qualquer membro que quisesse saber, em concreto, toda a verdade sobre a vida cooperativa e, não o tendo feito causaram quanto ao funcionamento da assistente necessário e relevante dano patrimonial;
69. A actuação da Direcção protagonizada pelos arguidos Manuel e Alfredo não foi orientada pelo princípio da liberdade contratual e pelo móbil do lucro como acontece nas empresas, mas antes pelos princípios e normas cooperativos como decorre da alínea i), do artigo 46.º, do CCoop. que estabelece as competências daquele órgão;
70. Os arguidos, por terem praticado factos do necessário e directo conhecimento pessoal de todos, agiram não sob a forma negligente mas antes conformando-se com tudo o que se veio a passar de facto devidamente traduzido nas contas de exercício de 2008 a fls. dos autos e em tudo o que se passou no período pós-2008, que configura uma actuação sob a forma culposa de, pelo menos, dolo eventual;
71. É completamente inadmissível este comportamento por parte dos arguidos à luz do Princípio da Gestão Democrática enunciado no artigo 3.º, do Código Cooperativo e nessa medida essa omissão da situação real da cooperativa consubstancia actos praticados com, pelo menos, dolo eventual que importaram dano relevante e o empobrecimento da assistente;
72. Todos os actos praticados pelos arguidos e que resultam da matéria fática dada como provada nos pontos 1 a 114 do Acórdão são subsumíveis na categoria de dolo, pelo menos eventual, e como tal preencheram os requisitos do artigo 235.º, do Código Penal e importam a condenação de todos os arguidos;
73. Nenhuma interpretação deste conceito poderá ser adoptada se dessa mesma resultar desvirtuação e a licitude de actos em si mesmos ilícitos, censuráveis e irregulares na perspectiva da vítima a aqui assistente, esvaziando-se de sentido em contrário da opção do legislador o crime p.e.p. no artigo 235.º, do Código Penal;
74. Entende-se, por isso, eivada de erro a concepção altamente restritiva com que foi entendido e aplicado o dito pressuposto de “dano relevante” e nessa medida violadora do citado artigo 235.º, n.º 1, do Código Penal;
75. Para o preenchimento da factualidade típica do crime de administração danosa não é suficiente um qualquer tipo de dano, torna-se necessário que o mesmo seja “importante” e a expressão “importante” deve ser compreendida de maneira diferente no âmbito do crime de infidelidade (um delito estritamente patrimonial) e no âmbito do crime de administração danosa (um delito de índole económica);
76. Constitui necessário dano económico a gestão de uma unidade cooperativa em que se afastam os seus princípios cooperativos génese e, ao invés, se pagam prémios e gratificações milionários às arguidas;
77. O artigo 2.º, n.º 1, do Código Cooperativo estabelece que a assistente “através da cooperação e entreajuda dos seus membros, com obediência aos princípios cooperativos, visa, sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles”;
78. O artigo 3.º o princípio da Gestão Democrática enuncia pelos membros de acordo com o qual os “membros … participam activamente na formulação das suas políticas e na tomada de decisões”;
79. Estabelece, ainda, o artigo 3.º o princípio da Participação Económica dos Membros de acordo com o qual “os cooperadores, habitualmente, recebem, se for caso disso, uma remuneração limitada, pelo capital subscrito como condição para serem membros. Os cooperadores destinam os excedentes a um ou mais dos objectivos seguintes: desenvolvimento das suas cooperativas, eventualmente através da criação de reservas, parte das quais, pelo menos, é indivisível; benefício dos membros na proporção das suas transacções com a cooperativa; apoio a outras actividades aprovadas pelos membros”;
80. Para além de todas as reservas enunciadas em termos de recurso quanto à matéria de facto, nenhum dos factos elencados nos pontos 1 a 114 dos factos dados como provados no acórdão comporta ou respeita os princípios e regras cooperativas enunciadas;
81. A atitude dos arguidos gerou dano que comprometeu “a subsistência, o funcionamento e o desempenho das tarefas comunitárias cometidas à unidade económica cooperativa na justa medida em que alocou meios para satisfazer prémios de milhões de euros às arguidas Emília e Maria comprometendo em igual medida a criação de reservas, o benefício dos seus membros e as demais atribuições cooperativas;
82. O dano é um dano relevante (não medido pelo valor de milhões que de facto receberam) mas antes porque tais verbas no conjunto dos exercícios de 2003 a 2008 foram alocadas a fins não cooperativas em evidente e claro prejuízo destes;
83. É óbvio que com os magros resultados operacionais (diremos forjados até como já se expôs) “a subsistência, o funcionamento e o desempenho das tarefas comunitárias cometidas à unidade económica cooperativa X foram fatalmente atingidas pelo comportamento dos arguidos;
84. Ao contrário do decidido, no caso concreto, é irrelevante se a cooperativa se tornou ou não insolvente e é absolutamente relevante a existência de vários milhões de euros alocados a actividades não compreendidas no escopo cooperativo e antes no escopo singular e egoístico dos seus benificiários, as arguidas Emília e Maria;
85. Ao não considerar este entendimento perante os factos dados como provados que elucidam a concreta e despudorada violação dos princípios, normas cooperativas, escopo, violação das regras de distribuição dos recursos, o acórdão agora recorrido violou o disposto no artigo 235.º, n.º 1, do Código Penal na justa medida em que a constatada violação constitui dano relevante para efeitos deste crime;
86. No caso sub judice, numa abordagem sistémica e racional, todos os factos dados como provados são integráveis na estatuição do crime de administração danosa e não apenas cada um deles em particular porque o dano relevante não radica na situação concreta de “falência técnica” mas radica sobretudo no “desvirtuar do funcionamento cooperativo”;
87. Depois da alteração legislativa da anterior redacção do crime de administração danosa (artigo 333.º, do CP de 1982) que abandonou o conceito de “dano material” não pode o tribunal ater-se, como se ateve, a alegada ausência de demonstração contabilista de quantum de dano material quando o “coração cooperativo” estribado na sua missão foi ferido de morte;
88. Um reflexo concreto do dano na estrutura da empresa e no asseguramento da manutenção das suas funções primordiais e veja-se que até podemos estar perante um dano economicamente pouco significativo;
89. Dentro desta senda é absurdo desligar a administração danosa do pagamento indevido de salários milionários às arguidas, das dificuldades e rupturas de tesouraria e sobretudo da falta de concretização dos fins cooperativos em montantes equivalentes, considerados também quer as dificuldades demonstradas nas contas do exercício de 2008 quer todos os factos pós-2008 que melhor se referiam supra no recurso quanto ao julgamento da matéria de facto;
90. Também é absurdo não relevar aqui as actuações da Direcção desconformes aos princípios e normas cooperativas como o sejam de pagar durante anos salários milionários numa modesta cooperativa, escamoteando o que mais que se podia isso dos demais membros, exaurindo a tesouraria, criando dificuldades, infringindo a lei;
91. Se, para além de todas as reservas enunciadas quanto ao recurso em matéria se facto, como de demonstra nos pontos 1 a 114 da matéria fática dada como provada no acórdão, os arguidos andaram conjuntamente a desarticular a tesouraria da assistente durante anos a fio e no valor de milhões de euros cometeram apenas nessa medida o crime de administração danosa porque causaram dano necessariamente relevante;
92. Só uma visão estritamente parcelar e anti-sistémica permite chegar à conclusão do desvalor jurídico-penal da conduta provada dos arguidos deixando de fora a análise dos princípios e normas cooperativas que ditavam as regras de actuação de um gestor cooperativo prudente e ordenado que se impunham a todos;
93. Defendendo-se a necessidade de leitura sistémica dos factos em presença, defendendo-se a efectiva vinculação jurídica das normas e dos princípios cooperativos, não poderá defender-se de outra maneira, nem defender-se alguma vez ter inexistido dano relevante no caso sub judice;
94. Os erros de gestão evidenciados pela matéria fática dada como provada nos pontos 1 a 114, de onde se destaca pela análise das contas dos exercícios de 2003 a 2008 (por exemplo, de vender sistematicamente a quem não pagava), evidenciam o descuido e o escamotear com dolo, pelo menos eventual, por parte dos arguidos de outra grande realidade que é a de saber dos resultados reais da cooperativa assistente;
95. Resulta da mera análise das contas de exercício de 2003 a 2008 e da matéria fática dada como provada nos pontos 1 a 114 que a Cooperativa não ganhava excedentes no seu resultado real capazes de cumprirem o pagamento dos salários milionários, nem aqueles que de facto logrou apurar forma aplicados cumprindo os desígnios estabelecidos na lei e segundo a prioridade também nela estabelecida;
96. Faltou aqui a dupla provisão, isto é, provisionar as cláusulas penais mas provisionar também e ao mesmo tempo as dívidas reais de clientes cuja grandeza galopava ano a ano, sendo que só as primeiras lograram consagração nas contas como resulta da matéria provada e das contas de exercício a fls. dos autos relativas aos anos de 2003 a 2008;
97. Ante este desiderato repetido de forma plurianual é inegável que o que aconteceu no famigerado ano de 2008 iria acontecer a qualquer exercício já que a ruptura financeira da cooperativa era eminente e é manifesto que este empobrecimento causado durante cinco exercícios seguidos deixou empobrecimento profundo e dano manifestamente relavante na cooperativa;
98. Sem a actuação conjunta dos arguidos e sem os actos perpetrados é facto notório e resulta da mera análise das contas (como de resto fez a PJ) que a cooperativa jamais ganharia dinheiro para fiar a quem não pagava e ao mesmo tempo suportar salários milionários com as arguidas;
99. Ainda que estas palavras não integrem directamente a acusação também não é necessário porque são constatações directamente derivadas dos pontos 1 a 114 da matéria dada como provada, explicativas do desiderato essencial que é a questão dos resultados e a questão da manifesta intenção de em benefício próprio das arguidas Emília e Maria ser a cooperativa assistente levada, como foi em 2008, à falência técnica enunciada no artigo 35.º, do CSC, com capitais próprios negativos;
100. Atento o princípio do inquisitório, se eventualmente fosse considerado absolutamente necessária a sua inclusão na acusação e pronúncia, constatados que foram estes factos em razão da prova positiva no acórdão, de todos os depoimentos testemunhais e de todos os documentos juntos aos autos, o julgador não os podia ter ignorado como ignorou e deveria ter comunicado todas as alterações não substanciais de facto que entendesse necessárias ao abrigo do disposto nos artigos 358.º e 359.º, ambos do CPP, coisa que ignorou e nada fez;
101. Os arguidos, todos os arguidos, sabiam e não tinham forma de ignorar a real situação da cooperativa e sabiam que esta não poderia jamais aguentar o pagamento dos prémios milionários que foram atribuídos às arguidas Emília e Maria;
102. Os arguidos, todos os arguidos, sabiam e não tinham forma de ignorar que a situação começa a ser difícil de esconder e que deveriam ter partilhado a verdade dos factos com o Conselho Fiscal ao invés de andarem a esconder com a falta da dupla provisão e com falsificação de documentos a aflitiva situação que a Cooperativa atravessou de facto nos exercícios de 2003 a 2008;
103. Os arguidos, todos os arguidos, sabiam e não tinham forma de ignorar que quando começaram a surgir as dificuldades deveriam de imediato ter feito cessar o pagamento dos prémios milionários por forma a acautelar as rupturas de tesouraria que se verificaram ulteriormente nos anos vindouros e nomeadamente para acautelar a situação de “falência técnica” à luz do artigo 35.º, do CSC que as contas do exercício de 2008 evidenciam;
104. Os arguidos, todos os arguidos, sabiam e não tinham forma de ignorar que, tal como resulta das contas da cooperativa, não provisionaram, ano após ano, as enormes dívidas de cooperadores que ascendiam a milhões e milhões de euros, isto através do subterfugio de sucessivas renegociações de dívida, escondendo por essa via a real situação da cooperativa, mascarando a situação nos termos do julgamento da matéria de facto através da contabilização e provisão de proveitos extraordinários (as letras e as cláusulas penais);
105. Os arguidos, todos os arguidos, sabiam e não tinham forma de ignorar que ao emitirem facturas correcção de preços em fevereiro/março de 2008 para o exercício de 2007 estavam a violar o disposto no CIVA, mesmo que depois as hajam anulado em Dezembro de 2008 com efeitos no exercício seguinte, influenciando artificialmente os resultados e o princípio da especialização dos exercícios de 2007;
106. Os arguidos, todos os arguidos, sabiam e não tinham forma de ignorar que deviam ao Conselho Fiscal a verdade e só a verdade e que eram obrigados a habilitar os membros daquele órgão com informação expressa, clara, congruente e suficiente, como decorre dos artigos 262.º-A e 420.º, 420.º-A, 512.º, do CSC, aplicáveis à assistente ex vi do disposto no artigo 9.º do Código Cooperativo;
107. A precária situação económica e financeira da cooperativa agrava apenas o juízo de censura e culpa aos arguidos mas não justifica sequer o problema em si;
108. Mesmo que a cooperativa gozasse de uma excelente saúde económico e financeira sempre teria ocorrido in casu o crime agora imputado aos arguidos porque os actos de pagamentos de prémios e gratificações milionários às arguidas significaram em igual medida o incumprimento da função cooperativa o que causou manifesto e relevante dano à mesma;
109. Estabelece o princípio da participação económica dos membros que os cooperadores são obrigados a destinar os excedentes a um ou mais dos objectivos seguintes: desenvolvimento das suas cooperativas, eventualmente através da criação de reservas, parte das quais, pelo menos, é indivisível; benefício dos membros na proporção das suas transacções com a cooperativa; apoio a outras actividades aprovadas pelos membros;
110. Nenhum dos arguidos demonstrou em juízo haver sido cumprido este desígnio e obrigação cooperativos apesar dos “prémios e gratificações excepcionais” pagos a terceiros, as arguidas Emília e Maria;
111. À luz da lei, não há qualquer justificação cooperativa racional para que se onerem os cooperadores para ao mesmo tempo se beneficiarem directores, isto é, para que os ganhos cooperativos revertam a favor de directores ao invés de reverterem aos cooperadores;
112. Com a anuência dos arguidos Alfredo e Manuel as arguidas Emília e Maria locupletaram-se à custa dos desígnios da Cooperativa estabelecidos na lei e nos princípios cooperativos e isso, para além de criminoso, criou provado prejuízo à assistente e manifesto dano relevante;
113. Quando se decide apenas em favor de alguns como aconteceu no caso sub judice, quando se deixam “os todos” para trás e se pensa apenas em alguns, está-se a agir ilicitamente, contra a lei e a desvirtuar totalmente os princípios e normas cooperativas o que causa manifesto e relevante dano cooperativo resultado de não haverem sido observadas as regras de aplicação dos excedentes cooperativas seguindo a lei;
114. Deve ter-se em conta no presente julgamento o alarme social de toda esta situação já que ninguém de bom senso irá entender algum dia que alguém se aproprie deliberada e efectivamente de milhões de euros que a todos pertencem e que segundo a lei deveriam ser aplicados em benefício de todos, sendo tal conduta considerada lícita pelos Tribunais;
115. Não foram só os cooperantes da assistente a entender o comportamento dos arguidos como criminoso, foi também a Polícia Judiciária e os Magistrados que prepararam e deduziram a acusação e a pronúncia;
116. Não pode fazer-se como fez este acórdão e ultrapassar a crueza dos números das contas de exercício de 2008 e todos os factos de que o tribunal teve conhecimento quanto ao período pós-2008, já que como é facto notório a administração danosa dos arguidos deixou marcas profundas na vida cooperativa e causou-lhe prejuízos assinaláveis;
117. Na integração e qualificação jurídica do conceito de “dano relevante” é preciso ter em conta não só o prejuízo da distribuição em prémios e gratificações milionários daquilo que não podia ter sido distribuído mas também de toda a panóplia de problemas que isso gerou, mormente os prejuízos decorrentes da verificação da “falência técnica” no exercício de 2008 enunciada no artigo 35.º, do CSC e a necessidade de alienar a sede e contrair empréstimos de milhões de euros no período pós-2008;
118. É certo que tais factos, porque ulteriores aos exercícios de 2003 a 2008 não integravam a acusação mas não é menos certo que o tribunal estava vinculado in casu ao princípio do inquisitório e ao princípio da verdade material que foram ambos grosseiramente violados;
119. Jamais o tribunal a quo poderia ter ignorado a realidade pós-2008 como ignorou e, integrando tal realidade depoimentos de multiplas testemunhas (ulteriomente confirmados por documentos autenticos juntos aos autos) como integrou de facto, esses factos “pós-2008” teriam necessariamente de ter sido levados em conta no julgamento final da lide – e não foram;
120. Levado ao extremo o entendimento sindicado pelo Acórdão nunca haveria forma de responsabilizar fosse quem fosse porque a prova do “dano relevante” seria missão impossível, mesmo depois de estarem nos autos factos provados que o evidenciam, contas dos exercícios de 2003 a 2088 que o evidenciam, testemunhas várias que o desmonstraram e documentos autênticos pós-2008 que confirmam esse anterior depoimento das testemunhas e inerente conhecimento dos factos por parte do tribunal e que demonstram, à saciedade, as consequências reais do dano relevante que os arguidos infligiram à assistente;
121. Esta postura e decisão do colectivo agora sindicado é inaceitável a todos os títulos, jurídico e cooperativo;
122. Por um lado, só não resultou provada qualquer factualidade para além do disposto nos pontos 1 a 114 da matéria fática dada como provada porque o julgador expurgou de toda a matéria de facto dada como provada todos os conceitos e factos que deveriam ter sido dados como provados como longamente se expôs em sede de alegações quanto ao julgamento e recurso da matéria de facto;
123. Mesmo que a acusação e a pronúncia tivessem sido omissas, o caminho a seguir jamais seria o que foi seguido pelo julgador agora sob recurso mas antes a comunicação atempada de alteração não substancial dos factos relativamente a tal factualidade;
124. A eventual omissão da acusação ou da pronúncia não poderia, sem mais, levar à absolvição dos arguidos mas apenas e tão só à comunicação da alteração não substancial que se impunha in casu, tendo o Tribunal na situação sub judice omitido os deveres a que estava adstrito e violado nessa medida o preceituado nos artigos 358.º e 359.º, ambos do Código de Processo Penal;
125. O julgador não poderia ter omitido como omitiu factos atinentes à realidade cooperativa, quer aqueles que resultam da acusação e pronúncia situados entre os exercícios de 2003 a 2008, quer ainda aqueles que sendo pós-2008 teve igualmente conhecimento e que relevam as consequências do dano relevante padecido entre os exercícios objecto da acusação;
126. Na verdade, quando uma cooperativa paga salários milionários às suas dirigentes durante cinco exercícios seguidos e ao fim do último exercício se encontra, segundo as suas contas, num estado de “falência técnica” é necessário apurar se essa mesma cooperativa poderia em tais exercícios ter pago tais salários e se os mesmos foram ou não causa concorrente para a situação de “falência técnica” para se apurar do conceito de dano relevante;
127. Infelizmente, o acórdão agora sindicado nada apurou a esse propósito tendo-se limitado a enunciar, sem fundamentar e explicar porquê, não se ter demonstrado o requisito do “dano relevante” para a ocorrência do crime p.e.p. no artigo 235.º, do Código Penal;
128. A acusação e a pronúncia demonstram – de forma quantificada e matemática até – que a cooperativa não poderia naqueles exercícios ter pago aqueles salários milionários, bem como que esse pagamento foi causa directa e concursal com outras da situação de “falência técnica” evidenciada pelas contas de 2008, o que também se infere por mero silogismo da matéria fática dada como provada nos pontos 1 a 114;
129. De forma simplificada o resultado apura-se, em última instância, pela diferença entre resultados e custos e esse apurado resultado deve ser corrigido depois com os saldos que há para receber mas em que se corre o risco, de facto, de não vir a receber através da constituição das imparidades que se justificarem (vulgo provisões);
130. Para se saber de facto como vai uma empresa (a forma de determinação na cooperativa é similar) é preciso – de forma simplificada – ter em linha de conta o que se comprou e o que se vendeu e o saldo que se apura neste confronto, sendo ulteriormente necessário “rectificar” esse saldo porque pode correr-se o risco de alguém que ficou de pagar não tenha de facto condições para pagar e não o venha a fazer;
131. No caso sub judice ocorreu uma “manigância” que a acusação e a pronúncia perceberam perfeitamente e traduziram através de forma quantificada e a que o perito da PJ ouvido em audiência de discussão e julgamento, quando inquirido pelo mandatário da assistente, confirmou, que infelizmente o tribunal agora recorrido não relevou;
132. Nos exercícios de 2003 a 2008, para se aferir a capacidade económica real da assistente era necessário analisar os resultados e subtrair as situações de risco daqueles que poderiam não vir a pagar;
133. Para além de tudo o quanto já se alegou em sede de recurso quanto à matéria de facto, como resulta da mera análise da matéria fática dada como provada e das contas de exercícios de 2003 a 2008, os arguidos aumentaram os resultados através da constituição de cláusulas penais estapafúrdias que registaram sob a égide de resultados extraordinários;
134. Isto é criaram um resultado artificial, anularam esse mesmo resultado artificial, mas nunca evidenciaram até às contas do exercício de 2008 o risco de não recebimento dos cooperantes relapsos que ano após ano nunca pagaram nada à cooperativa e antes pelo contrário aumentaram exponencialmente as suas dívidas;
135. Isto foi logrado através de renegociações de contratos e vãs promessas de pagamento, ano após ano, com pessoas que já se sabia não iam pagar;
136. Os arguidos mantiveram a aparência da saúde económica e financeira da cooperativa quando esta de facto se agravou ano após ano de forma alarmante;
137. Com este demonstrado e provado comportamento, os arguidos conseguiram embostar as Assembleias Gerais, o Conselho Fiscal, os Bancos, os Cooperadores e Público em Geral e pagarem anos a fio salários milionários que as contas reais (não evidenciadas por falta de imparidades) demonstrariam ser impossível a cooperativa pagar;
138. Na análise da acusação e pronúncia, fica claramente evidenciado esse desiderato da actuação dos arguidos e explica-se aí matematicamente inclusive onde o mesmo fenómeno radica;
139. Nisso se consubstancia também e essencialmente a questão do prejuízo relevante, isto é, o pagamento real de salários de milhões por uma instituição que ano após ano ficou cada vez mais exaurida e débil económica e financeiramente até entrar em “falência técnica” no famigerado ano de 2008, em prejuízo directo e em igual medida dos desígnios e da missão cooperativas;
140. Não fundamenta o Tribunal a quo, minimamente que seja, porque julgou inverificado o requisito de dano relevante, depois de ter tomado conhecimento, como tomou, que não foram constituídas quaisquer imparidades para os milhões de débito dos cooperantes que acumularam anos sucessivos dívidas mas, acima de tudo, depois de ter tomado conhecimento que a assistente pagou salários milionários que a sua situação económica e financeira reais não comportavam;
141. Quando se esconde uma realidade de incobrabilidade de € 6.104.392,96 e, ao mesmo tempo, se pagam salários e gratificações milionárias, tudo em detrimento do espirito e da missão cooperativas, regista-se ou não dano relevante neste comportamento?
142. Quando, comprovadamente (cfr. pontos 71 e 87 da matéria dada como provada), durante múltiplos exercícios entre 2003 e 2008, os arguidos colocaram a assistente a caminho fatal da falência técnica enunciada no artigo 35.º, do CSC, causaram ou não prejuízo e dano relevante?
143. A “marcha fatal” para a falência técnica é apanágio de qualquer instituição e está associada ao risco, o que já não é normal é que essa marcha seja dissimulada e, ao mesmo tempo, se contribua ainda mais e de forma assinalável para esse percurso através do pagamento de salários e gratificações milionários a directores que nada mais fizeram do que comprovadamente afundar a casa;
144. Quer pela reclamada alteração da matéria de facto, que mesmo apenas partindo dos pontos dados como provados, é manifesto que se verificam todos os pressupostos de que depende a imputação do crime de administração danosa p.e.p. no artigo 235.º, do CP e que todos os arguidos devem ser condenados em conformidade;
145. O crime de administração danosa, previsto no artigo 235.º, do Código Penal, representa uma forma qualificada do crime de infidelidade p.e.p. no artigo 224.º, do mesmo diploma
146. As condutas que integram o crime de administração danosa podem ser subsumíveis, na sua totalidade, no crime de infidelidade;
147. E só não o são de forma automática sem alteração não substancial de factos devido à divergência que existe relativamente ao tipo subjectivo, pois enquanto o artigo 224.º, do Código Penal, exige que a actuação do agente seja “intencional” – fazendo acrescidas exigências subjectivas de modo a limitar o número de situações abrangidas pelo referido preceito – o artigo 235.º do mesmo diploma adopta os critérios e os princípios gerais do dolo;
148. Caso falte algum dos fundamentos para a qualificação de uma determinada conduta como típica do crime de administração danosa, é comum aplicar-se o crime de infidelidade
149. Verificando-se, no caso concreto, a factualidade típica do crime de administração danosa (artigo 235.º, n.º 1) e do crime de infidelidade (artigo 224.º), estaremos perante um concurso aparente (especialidade), aplicando-se a pena prevista no artigo 235.º, n.º 1, do CP ou, ante esse concurso aparente, apesar da vinculação temática do tribunal, perante um caso de alteração substancial dos factos por mera desqualificação sem agravação;
150. No caso em presença, para além dos motivos já elencados em sede de recurso quanto à matéria de facto, apesar dos factos provados no acórdão sob os números 1 a 114 evidenciarem e integrarem, quer os pressupostos do crime de infidelidade, quer também os pressupostos do crime de administração danosa, foram todos os arguidos absolvidos, mas à luz da lei, não o poderiam ter sido;
151. Julgou-se inverificado o pressuposto do dano relevante quanto ao crime de administração danosa mas descurou-se totalmente e ao mesmo tempo, quer a hipótese de uma alteração não substancial dos factos quanto a eventual qualificação por crime de infidelidade, quer a hipótese de se extrair certidão para julgamento autónomo quanto a esse crime o que viola a lei, mormente o preceituado nos artigos 358.º e 359.º, do CPP, que foram nessa medida violados;
152. Ante os factos que resultaram provados nos pontos 1 a 114 dos autos que consubstanciam flagrante violação dos princípios e normas cooperativas, mesmo que se julgasse eventualmente inverificado algum requisito do crime de administração danosa sempre haveria que equacionar igualmente resposta perante tal factualidade sob a égide do crime de infidelidade p.e.p. pelo artigo 224.º, do Código Penal;
153. Para além de tudo o quanto se alegou em sede de recurso quanto à matéria de facto, perante a concreta factualidade dada como provada nos referidos pontos 1 a 114 existe, in casu, concurso aparente quanto ao crime p.e.p. pelo artigo 224.º, do Código Penal e quanto ao crime do artigo 235.º, n.º 1, do mesmo código;
154. Atendendo a que a desqualificação de crime de administração danosa e a subsequente imputação do crime de infidelidade não consubstanciaria verdadeiramente crime diverso mas antes o desagravamento dos limites máximos das sanções aplicáveis, nos termos do disposto nos artigos artigo 1.º, alínea f), 303.º, 358.º e 359.º, todos do Código de Processo Penal, deveria ter sido comunicada aos arguidos alteração não substancial dos factos com as legais consequências;
155. Em última instância, caso assim e não entendesse, sempre deveria ter sido comunicada aos arguidos alteração substancial dos factos na justa medida em que dispõe o artigo 359.º, n.º 1, do CPP que a eventual alteração substancial dos factos não implica extinção da instância e a pronúncia sobre factos não constantes da acusação ou pronúncia sempre ditaria a nulidade prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 379.º, do Código de Processo Penal ;
156. Por força da parte final do artigo 359.º, n.º 1, do CPP, o tribunal a quo não podia era ignorar que estaria perante factos com relevância penal apurados durante o julgamento e, por isso, o tribunal deixou de se pronunciar sobre questões de que deveria ter apreciado e incorreu em nulidade prevista na alínea c), do n.º 1, do artigo 379.º, do Código de Processo Penal que expressamente se argui ex vi do disposto no artigo 410.º do mesmo diploma legal;
157. A queixa apresentada pela assistente, pela cooperante Irmãos P., os factos apurados em audiência de discussão e julgamento impunham diferente qualificação do crime de informações falsas e a inerente alteração não substancial dessa qualificação ao abrigo do disposto nos artigos 358.º e 359.º, do CPP, mormente a qualificação que resulta do 4, do artigo 519.º, do CSC;
158. Realizada a audiência de discussão e julgamento, não podia o tribunal ignorar que se impunha in casu diferente qualificação da conduta dos arguidos que deveria ter sido promovida ao abrigo do disposto no artigo 358.º, n.os 1 e 3, do CPP, mas que não foi, mesmo depois de comprovadamente se encontrarem preenchidos os requisitos do n.º 4, do artigo 519.º, do CSC;
159. Ao não ter sido, o tribunal não se pronunciou sobre questões de que deveria ter tomado conhecimento e, nessa medida, o acórdão incorreu na nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do C.P.P. que expressamente se argui;
160. Na verdade, juridicamente relevante para efeitos da prescrição é a data da prática dos factos, a natureza do mesmos, a moldura penal abstracta máxima aplicável ou a pena concreta aplicada na sentença e não aquela que concreta está ínsita na acusação e ou pronúncia
161. Por isso, quanto a este crime de informação falsas, realizada a qualificação jurídica que se impõe ao abrigo do disposto no artigo 358.º, n.os 1 e 2, no caso sub judice, ao contrário do decidido no douto acórdão, deve aplicar-se o prazo de prescrição constante da alínea c), do n.º 1, do artigo 118.º, do Código Penal que foi, nessa medida, violado;
162. Julgando-se inverificada a prescrição devem ao arguidos Alfredo e Manuel ser condenados no crime de informações falsas e no PIC apresentado pela assistente em conformidade;
163. A afirmação insíta no acórdão de que os pedidos cíveis deduzidos nos autos por X, Crl., e Massa Falida de Sociedade Agrícola Irmãos P., Lda., se estribam apenas na comissão, pelos arguidos / demandados, do crime de administração danosa, p. e p. pelo art. 235º, n.º1, do CP, e na verificação de danos, pelo mesmo decorrentes, na respectivas esferas jurídicas, de cuja compensação são os mesmos responsáveis por força do disposto no art. 483º, n.º1, do CC” é completamente incorrecta e inverdadeira no que diz respeito à assistente aqui recorrente;
164. Integram a causa de pedir do PIC da assistente X, todos os factos alegados nessa peça processual, bem como os factos ínsitos na acusação que se deu nessa peça processual como reproduzida em nome do princípio da economia processual, e nos quais se incluem necessariamente os factos atinentes aos demais crimes perpetrados e objecto da mesma;
165. É falsa e descabida a consideração de que o PIC apresentou como única causa de pedir a comissão, pelos arguidos / demandados, do crime de administração danosa, p. e p. pelo art. 235º, n.º1, do CP;
166. Integrando a causa de pedir todos os factos ínsitos na acusação, teria o PIC de haver sido apreciado igualmente à luz da efectiva condenação das arguidas no crime de falsificação de documentos;
167. O caso reveste, ainda, especial acuidade, porque a dita falsificação de documentos teve comprovadamente influência, quer na obtenção dos prémios gratificações por parte das arguidas, quer no esconder e escamotear da real situação financeira e económica da assistente como resulta ex abundanti da matéria de facto dada como provada nos pontos 1 a 114 do acórdão;
168. Especificamente e ainda no âmbito restrito da falsificação, outra coisa não resulta dos factos dados como provados nos pontos 58 a 66 da matéria fática do acórdão na justa medida em que, como resulta do ponto 67, o resultado real da assistente no exercício de 2007 seria, de facto, de -432.038,05 € e em 2008 de -3.587.620,52;
169. Já em 2007, a cooperativa definhava de facto com resultados operacionais negativos que só nesse exercício ascenderam a -432.038,05 € e que tal facto real e inultrapassável foi escondido e escamoteado à Assembleia Gueral, aos Conselho Fiscal e aos Cooperadores como resulta da mera análise das contas desse exercício a fls. dos autos, bem como que a ulterior contabilização manual de notas de crédito, porque efectuada apenas em 2008, já não veio a influenciar, na prática, os resultados desse exercício;
170. A actuação dos arguidos quanto à falsificação das facturas, foi indubitavelmente ilícita e contra as regras enunciadas no artigos 2.º, 3.º 2.º Princípio – Gestão democrática pelos membros e 3.º Princípio - Participação económica dos membros e, nessa medida, nulas por referência ao artigos 7.º, n.º 1, do Código Cooperativo e 280.º, n.º 1, do Código Civil;
171. O acórdão agora recorrido, ao absolver as arguidas do PIC, violou nessa parte o estatuído nos citados artigos 2.º, 3.º 2.º Princípio – Gestão democrática pelos membros e 3.º Princípio - Participação económica dos membros e, nessa medida, nulas por referência ao artigos 7.º, n.º 1, do Código Cooperativo e 280.º, n.º 1, do Código Civil, porque acabou por não retirar ilação jurídica alguma do comportamento ilícito, doloso e criminal das mesmas;
172. Nesta matéria do PIC o acórdão recorrido violou, sobretudo, o disposto no artigo 483.º, do Código Civil, na justa medida em que todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual quanto às arguidas Emília e Maria se encontram devidamente plasmados nos pontos 1 a 114 da matéria fática dada como provada, com especial enfase nos pontos 58 a 67 da matéria dada como provada;
173. Os arguidos causaram na pessoa da requerente, a X, danos patrimoniais e não patrimoniais, ao agir propositadamente e com intenção de manipular os resultados contabilísticos anuais da Cooperativa, conseguindo assim benefícios para si próprios”, factos estes que resultam a saciedade provados nos pontos 58 a 67, 71, 87, 103, 108 a 114 da matéria dada como provada no acórdão;
174. Os arguidos provocaram lesões na requerente que a atingem no seu núcleo essencial, ou seja, no interesse da Cooperativa e dos seus cooperantes, ao longo dos anos de 2003 a 2008, os arguidos sempre agiram em detrimento do interesse da Cooperativa, beneficiando pessoalmente da gestão levada a cabo pela Directora Geral, pela Directora Administrativa e Financeira e pela própria Direcção.
175. Alegando mesmo e expressamente no artigo 57.º desse articulado que, nesse âmbito, para tanto contribui a atitude dos arguidos que “forjaram documentos”, induzindo propositadamente os membros da Cooperativa, mormente os membros da Conselho Fiscal, em erro”
176. A causa de pedir do PIC não se estribou apenas no crime de administração danosa mas se estribou em todo o comportamento dos arguidos;
177. Partindo de uma errada premissa, o Tribunal não tomou conhecimento do pedido de indemnização cível mas teria que o ter feito e, ao agir da forma descrita, incorreu em nulidade do Acórdão que expressamente se argui para todos os legais efeitos ex vi do disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 379.º, do Código de Processo Penal que expressamente se argui ex vi do disposto no artigo 410.º do mesmo diploma legal;
178. Em razão de tudo o que antecede deve o petitório cível ser obrigatoriamente apreciado pelo tribunal e as arguidas Maria e Emília condenadas em conformidade com a condenação pelo crime de falsificação de que foram objecto, tudo com as legais consequências;
179. Por último, para além disso, diga-se, também, em abono da verdade, que alterando-se o julgamento da matéria de facto ou alterando até e apenas a condenação dos arguidos nos termos alegados supra em consonância apenas com os pontos 1 a 114 dados como provados deverão igualmente ser todos os arguidos condenados em conformidade e o petitório cível ser procedente segundo juízos de equidade tal como foi requerido;
180. Não pode haver justiça com tantas incongruências e a decisão sub judice terá necessariamente que ser reapreciada.

Termos em que, … deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente,

a) julgarem-se verificadas as arguidas nulidades;
b) revogar-se a decisão recorrida e substituir-se a mesma por outra que altere os pontos dados como provados do douto acórdão em conformidade, com o supra mencionado;
c) revogar-se a decisão recorrida e substituir-se a mesma por outra que altere e dê como provados os pontos dados como não provados e omissos na acusação, pronúncia e pedido de indemnização cível deduzido pela aqui recorrente,
d) revogar-se a decisão recorrida e substituir-se a mesma por outra que condene os arguidos pelos crimes pelos quais vêm acusados na acusação/pronúncia mesmo que não ocorra qualquer alteração da matéria de facto na justa medida em que os factos dados como provados nos pontos 1 a 114 do acórdão impõe, por si, a condenação de todos os arguidos nos crimes que lhe foram imputados;
e) revogar-se a decisão recorrida e substituir-se a mesma por outra que condene os arguidos de acordo com o peticionado em sede de pedido de indemnização cível deduzido pela aqui recorrente;
f) revogar-se a decisão recorrida e substituir-se a mesma por outra que julgue inverificada a prescrição do crime de informações falsas;
g) subsidariamente, sendo assim ponderado, revogar-se a decisão recorrida e promover-se quantos aos arguidos alteração não substancial dos factos e condenação pelo crime de infidelidade nos termos em que se expuseram.

Também a arguida Maria S., não se conformando com o decidido, interpôs recurso delimitando o seu objecto com as seguintes conclusões:

1. A Arguida/Recorrente não aceita, não concorda e não se conforma com a condenação de que foi alvo referente ao crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º n.º 1, al. d) do CP/2007.
2. A Arguida/Recorrente viu ser-lhe imputada a prática de factualidade sobre a qual não tinha qualquer poder decisório ou de conformação, e acabou por ser condenada por factos que, pura e simplesmente, não praticou;
3. Os factos dados como provados na decisão são contraditórios ou conclusivos com imprecisões terminológicas, ilações tendenciosas, evidenciando-se patentes erros na apreciação da prova e uma clara insuficiência da matéria de facto provada.
4. O Acórdão padece de manifesta nulidade nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, pois o Tribunal “Ad quo” não se pronunciou sobre factos alegados pela Arguida na sua Contestação, e que se impunha que o tribunal averiguasse e aferisse.
5. A este respeito, referem-se os seguintes factos que foram alegados em sede de Contestação: “não era a Arguida quem realizava a contabilidade mas sim um técnico oficial de contas (TOC); “a arguida não dava ordens ao TOC; “as 28 facturas de revisões de preços foram contabilisticamente registadas, e “por um lado contabilizou-se o proveito das facturas, por outro lado constituiu-se a respectiva provisão, para anular os efeitos no resultado”;
6. A factualidade alegada pela Arguida/Recorrente não é “irrelevante para a decisão a proferir”, quando a sua condenação é fundamentada pelo Tribunal “Ad quo” da seguinte forma: a emissão das facturas tinha como objectivo “o incremento do volume de vendas e consequentemente a afectação dos resultados do exercício... de modo a obviar a existência de argumento que colocasse em causa o pagamento das retribuições”;
7. Para o tribunal poder concluir tal raciocínio de forma adequada e completa, impunha-se que averiguasse se quando se contabilizou o proveito das facturas por um lado, se constituiu a respectiva provisão por outro;
8. É que um movimento contabilístico anula o outro, e tal acontecendo, e tendo tal se verificado – como a Arguida alega – não existe qualquer afectação dos resultados do exercício;
9. É assim manifesto que a douta sentença, ao não ter conhecido da matéria alegada pela Arguida na sua Contestação, cometeu uma nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, c), do Código de Processo Penal;
10. Padece, também, a decisão de insuficiência para a decisão da matéria de facto provados nos termos do n.º 2 do artigo 410.º do CPP.
11. No que à prática do crime de falsificação respeita entendeu o tribunal “Ad quo”, com fundamento nos factos provados 58.º, 59.º, 62.º a 65.º da decisão, que as 28 facturas de correcção de preços tinham o objectivo de “incremento do volume de vendas e consequentemente, a afectação dos resultados do exercício”;
12. O tribunal “Ad quo” alicerça o seu raciocínio no facto provado 67.º, em que a correcção dos resultados líquidos referentes ao exercício de 2007 é feita pela simples subtracção aritmética do valor de €444.683,83 (valor das facturas) aos resultados operacionais;
13. Não obstante, esta análise não teve em consideração as provisões contabilísticas que foram criadas aquando da emissão das referidas facturas;
14. Para se conseguir saber o impacto que a emissão das facturas teve em termos de resultados operacionais e líquidos, teríamos que por um lado anular o proveito criado, e teríamos igualmente que anular a provisão criada em idêntico valor.
15. A Arguida em sede de Contestação alegou que aquando da emissão das 28 facturas, “se por um lado se contabilizou o proveito, por outro lado contabilizou-se a provisão”, o que significa que anulando as facturas, ter-se-á que anular o proveito e a provisão, e o impacto em termos de resultados é nulo.
16. Analisado o rol dos factos dados como provados, evidencia-se uma total omissão quanto à questão das provisões criadas aquando da emissão das facturas.
17. A falta de averiguação completa por parte do tribunal do impacto das facturas nos resultados, não autorizam a ilação jurídica criada pelo julgador de que houve intenção por parte das arguidas de manipular os resultados.
18. Tendo sido a emissão das facturas totalmente inócua para efeitos de resultados do exercício fica por preencher um elemento do tipo do crime de falsificação de documento: a intenção de obter benefício ilegítimo;
19. Nestes termos, por insuficiência da matéria de facto provada, e fazendo apelo ao princípio do “in dubio pro reu”, impõe-se a absolvição da Arguida/Recorrente no que respeita ao crime de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, al. d) do Código Penal/2007.
20. Entende, igualmente, a Arguida/Recorrente que resultam do seu teor da decisão erros notórios na apreciação da prova, que se impõe sanear;
21. O facto provado sob o ponto 57.º é incompatível quer com a demais matéria de facto provada, assim como com a fundamentação da mesma.
22. Não existe qualquer fundamentação que possa sustentar a participação ou interferência da Arguida na contabilidade da Assistente;
23. Lida e relida a motivação de facto do Tribunal “Ad quo” não se consegue perceber em que elementos se estriba o tribunal para afirmar que a Recorrente interferiu nas contas da Cooperativa desde o ano de 2003 até ao ano de 2007;
24. Não existe qualquer facto dado como provado que impute à Recorrente uma ingerência concreta nas contas da Cooperativa, nomeadamente, quer em termos de registo de operações ou em criação de documentos contabilísticos – nem sequer prova foi produzida nesse sentido.
25. Sendo patente o erro na apreciação da prova quando dá como provado o facto constante do artigo 57.º, na medida em que inexistem factos objectivos dados como provados donde derive uma manipulação de resultados, assim como, inexistem factos que apontem à Recorrente uma actuação no sentido de ingerência na contabilidade.
26. Igualmente o facto provado no Acórdão sob o número 67.º está ferido de vício de erro notório na apreciação da prova, pois para além de não ter em consideração as provisões que foram constituídas, também não pode o valor das facturas (444.683,83€) ser subtraído para além do exercício de 2007.
27. Tal operação é de todo ilógica e sem qualquer sentido, pois para além de desconsiderar o valor das provisões constituídas, retira aos resultados operacionais duas vezes o mesmo proveito.
28. O facto dado como provado no artigo 73.º do Acórdão é incompatível com os factos dados como provados nos artigos 7.º e 12.º, pois,
29. O “acordo” a que o Tribunal “Ad quo” se refere é aquele que consta melhor identificado no artigo 12.º dos factos dados como provados, aparentemente resultado de uma reunião havida em 25-06-2003 e intitulado de ACORDO” – Prémio Anual / Gratificação Ocasional para 2003”.
30. No entanto, a Recorrente não teve qualquer intervenção na reunião havida em 25-06-2003, como resulta aliás do facto dado como provado no n.º 12.º do Acórdão.
31. Desta feita, não faz sentido a apreciação do Tribunal “Ad quo” ao querer teletransportar a Recorrente na suposta celebração de um acordo, no âmbito do qual não teve qualquer participação.
32. Como é bom de ver, a conclusão do julgador vertida no artigo 73.º dos factos provados é contraditória com o que foi dado como provado no artigo 12.º, motivo pelo qual se impõe a sua alteração por padecer de claro vício de erro na apreciação da prova.
33. Resulta também manifesto o erro do tribunal “Ad quo” quando dá como provada a conclusão ínsita no artigo 90.º dos factos dados como provados.
34. Este facto encontra-se em manifesta contradição com os factos dados como não provados sob os artigos 24.º, 25.º e 26. do Acórdão sob censura.
35. Aquando da prestação de declarações, o Sr. Perito admitiu que na sua apreciação de resultados não ponderou o abatimento do valor das provisões criadas a propósito da contabilização das indemnizações, motivo e razão pela qual foram dados como não provados os factos 24, 25 e 26.
36. Assim sendo, é totalmente contraditória conclusão ínsita no artigo 90.º dos factos provados, devendo consequentemente o mesmo ser dado como não provado.
37. Para além dos apontados vícios de que a decisão sob censura notoriamente padece, não se conforma igualmente a Recorrente com os factos que foram dados como provados pelo Tribunal “Ad quo”.
38. Entende a Recorrente que foram incorrectamente julgados pelo Tribunal “Ad quo” os seguintes factos dados como provados: 62.º, 63.º, 65.º, 67.º, 108.º, 109.º, 111.º, e 112.º do Acórdão.
39. No que ao facto provado 62.º concerne, concretamente, à data provável de emissão de facturas fundou o tribunal a sua convicção no depoimento prestado pela testemunha Carlos – depoimento da testemunha prestado no dia 08/09/2015 de minutos 15 a 18 da gravação;
40. A testemunha em questão limitou-se a referir genericamente a data do mês de Fevereiro, não se percebendo como o Tribunal entendeu dar como provada “uma data não concretamente apurada, mas seguramente entre Fevereiro e Março de 2008.
41. Também sobre a provável data de emissão das facturas testemunhou Adelaide - Audiência de Julgamento realizada em 16-03-2015 a minutos 00:30 a 15:00 do seu depoimento – que referiu que as facturas tinham sido emitidas em Fevereiro de 2008.
42. Acresce que, encontram-se juntas aos autos as 28 facturas, numeradas de MC205402 a MC205429, (cfr. Fls. 8 a 35 do Apenso 1), as quais no canto inferior de cada uma delas, encontra-se explícita a data da sua emissão efetiva que é 11-02-2008.
43. Assim, fazendo a conjugação dos depoimentos das testemunhas Carlos e Adelaide com o teor das facturas juntas aos autos, deverá o facto 62.º da matéria provada ser alterado por manifesto erro na apreciação da matéria de facto dada como provada.
44. No que ao facto provado 63.º respeita, também não poderá a Recorrente aceitar a factualidade que o mesmo encerra, pois a Arguida/Recorrente no âmbito das funções que exercia como trabalhadora subordinada não tinha quaisquer poderes para determinar a emissão de facturas.
45. Tal decisão partiu de deliberação da direcção da Cooperativa! Veja-se a este respeito os documentos apensos aos Autos, por requerimento de 30 de outubro de 2016 da arguida Emília, mais concretamente, a Ata n.º 61 da Assembleia Geral da Cooperativa X, realizada aos 12 dias do mês de dezembro de 2007.
46. Da leitura da acta da Assembleia Geral levada a cabo em 12 de Dezembro de 2007, pode verificar-se que os cooperantes deliberaram sobre a prática do procedimento relativo a “acertos/aumentos de preços dos serviços prestados e dos fatores de produção fornecidos;
47. Foi com fundamento nesta deliberação que a Direcção determinou a correcção dos preços que haviam sido negociados, mediante compromisso de um pagamento imediato, quando da transação, pretendendo, por esta via, fazer a diferença entre os cumpridores e os “faltosos”, rol em que os próprios se incluíam por se encontrarem a avalisar pessoalmente as responsabilidades da Cooperativa.
48. Para além da Arguida não ter qualquer poder decisório quanto à emissão de facturas, certo é que também não teve qualquer participação na decisão de emitir as facturas relativas à “Rect./Actualização Preços – Outros” e /ou “Rect./Actualização Preços Rações”;
49. Faz-se apelo à totalidade da prova que foi produzida em audiência de julgamento, onde ninguém referiu que a Arguida/Recorrente tivesse poderes para ordenar a emissão de facturas.
50. É patente na prova recolhida que a Arguida/Recorrente tinha uma posição de subordinação relativamente à Direcção e também relativamente à Arguida Emília.
51. Não consegue, com o devido respeito, a Arguida/Recorrente perceber o raciocínio do tribunal “Ad quo” quando lhe imputa a prática de um facto, só porque a Arguida se limitou a transmitir uma ordem que lhe foi superiormente determinada.
52. Entendeu, erroneamente, o Tribunal que a decisão de elaboração das facturas partiu da Arguida/Recorrente na sequência do depoimento da testemunha Carlos que terá referido que elaborou as 28 facturas referentes à rectificação de preços no mês de Fevereiro seguinte à data do ano da data que constava das mesmas por ordem da aqui Arguida.
53. O Tribunal retira do depoimento da testemunha Carlos factos que ele não disse – oiça-se a este respeito o depoimento da testemunha Carlos em audiência de 08-09-2015 a minutos 15:00 a 20:00 da gravação – o qual referiu que a emissão de Faturas era um acto da sua competência e que emitiu as facturasem fevereiro do ano seguinte, ou seja, as faturas tinham data de 31 de dezembro e eu fiz essas faturas em meados de fevereiro”.
54. Sendo da competência da testemunha Carlos a emissão das facturas – e não da Arguida/Recorrente – em nenhum momento foi dito pela testemunha que a Arguida/Recorrente lhe deu indicações para fazer as facturas com data anterior à data em que elas foram emitidas.
55. A testemunha Carlos, pese embora ter referido que foi a arguida/Recorrente a dar-lhe indicações para emitir as facturas, nunca referiu quando é que esta ordem foi dada e que indicações lhe foram dadas!
56. É que, e como é bom de ver, tal indicação foi dada ainda durante o ano de 2007 e a testemunha por esquecimento ou em função da sua disponibilidade ou qualquer outro motivo, apenas emitiu as facturas posteriormente!
57. Não existe qualquer evidência – quer de ordem testemunhal como documental – que aponte que a Arguida/Recorrente tivesse dado uma instrução de facturação à testemunha Carlos à data de Fevereiro de 2008.
58. Em boa verdade, os elementos documentais que constam dos autos apontam para que a decisão e ordem de emissão das facturas tenha ocorrido ainda durante o ano de 2007, senão veja-se o teor da Acta número 61 da Assembleia Geral que constitui prova documental de que a prática do procedimento “acertos/correção de preços…”, se encontrava instituída e decidida pela direcção da cooperativa, conforme se refere na discussão do último ponto da ordem de trabalhos da Assembleia Geral em apreço – “Outros assuntos de interesse”.
59. É manifesta a precipitação do julgador “Ad quo”, quando entende ter havido uma intencional adulteração das datas das facturas, quando a testemunha onde fundamenta a sua convicção, nada refere quanto à data em que lhe foi dada a ordem para a emissão das facturas.
60. Também andou mal o Tribunal “Ad quo” ao concluir que as facturas foram emitidas “após o Técnico Oficial de Contas da X lhe ter dado a conhecer o balancete do ano anterior, o qual apresentava resultado líquido negativo, tendo as mesmas o intuito de tal resultado líquido passar a ser positivo...”
61. Desde logo, chama-se à atenção que este facto está redigido de forma confusa, não se percebendo a qual das arguidas se refere quando afirma “após o Técnico Oficial de Contas da X lhe ter dado a conhecer...”
62. A Arguida/Recorrente não teve conhecimento de qualquer balancete, no entanto, e mesmo que tivesse tido esse conhecimento, o certo é que a emissão das 28 facturas não teve qualquer impacto nos resultados líquidos apresentados pela cooperativa em 2007.
63. O lançamento das facturas não teve qualquer impacto em termos de resultados liquídos, pois se por um lado foi lançado o proveito, pelo outro lado foi lançado o custo, a provisão que anulou aqueles resultados.
64. Neste sentido, chama-se à colação o depoimento da testemunha J. M., o qual é trabalhador da YY Associados, SROC, S.A. e que na qualidade de trabalhador de tal instituição fez auditoria às contas da cooperativa entre 2005 a 2008. No que respeita às 28 facturas que foram emitidas, a testemunha esclareceu que a Direcção entendeu que, respeitando a aludida facturação a cooperantes não cumpridores, que deveriam reforçar-se provisões na sua medida, o que ocorreu e importou a não afectação dos resultados líquidos (cfr. Fundamentação matéria de facto).
65. Veja-se, a respeito deste tema, o depoimento da testemunha Dr. J. M. - Auditor Externo/ROC - em Audiência de julgamento de 30/05/2016, a minutos 32:00 a 41:00 da gravação: “A emissão das facturas não teve qualquer impacto em relação aos resultados líquidos da cooperativa porque a direção entendeu que uma vez tratando-se de cooperantes que já estavam a incumprir e como tal já lhes foi retirada a benesse do melhor preço entenderam por bem que já seriam cooperantes de risco e então reforçaram também as provisões, na mesma medida, aumentou o proveito aumentou o custo na mesma medida, não tem impacto”.
66. Além disso, resulta também claro deste depoimento que a emissão das facturas não teve qualquer influência na obtenção dos prémios e gratificações por parte das arguidas, pois o volume de vendas (20 milhões) já há muito se encontrava atingido.
67. A Arguida/Recorrente nunca interferiu na Contabilidade da Cooperativa, a qual tinha Técnico Oficial de Contas - Dr. José – e todos os movimentos contabilísticos eram por ele efetuados e da sua inteira responsabilidade técnica.
68. A Contabilidade da Cooperativa era Auditada desde 1995, por Auditores Externos da YY e, a partir de 2001, passou a ter também Certificação Legal de Contas, sendo o ROC – Revisor Oficial de Contas, o Dr. Jorge, em representação da YY. A Certificação garantia que as contas anuais, as demonstrações financeiras da Cooperativa, no período a que aludem os autos, evidenciavam de forma apropriada e verdadeira a realidade financeira e económica da Cooperativa.
69. Nestes termos, e tendo em conta as evidências quer de prova como de senso comum, impõe-se dar-se como não provado o facto constante do artigo 62.º da decisão sobre a matéria de facto provada.
70. O facto dado como provado no ponto 65.º é conclusivo e tendencioso, pois não existiu um único elemento probatório que apontasse alguma simulação ou irrazoabilidade na emissão das facturas de rectificação de preços.
71. A justificação e fundamento na emissão das facturas perpassou ao longo de toda a prova testemunhal produzida, nomeadamente, nos depoimentos das testemunhas Carlos, Adelaide e Dr. J. M..
72. O montante expresso nas facturas fazia parte do volume de negócios do ano de 2007, por se tratar de uma “correcção” ao valor de Vendas/ de transacções efetuadas a alguns Cooperadores, prevista quando da negociação.
73. Tais facturas tinham de ser emitidas no ano de 2007 por obediência ao princípio da especialização dos exercícios que determina que os proveitos e os custos sejam reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam.
74. As facturas de correcção de preços tinham de ser imputadas ao exercício de 2007 porque diziam respeito a transacções e proveitos ocorridos no ano de 2007.
75. Atento ao movimento de “acerto do valor de vendas” a que se reportam, se fosse elaborada e emitida no ano de 2008, estar-se-ia a prejudicar e a não respeitar o Princípio da Especialização (ou do acréscimo), previsto na alínea c) do n.º 4 do Plano Oficial de Contabilidade, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 410/89 de 21 de Novembro e vigente à data de 2007 e de 2008.
76. Se se facturasse no ano de 2008, a correcção devida pela transacção das rações e adubos, ocorridos no ano anterior de 2007, envolveria que em termos contabilísticos no ano de 2007 - aquele a que respeita a operação – se movimentasse a conta vendas - conta 71 - por contrapartida da conta de Acréscimos - conta 27 - e posteriormente, no ano de 2008, ter-se-ia que saldar a conta de Acréscimos por contrapartida da conta do Cooperador.
77. Em qualquer dos casos a conta Vendas, conta 71, teria que ser movimentada pelo valor das “RECT./ ACTUALIZAÇÕES PREÇOS-RACÕES ou OUTROS” que resulta do somatório das 28 Faturas, no ano de 2007.
78. O que significa que mesmo que se emitissem as 28 facturas ao ano de 2008, teria o mesmo reflexo em termos contabilísticos no ano de 2007!
79. Assim sendo, não existe qualquer anormalidade ou irrazoabilidade na facturação efectuada, sendo por isso totalmente falacioso o raciocínio do tribunal quando dá como provado que “valor do Volume de Negócios do ano de 2007 foi inflacionado em € 444.683,83”.
80. Motivo pelo qual deverá ser alterada a redacção deste artigo, devendo o mesmo passar a ter o seguinte teor: “O valor do Volume de Negócios do ano de 2007 aumentou € 444.683,83, pelo que retirando esta quantia o valor do mesmo seria de € 22.572.380,76 e não de € 23.017.064,59, conforme apurado pela X.”
81. Tendo em conta o que se alegou a respeito do impacto das facturas de correcção de preços nos resultados líquidos da Cooperativa, verifica-se que o quadro que integra o artigo 67.º incorre em manifesto erro, pois não teve em consideração as provisões que foram criadas!
82. Quando se emitiram as 28 Faturas de correcção de preços, no montante de 444.683,83€, em termos contabilísticos ocorreu o seguinte: o Volume de negócios, decorrente do aumento do volume de Vendas que é um proveito Operacional, teve um acréscimo de 444.683,83€.
83. Nesse mesmo ano, no encerramento das contas, a direcção deliberou Reforçar as Provisões para cobrança duvidosa, ou seja, levar à conta Ajustamentos o Valor de 565.605,26€, como facilmente se poderá constatar dos Modelos 22 e do Mapa de demonstrações de Resultados por Naturezas das contas do ano de 2007, que constam dos autos.
84. O quadro do artigo 67.º encontra-se errado, nas duas colunas relativas a 2007 e a 2008, intitulados “Retirados 444.683,83€”, pois tal análise não poderá ser efectuada pela forma simplista que aborda o tratamento contabilístico às facturas de correcção de preços.
85. Nestes termos, importará retirar dos factos provados o facto 67.º devendo o mesmo passar e ser considerado não provado.
86. No que ao facto provado 108.º respeita, é manifesta a sua falta de coerência, pois a Arguida nunca interferiu na Contabilidade da Cooperativa, a qual tinha Técnico Oficial de Contas - Dr. José – e todos os movimentos contabilísticos eram por ele efetuados e da sua inteira responsabilidade técnica.
87. Aliás, tal resulta das próprias declarações do TOC da Cooperativa à data dos factos – a testemunha José – que a este respeito afirma “que era a única pessoa na cooperativa a mexer nos registos contabilísticos da mesma, sendo que as arguidas não emitiam documentos de suporte contabilístico”. Oiça-se o depoimento desta testemunha prestado em 13-07-2015, a minutos 40:00 a 50:00 da gravação.
88. Sendo certo que, conforme já alegado, a relevação contabilística das facturas e notas de crédito não teve qualquer impacto nos Resultados da Cooperativa.
89. Assim sendo, impõe-se que se dê como não provado relativamente à arguida/recorrente o facto constante do ponto 108.º dos factos provados.
90. Também não se conforma a arguida com o facto dado como provado n.º 109.º, pois a arguida não tinha poderes de gestão.
91. Bastará uma singela análise da fundamentação de facto do tribunal “ad quo” para se verificar que nenhuma das testemunhas ouvidas apontou à Arguida/Recorrente o exercício de poderes de gestão, os quais cabiam à Direcção da Cooperativa.
92. Perante a total ausência de prova quanto aos factos que lhe são imputados, não pode aceitar a conclusão do tribunal “ad quo” ínsita no artigo 109.º, impondo-se que o mesmo seja dado como não provado.
93. Por último, tendo em conta tudo o quanto já se supra alegou quanto a esta matéria, quer por ausência de factos provados, quer fazendo apelo a parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência comum, terão igualmente quanto à arguida/recorrente que falir e ser dados como não provados os pontos 111.º e 112.º.
94. Nestes termos, impõe-se a alteração da resposta dada aos factos 62.º, 63.º, 65.º, 67.º, 108.º, 109.º, 111.º, e 112.º, e consequentemente, a absolvição da arguida quanto aos factos que lhe são imputados quanto à prática de um crime de falsificação de documento, p. e p., pelo artigo 256.º n.º 1, al. d) do CP/2007. Acresce que,
95. Analisando a prova produzida pelo tribunal “Ad quo”, a fundamentação de facto e a fundamentação de direito, entende-se que o julgador deveria ter ficado em estado de dúvida, e não ter decidido contra a Arguida no que ao crime de falsificação de documento respeita.
96. Não consta da matéria de facto em que data alegadamente a Arguida/Recorrente terá dado a ordem de emissão das facturas à testemunha Carlos;
97. Depois, também não consta da matéria de facto provada, nem tal foi dito pela testemunha, que a arguida deu indicações para a data das facturas ser anterior à data da respectiva emissão.
98. E, por fim, lida e relida toda a fundamentação da matéria de facto, não se entende como poderá ser atribuída à Arguida a co-autoria material da emissão de facturas, quando toda a prova em uníssono referiu que quem ordenava a emissão de facturas era a Arguida Emília em cumprimento das ordens da Direcção;
99. Feita uma análise global e conjugada de todos os elementos de prova recolhidos – concretamente documental – não se entende a decisão do tribunal “Ad quo” quando imputa à arguida/recorrente a prática de factos sem qualquer prova inequívoca ou, pelo menos, muito provável da sua autoria.
100. Mal andou o Tribunal, pois não tinha elementos de prova suficientes para fundamentar quer a autoria por parte da Arguida/Recorrente, quer a intenção de obter benefício ilegítimo, motivo pelo qual ao abrigo do princípio do “in dubio pro reu” se impunha, e impõe, a absolvição da Arguida quanto ao crime de que vinha acusada de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º n.º 1 alínea a) do Código Penal/2007;

Subsidiariamente,

101. Atendendo a todos os factos que abonam a favor da arguida/Recorrente, entende-se que o Tribunal onerou excessivamente a sua conduta, e se este Venerando Tribunal entender manter a condenação da arguida/recorrente, impor-se-á a alteração da pena aplicada, não devendo ser aplicada pena superior a 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de €5,00 (Cinco Euros), no valor total de €400,00 (quatrocentos Euros).
102. A decisão recorrida, viola, entre outros, os artigos 16.º n.º 1; 47.º n.º 1; 71.º n.º 1; 256.º n.º 1 al. d) do Código Penal, artigos 379.º n.º 1 e 410.º n.º 2 do Código de Processo Penal e artigos 20.º, 32.º e 53.º da CRP.

Por fim, insurgindo-se igualmente contra a decisão proferida, a arguida Emília interpôs recurso cujo objecto delimitou com as seguintes conclusões:

I. Salvo o devido respeito que nos merecem a opinião e a ciência jurídica dos Meritíssimos Juízes a quo, afigura-se à Recorrente que a douta decisão de fls. não poderá manter-se, na parte em que a condena na prática do tipo legal de crime p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal;
II. Na verdade, salvo melhor opinião, a decisão recorrida enferma de erro notório na apreciação da prova relativamente à matéria de facto dada como provada nos seus Pontos 58 a 67 (por decorrência lógica, também os pontos 108, 11 e 112);
III. Incorre, salvo melhor opinião, ainda, a decisão recorrida em errada aplicação do direito aos factos, preconizando uma solução jurídica que viola os preceitos legais e os princípios jurídicos aplicáveis, mormente o artigo 256.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, afigurando-se, por conseguinte, injusta e não rigorosa;

Senão vejamos:

IV. Não se conforma a Recorrente com o indicado segmento decisório propugnado na decisão recorrida, quando é certo que os factos dados como provados 58 a 67 que lhe servem de base (apesar de a decisão recorrida fazer somente expressa referência aos factos n.º 58, 62 e 63, como se lê expressamente na página 132 do acórdão sob censura) não dispõem de alicerce probatório que justifique a decisão tomada na decisão recorrida sobre esses mesmos enunciados factos;
V. Foi a fundamentação exarada nas págs. 116 e 117 da decisão recorrida, aquela que foi utilizada pelos MMos. Juízes a quo na decisão recorrida para darem como provados os factos aí alinhados sob os números 58 a 67 e que acima se transcreveram (por decorrência lógica, também os pontos 108, 11 e 112), os quais determinaram, a final, a condenação da Recorrente na prática do crime de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, muito embora apenas venham referidos os factos 58, 62 e 63, como aqueles em que estribou o Tribunal recorrido para fixar o segmento condenatório visado por este recurso (pág. 132 da decisão recorrida);

Ora:

VI. No que concerne ao considerado provado ponto de facto n.º 58, crê a Recorrente que corresponde à verdade fáctica;
VII. Efetivamente, como consta dos autos e cfr. fls. 8 a 35 constantes do Apenso 1 do processo, os serviços competentes da X emitiram 28 faturas, com data de 31 de dezembro de 2007, mediante deliberação da sua Direção, cujos dois dos três membros são arguidos nestes autos;
VIII. O requerimento de 30 de outubro de 2016 apresentado nos autos pela arguida Emília, foi instruído pelo Doc. 9, que corresponde a extrato da Ata n.º 61 da Assembleia Geral da Cooperativa X, realizada aos 12 dias do mês de dezembro de 2007, e da qual resulta a comprovação da prática do procedimento relativo a “acertos/aumentos de preços dos serviços prestados e dos fatores de produção fornecidos”, por ocasião da discussão do 3.º e último ponto da Convocatória – “OUTROS ASSUNTOS E INTERESSE”;
IX. Nesse 3.º ponto da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral de 12-12-2007 documentada em ata, é dado especial enfâse ao tema das Contas a Receber de Cooperadores, do seu montante global e dos Procedimentos e Penalizações em Prática para os mais atrasados, os mais “incumpridores” cooperadores;
X. A esses cooperadores mais “incumpridores”, a Direção já se havia dirigido para pressionar essas cobranças e, assim, tentar reduzir os prazos de concessão do crédito concedido, sendo que o procedimento de “acertos/aumentos de preços dos serviços prestados e dos fatores de produção fornecidos” que consta vertido nessa ATA da Assembleia Geral de 12-12-2017, deu origem ou refere-se, em concreto, às vinte e oito faturas com o descritivo: “RECT./ACTUALIZAÇÃO PREÇOS – RAÇÕES” ou “RECT. / ACTUALIZAÇÃO PREÇOS – OUTROS” (não se vislumbrando outras);
XI. Essas 28 faturas foram emitidas por ordem e determinação da Direção que, desta forma, procedeu à correção dos preços que haviam sido anteriormente negociados, mediante compromisso do pagamento pontual assumido pelos cooperadores adquirentes, aquando da transação, pretendendo, por esta via, estabelecer a diferença entre os cumpridores e os “faltosos”, rol em que os próprios se incluíam por se encontrarem a avalizar pessoalmente as responsabilidades da Cooperativa;
XII. No que respeita ao considerado provado ponto de facto n.º 59, não se provou que a Recorrente “mexia” na Contabilidade da Cooperativa;
XIII. A Cooperativa tinha um TOC – Técnico Oficial de Contas da Cooperativa -, à data, o Dr. José, pelo que o registo dos movimentos contabilísticos da Cooperativa e, naturalmente, também a emissão das 28 faturas em causa sempre lhe passaram pelas mãos e foram da sua responsabilidade;
XIV. Acresce que, a Contabilidade (as Contas) da Cooperativa era auditada desde 1995, por Auditores Externos da empresa YY e, a partir de 2001, incluindo o período a que aludem os autos, passou a ter também Certificação Legal de Contas, sendo o ROC – Revisor Oficial de Contas, o Dr. Jorge (testemunha nestes autos), em representação da YY;
XV. Desta forma, era garantida à Direção da Cooperativa que as Contas Anuais, as Demonstrações Financeiras da Cooperativa evidenciavam de forma apropriada e verdadeira a realidade financeira e económica da Cooperativa, como sempre reportaram e evidenciaram os seus Relatórios de Auditoria e de Certificação Legal de Contas Anuais;
XVI. No que se relaciona com o considerado provado ponto de facto n.º 60, corresponde à verdade que a Direção da Cooperativa em funções, à data de 30-12-2008 (a mesma que esteve no exercício do cargo durante todo o período a que se reporta a acusação/pronúncia), entendeu deliberar, em reunião do órgão de Direção, no sentido de mandar creditar todas as vinte e oito faturas de fls. 8 a 35 do Apenso 1 a estes autos, com a descriminação de “RECT./ACTUALIZAÇÃO PREÇOS-RAÇÕES” e de “RECT./ACTUALIZAÇÃO PREÇOS-OUTROS”, conforme os termos do 1.º parágrafo desta sua deliberação (patente em fls. 47 do Apenso 1) que, textualmente e seguidamente se transcreve: “(…) deliberou anular, por Nota de Crédito, a todos os cooperadores, o débito efetuado com a discriminação de “atualização/correção de Preços’”. (negrito nosso);
XVII. Acresce que neste mesmo documento junto aos autos (Cfr. fls. 47 do Apenso 1), precisamente no seu 2.º parágrafo, a direção da cooperativa fez constar a razão desta sua deliberação, conforme seguidamente e textualmente se transcreve: A presente deliberação deve-se ao facto de a Direção ter em consideração as dificuldades sentidas pela Empresa Agrícola e pretender, desta forma, contribuir para “aliviar” os seus débitos.” (negrito e sublinhado nosso);
XVIII. Este 2.º parágrafo que acabamos de, textualmente transcrever do documento apenso aos autos a fls. 47 do Apenso 1, justifica e explicita a razão desta deliberação da direção da cooperativa, tomada a 30-12-2008;
XIX. Todavia, não se vê essa objetiva e expressa razão transcrita para este ponto 60 do acórdão recorrido, que é dado como facto provado, e aqui em apreço, sendo certo e inquestionável que o conteúdo do 2.º parágrafo dessa deliberação da Direção é de fundamental importância para a apreciação dos Factos a que aludem o presente Processo, não deixando qualquer margem para toda a especulação gerada no teor do Relatório Pericial (cfr. Páginas 45, 46 e 47) e da própria Acusação e Despacho de Pronúncia;
XX. Desta deliberação da direção, no seu 3.º e último parágrafo, consta ainda, como textualmente se transcreve; “(…) que a presente anulação/Nota de Crédito será efetuada por contrapartida de Provisões/Ajustamentos” (conforme fls. 47 do Apenso 1),”;
XXI. Caso a presente deliberação, constante do anterior parágrafo transcrito do documento que a suporta, tenha sido cumprida, terá sido refletido nas Contas do ano de 2008, embora eventualmente registado já no decurso do ano de 2009 (quando os arguidos não se encontravam já na cooperativa);
XXII. O impacto de tal movimento nas contas da Cooperativa do ano de 2008, concretamente nos seus RESULTADOS OPERACIONAIS e RESULTADOS LÍQUIDOS foi necessariamente neutro/nulo, porque a redução do Proveito Operacional provocado pela emissão da Nota de Crédito é anulado/”compensado” pela Reversão de Ajustamentos (provisões) no mesmo exato valor, tal como, de resto, vem afirmado no ponto número 61 dos Factos Provados do Acórdão recorrido;
XXIII. Do conteúdo de tal facto, encontra-se explicitados quais os movimentos contabilísticos registados, o que confirma o que se afirmou quanto à ausência de qualquer impacto nos Resultados da Cooperativa;
XXIV. No que concerne ao considerado provado ponto de facto n.º 61, como já supra referido, a Recorrente não “mexia” na contabilidade da Cooperativa, aqui se reafirmando que a Cooperativa tinha um Técnico Oficial de Contas da Cooperativa, à data, o Dr. José, pelo que os movimentos contabilísticos supra indicados foram da sua responsabilidade;
XXV. Acresce que, a Contabilidade da Cooperativa era auditada desde 1995, por auditores Externos da YY e, a partir de 2001, passou a ter também Certificação Legal de Contas, sendo o ROC – Revisor Oficial de Contas, o Dr. Jorge, testemunha nos autos, em representação da YY;
XXVI. Desta forma, era garantido que as contas e as demonstrações financeiras da Cooperativa, no período a que aludem os autos, evidenciavam de forma apropriada e verdadeira a realidade financeira e económica da Cooperativa;
XXVII. Refira-se, por fim, que a movimentação contabilística aqui referida, traduz a instrução dada pela direção da cooperativa na sua deliberação de 30-12-2008 (cfr. fls, 47 do Apenso 1) e que desta movimentação Contabilística, cumprirá afirmar que não decorreu qualquer impacto nas Contas do ano em presença, isto é, quer nos seus RESULTADOS OPERACIONAIS, quer nos seus RESULTADOS LÍQUIDOS o impacto foi neutro/nulo, porque a redução do Proveito Operacional provocado pela emissão da Nota de Crédito é anulado/”compensado” pela Reversão de Ajustamentos (Provisões) no mesmo valor, conforme já supra referido;
XXVIII. No que concerne ao considerado provado ponto de facto n.º 62, impõe-se voltar a sublinhar, em primeiro lugar, que a nenhum dos arguidos e, logo igualmente também a Recorrente, “mexiam” na Contabilidade da Cooperativa, reafirmando-se que a Cooperativa tinha um TOC – Técnico Oficial de Contas da Cooperativa, à data, o Dr. José, pelo que os movimentos contabilísticos eram por si efetuados e da sua inteira responsabilidade técnica, naturalmente obedecendo às ordens e instruções provenientes da Direção que podiam e eram muitas vezes intermediadas pela aqui Recorrente (que, por sua vez, as recebia de cima, isto é, da Direção), no exercício do cargo de Diretora-Geral da Cooperativa;
XXIX. Por se afigurar importante, uma vez mais, se acrescenta que, a Contabilidade da cooperativa era auditada desde 1995, por Auditores Externos da YY e, a partir de 2001, passou a ter também Certificação Legal de Contas, sendo o ROC – Revisor Oficial de Contas, o Dr. Jorge, testemunha nos autos, em representação da YY;
XXX. Desta forma, era garantido que as contas anuais, as demonstrações financeiras da Cooperativa, no período a que aludem os autos, evidenciavam de forma apropriada e verdadeira a realidade financeira e económica da Cooperativa;
XXXI. Não competia às atribuições e competências da aqui Recorrente a decisão de emissão de Faturas, não lhe cabendo, consequentemente, a responsabilidade da data em que tal veio efetivamente a ocorrer, até porque não existe nos autos qualquer evidência probatória que comprove que aquela tivesse, sem instruções e ordens prévias provenientes da Direção, dado uma instrução de faturação ao Eng.º Informático Carlos à data de fevereiro de 2008;
XXXII. Na realidade, o que é factual e consta dos autos - por via de requerimento dirigido aos autos em 30-10-2016 pela aqui Recorrente, cfr. Doc.9 que o instruiu e que se referencia a cópia integral da ATA número 61 de Assembleia Geral da Cooperativa X, realizada a 12-12-2007 -, é a prova documental de que a prática do procedimento “acertos/correção de preços…”, se encontrava já estava prevista e decidida pela Direção da Cooperativa, algum tempo antes da emissão efetiva dessa faturação, conforme se refere na discussão do último ponto da ordem de trabalhos da Assembleia-Geral em apreço – “Outros assuntos de interesse”, cuja transcrição acima se efetuou já;
XXXIII. Note-se que, esta Assembleia-Geral, convocada nos precisos termos previstos estatutariamente, para reunir em sessão ordinária no dia 12-12-2007, teve como ponto principal da sua Ordem de Trabalhos a “Apresentação, Discussão e Votação do Plano de Atividades e do Orçamento para o Ano de 2008”;
XXXIV. Note-se, ainda, que nenhum Plano de Atividades e Orçamento para o futuro, pode/deve ser elaborado sem que o balanço do ano que o antecede seja efetuado e, consequentemente, à data, já era conhecida pela Direção que a prática do procedimento “acertos/correção de preços…” teria que ser aplicada a alguns dos Cooperadores, como consta da ata em referência;
XXXV. Importa sublinhar que a emissão de Faturas e no caso em apreço era da competência do trabalhador Carlos (Eng.º informático), conforme o próprio afirmou perante o Tribunal, no seu depoimento em Audiência de julgamento do dia 08-09-2015, a instâncias do Dr. J. C., Advogado da Assistente Cooperativa X, onde aquele era trabalhador por conta de outrem;
XXXVI. O identificado funcionário da cooperativa e a aqui Recorrente limitavam-se a cumprir ordens e determinações provenientes da Direção;
XXXVII. A testemunha Carlos, funcionário da Cooperativa, à data dos factos e até aos dias de hoje, afirmou perante o Tribunal, a instâncias do mandatário judicial da assistente Cooperativa, sua entidade patronal, que “SIM, FOI ELE QUEM EXECUTOU, FOI ELE QUEM FEZ AS FATURAS.”;
XXXVIII. Também a Instâncias do Advogado da Cooperativa, sua entidade patronal, prosseguiu essa testemunha afirmando que: “FEZ AS FATURAS EM FEVEREIRO DO ANO SEGUINTE (de 2008). QUE AS FATURAS TINHAM DATA DE 31 DE DEZEMBRO DE 2007, MAS QUE ELE AS FEZ EM MEADOS DE FEVEREIRO,
XXXIX. De seguida, perante uma pergunta do mesmo mandatário judicial da sua entidade patronal, quando este lhe coloca uma questão que refere o IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado), a testemunha afirma que: “DESCONHECE QUESTÕES LEGAIS.”
XL. Ainda, retirado do extrato da transcrição feita do depoimento da testemunha Carlos na motivação de recurso, em resposta à pergunta do mandatário judicial da assistente Cooperativa, sua entidade patronal, sobre quem mandou fazer a Faturação, decorre que ele não sabe, ou pelo menos, não tem a certeza sobre quem lhe deu a instrução para efetuar a Faturação pelo que refere como, de novo, transcrevemos: “ … JULGO QUE A DRA. MARIA.”;
XLI. Essa resposta torna-se ainda mais estranha quando verificamos que duas semanas após, na continuação do seu depoimento, em audiência de julgamento realizada em 29-09-2015, a instâncias do aqui signatário, tenha afirmado que: “quem me deu a instrução foi a Dra. Maria…” mas, “não foi por escrito”, afirmou essa testemunha.
XLII. Aqui chegados, pergunta-se: como é que é possível a instrução não ter sido dada em suporte escrito?
É que:
XLIII. Por um lado, dos mais de 3 mil cooperadores, apenas 28 cooperadores foram “alvo” desta faturação, relativa a “Acertos/Correção de Preços…”;
XLIV. Como é que testemunha Carlos teria sido capaz de faturar sem que lhe tivesse sido facultada uma listagem dos Cooperadores em causa?;
XLV. E, por outro lado, tendo a vista a natureza da faturação em apreço, determinada em função do volume de Rações e/ou Adubos que cada um daqueles 28 Cooperadores transacionou com a Cooperativa no ano de 2007, como poderia a testemunha ter faturado sem uma informação precisa e por escrito?
XLVI. Finalmente e denunciando a já apontada confusão e/ou não conformidade no depoimento da testemunha, por um lado no seu depoimento a 08/09/2015, a instâncias do mandatário judicial da Cooperativa, a testemunha Carlos diz: “Deu-me as indicações. Aliás na altura, as indicações até do próprio código e da descrição do código foram-me transmitidas, que eu não sabia exatamente o que é que tinha que parametrizar e na altura também fiquei com a impressão que seria por instruções também da YY sobre o tipo de código a utilizar da descrição ao próprio...”
XLVII. Por outro lado, duas semanas após, na sessão de audiência de julgamento seguinte, em depoimento e quando inquirido sobre o mesmo assunto a instâncias do signatário, disse: “Não, não foi por escrito havia uma serie de dúvidas inclusive no que é que a própria descrição do artigo teria e julgo que também tenha falado devo ter falado na altura com a Dra. Emília sobre este assunto.” As respostas não são convergentes. Ora é a YY que é convocada para definir o código do artigo… ora até “julga que também deve ter falado com a Dra. Emília”…;
XLVIII. Em conclusão, tendo a testemunha Carlos, Eng.º Informático, funcionário da Cooperativa à data a que aludem os autos e até aos dias de hoje, declarado perante o Tribunal recorrido a instâncias do mandatário judicial da Cooperativa, sua entidade patronal, o seguinte:

a) TER SIDO ELE QUEM EXECUTOU A FATURAÇÃO; b) QUE A EXECUTOU EM MEADOS DE FEVEREIRO DE 2008, MAS COM DATA DE 31-12-2007; c) QUE JULGA TER SIDO A DRA. MARIA QUE O MANDOU FAZER, além das restantes divergências nas suas repostas, numa e na outra data em que foi ouvido em audiência de julgamento, salvo o devido respeito, mal se compreende como pode o Tribunal ter dado como provado, no ponto número 62 dos Factos Provados da decisão recorrida, o que textualmente aí se lê e aqui se transcreve:

Acresce que, as referidas faturas relativas a “Rect./Actualização Preços – Outros” e/ou “Rect./Atualização Preços Rações” foram elaboradas em data não concretamente apurada, mas, seguramente, entre Fevereiro e Março de 2008, apesar de nelas constar a data de 31.12.2007.” (Negrito e sublinhado nosso);
XLIX. É que: somente em relação à passagem sublinhada: foram elaboradas em data não concretamente apurada, mas, seguramente, entre Fevereiro e Março de 2008,…”, a testemunha que as executou começa por referir genericamente a data do mês de fevereiro, depois na mesma resposta concretiza, referindo-se à data em meados do mês de fevereiro, sendo que, não obstante, o ponto 62 dos Factos Dados Como Provados pelo acórdão recorrido em apreço, apura/assume como verdadeira/provada: uma data não concretamente apurada, mas, seguramente, entre Fevereiro e Março de 2008?;
L. Salvo sempre o devido respeito pelo Tribunal recorrido, pior se compreende, ainda, quanto a semelhante conclusão, quando, além da prova testemunhal, ou seja, do afirmado pela testemunha que, não ultrapassa a data de meados de Fevereiro, se encontram no processo, apenso aos autos as cópias das 28 Faturas em causa, numeradas de MC205402 a MC205429, (cfr. Fls. 8 a 35 do Apenso 1), tal referido no ponto 58 dos Factos Dados como Provados da decisão recorrida, sendo que no canto inferior esquerdo de cada uma destas Faturas se encontra explícita a data da sua emissão efetiva que é 11-02-2008;
LI. Acresce que para além desta mais que evidente prova sobre a data da emissão das faturas e a sua localização e evidência, inscrita nas próprias faturas, está também expressa nos autos no depoimento tomado à Testemunha José, TOC da Cooperativa, à data de 14-06-2011 pelo Inspetor da PJ Jorge A. a linhas 91 a 98, cfr. Fls 233 do 1.º Volume;
LII. Crê-se, pois, mais do que suficientemente demonstrado que: a) a data de emissão das Faturas, datadas de 31-12-2007, numeradas de MC205402 a MC205429, (cfr. Fls. 8 a 35 do Apenso 1), ocorreu a 11-02-2008; e b)) estas foram elaboradas pelo Eng.º Informático Carlos, funcionário da Cooperativa;
LIII. Assim e salvo o devido respeito, mal se compreende, pois, como o Tribunal recorrido faz referência no facto provado em apreciação ao mês de março como oportunidade possível para a emissão das faturas de fls. 8 a 35 do Apenso 1;
LIV. Face ao exposto, qual o porquê dessa data?;
LV. A testemunha Carlos, Eng.º Informático, tinha algumas tarefas, de índole administrativa, a seu cargo e da sua responsabilidade, sendo o próprio quem direta e pessoalmente geria os timings de execução de cada uma delas, conhecendo e respeitando a “margem de tempo” que, em cada caso, tinha para o efeito;
LVI. Concretamente, em matéria de faturação, de acordo com o procedimento contabilístico do TOC da Cooperativa, que fechava cada mês na data de apuramento e envio da Declaração do IVA mensal do mês em causa, a testemunha Carlos, de há muito responsável pela elaboração e emissão das Faturas, apesar de se dizer “desconhecedor de questões legais”, naturalmente, era conhecedor deste procedimento e do prazo legal que tinha que ser observado, sendo certo que teria sempre que efetuar a emissão das faturas que lhe competiam, respeitando a data limite do Apuramento e Envio da Declaração do IVA do mês a que as Faturas dissessem respeito;
LVII. Assim, relativamente às 28 Faturas de “RECT./ACTUALIZAÇÃO PREÇOS-RAÇÕES” e “RECT./ACTUALIZAÇÃO PREÇOS-OUTROS”, apesar de não estar absolutamente certo da realidade, pois começando por afirmar que “JULGA ter sido a Dra. Maria” quem lhe deu instruções para levar a cabo esta Faturação relativa ao mês de dezembro de 2007 e, duas semanas depois já afirmar que foi a Dra. Maria e, de seguida, a YY também e é parte do assunto que ela “julga” ter falado com a Dra. Emília, aqui Recorrente….;
LVIII. Independentemente de quem, de facto lhe tenha passado a informação, indiscutível é que a mesma proveio da Direção, e que a testemunha Carlos, sabia que poderia efetuar e emitir as Faturas até ao dia 11 de fevereiro de 2008, data de envio/entrega da Declaração do IVA do mês de dezembro de 2007, por o dia 10-02-2008 ter sido um domingo;
LIX. Como efetivamente aconteceu, sem que deste facto tivesse resultado qualquer prejuízo quer para a Cooperativa, quer para os Cooperadores, quer até para o Próprio Estado, porquanto é indubitável que a data da emissão das Faturas respeitou a Entrega da Declaração do IVA mensal do mês de dezembro de 2007, tendo a receita fiscal correspondente sido arrecadada pelo Estado no prazo devido;
LX. Ademais, os factos trazidos ao processo por via da ATA número 61 de 12-12-2007, onde a questão das Faturas de “Acertos/Correção de Preços….” é expressamente referida, salvo melhor opinião, faz a prova de que a sua elaboração estava já determinada pela direção da Cooperativa, mesmo antes do final do ano de 2007;
LXI. E, para corroborar o contido na supra identificada prova documental, afigura-se essencial o depoimento da testemunha Dr. José, TOC da Cooperativa, tomado a 14-06-2011 pelo Inspetor da PJ Jorge A.;
LXII. A testemunha, além de concretizar a data da emissão das Faturas de “RECT./ACTUALIZAÇÃO PREÇOS-RAÇÕES e OUTROS”, ocorrida a 11-02-2008, que efetivamente nelas consta expressamente, como se comprova pelas cópias destes 28 documentos apensos aos autos (cfr. Fls. 8 a 35 do Apenso 1), acrescenta informação que se crê ser da maior relevância para o apuramento da verdade dos factos, nomeadamente o que se encontra a fls. 233, onde concreta e efetivamente é questionada sobre a matéria em apreço, a linhas 91 e seguintes, até 98;
LXIII. Dessas declarações do TOC da Cooperativa, com total verdade e segurança se conclui que as Faturas em causa, apesar de emitidas em 11-02-2008, haviam já sido “abertas”, ainda, em 2007, sem o que não seria possível, à data da sua emissão, serem datadas de 31-12-2007;
LXIV. O Administrador do Sistema informático era a testemunha Carlos que, também procedeu à elaboração e Emissão das Faturas, como ele próprio confessa, decorrendo provado que quem “abriu” estes documentos no sistema informático, ainda em dezembro de 2007, foi a testemunha Carlos que, para o efeito, teve conhecimento desta Faturação ainda no ano de 2007;
LXV. De outra forma, nunca seria possível, à data de 11-02-2008, datar as Faturas com a data de 31-12-2007, como efetivamente aconteceu;
LXVI. Trata-se de uma realidade que tem exclusivamente a ver com as funcionalidades e com a segurança próprias do um Sistema Informático, neste caso o Sistema Informático em uso na Cooperativa – AS 400 da IBM;
LXVII. Note-se, por outro lado, que quando a testemunha refere” o sistema contabilístico em uso na X não permite a manipulação da data” está a referir-se, abreviadamente, ao sistema informático da Cooperativa onde eram efetuados todos os registos contabilísticos desta;
LXVIII. Deste modo, efetivamente, do conjunto de factos apresentados e supra enunciados resulta que a data de elaboração/emissão das Faturas em causa está provada nos autos, nas cópias das próprias faturas e que foi a 11-02-2008, sendo que a sua emissão foi da responsabilidade da testemunha Carlos, que as fez, em função da sua disponibilidade e face às demais tarefas que tinha que executar, tendo, todavia, ficado já definida e ter sido do seu conhecimento esta faturação em dezembro de 2007, dadas as funções de Eng.º Informático e Administrador do Sistema Informático que à data detinha na Cooperativa,
LXIX. Em consequência do que se deixou exposto, fica, salvo melhor opinião, absolutamente comprometido o Ponto 62 dos Factos dados como Provados da decisão recorrida;
LXX. Ainda sobre a questão da data da elaboração das Faturas, transcreveu-se na motivação de recurso, passagens do depoimento da testemunha Adelaide, em Audiência de Julgamento realizada em 16-03-2015;
LXXI. O depoimento dessa testemunha em Tribunal é, no referido ponto, perfeitamente congruente com o da testemunha Carlos e/ou vice-versa, pois ambos mencionam a data de Fevereiro de 2008 e a de meados de Fevereiro, referindo, ainda, a testemunha Adelaide que não sabe precisar, sem que, no entanto, se iniba de afirmar que ela e o Carlos foram verificar no sistema informático a data exata da elaboração/emissão das referidas faturas, afinal inscrita expressamente nas próprias Faturas: 11-02-2008;
LXXII. Deve, pois, ser revogado o ponto de facto n.º 62 dos factos provados na decisão recorrida, em conformidade com quanto se expôs supra a respeito deste facto;
LXXIII. No que concerne ao considerado provado ponto de facto n.º 63, salvo o devido respeito, afigura-se à Recorrente inexplicável como pode ter sido dado como provado o enunciado facto, em face da manifesta inexistência de fundamentação probatória em que assenta e a total omissão de suporte probatório existente entre o facto até “…o qual apresentava resultado liquido negativo” e o pretenso nexo de causalidade imputado à Recorrente entre esse facto e o invocado suposto objetivo representado por si representado, na parte em que nele se lê “…com o intuito de tal resultado liquido passar a ser positivo…” ;
LXXIV. Uma vez mais, salvo o devido respeito, ao ter sido dado como provado o indicado ponto de facto n.º 63, mostra-se distorcida e ignorada a realidade probatória produzida em audiência de julgamento e que resulta documentalmente dos autos,
LXXV. Com efeito e salvo melhor opinião, o Tribunal recorrido deu como provado este facto, desprovido de qualquer produção de prova que o fundamente, extraindo uma conclusão aligeirada e inconsequente, absolutamente subtraída ao aqui inaplicável juízo de normalidade e das regras do normal acontecer, conceitos gerais invocados fundamentação da decisão recorrida,
LXXVI. Efetivamente, o adquirido probatório infirma sem margem para dúvida o que no referido ponto n.º 63 do Acórdão recorrido é dado como provado,
LXXVII. Sobre a matéria da Faturação relativa “RECT./ACTUALIZAÇÃO PREÇOS— RAÇÕES ou OUTROS”, datada de 31-12-2007, a testemunha Dr. José, o TOC da Cooperativa, refere a fls. 233 e 234, do 1.º Volume, a linhas 102 a 104 o seguinte: “Sobre as revisões de preços em causa é um procedimento de natureza excecional, tendo-lhe sido dito pela Emília que estas correções estavam relacionadas com plafonds não atingidos por parte dos clientes.”;
LXXVIII. Daqui decorrendo explicitamente, e independentemente de esta afirmação, quanto à alegada explicação dada pela Emília, corresponder ou não à verdade dos Factos, que o TOC tinha como certo a existência de um racional subjacente à emissão das 28 faturas em causa, não existindo qualquer ligação entre os balancetes dos anos anteriores e os resultados negativos, como erradamente é dado como provado no ponto 63 do acórdão recorrido;
LXXIX. Mais: a indicada testemunha concretiza qual a data da emissão das faturas de “RECT./ACTUALIZAÇÃO PREÇOS-RAÇÕES e OUTROS”: 11-02-2008;
LXXX. Efetivamente dessas 28 faturas juntas aos autos resulta expressamente a referida data de emissão (cfr. Fls. 8 a 35 do Apenso 1), sendo que a fls. 233, onde concreta e efetivamente é questionada a testemunha sobre a matéria em apreço, a linhas 91 e seguintes, até 98 o declara, como se transcreve: “ Perguntado sobre os procedimentos que rodearam as revisões de preços, documentadas através de documentos juntos a fls 8 a 35 do Apenso 1, o depoente responde que o sistema contabilístico em uso na X não permite a manipulação da data em que é datado o documento. No entanto era possível, numa dada data abrir um documento sem a correspondente emissão, permitindo o seu preenchimento posterior. Que não foi o depoente que as emitiu, mas que verifica que, embora datadas de 31/12/2007, foram emitidas em 11/02/2008, cfr. Data aposta no canto inferior esquerdo de cada um dos documentos.” (sublinhado e negrito nossos);
LXXXI. Ora, em nenhum momento, em nenhuma palavra ou expressão deste depoimento é referenciado pela testemunha, o TOC da Cooperativa, que ele tenha apresentado algum balancete do ano anterior espelhando resultados negativos, antes pelo contrário, ele dá uma explicação para esta faturação que alega, à data, ter-lhe sido dada e, além de confirmar/comprovar que a sua emissão veio a ocorrer em 11-02-2008, como já se verificou e comprovou;
LXXXII. Ademais, acrescenta e esclarece que, para tal ser possível, os documentos em causa tiveram que ser “abertos” ainda no ano de 2007, ou a data de 31-12-2007, nunca poderia constar num documento emitido em data posterior e, concretamente, em 11-02-2008. Ou seja, nos 28 documentos, nas 28 faturas aqui em causa, nunca lhes poderia ter sido aposta a data de 31-12-2007, em 11-02-2008 quando ocorreu a sua emissão, caso estes documentos não tivessem sido já “abertos”, ficando apenas por preencher, em dezembro de 2007;
LXXXIII. O referido meio de prova, por si só, infirma o conteúdo do ponto 63 do acórdão recorrido dos factos dados como provados;
LXXXIV. Aliás e a este propósito das faturas de revisão de preços, registe-se o que a mesma testemunha José, TOC da Cooperativa, declarou em audiência de julgamento e se mostra escrito na fundamentação da decisão recorrida (páginas 98, 99 e 100 da decisão recorrida);
LXXXV. Isto é: as transcritas passagens da fundamentação da decisão recorrida feitas na motivação de recurso, com relação ao depoimento da identificada testemunha, impossibilitam, por si só, a prova do ponto de facto n.º 63;

Com efeito:
LXXXVI. A decisão e ordem para a emissão dessas 28 faturas não pertenceu à Recorrente, mas sim à Direção da Cooperativa, limitando-se aquela ou a Dra. Maria a transmitir ao funcionário encarregue pela emissão dessas faturas, as instruções e ordens que recebeu da Direção, tal como se provou, de resto, na decisão recorrida em muitos outros pontos de facto (tendo sido dados como não provados todos os factos contrários que vinham imputados nos despachos de acusação e pronúncia);
LXXXVII. As contas da cooperativa sempre foram fechadas até Maio do ano seguinte a que respeita o exercício;
LXXXVIII. nenhuma correlação existiu entre os resultados negativos provisoriamente apurados no exercício de 2007 e a ordem dada pela Direção para a emissão das faturas de fls. 8 a 35 do Apenso 1;
LXXXIX. Outra fundamentação existe na decisão recorrida que, por si só, inviabiliza, salvo melhor opinião, a decisão proferida sobre os referidos pontos de facto (devidamente transcrita na motivação de recurso) e, sobretudo, o segmento condenatório fixado na decisão recorrida;
XC. Verifica-se que as passagens transcritas sublinhadas e a negrito feitas na motivação de recurso, que resultam da fundamentação da decisão recorrida contrariam, por si só, de forma insanável a decisão sobre a matéria de facto dada a propósito do facto n.º 63 dado como provado;
XCI. É, portanto, a própria fundamentação transcrita que se encarrega de impossibilitar o segmento condenatório proferido contra a Recorrente, porquanto “não sendo se excluir, de acordo com critérios de normalidade, a possibilidade de os membros de tal órgão, ou seja, os três arguidos, acompanharem o desempenho da atividade da arguida, por reporte da mesma, e definirem as orientações por que se pautava e, consequentemente, as orientações que definiam a atividade da arguida Maria e demais trabalhadores, pergunta-se: como se pode atribuir à aqui Recorrente a decisão de emissão das faturas de fls. 8 a 35 constantes do apenso 1 e condená-la pela prática do crime de falsificação de documento?;
XCII. A exposta transcrição da fundamentação sufragada na decisão recorrida é transversal a todos os atos referentes ao giro comercial da cooperativa no período compreendido entre os anos de 2003 e 2008, incluindo, por conseguinte, também a questão das 28 emitidas faturas de revisão/correção de preços com data de 31-12-2007;
XCIII. Salvo melhor opinião, incompreensível, pois, como entendeu e bem o douto Tribunal a quo, com base na prova testemunhal produzida e nos documentos juntos aos autos, que a aqui Recorrente “mantinha uma posição de subordinação em relação aos arguidos diretores, ainda que apresentasse recomendações e as suas ideias aos mesmos quanto à vida da cooperativa” e que “Também se entende que não se encontra demonstrado que as arguidas tenham procedido à emissão de documentos de venda ou prestação de serviços que não correspondiam a transações comerciais, designadamente, quanto à faturação ou emissão de declarações de dívida e de acordos de fixação de cláusulas penais” e, ao mesmo tempo, a tenha condenado na prática do crime de falsificação de documentos por causa relacionada com a emissão das faturas de fls. 8 a 35 dos autos;
XCIV. Foi, aliás, na sequência da agora transcrita fundamentação exarada na decisão recorrida que foram considerados como NÃO PROVADOS os factos 3, 7, 11, 12, 15, 23 e 30,com enorme relevo para a questão suscitada neste recurso;
XCV. Sem prescindir, ainda, se referem os depoimentos das testemunhas Carlos, Adelaide, E. D., todos ao serviço da Cooperativa, quando inquiridas sobre a razão de ser das Faturas em causa, todas afirmaram em audiência de julgamento e bastará atentar no relato transcrito dos seus depoimentos na decisão recorrida que, subjacente à emissão de tais faturas, estiveram “acertos de preços” de que foram alvo os maiores devedores da Cooperativa e os mais atrasados e que os próprios o diziam;
XCVI. Decorreu, por conseguinte, da prova produzida em audiência de julgamento e da prova documental que compõe os autos que efetivamente havia um racional por detrás da emissão destas 28 faturas;
XCVII. Em face de tudo quanto supra se expôs, deverá ser revogado ponto n.º 63 da matéria de facto dada como provado no acórdão recorrido;
XCVIII. No que respeita ao ponto 64.º dos factos considerados como provados, porque erradas que se mostram as premissas anteriormente dadas como provadas nos pontos de facto n.º 58 a 63, em face do adquirido processual já indicado, necessariamente se mostrará inquinado o sentido probatório dado na decisão recorrida aos pontos de facto n.º 65 a 67.º;
XCIX. No que tange ao ponto 65.º dos factos dados como provados, onde se lê O valor do Volume de Negócios do ano de 2007 foi inflacionado em € 444.683,83” (sublinhado e negritos nossos) e a utilização da terminologia inflacionado”, não recolhe acolhimento em nenhum dos muitos elementos probatórios que integram os autos. Com efeito, em bom rigor, o que é “inflacionado” é aquilo que não corresponde à realidade, é falso, é duvidoso, é enganador, sendo que nada nos autos aponta nesse sentido.;
C. Efetivamente, o valor do volume de negócios do ano de 2007, não foi “inflacionado”, antes pelo contrário. A faturação de revisão/correção de preços em causa era devida e encontrava-se já prevista na ata de AG com data de 12-12-2007, como supra se assinalou e demonstrou já;
CI. Propõe-se, assim, que se revogue o Ponto n.º 65 dos factos dados como provados, devendo o mesmo a passar a ter, por se demonstrar congruente com a prova produzida: Da emissão das 28 Faturas de “acerto/correção de preços”, resultou um acréscimo do valor do Volume de negócios no ano de 2007, no montante de 444.683,83€ que, se retirado ao mesmo, reduziria o seu valor para 22.5723.380,76€, em vez do valor de 23.017.064,59€, então apurado pela contabilidade da X no presente exercício;
CII. Salvo melhor opinião, nem por académica hipótese se pode admitir, em face da prova produzida, a tese de que “o volume de negócios de 2007 tenha sido “inflacionado” (no sentido pejorativo dado no acórdão recorrido), em razão da emissão das 28 Faturas de “Acerto/Correção de Preços…”;
CIII. Com efeito, terá de se considerar que o montante expresso naquelas faturas fazia parte do volume de negócios do ano de 2007, por se tratar de uma “correção” ao valor de Vendas/ ao valor de transações efetuadas a alguns Cooperadores, já prevista quando da negociação das transações efetuadas em caso de incumprimento;
CIV. Ou seja, existia uma razão implícita no negócio que originou estas 28 Faturas a 28 Cooperadores, sendo que todos eles tinham em comum incumprimentos/atrasos nos pagamentos e ainda, nos pagamentos dos fornecimentos de Rações e Adubos efetuados no ano de 2007;
CV. Caso não houvesse um racional na origem destas faturas, em vez de 28, certamente o seu número seria diferente, não haveria este traço comum entre os cooperadores em causa e tal situação não teria sido objeto de informação à Assembleia Geral de 12-12-2007, como consta da ATA n.º 61 de AG e a que já nos reportamos em considerações anteriores;
CVI. Acresce o que decorre das transcrições que se fizeram na motivação de recurso, dos depoimento das testemunhas, ainda trabalhadores da Cooperativa e assessores da direção - Carlos e Adelaide e, por fim, a transcrição do Dr. J. M., Auditor Externo da Empresa YY que foi responsável por Trabalho de Campo respetivo, na Cooperativa;
CVII. Acresce o acima transcrito (na motivação) comentário do Senho Juiz presidente, que corresponde a verdade dos factos quanto a esta matéria;
CVIII. Porque que é que aquela faturação e o racional que a originou haveriam de parecer descabidos à testemunha?;
CIX. A testemunha bem sabia das dívidas dos Cooperadores e dos comportamentos “crónicos” de alguns deles. Por isso “nada de suspeito, nada de irregular”, correspondendo, efetivamente à verdade fáctica que envolve a elaboração das 28 Faturas que, como já foi dito, foram “abertas” ainda no ano de 2007 e não foram inventadas posteriormente com qualquer intuito;
CX. A sua elaboração promoveu o aumento das vendas – e não o seu “inflacionamento” -, porque era um “ajuste” que tinha que ser feito, por ter sido subtraído no momento da transação mediante pressupostos de pagamentos que não se verificaram nos prazos para o efeito estabelecidos e acordados;
CXI. Mas não é verdade que a finalidade da faturação tenha sido para aumentar vendas/volume de negócios, ainda que tudo o que a este propósito diz respeito, tal como a qualquer outra decisão de gestão, tenha sido a Direção da Cooperativa em funções quem o determinou;
CXII. Quanto ao referido pelo Sr. Juiz Presidente em audiência de julgamento e que transcrevemos – “A clareza da contabilidade exigiria que fosse emitida uma Nota de Débito ao cliente no ano seguinte dando conta precisamente disso.” -, importa salientar o seguinte que, com o documento Nota de Débito ou Fatura, o resultado que seria espelhado na contabilidade, seria exatamente o mesmo. Em ambos os casos, a conta vendas, conta 71, seria a conta a movimentar por contrapartida da conta do Cooperador;
CXIII. Se a Nota de Débito ou a Fatura (porque, em termos contabilísticos, atento ao movimento de “acerto do valor de vendas” a que se reporta, é indiferente) fosse elaborada e emitida no ano de 2008, estar-se-ia a violar e a não respeitar o Princípio da Especialização (ou do acréscimo), previsto na alínea c) do n.º 4 do Plano Oficial de Contabilidade, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 410/89 de 21 de novembro e vigente à data de 2007 e de 2008. De acordo com este princípio denominado: Da especialização (ou do acréscimo) “Os proveitos e os custos são reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam”;
CXIV. O referido nesse princípio dita que, no caso em apreço, teria a Direção da Cooperativa que optar por uma das seguintes opções: a) faturar no ano de 2007 (com Fatura ou Nota de Débito) a correção devida pela transação das rações e adubos, ocorridas no próprio ano de 2007, tal como veio a suceder, apesar de a fatura ter sido emitida mais tarde; ou b) faturar no ano de 2008 (com Fatura ou Nota de Débito) a correção devida pelas transações das rações e adubos, ocorridas no anterior ano de 2007;
CXV. Todavia, nesta última opção (a b)), ter-se-ia que, no ano de 2007 (aquele a que respeita a operação), movimentar a conta vendas, conta 71 por contrapartida da conta de Acréscimos, conta 28. Posteriormente, no ano de 2008, teria de ser saldada a conta de Acréscimos por contrapartida da conta do Cooperador;
CXVI. Em qualquer dos casos a conta Vendas, conta 71, teria que ser movimentada pelo valor das “RECT./ ACTUALIZAÇÕES PREÇOS-RACÕES ou OUTROS” que resulta do somatório das 28 Faturas, no ano de 2007,
CXVII. Também a testemunha Adelaide, em resposta à inquirição do Senhor Procurador do MP, responde no mesmo sentido, confirmando a existência de uma razão que originou aquela faturação: só foi feita a alguns cooperadores e todos tinham contas correntes em atraso;
CXVIII. Em suma: da inquirição da testemunha Adelaide a instâncias do Dr. Alfredo, com a intervenção do Sr. Juiz Presidente, resulta claro que a faturação levada a cabo em fevereiro de 2007, por ordem da Direção, apenas se reportava ao “Acerto”, ao “diferencial” entre o valor que havia sido faturado à data da transação e aquele que era devido, face ao não cumprimento do acordado em termos de prazos de pagamento;
CXIX. A faturação foi apenas pela diferença para repor o preço da transação então verificada, não se tratando de qualquer duplicação de faturação, sendo que, quando deliberada pela Direção a “Anulação” no final de 2008, esta correspondeu exatamente ao mesmo valor da fatura, ou seja, o crédito efetuado coincidiu no exato montante do débito correspondente;
CXX. A testemunha Dr. J. M. é um Auditor Externo, um ROC e, ao mesmo tempo, é alguém que conhece bem as contas e a vida da Cooperativa, pois desde 2005 que faz o trabalho de campo de Auditoria Externa da Cooperativa. Esclarece que não vê “nenhuma habilidade” no procedimento desta faturação, porque não proporcionou qualquer benefício à Recorrente;
CXXI. O objetivo, volume de negócios para a obtenção dos Prémios /gratificações Ocasionais, estava largamente ultrapassado à data da deliberação pela Direção desta Faturação;
CXXII. Simultaneamente sublinha-se que a testemunha é sabedora das Provisões constituídas, no ano de 2007, no preciso montante do valor destas faturas e, consequentemente também sabe que a faturação em causa não favoreceu os resultados contabilísticos da cooperativa, tendo a esse nível sido desprovida de qualquer impacto, como esclarece em depoimento ao Tribunal.
CXXIII. No que concerne ao ponto de facto n.º 66 dado como provado, aqui se reitera e reafirma que, nenhum dos arguidos mexia na contabilidade, conforme já se esclareceu em considerandos expendidos em relação a pontos de factos anteriores;
CXXIV. A contabilização das notas de crédito foi da responsabilidade do TOC da Cooperativa, o Dr. José que o afirma no seu depoimento tomado a 14-06-2011, pela Inspector da PJ Jorge A., (cfr. Fls 234 do 1.º Volume a linhas 104 e 105);
CXXV. Também neste documento, a linhas 108, 109 e 110, o TOC da Cooperativa afirma que a relevação contabilística da “anulação” das 28 faturas, ou seja, a emissão das 28 notas de crédito é igualmente automática é igualmente automática, tal como a faturação;
CXXVI. Assim, a contabilização manual a que se alude neste ponto 66, só se verifica em dois momentos: a) depois de efetuada a faturação que “é automática”, há que contabilizar manualmente a provisão que naquele mesmo valor se constituiu; b) depois de efetuada a “anulação” da faturação, ou seja, após ser creditado o valor então faturado, que é um procedimento automático, segue-se a contabilização manual da reversão da provisão que havia sido constituída no mesmo exercício da que respeita a faturação em causa – 2007 - e, desta forma foi acautelado qualquer impacto nos Resultados da Cooperativa. Seja no ano de 2007 ou no ano de 2008;
CXXVII. É objetivamente ao que nos referimos na anterior alínea b) que se reporta o ponto de facto n.º 66 dado como provado;
CXXVIII. Aliás, verifica-se neste ponto n.º 66, uma contradição com o que havia já sido dado como provado no ponto 61 do acórdão recorrido que, esse sim, corresponde à realidade fáctica;
CXXIX. No ponto 66, agora em apreço afirma-se que: A contabilização manual das Notas de Crédito anulou o efeito que o lançamento automático teria no apuramento de Resultados, eliminando, assim, a redução dos proveitos que tinha sido registada.” (sublinhado nosso);
CXXX. Aqui no ponto 66, refere-se uma contabilização manual da Notas de Crédito, enquanto que no ponto 61 da decisão recorrida se referia à contabilização automática das mesmas notas de crédito;
CXXXI. Eventualmente, quando se refere a “contabilização manual” será para referir o movimento contabilístico que é feito para fazer a reversão da “conta Ajustamentos de dívidas”, ou seja, da provisão, em igual montante e que desta forma não tem qualquer impacto ao nível dos Resultados Líquidos do Exercício, como supra já se esclareceu;
CXXXII. Assim, por um lado, foi creditado / anulado o Proveito decorrente da faturação das 28 Faturas de “Acerto /correção de Preços” (que havia sido provisionado) e, por outro, com a Reversão da Conta Ajustamentos/(Provisões), no mesmo montante, o impacto nos resultados da Cooperativa foi nulo.
CXXXIII. Deve, pois, ser revogado o ponto 66.º da matéria de facto dada como provada na decisão recorrida;
CXXXIV. No que respeita ao ponto de facto n.º 67 dado como provado na decisão recorrida, uma vez mais estamos na presença de uma afirmação que não corresponde à realidade e que não repousa em nenhum elemento do vasto adquirido processual dos autos, nem tão pouco, tem justificação/sustentabilidade contabilística;
CXXXV. Considerando literalmente apenas o que se afirma nesse ponto de facto n.º 67 dado como provado, resulta claro que, se retirarmos o que quer que seja aos resultados apurados pela X nos anos de 2007 e 2008, diminuindo os proveitos operacionais, ambos os Resultados Líquidos e Resultados Operacionais ficam diminuídos do valor subtraído;
CXXXVI. Todavia, no presente caso em que percebemos que se está a falar das Faturas de “Acerto /correção de Preços” emitidas no ano de 2007, tal afirmação não corresponde à verdade,

Com efeito:
CXXXVII. Quando se emitiram as 28 Faturas de correção de preços referentes ao exercício económico do ano 2007, no montante de € 444.683,83, sob o ponto de vista contabilístico ocorreu o seguinte: o volume de negócios, decorrente do aumento do volume de vendas, que é um proveito operacional, teve um acréscimo de 444.683,83€ e, nesse mesmo ano de 2007, no encerramento das contas, a Direção da Cooperativa deliberou reforçar as provisões para cobrança duvidosa, os seja levar à conta Ajustamentos o valor de € 565.605,26, tal como resulta das Declarações Anuais IES e do Mapa de demonstrações de Resultados por Naturezas das contas respeitantes ao ano de 2007, tudo documentação junta aos autos;
CXXXVIII. Assim, se por um lado, do lado dos proveitos operacionais se verificou um Acréscimo de Faturação/Vendas/Volume de negócios, no montante de € 444.683,83, por outro lado, no mesmo exercício e decorrente desta faturação, do lado dos custos e concretamente dos Custos Operacionais registou-se um aumento de € 565.605,26, consequência da deliberação da Direção de Reforço da conta Ajustamentos, necessariamente a considerar na data do encerramento das contas do ano de 2007;
CXXXIX. Ou seja, os Custos Operacionais, em 2007, devido ao montante do reforço da conta de Ajustamentos, deliberado pela Direção da cooperativa, na oportunidade do encerramento das contas do ano 2007, cresceram mais de € 120.000,00 (444.683,83€-565.605,26€) do que os proveitos Operacionais em 2007, resultante das 28 faturas;
CXL. Significa, pois, que se não tivesse havido a faturação dos € 444.683,83 não se teria registado o dito acréscimo das Vendas/Volume de negócios e, consequentemente de proveitos Operacionais, sendo, igualmente certo que, no momento do encerramento das contas, a deliberação do Reforço da conta de Ajustamentos se ficaria pelo € 120.000,00;
CXLI. O exercício a que se dedica a hipotética situação referida no ponto de facto n.º 67 dado como provado na decisão recorrida, teria, portanto, a consequência seguinte: quer os Resultados Operacionais, quer os Resultados Líquidos de 2007 permaneceriam inalterados;
CXLII. Se, por um lado, não tivesse sido contabilizado o acréscimo de faturação, daí decorrendo menores proveitos operacionais, igualmente teria o Reforço da Conta de Ajustamentos naquele montante, não teria sido verificado, decorrendo igualmente uma redução dos custos operacionais, com impacto ZERO nos RESULTADOS da Cooperativa no ano de 2007;
CXLIII. Prosseguindo na mesma linha raciocínio, não tendo ocorrido a emissão das 28 Faturas de “correção de preços” em 2007, o ano de 2008 permaneceria inalterável nos seus resultados. No indicado hipotético cenário que se referiu, não existe nenhuma razão para subtrair aos resultados de 2008 o que quer que seja;
CXLIV. Em face do exposto e salvo melhor opinião, o quadro inserido no ponto de facto n.º 67 encontra-se errado e sem qualquer suporte probatório, nas duas colunas relativas aos anos de 2007 e a 2008, intitulados “Retirados 444.683,83€”, pelo que, para um melhor esclarecimento, apresentou-se na motivação de recurso o quadro com a devida correção, para ilustrar qual a real situação que existiria, em termos de Resultados Operacionais e de Resultados Líquidos, na hipótese da Inexistência da Faturação das 28 Faturas de “Acertos /Retificação Correção de Preços” que totalizou 444.683,83€;
CXLV. Efetivamente e tal como se esmiuçou, seja qual for o cenário, se adotados os corretos procedimentos contabilísticos, não há lugar a qualquer alteração ao nível dos Resultados da cooperativa quer em 2007 quer em 2008, tudo permanecendo inalterado como se exibiu no quadro que se designou de “QUADRO CORRIGIDO”.
CXLVI. Deve, por conseguinte, ser revogado o ponto de facto n.º 67 dos factos dados como provados na decisão recorrida;

Por sua vez:
CXLVII. Lê-se na decisão recorrida, na parte referente ao enquadramento jurídico do tipo legal de crime pelo qual foi a Recorrente condenada: Ponderando a matéria de facto dada como provada, pontos 58, 62 e 63, entende-se que as arguidas cometeram um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º1, al. d), do CP, na versão dada pela Lei n.º 59/2007, de 04-09, posto que, em Fevereiro /Março de 2008, determinaram a elaboração das faturas aí mencionadas, constando delas data de emissão (facto juridicamente relevante) distinta daquela em que as mesmas foram emitidas, com o objetivo de as fazer repercutir contabilisticamente no exercício do ano da data que delas consta, de modo a que da sua ponderação resultasse um resultado líquido positivo e, assim, as contas do exercício pudessem ser aprovadas sem que quem as fiscalizasse, Assembleia-Geral, pudesse suspeitar do aferimento, pelas mesmas, das gratificações adicionais mencionadas na matéria provada, com vista a obter tal benefício patrimonial.” (sublinhado nosso)

Ora:
CXLVIII. Por razões de economia processual, aqui se dá por integralmente reproduzido tudo quanto acima se alegou na parte referente aos concretos elementos probatórios que, salvo melhor opinião, deverão merecer a reavaliação da matéria de facto dada como provada inserida nos pontos 58 a 67 da decisão recorrida, no seu conjunto, e em particular, a alteração dos pontos de facto dados como provados na decisão recorrida, sob os n.ºs 62, 63, 64, 65, 66 e 67, e, em decorrência nos pontos n.º 108, 111 e 112,
CXLIX. Fazer constar falsamente em documento facto juridicamente relevante constitui a falsidade em documento. Estamos, nesses casos, perante a denominada “falsificação ideológica”, consistindo ela na inveracidade do documento;
CL. O facto será juridicamente relevante se apto a constituir, modificar ou extinguir situações jurídicas;
CLI. Ao nível do tipo subjetivo do ilícito, exige-se o conhecimento, por parte do agente, dos elementos objetivos do tipo que a sua conduta, objetivamente, preenche (elemento intelectual), e à vontade de realizar essa conduta e/ou de obter um certo resultado (elemento volitivo). Assim, para que se mostrem preenchidos os elementos subjetivos do ilícito, o agente tem que atuar dolosamente – com conhecimento de que está a falsificar um documento e, apesar disso – querer falsificá-lo –, podendo o dolo assumir qualquer das suas modalidades (dolo direto, necessário ou eventual);
CLII. E, ainda, um dolo especifico: “a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo”. Estamos, assim, perante um crime intencional, não se exigindo, no entanto, uma específica intenção de causar um engano no tráfego jurídico;
CLIII. Tal apreciação conduz-nos, sem hesitação, à conclusão supra enunciada, a saber, o tipo legal da falsificação exige, ainda, um dolo específico: só há crime quando o agente teve intenção de causar prejuízo (moral ou patrimonial) ao Estado ou a outra pessoa ou de obter, para si ou para outrem, benefício ilegítimo;
CLIV. Qual o benefício ilegítimo demonstrado nestes autos? Rigorosamente nenhum, seja dos cooperadores, seja da assistente, do Estado, da Recorrente ou de qualquer outra pessoa ou entidade;
CLV. Não se provaram, entre outros, os factos 3, 7, 11, 12, 15, 23 e 30, com enorme relevo para a questão suscitada neste recurso;
CLVI. Não se tendo provado nenhum dos acima enunciados factos, não se antevê como pode considerar-se terem sido preenchidos os elementos típicos (objetivos e subjetivos) do tipo legal de crime pelo qual a Recorrente foi condenada;
CLVII. Ao exposto, acrescem todos os elementos probatórios que acima detalhadamente se expuseram e, nalguns casos, a falta deles, para terem de ser alterados os pontos de facto n.ºs 62, 63, 64, 65, 66, 67, 108, 111 e 112, muito embora o Tribunal recorrido só tenha valorado especificamente os pontos de facto dados como provados nos pontos 58, 62 e 63;
CLVIII. De acordo com a prova produzida nos autos e resumidamente:

CLIX. O racional da emissão das 28 faturas existiu, porquanto existe uma ata de AG com data de 12-12-2007 que lhe fazem expressa prévia referência e, nessa sequência, foi criado no dia 31-12-2007 um parâmetro no sistema informático que permitiu o lançamento posterior dessas faturas com essa data, em obediência ao principio da especialização do exercício (referiu o TOC da cooperativa José “…as contas da cooperativa eram fechadas no ano seguinte ao do exercício, sendo definitivamente em Maio…” (pág. 99 da decisão recorrida);
CLX. É a testemunha Carlos, a quem a decisão recorrida alude na sua fundamentação para conjeturar - ninguém pode ser condenado em processo penal com base em conjeturas ou factos destituídos de prova - sobre o alegado “objetivo” (pág. 132 da decisão recorrida) da Recorrente a propósito dos resultados líquidos positivos do ano 2007, quem desfeiteou esse inexistente “objetivo” e explicou a que reportaram aquelas faturas: “a testemunha afirmou, também, que, segundo pensa, a retificação de preços referida se fundou na perda, pelos adquirentes, do desconto na venda de produtos por não cumprimentos das condições de pagamento” (pág. 103 da decisão recorrida);
CLXI. Todos os destinatários dessas 28 faturas nunca as questionaram, reclamaram ou procederam à sua devolução, o que demonstra estarem bem cientes do motivo subjacente à sua emissão: o não cumprimento dos prazos de pagamento inicialmente estabelecidos na aquisição de rações e adubos, e a correlativa não observância da condição – conhecida por esses cooperadores antes das transações em causa – de que dependeu a atribuição de desconto no preço inicialmente faturado;
CLXII. Tanto a campanha promocional da cooperativa que estabeleceu os preços com desconto, condicionado ao pagamento nos prazos acordados, como a faturação do diferencial correspondente a esse desconto em caso de não cumprimento dos cooperadores dos prazos estabelecidos e, ainda, a emissão de notas de créditos dessas faturas no final do ano 2008, constituíram atos e tomadas de decisão da Direção da Xe;
CLXIII. A decisão da Direção em constituir uma provisão (um custo) de valor até superior ao somatório das faturas de revisão de preços em causa, teve por consequência objetiva que as emissões dessas 28 faturas tenham tido impacto 0 quer nos resultados operacionais, quer nos resultados líquidos referentes ao ano de 2007, o que se comprova facilmente pelos respetivos movimentos contabilísticos efetuados pelo TOC da cooperativa;

Assim:
CLXIV. Salvo o devido respeito, o Tribunal recorrido não levou em consideração os elementos probatórios que conduzem às acima resumidas conclusões sobre a questão objeto deste recurso, motivo por que, ao condenar a Recorrente na prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea d) do Código Penal, violou a decisão recorrida o disposto no indicado comando legal, por se não verificarem os elementos típicos objetivos e subjetivos de que depende a condenação pelo referido tipo legal de crime.
CLXV. Termos em que, concedendo provimento ao presente recurso, se requer a V.ªs Ex.ªs que, nestes termos e nos melhores de direito que doutamente serão supridos, seja revogado o douto acórdão proferido e substituído por outro que absolva a arguida, aqui Recorrente, da prática pelo crime pelo qual foi condenada.

Os recursos foram admitidos, tendo todos os arguidos respondido ao recurso interposto pela assistente e esta respondido aos interpostos pelas arguidas Maria S. e Emília.
Em 1ª instância, o Ministério Público respondeu aos recursos interpostos pela assistente e pelas arguidas, pugnando pela sua improcedência.
E, neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu um detalhado e muito douto parecer, sustentando, com profundas e pertinentes considerações, a improcedência do recurso da assistente e, ao invés, a procedência dos recursos das arguidas Maria S. e Emília, com a sua consequente absolvição.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP, tendo a assistente X e a arguida Emília respondido ao parecer.

Efectuado exame preliminar e, colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, nos termos do art. 419º, nº 3, al. c), do CPP.
*
Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, neste recurso suscitam-se as seguintes questões:

- Nulidades do acórdão;
- Insuficiência, erro notório e erro de julgamento sobre a matéria de facto;
- Preenchimento dos elementos do crime de administração danosa, p. e p. pelo art. 235º, do C. Penal;
- Ponderação da alteração dos factos;
- Preenchimento dos elementos do crime de infidelidade, p. e p. pelo art. 224º, do C. Penal, com a emergente alteração prevista no art. 358º, nºs 1 e 3, do CPP;
- Preenchimento dos elementos do crime de informações falsas, p. e p. pelo art. 519º, nº 4, do CSC, com a alteração prevista pelo art. 358º, nºs 1 e 3 do CPP, e consequente não verificação da prescrição quanto a este crime;
- Preenchimento dos elementos do crime de falsificação, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, al. d), do C. Penal;
- Preenchimento dos pressupostos do direito à indemnização civilmente exercido pela demandante.

Importa apreciar tais questões, pela ordem lógica do respectivo conhecimento, para o que deve considerar-se como pertinentes os factos considerados provados e não provados na decisão recorrida, que a seguir se transcrevem.

Factos provados:

- Factos constantes da acusação e pronúncia:

1. A assistente X – Cooperativa Agrícola e dos Produtores de Leite (...), C.R.L. (doravante abreviadamente X ou simplesmente cooperativa), com o NIPC ..., com sede na Rua …, Freguesia de …, Concelho de Vila Nova de Famalicão, foi matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Vila Nova de Famalicão em … com a denominação “Cooperativa dos Produtores de Leite (…), CRL”, designação esta que se manteve até 19.01.2004 (cfr. fls. 85 e ss.).
2. A X obriga-se por duas assinaturas de quaisquer membros da direcção, podendo esta designar um ou mais gerentes ou outros mandatários, delegando-lhes poderes específicos e revogar os respectivos mandatos (cfr. fls. 85 e ss.).
3. A direcção é composta por um Presidente, um Secretário e um Tesoureiro e igual número de suplentes, e o Conselho Fiscal é composto por três membros efectivos e também igual número de suplentes, tendo os mandados uma duração de 4 anos (cfr. fls. 85 e ss.).
4. Por deliberação de 15 de Dezembro de 2004 e relativamente ao mandado de 2005 a 2008, a composição dos órgãos sociais era a seguinte:

a) Direcção
- Presidente: o arguido António
- Secretário: o arguido Manuel
- Tesoureiro: o arguido Alfredo

b) Conselho Fiscal
- Presidente: J. C.
- Vogais: Alberto e A. C. (cfr. fls. 85 e ss.).

5. A Direcção referida no ponto anterior era composta pelos mesmos membros que, no mandado anterior (2001 a 2004), haviam exercido as mesmas funções no dito órgão social.
6. A arguida Emília foi admitida como funcionária da “cooperativa” em 1982, inicialmente, em funções ligadas à contabilidade e, a partir de 1983, exercendo as funções de “gerente” da dita estrutura, cargo que depois passou a ser denominado de directora geral, a que correspondia um salário base ilíquido que, entre Maio de 2003 a 2008, variava entre € 3.900,00 e € 4.370,00.
7. A arguida Maria foi admitida como funcionária da cooperativa em 01.05.2003, exercendo as funções de directora administrativa e financeira, a que correspondia um salário base ilíquido que, entre Maio de 2003 a 2008, variava entre € 2.250,00 e € 2.522,00.
8. As arguidas Emília e Maria tinham formação superior em áreas económicas.
9. Pelo menos desde 2003, por acordo dos três membros da direcção e da arguida Emília, era esta quem, em cumprimento das respectivas funções laborais, mandava dentro da cooperativa na sua actividade diária, dando ordens aos funcionários e lidando com os associados.
10. Desde a altura em que iniciou funções na cooperativa, a arguida Maria passou a ter uma relação de grande confiança com a arguida Emília, sendo aquilo a que vulgarmente se chama de seu “braço-direito”, orientando-a e aconselhando-a, dentro da função referida em 9, supra, no desempenho das funções de gestão da cooperativa.
11. Durante os anos de 2003 a 2008, em reuniões de direcção, em que estavam presentes os arguidos Manuel, Alfredo e António (falecido), ficou decidido atribuir um conjunto de remunerações, gratificações e regalias às arguidas Emília e Maria, na qualidade de trabalhadoras da cooperativa, conforme abaixo descrito.
12. Assim, no dia 25.06.2003, nas instalações da cooperativa, ocorreu uma reunião entre a arguida Emília, na qualidade de Directora-Geral, e a Direcção da cooperativa, com vista à celebração de um acordo escrito, a que intitularam “«ACORDO» - Prémio Anual / Gratificação Ocasional para 2003”, onde a X, CRL. atribuiu à arguida Emília um prémio anual/gratificação ocasional no valor correspondente a 12 meses do seu ordenado mensal ilíquido (base), sendo que um dos requisitos para a sua atribuição prendia-se com o valor do Volume de Negócios, devendo este ultrapassar os 18 milhões de euros (cfr. fls. 35 e ss do apenso 4 e fls. 78 e ss do processo apenso n.º 924/09.0 TAVNF).
13. Na prática, o cumprimento de tal acordo equivaleria, em cada mês, a que a arguida Emília recebesse dois vencimentos: um, o estabelecido a título de salário, e o outro, a título de gratificação, que, idealmente e conforme nele previsto, só seria devido no final do ano, após verificação do volume de negócios.
14. A versão do acordo mencionado nos dois pontos anteriores foi rectificada em 24.09.2003, data em que ocorreu uma nova reunião da Direcção nas instalações da cooperativa, em que, para além dos anteriores participantes (os três membros da Direcção e a arguida Emília), esteve presente a arguida Maria, na qualidade de Directora Administrativa e Financeira, e em que, após a arguida Emília ter tecido rasgados elogios às capacidades e desempenho profissional da arguida Maria, a Direcção deliberou que a arguida Emília abdicava de 6 mil euros do prémio anual que lhe havia sido atribuído pela Direcção anteriormente a favor da arguida Maria (cfr. fls. 83 e ss do processo apenso n.º 924/09.0 TAVNF).
15. No dia 23.12.2003, a Direcção reuniu com as arguidas Emília e Maria, para fazerem uma avaliação do desempenho da cooperativa no ano de 2003, e deliberou reconhecer que os objectivos que haviam sido definidos para aquele ano tinham, na sua totalidade, sido alcançados, e, por isso, confirmou o montante do prémio anual a pagar (cfr. documento intitulado “Avaliação de desempenho” de 2003, constante de fls. 44 e ss. do apenso 4 e 87 e ss. do processo apenso n.º 924/09.0 TAVNF).
16. Já com vista a fixar os objectivos para o ano de 2004, no dia 17.12.2003, nas instalações da cooperativa, ocorreu nova reunião entre a arguida Emília, na qualidade de Directora-Geral, a arguida Maria, na qualidade de Directora Administrativa e Financeira, e a Direcção da cooperativa, com vista à celebração de um acordo escrito, a que intitularam “«ACORDO» - Prémio Anual / Gratificação Ocasional para 2004”, onde a X, CRL. atribuiu um prémio anual/gratificação ocasional às arguidas Emília e Maria, sendo:
a) o da arguida Emília correspondente a 112% do seu ordenado mensal ilíquido (base) a multiplicar por 15 meses;
b) o da arguida Maria correspondente a 50% do valor atribuído à arguida Emília;
c) um dos requisitos para a sua atribuição prendia-se com o valor do Volume de Negócios, devendo este ultrapassar os 20 milhões de euros (cfr. fls. 67 e ss. do processo apenso 924/09.0 TAVNF).
17. Na prática, o cumprimento de tal acordo equivaleria a que a arguida Emília recebesse, para além do seu salário, um outro valor, a título de gratificação, ligeiramente superior ao seu salário, 15 vezes ao ano, e que a arguida Maria recebesse igual benesse, mas de valor igual a metade do recebido pela arguida Emília.
18. A versão do acordo referido nos dois pontos anteriores foi reproduzida em 30.12.2003, data em que ocorreu uma nova reunião da Direcção nas instalações da cooperativa (cfr. fls. 46 e ss. do apenso 4 e 72 e ss do processo apenso 924/09.0 TAVNF).
19. Tal versão do acordo foi rectificada em 28.07.2004, data em que ocorreu uma nova reunião nas instalações da cooperativa, entre os três membos da direcção e as duas arguidas, onde se decidiu que o valor do prémio anual da arguida Maria deveria ser superior em 30 % em relação ao valor acordado em Dezembro de 2003 (cfr. fls. 50 do apenso 4 e 86 do processo apenso n.º 924/09.0 TAVNF).
20. No dia 21.12.2004, a Direcção, constituída pelos arguidos Manuel, Alfredo e António (falecido), reuniu com a arguida Emília, para fazerem uma avaliação do desempenho no ano de 2004, tendo a direcção decidido reconhecer que os objectivos que haviam sido definidos para aquele ano tinham, na sua totalidade, sido alcançados, e confirmar o montante do prémio anual a pagar (cfr. documento intitulado “Avaliação de desempenho” de 2004, constante de fls. 51 e ss. do apenso 4 e fls. 76 e ss. do processo apenso n.º 924/09.0 TAVNF).
21. No dia 12.01.2005, nas instalações da cooperativa, ocorreu nova reunião entre a arguida Emília e Maria, nas já referidas qualidades, e a Direcção da cooperativa, constituída pelos membros acima referidos, com vista à celebração de um acordo escrito, a que intitularam “«ACORDO» - Prémio Anual / Gratificação Ocasional para 2005”, onde a X, CRL. atribuiu a cada uma das arguidas Emília e Maria um prémio anual/gratificação ocasional, correspondente a 117% (mais 5%) do ordenado mensal ilíquido (base) da arguida Emília, a multiplicar por 15 meses, sendo que um dos requisitos para a sua atribuição prendia-se com o valor do Volume de Negócios, devendo este manter-se nos 20 milhões de euros (cfr. fls. 53 e ss. do apenso 4 e fls. 62 e ss. do processo apenso n.º 924/09.0 TAVNF).
22. Na prática, o cumprimento de tal acordo equivaleria a que cada uma das arguidas recebesse, para além do seu salário, um outro valor, a título de gratificação, superior ao seu salário, 15 vezes ao ano.
23. No dia 16.08.2005, a Direcção, constituída pelos arguidos Manuel, Alfredo e António, reuniu com as arguidas Emília e Maria para lhes comunicar um acréscimo na remuneração, pago mensalmente e correspondente ao valor do vencimento ilíquido de cada uma delas (cfr. documento intitulado “Acordo – acréscimo de remuneração, constante de fls. 56 do apenso 4).
24. No dia 26.12.2005, a Direcção, constituída pelos arguidos Manuel, Alfredo e António, reuniu com a arguida Emília, para fazerem uma avaliação do desempenho no ano de 2005, tendo decidido reconhecer que os objectivos que haviam sido definidos para aquele ano tinham, na sua totalidade, sido alcançados, e confirmar o montante do prémio anual a pagar (cfr. documento intitulado “Avaliação de desempenho” de 2005, constante de fls. 65 e ss. do apenso 4 e fls. 65 e ss. do processo apenso n.º 924/09.0 TAVNF).
25. No dia 11.01.2006, nas instalações da cooperativa, ocorreu nova reunião entre a arguida Emília e Maria, nas referidas qualidades, e a Direcção da cooperativa, com vista à celebração de um acordo escrito, a que intitularam “«ACORDO» - Prémio Anual / Gratificação Ocasional para 2006”, onde a X, CRL. atribuiu a cada uma das arguidas Emília e Maria um prémio anual/gratificação ocasional, correspondente a 120% (mais 3%) do ordenado mensal ilíquido (base) da arguida Emília, a multiplicar por 15 meses, sendo que um dos requisitos para a sua atribuição prendia-se com o valor do Volume de Negócios, devendo este manter-se nos 20 milhões de euros (cfr. fls. 59 e ss do processo apenso 924/09.0 TAVNF).
26. Na prática, o cumprimento de tal acordo equivaleria a que cada uma das arguidas recebesse, para além do seu salário, um outro valor, a título de gratificação, superior ao seu salário, 15 vezes ao ano.
27. Não foi realizada reunião, tal como nos anos precedentes, para avaliação do desempenho no ano de 2006 nem para atribuir / fixar objectivos e prémios para os anos de 2007 e 2008.
28. Não obstante, nos anos de 2006 a 2008, foram igualmente processados os respectivos prémios /gratificações, como infra se referirá, passando as arguidas a dispor dos montantes recebidos como seus.
29. Tais gratificações aparecem reflectidas nas reuniões vertidas nas Actas n.º 9/2004 (junta a fls. 221 do apenso 3) e 13/2004 (junta a fls. 228 do mesmo apenso).
30. Nesses documentos, foi, ainda, decidido pelos membros da direcção que “…A directora-geral da cooperativa (arguida Emília) não tem carro da cooperativa, além dos Kms que lhe são pagos e feitos efectivamente ao serviço da cooperativa existe o montante de € 1500,00 para compensação da utilização da sua viatura nas suas deslocações de e para a cooperativa para fazer face a todas as despesas, este valor é pago em doze meses mas estende-se também aos meses de subsídio de férias e natal” (cfr. fls. 227 do apenso 3).
31. Nas contas da cooperativa foram contabilizados uma série de Km’s – não inteiramente correspondentes com a realidade – em substituição da compensação referida no ponto anterior, como infra se mencionará – cfr. quadro do ponto 40.
32. Por indicação expressa da arguida Emília, inicialmente não foram efectuados os descontos devidos para a Segurança Social pelas gratificações auferidas pelas arguidas ao abrigos dos acordos acima mencionados, assumindo a cooperativa o risco de tal situação vir a ser suscitada por via da inspecção, o que efectivamente veio a acontecer.
33. A arguida Emília actuou do modo referido no ponto anterior após ter recebido do ROC da cooperativa a informação de que, na sua opinião, era duvidoso que os descontos mencionados fossem devidos por respeitarem a retribuições ocasionais.
34. Entre 2003 a 2008, os valores atribuídos às duas arguidas a título de prémios / gratificações foram pagos em parcelas mensais ao longo do respectivo ano e por conta do mesmo, ainda antes de se saber se os ditos objectivos seriam ou não atingidos nesse ano.
35. Com vista a garantir “retribuições” independentemente dos resultados líquidos da cooperativa, os arguidos, os três membros da direcção e as arguidas, indexaram tais retribuições ao volume de negócios, independentemente dos resultados, procedendo ao seu pagamento e recebimento antes do final do ano respectivo, altura em que estariam reunidas as condições para verificar o preenchimento dos pressupostos, de que dependia essa atribuição – volume de negócios anual.
36. Por força dos acordos e deliberações acima mencionados foram processados os seguintes valores, abaixo constantes.
37. Nos anos de 2003 a 2008, a arguida Emília auferiu remunerações num valor total ilíquido de € 1.320.238,05, correspondendo a um valor líquido (diminuído dos valores retidos em sede de IRS e de Segurança Social) de € 801.521,83, repartido da seguinte forma:
200320042005200620072008TOTAIS
Venci. Base41.614,0047.970,0049.414,0050.696,0052.184,0052.440,00294.318,00
Diuturnidades672,00672,00840,00840,00840,00840,004.704,00
Retroactivos5.186,00234,00242,00208,00256,000,006.126,00
Subsídio Férias3.956,004.073,004.208,004.312,004.440,004.440,0025.429,00
Subsídio Natal3.956,004.073,004.208,004.312,004.440,004.440,0025.429,00
Gratif. Ocasio.39.120,0093.018,83104.173,1762.555,9321.871,0014.550,00335.288,93
Gratificações0,000,0035.980,00195.852,00222.706,96166.316,52620.855,48
Sub.Aliment.1.210,001.210,001.391,501.391,501.391,501.493,148.087,64
Total Ilíquido95.714,00151.250,83200.456,67320.167,43308.129,46244.519,661.320.238,05
IRS28.575,6041.832,9662.220,14100.414,4299.234,6878.983,65411.261,45
Seg. Social6.092,246.272,4210.438,1228.184,2031.335,3725.132,42107.454,77
Total Líquido61.046,16103.145,45127.798,41191.568,81177.559,41140.403,59801.521,83

38.
Das remunerações acima referidas, à excepção dos valores pagos a título de “Gratificação Ocasional” e de “Subsídio de Alimentação”, foram retidos a Emília 11%, a título de “Segurança Social”, e a X, CRL., enquanto entidade empregadora, suportou uma taxa de 20,6%, cujo produto foi entregue ao Instituto de Segurança Social, IP.
39. Assim, por conta dessas remunerações a X, CRL., enquanto entidade empregadora, suportou um custo de 20,6 %, o que para os anos de 2003 a 2008 perfez o montante de € 201.233,46:

ANO200320042005200620072008TOTAIS
Remunera.Declaradas55.38457.02294.892256.220284.866,96228.476,52976.861,48
20,6%-Enc. Ent.Empreg.11.409,1011.746,5319.547,7552.781,3258.682,5947.066,16201.233,46


40. Ainda, nos anos de 2003 a 2008, a arguida Emília recebeu, a título de ajudas de custo, o montante de € 187.189,78, repartido da seguinte forma:

AnoTipo Ajudas custo
DiáriasCompensação Autom.Próprio
ValorValorQtd. Kms
2003---20.761,95 €62.915
2004---29.386,10 €85.490
2005---35.457,40 €98.493
2006---36.039,50 €97.860
20074.289,18 €32.919,40 €86.630
2008---28.336,25 €72.875
TOTAIS4.289,18 €182.900,60 €504.263
187.189,78 €
200320042005200620072008TOTAIS
Venc.Base18.00022.201,0824.828,1729.256,0029.657,3829.232,10153.174,73
Pré.Férias 20102.2500,000,000,000,000,002.250,00
Diuturnidades0,000,000,00112,00165,45162,27439,72
Retroactivos0,00136,00140,00120,00148,000,00544,00
Sub.Férias2.2502.318,002.388,002.462,002.536,002.536,0014.490,00
Sub.Natal2.2502.318,002.388,002.462,002.536,002.536,0014.490,00
Gra.Ocasional6.00050.697,25103.013,0059.428,9311.500,0014.550,00245.189,18
Gratificações0,000,0020.765,00158.896,00164.509,06114.332,00458.502,06
Sub.Alimenta.880945,001.178,751.391,501.368,501.437,617.201,36
Total Ilíquido31.630078.615,33154.700,92254.128,43212.420,39164.785,98896.281,05
IRS7.458,7617.499,0146.768,7179.612,1867.831,3647.554,95266.724,97
Seg. Social2.722,502.967,045.556,0121.263,8821.950,7116.367,8270.827,96
Total Ilíquido21.448,7558.149,28102.376,20153.252,37122.638,32100.863,21558.728,13

41. Nos anos de 2003 a 2008, a arguida Maria auferiu remunerações num total ilíquido de € 896.281,05, correspondendo a um valor líquido (diminuído dos valores retidos em sede de IRS e de Segurança Social) de € 558.728,13, repartido da seguinte forma:
42. Das remunerações atrás referidas, à excepção dos valores pagos a título de “Gratificação Ocasional” e de “Subsídio de Alimentação”, foram retidos à arguida Maria 11%, a título de “Segurança Social”, e a X, CRL., enquanto entidade empregadora, suportou uma taxa de 20,6%, cujo produto foi entregue ao Instituto de Segurança Social, IP.
43. Assim, por conta daquelas remunerações, a X, CRL., enquanto entidade empregadora, suportou um custo de 20,6 %, o que para os anos de 2003 a 2008 correspondeu ao montante de 132.641,45 €:

ANO200320042005200620072008TOTAIS
Remunerações Declaradas24.75026.973,0850.509,17193.308199.551,89148.798,37643.890,51
20,6 % Enc. Ent. Emprega.5.098,505.556,4510.404,8939.821,4541.107,6930.652,46132.641,45

44. Nos anos de 2003 a 2008, a arguida Maria recebeu, a título de ajudas, o montante de 4.289,18 €, referente a “Diárias” do ano de 2007.
45. Sabiam todos os arguidos (os três membros da Direcção e as duas arguidas) que o impacto com as despesas de pessoal deveria ser avaliado e justificado.
46. O impacto que a variação das remunerações atribuídas às arguidas Emília e Maria teve na rubrica Custos com o Pessoal, durante os anos de 2003 a 2008, foi o seguinte:

- Os Custos com o Pessoal aumentaram no período compreendido entre o ano de 2003 e o ano de 2008, passando de 837.077,40 € em 2003 para 1.215.001,58 € em 2008, correspondendo a um crescimento de cerca de 45,15%, tendo atingido o seu pico no ano de 2006, no qual totalizaram 1.402.446,70€ (subida de cerca de 67,54% face ao ano de 2003);
- As remunerações das arguidas Emília e Maria tinham, no ano de 2003, um peso de 19,67% no total dos Custos Com o Pessoal, peso esse que aumentou nos anos seguintes, passando para 28,16% em 2004, para 37,22% em 2005, para 50,12% em 2006, para 48,07% em 2007 e para 42,42% em 2008, fruto, essencialmente, dos aumentos das remunerações a título de “Gratificação Ocasional” e “Gratificações”, conforme quadro que segue:

ANO200320042005200620072008
Remunerações
às arguidas (€)
164.613,55276.555,24420.567,63702.938,13661.837,89515.360,51
Custos c/ Pessoal (€)837.077,40982.244,851.129.806,341.402.446,701.376.768,871.215.001,58
Peso …19,67%28,16%37,22%50,12%48,07%42,42%


47. Entre os anos de 2003 e 2008, as remunerações atribuídas às arguidas Emília e Maria, incluindo os encargos para a Segurança Social por conta da entidade patronal, tiveram um crescimento, passando de 164.613,55 € em 2003 para 515.360,51 € em 2008, correspondendo a um aumento de cerca de 213,07%, tendo atingido o seu valor mais elevado no ano de 2006, no qual ascendeu a 702.938,13 €, representando um crescimento de cerca de 327,02%.
48. Entre os anos de 2003 a 2008, as remunerações atribuídas às funcionárias Emília e Maria somente a título de “Gratificação Ocasional” e de “Gratificações”, incluindo os encargos para a segurança social sobre as segundas, tiveram um crescimento, passando de 45.120,00 € em 2003 para 367.562,12 € em 2008, correspondendo a um aumento de 714,63%, tendo o seu valor anual mais elevado sido alcançado no ano de 2006, no qual ascendeu a 549.810,95 €, equivalendo a um crescimento de 1.118,55%.
49. As variações absolutas em termos de valor ocorridas na rubrica Custos com o Pessoal, nas Remunerações totais atribuídas a Emília e Maria, e nas remunerações pagas a estas últimas mas somente a título de “Gratificação Ocasional” e “Gratificações”, todas face aos valores do ano de 2003, são as seguintes:
AnoCustos c/ Pessoal a)Remunerações Totais b)Gratificação Ocasional
e Gratificações c)
2003---------
2004145.167,45€111.941,69€98.596,08€
2005292.728,94€255.954,08€230.500,64€
2006565.369,30€538.324,58€504.690,95€
2007539.691,47€497.224,34€455.233,52€
2008377.924,18€350.746,96€322.442,12€
Totais1.920.881,34€1.754.191,65€1.611.463,31€

50. Resulta do constante no ponto anterior o seguinte:

a) As variações nas remunerações atribuídas às arguidas Emília e Maria, no total de 1.754.191,65 €, são responsáveis por 91,32% das variações totais ocorridas na rubrica Custos com o Pessoal, no valor de 1.920.881,34 €;
b) As variações nas remunerações atribuídas às arguidas Emília e Maria a título de “Gratificação Ocasional” e “Gratificações”, no montante de 1.611.463,31 €, são responsáveis por 91,86% das variações totais ocorridas nas remunerações daquelas, no valor de 1.754.191,65 €;
c) As variações nas remunerações atribuídas às arguidas Emília e Maria a título de “Gratificação Ocasional” e “Gratificações”, no montante de 1.611.463,31 €, são responsáveis por 83,89% das variações totais ocorridas na rubrica Custos com o Pessoal, no valor de 1.920.881,34 €.
51. Partindo do pressuposto de que as remunerações atribuídas às arguidas Emília e a Maria foram pagas nos anos em que a despesa foi contabilizada, então, nos anos de 2003 a 2008, saiu dos cofres da X, CRL., a título de “Gratificação Ocasional” e de “Gratificações”, bem como a título de contribuições para a Segurança Social, quer voluntárias quer fruto da acção de fiscalização (realizada pelos Serviços de Fiscalização do Norte, Sector de Braga, do Instituto da Segurança Social, IP) e respectivos juros de mora, um valor total de € 2.048.250,19, conforme quadro seguinte:

200320042005200620072008Totais
Emília
Gratif. Ocasional39.120,0093.018,83104.173,1762.555,9321.871,0014.550,00335.288,93
20,6% - Enc. s/ Remuneraç.---------54.676,73------54.676,73
11% - Enc. s/ Remuneraç.---------29.196,31------29.196,31
Juros de mora---------11.871,46------11.871,46
Gratificações0,000,0035.980,00195.852,00222.706,96166.316,52620.855,48
20,6% - Enc. s/ Remuneraç.0,000,007.411,8840.345,5145877,6334.261,20127.896,22
Total Emília39.120,0093.018,83147.565,05394.497,94290.455,59215.127,721.179.785,13
200320042005200620072008Totais
Maria
Gratif. Ocasional6.000,0050.697,25103.013,0059.428,9311.500,0014.550,00245.189,18
20,6% - Enc. s/ Remuneraç.---------38.888,52------38.888,52
11% - Enc. s/ Remuneraç.---------20.765,72------20.765,72
Juros de mora---------10.668,15------10.668,15
Gratificações0,000,0020.765,00158.896,00164.509,06114.332,00458.502,06
20,6% - Enc. s/ Remuneraç.0,000,004.277,5932.732,5833.888,8723.552,3994.451,43
Total Maria6.000,0050.697,25128.055,59321.379,90209.897,93152.434,39868.465,06
TOTAL45.120,00143.716,08275.620,64715.877,84500.353,52367.562,112.048.250,19

52. Os resultados líquidos positivos que a X, CRL apurou entre 2003 e 2007 foram de cerca de 12.000, 00 € anuais, em média.
53. Se os € 2.048.250,19 não fossem gastos no pagamento às duas arguidas de remunerações a título de “Gratificação Ocasional” e de “Gratificações” e contribuições para a Segurança Social por conta dessas remunerações, poderiam ter sido encaminhados para a gestão corrente da cooperativa, nomeadamente, serem utilizados no pagamento de dívidas a fornecedores ou de empréstimos bancários, na realização de investimentos, ou ainda para fazer face a uma eventual diminuição do preço das mercadorias vendidas e dos serviços prestados (o que representa a Missão de qualquer cooperativa), entre outros.
54. Ao invés disso, os arguidos, os três membros da Direcção e as duas arguidas, preferiram usar esse valor nos termos referidos, atribuindo-o às arguidas Emília e Maria, com intenção de proceder a tal atribuição.
55. As arguidas sabiam que a definição do volume de negócios anual da cooperativa era passível de manipulação, nomeadamente, em função dos preços de venda praticados, das margens líquidas de comercialização, dos descontos concedidos em função das quantidades ou das condições de pagamento proporcionadas.
56. Caso os prémios de desempenho fossem fixados em função dos resultados e da sua evolução serem positivos, em detrimento da evolução do volume de negócios, não haveria qualquer razão para o pagamento dos mesmos, uma vez que os Resultados Operacionais, ligados à actividade principal da X apurados no período compreendido entre o ano de 2003 e o ano de 2008 foram sempre negativos, conforme quadro seguinte:

ANO200320042005200620072008
R. Operacionais-233.007,95-280.287,72-609.047,21-1.755.917,85-667.414,37-3.700.474,63
R. Financeiros177.106,72200.655,01297.433,51354.538,34679.076,24254.434,21
R. Extra.66.816,3991.902,13323.871,831.414.385,321.480,68303.345,27
R. Antes Impostos10.915,1612.269,4212.258,1313.005,8113.142,55-3.142.695,15
I. Rendimento - 182,40-72,91-132,56-226,93-496,77-241,54
R. Líquidos10.732,7612.196,5112.125,5712.778,8812.645,78-3.142.936,69

57. Por indicação das arguidas Emília e Maria, os Resultados Operacionais negativos dos anos de 2003, 2004 e 2007, foram, na sua maioria ou totalidade, “anulados” pelos Resultados Financeiros apurados nesses anos, enquanto que os Resultados Operacionais negativos dos anos de 2005 e 2006, foram, na sua maioria, “anulados” pelos Resultados Extraordinários obtidos nesses anos.
58. A X, CRL emitiu vinte e oito facturas, datadas de 31/12/2007, numeradas de MC205402 a MC205429, pelo valor global de € 444.683,83, constando nas mesmas o descritivo “Rect./Actualização Preços – Outros” e/ou “Rect./Actualização Preços Rações” (cfr. fls. 8 a 35 do Apenso 1).
59. Contabilisticamente, o lançamento dessas facturas correspondeu ao débito da conta Clientes 2111.*** e crédito da conta 7111 – Vendas - Mercado Nacional (cfr. lançamentos nºs 205402 a 205429 constantes de fls. 82 a 86 do Apenso 1).
60. No final do ano seguinte, em 30/12/2008, a Direcção da X, CRL., constituída pelos três arguidos, António (falecido), Manuel e Alfredo, “(…) deliberou anular, por Nota de Crédito, a todos os cooperadores, o débito efectuado com a discriminação de ‘actualização/Correcção de Preços’ (…) que a presente anulação/Nota de Crédito será efectuada por contrapartida de Provisões/Ajustamentos” (conforme fls. 47 do Apenso 1), tendo para o efeito a X, CRL. emitido, em 31/12/2008, vinte e oito Notas de Crédito, numeradas de MC007835 a MC007862, pelo valor global de € 444.683,83, todas com o descritivo “Rect. /Actualização Preços – Outros” (cfr. fls. 51 a 78 do Apenso 1).
61. Contabilisticamente, o lançamento dessas Notas de Crédito, num total de € 444.683,83, correspondeu, numa primeira fase, automática com a emissão do documento, à anulação da factura através da diminuição da dívida dos clientes (crédito conta 2111.***) e aumento do valor das devoluções (débito da conta 7171), (conforme fls. 128 a 132 do Apenso V), e numa segunda fase, manual, ao débito da conta Ajustamentos de Dívidas 288 – Outras Dívidas de Terceiros e crédito da conta 7171 – Devoluções de Vendas - Mercado Nacional (conforme fls. 46 e lançamento nº 76 constante de fls. 81, ambas do Apenso 1).
62. Acresce que, as referidas facturas relativas a “Rect./Actualização Preços – Outros” e/ou “Rect./Actualização Preços Rações” foram elaboradas em data não concretamente apurada, mas, seguramente, entre Fevereiro e Março de 2008, apesar de nelas constar a data de 31.12.2007.
63. Tal aconteceu nessa altura por decisão e ordem das arguidas Emília e Maria, comunicada por esta, após o Técnico Oficial de Contas da X lhe ter dado a conhecer o balancete do ano anterior, o qual apresentava resultado líquido negativo, tendo as mesmas o intuito de tal resultado líquido passar a ser positivo, nos termos constantes do quadro supra.
64. Assim, verifica-se o que consta dos pontos seguintes.
65. O valor do Volume de Negócios do ano de 2007 foi inflacionado em € 444.683,83, pelo que retirando esta quantia o valor do mesmo seria de € 22.572.380,76 e não de € 23.017.064,59, conforme apurado pela X.
66. A contabilização manual das Notas de Crédito anulou o efeito que o lançamento automático teria no apuramento de Resultados, eliminando, assim, a redução dos proveitos que tinha sido registada.
67. Se, aos resultados apurados pela X nos anos de 2007 e 2008, se retirar o montante relativo às Facturas e ao registo manual da contabilização das Notas de Crédito acima referidas, respectivamente, isto é, se se diminuir os proveitos operacionais em € 444.683,83 em cada um desses anos, os mesmos passariam a ter a seguinte composição:

Resultados (em €)Apurado XRetirados 444.683,03
2007200820072008
Operacionais-667.414,37-3.700.474,63-1.112.098,20-4.145.158,46
Financeiros679.076,24254.434,21679.076,24254.434,21
Extraordinários1.480,68303.345,271.480,68303.345,27
Antes Impostos13.142,55-3.142.695,15-431.541,28-3.587.378,98
Imposto S/Rendimento-496,77-241,54-496,77-241,54
Líquidos12.645,78-3.142.936,69-432.038,05-3.587.620,52

68. O aumento do volume de negócios da cooperativa entre 2003 e 2008 não correspondeu a um efectivo aumento dos resultados líquidos, em particular das quantias cobradas.
69. De facto, no período de 2003 a 2008, pese embora tenha existido um aumento de cerca de 40% do Volume de Negócios da X, passando de € 18.001.261,17 para € 25.170.583,00, respectivamente, as Dívidas de Terceiros aumentaram cerca de 86%, passando e € 5.657.650,08 para € 10.554.462,62.
70. Assim, o crescimento no crédito concedido foi superior ao crescimento no volume de negócios.
71. Do total das Dívidas de Terceiros do ano de 2003, no montante de € 5.657.650,08, era expectável que a X não conseguisse cobrar € 764.656,45, correspondendo a cerca de 14%, enquanto que, no ano de 2008, a expectativa de incobrabilidade atingiu os € 6.104.392,96, correspondendo a cerca de 58% do total das dívidas de terceiros desse ano, de € 10.554.462,62.
72. O volume de negócios do ano de 2002 foi de € 17.966.283,00, ficando a escassos € 33.718,00 de ultrapassar a barreira dos € 18.000.000,00.
73. As arguidas Emília e Maria acordaram com os arguidos Manuel, Alfredo e António (falecido), estes na qualidade de administradores da cooperativa, em meados de 2003, como supra referido, que a fixação do prémio anual de desempenho do ano de 2003 estava dependente de o volume de negócios ultrapassar a “barreira” dos 18 milhões de euros.
74. Nesse ano de 2003, o Volume de Negócios da X ascendeu a € 18.001.261,17.
75. O prémio anual bruto para o ano de 2003 a receber pela arguida Emília, sob a forma de gratificação ocasional, foi fixado no valor correspondente a 12 meses do seu ordenado mensal ilíquido (base), o que, nessa data, ascendia a € 46.800,00.
76. Assim, o aumento exigido no volume de negócios (de € 33.718,00) para atribuição do prémio de desempenho no ano de 2003 à arguida Emília é inferior ao valor do prémio a atribuir (de € 46.800,00);
77. O aumento do volume de negócios não corresponde, de forma directa, a lucro efectivo, pois àquele valor deverão ser deduzidos os custos (caso existam) necessários à sua formação.
78. Assim, em termos práticos, o aumento verificado no volume de negócios não chegou sequer para pagar o prémio atribuído, o que os arguidos, Emília, Maria, Manuel, Alfredo e António (falecido) bem sabiam.
79. Nos anos de 2004, 2005 e 2006, por sugestão das arguidas Emília e Maria foram emitidas nove Declarações de dívida por parte de clientes da X, nas quais os seus subscritores declaram ser devedores à X de determinadas quantias que se encontram devidamente apuradas na contabilidade da credora e são provenientes de produtos vendidos, serviços prestados e outros pela X aos declarantes.
80. Nessas “Declarações”, é mencionado o comprometimento dos devedores de saldar os valores em causa até determinada data, bem como que aceitam e se obrigam a indemnizar, a título de cláusula penal, a X pelo seu incumprimento já verificado, através do aceite, na data dessas declarações, de letras de câmbio, de valor correspondente a uma determinada percentagem do valor em dívida, do qual se confessam também devedores.
81. Mais concretamente, as declarações são as seguintes:

DataNomeDívida €IndemnizaçãoFls.
Autos
Valor € %
01.12.04Maria S.151.570,88 111.500,00 73,56110
31.12.05M. A. e marido168.022,99117.616,90 70,0098
31.12.05J. C.347.749,20173.874,60 50,0099
31.12.06Manuel e esposa589.848,92442.386,69 75,00102
31.12.06M. A. e marido239.670,42119.835,21 50,00101
31.12.06Sociedade Agrí. Irmãos P.972.320,51325.000,00 33,43105
31.12.20José C. e esposa266.257,14133.128,57 50,00104
31.12.06J. A.468.578,03351.433,52 75,00107
31.12.06Alfredo e esposa, 143.752,3535.938,09 25,00108
Totais3.347.770,441.810.713,58
82. Nas “Declarações” em causa é mencionada a data em que as letras de câmbio emitidas a título de indemnização se vencerão, bem como que as mesmas serão executadas caso os declarantes não tenham, entretanto, evidenciado o cumprimento dos compromissos (agora) assumidos perante a X,
83. Assim, as letras de câmbio aceites pelos devedores somente seriam descontadas pela X se aqueles não saldassem até à data de vencimento dessas letras os valores em dívida constantes das “Declarações” que assinaram, conforme quadro seguinte:

DataNomeValorFls.
Autos
EmissãoVencimento
31/12/200428/02/2005Maria S.111.500,00 €109
31/12/200530/11/2006M. A. e marido117.616,90 €97
31/12/200515/12/2006J. C.173.874,60 €97
31/12/200631/12/2007Manuel e esposa442.386,69 €100
31/12/200631/12/2007M. A. e marido119.835,21 €100
31/12/200631/12/2007Sociedade Agrícola Irmãos P., Lda325.000,00 €103
31/12/200631/12/2007José C. e esposa133.128,57 €103
31/12/200631/12/2007J. A.351.433,52 €106
31/12/200631/12/2007Alfredo e esposa, 35.938,09 €106
Total1.810.713,58 €
84. No entanto, por ordem das arguidas Emília e Maria, a relevação contabilística que foi atribuída aos valores das indemnizações pelos incumprimentos já referidos foi a que abaixo se refere;
85. Numa primeira fase, com a declaração da dívida pelo incumprimento, reconhecimento do crédito pela X, CRL., foi debitada a conta de clientes em nome do respectivo devedor por contrapartida do crédito de uma conta de proveitos extraordinários, nomeadamente, débito da conta 2111.(***) - Clientes Conta Corrente Nacionais/(código cliente) e crédito da conta 795 – Proveitos e Ganhos Extraordinários/Benefícios Penalidades Contrat., conforme quadro seguinte:

Lançamento ContabilísticoDeclaração Dívida em Nome deContasValor €Fls.
Apenso 3
DataDébitoCrédito
31/12/2004328Maria S.2111.3202795111.500,00 58 e 60
Total ano de 2004111.500,00
31/12/2005303J. C.2111.929795173.874,6052 e 55/6
31/12/2005304M. A. e marido2111.3608795117.616,9052/4
Total ano de 2005291.491,50
31/12/2006308J. C.2111.929795351.433,5236 e 50/1
31/12/2006309Alfredo e esposa2111.40379535.938,0936 e 48/9
31/12/2006310J. C. C. e esposa2111.4065795133.128,5736 e 46/7
31/12/2006311Sociedade Agrí. Irmãos P.2111.3844795325.000,0036 e 44/5
31/12/2006312M. A. e marido2111.3608795119.835,2136 e 42/3
31/12/2006313Manuel e esposa2111.87795442.386,6936 e 40/1
Total ano de 20061.407.721,78
TOTAL GLOBAL1.810.713,58
86. Posteriormente, com o aceite da letra de crédito, foi creditada a conta de clientes de conta corrente e debitada a conta de clientes títulos a receber, nomeadamente, crédito da conta 2111.(***) - Clientes Conta Corrente/Nacionais/(código cliente) e débito da conta de 2121.(***) - Clientes Títulos a Receber/Nacionais/(código cliente), conforme quadro seguinte.

Lançamento ContabilísticoDeclaração Dívida em Nome deContasValorFls.
Apenso 3
DataDébitoCrédito
31/12/2004329Maria S.2121.32022111.3202111.500,00 €58 e 59
Total ano de 2004111.500,00 €
31/12/2005302J. C.2121.9292111.929173.874,60 €52 e 57
31/12/2005302M. A. e marido2121.36082121.3608117.616,90 €52 e 57
Total ano de 2005291.491,50 €
Lançamento ContabilísticoDeclaração Dívida em Nome deContasValorFls.
Apenso 3
DataDébitoCrédito
31/12/2006316J. C.2121.9292111.929351.433,52 €36 e 37
31/12/2006316Alfredo e esposa2111.4032121.40335.938,09 €36 e 37
a)
31/12/2006315José C. e esposa2121.40652111.4065133.128,57 €36 e 38
31/12/2006315Sociedade Agrí.Irmãos P..2121.38442111.3844325.000,00 €36 e 38
31/12/2006314M. A. e marido2121.36082111.3608119.835,21 €36 e 39
31/12/2006314Manuel e esposa2121.872111.87442.386,69 €36 e 39
Total ano de 20061.407.721,78 €
TOTAL GLOBAL1.810.713,58 €
a) No documento de suporte ao lançamento nº 316, no valor de 35.938,09 €, consta a anotação para ser debitada a conta 2121 e creditada a conta 2111 (“2121/2111”), sendo que, no registo informático, existiu uma inversão do lançamento, tendo o mesmo sido corrigido no ano de 2007, através do lançamento nº 138 de 29 de Março, conforme fls. 3, 4 e 6 a 9 do Apenso V.
87. Nos Mapas das Provisões dos anos de 2006 e 2007 resulta que, no final do ano de 2007 se encontrava provisionado:
a) o valor das nove letras de crédito assinadas pelos clientes;
b) e relativas às indemnizações atrás referidas, constando na linha relativa à “Provisão para créditos de cobrança duvidosa” o montante de € 1.810.713,58 (conforme fls.95 e 96 do Apenso 6).
88. Após a cessação de funções dos arguidos, Emília, Maria, Manuel, Alfredo e António (falecido), na cooperativa, esta decidiu, por intermédio dos seus directores, anular algumas das letras de câmbio que serviam de garantia ao pagamento das cláusulas penais, acima referidas:
a) em 23/02/2009, a letra de crédito aceite por Manuel no valor de € 442.386,69;
b) em 23/02/2009, a letra de crédito aceite por Alfredo no valor de € 35.938,09;
c) em 05/03/2009 a letra de crédito aceite pela “Sociedade Agrícola Irmãos P., Lda”. no valor de € 325.000,00, todas sacadas em 31/12/2006 e com vencimento em 31/12/2007 – veja-se o quadro do ponto 82, infra.
89. Assim, em 16/12/2010, foi transferida para a conta de “Adiantamentos de cliente” a quantia de € 202.439,38, correspondente a cerca de 85% do valor das duas letras aceites, em 31/12/2005 e 31/12/2006, por Joaquina, uma de € 117.616,90 e a outra de € 119.835,21, e com vencimento em 30/11/2006 e 31/12/2007, respectivamente.
90. A contabilização das letras de crédito relativas aos valores das indemnizações por incumprimentos permitiram que os Resultados Extraordinários e, consequentemente, os Resultados Líquidos obtidos pela X, nos anos de 2004, 2005 e 2006, fossem afectados positivamente pelo valor das mesmas, uma vez que foram contabilizados como Proveitos e Ganhos Extraordinários.
91. Fruto de uma acção de fiscalização realizada pelos Serviços de Fiscalização do Norte, Sector de Braga, do Instituto da Segurança Social, IP, foram apurados pagamentos de remunerações a título de “Gratificação Ocasional”, no período de Maio de 2003 a Março de 2006, efectuados pela X às arguidas Emília e Maria, sobre os quais não incidiram descontos para a Segurança Social, tendo sido apuradas contribuições em falta no montante de € 169.049,19 e reclamados juros de mora no valor global de € 30.229,94 (soma de € 23.929,58 + € 6.300,36).
92. Por ordem das arguidas Emília e Maria, contabilisticamente, foram efectuados os movimentos abaixo mencionados;
93. As contribuições em atraso, no montante de 169.049,19 €, foram, em 13/04/2006, consideradas como custo através do seu lançamento a débito na conta 6958 – Custos e Perdas Extraordinárias / Multas e Penalidades / Outras Penalidades, por contrapartida do reconhecimento da dívida ao Instituto de Segurança Social (conta 245) (cfr. fls. 83, 86/7 e 94 do Apenso 6).
94. Na mesma data, foi anulado o efeito deste custo nos Resultados da empresa através do crédito de igual montante, 169.049,19 €, na conta 796 – Proveitos e Ganhos Extraordinários / Reduções de Provisões, por contrapartida do débito na conta 298 – Provisões / Outras Provisões (cfr. fls. 84/6 e 94 do Apenso 6).
95. Os juros de mora relativos aos meses de Maio de 2003 a Agosto de 2005, no montante de 23.929,58 €, foram, em 28/12/2006, considerados como custo na conta 6815 – Custos e Perdas Financeiras / Juros Suportados / Juros de Mora e Comp., por contrapartida do crédito na conta 111 – Caixa (cfr. fls. 93 e 134/6 do Apenso 6).
96. Na mesma data, foi anulado o efeito deste custo nos Resultados da empresa através do crédito de igual montante, 23.929,58 €, na conta 796 – Proveitos e Ganhos Extraordinários / Reduções de Provisões, por contrapartida do débito na conta 298 – Provisões / Outras Provisões (cfr. fls. 84/5 e 93 do Apenso 6).
97. Os juros de mora relativos aos meses de Agosto de 2005 a Fevereiro de 2006, no montante de 6.300,36 €, foram, em 31/13(mês contabilístico)/2006, considerados como custo na conta 6815 - Custos e Perdas Financeiras / Juros Suportados / Juros de Mora e Comp., por contrapartida do crédito na conta 2739 – Acréscimos e Diferimentos / Acréscimo de Custos / Outros Acréscimos de (cfr. fls. 89 a 91 do Apenso 6).
98. Até 01-03-2006, não tinha sido constituída nenhuma provisão por conta dos encargos e juros atrás referidos (cfr. extracto da conta 298 – Provisões / Outras provisões de fls. 101 do Apenso 6).
99. A contabilização como Proveito Extraordinário do valor das contribuições devidas à Segurança Social por conta das remunerações a título de “Gratificação Ocasional” pagas a funcionários, no montante de 169.049,19 €, e dos respectivos juros de mora relativos aos meses de Maio de 2003 a Agosto de 2005, no valor de 23.929,58 €, anularam o efeito da relevação desses custos, ou seja, sem o registo destes movimentos os Resultados Líquidos apurados pela X, CRL. no ano de 2006 seriam negativos.
100. No dia 30.12.2008, os arguidos Manuel, António (falecido) e Alfredo reuniram nas instalações da cooperativa, na qualidade de membros da sua direcção, e decidiram anular, por nota de crédito, o valor de € 79.163,87 transferido para a conta valores a regularizar de Manuel (1.º arguido acima referido) em 31.08.2008, e o valor de € 14.370,79 transferido para a conta valores a regularizar de Alfredo (3.º arguido acima referido) em 31.08.2008, justificando tal conduta com a circunstância de «serem avalistas pessoais da cooperativa, estando impedidos de recorrer ao crédito bancário, facto esse que os impossibilitava de regularizarem as suas contas com a cooperativa que, nessas circunstâncias, “lhes deve mais do que o que eles lhe devem”» (cfr. fls. 90 do processo apenso 924/09.0 TAVNF).
101. Os arguidos Manuel, António (falecido) e Alfredo decidiram perdoar parte da dívida que dois deles tinha para com a cooperativa, bem sabendo que com isso, reduziam o valor monetário de que a mesma era credora em relação a si.
102. No período compreendido entre o ano 2003 e o ano de 2008, o Volume de Negócios da cooperativa teve uma evolução favorável ao longo deste período, com excepção no ano de 2006, tendo passado de € 18.001.261,17 no ano de 2003 para € 25.170.583,00 no ano de 2008, mais concretamente:

ANO200320042005200620072008
Vendas Mercadorias17.440.031,2620.662.010,2921.111.201,0419.815.934,3322.453.756,7424.604.259,54
Vendas Produtos0,000,000,009.204,198.087,997.945,72
Prestações Serviços561.229,91656.605,35640.625,91629.157,81555.219,86558.377,74
Volume Negócios18.001.261,1721.318.615,6421.751.826,9520.454.296,3323.017.064,5925.170.583,00
Variação ---18,43%2,03%-5,97%12,53%9,36%

103. Os Resultados Operacionais, isto é, os resultados ligados à actividade principal da cooperativa, foram sempre negativos ao longo dos anos de 2003 a 2008, pioraram entre 2003 e 2006, passando de € -233.007,95 para € -1.755.917,85, respectivamente, melhoraram em 2007, foram de -667.414,37 €, e agravaram-se em 2008, no qual ascenderam a € -3.700.474,63, estes últimos fruto, na sua quase totalidade, de Ajustamentos do Exercício relevados nesse ano no valor de -€ 3.318.685,59 , que correspondem à constituição/reforço de Provisões para Créditos de Cobrança Duvidosa e por Créditos em Mora:

200320042005200620072008
-233.007,95€-280.287,72€-609.047,21€-1.755.917,85€-667.414,37€-3.700.474,63€
Variação20,29%117,29%188,31%-61,99%454,45%



104. Os Resultados Líquidos da cooperativa foram positivos nos anos de 2003 a 2007, oscilando entre os € 10.732,76 apurados em 2003 e os € 12.778,88 em 2006, e negativos no ano de 2008 no valor de € -3.142.936,69, devendo-se estes últimos aos avultados Resultados Operacionais negativos ocorridos nesse ano, de -€ 3.700.474,63;
200320042005200620072008
10.732,76€12.196,51€12.125,57€12.778,88€12.645,78€-3.142.936,69€
Variação13,64%-0,58%5,39%-1,04%-24.953,64%

105. Do total das Dívidas de Terceiros do ano de 2003, no montante de 5.657.650,08 €, era expectável que a X, CRL não conseguisse cobrar 764.656,45 €, correspondendo a cerca de 14%, enquanto que no ano de 2008 a expectativa de incobrabilidade atingiu os 6.104.392,96 €, correspondendo a cerca de 58% do Total das Dívidas de Terceiros desse ano, de 10.554.462,62 €.
106. No mesmo período, entre o ano 2003 e o ano de 2008, a Margem Bruta das Vendas passou de 5,86% no ano de 2003 para 4,84% no ano de 2008, ressalvando-se que nos anos de 2004 a 2007 a mesma oscilou entre os 5,94% e os 7,39%.
107. Não obstante estarem cientes dos acordos celebrados e acima referidos e apesar de, desde finais de 2008, terem sido veiculadas publicamente, quer através de notícias publicadas em jornais locais (cfr. fls. 19 a 21 do processo apenso 924/09.0 TAVNF), quer através de distribuição anónimas de panfletos, a existência de pagamentos de “salários milionários” na cooperativa, os arguidos Manuel, Alfredo e António, na qualidade de membros da direcção da cooperativa, no dia 22.12.2008, fizeram publicar uma informação dirigida aos cooperadores negando pagamentos dessa natureza às arguidas Emília e Maria (cfr. fls. 41 do processo apenso 924/09.0 TAVNF).
108. As arguidas, Emília e Maria, determinaram a relevação contabilística das Facturas, Notas de Crédito e Contribuições para a Segurança Social nos termos acima referidos com o objectivo de a X, CRL, apresentar Resultados Líquidos positivos e de que o pagamento às mesmas de remunerações a título de “Gratificação Ocasional” e “Gratificações”, supra referidas, não ser posto em causa, em Assembleia-Geral, se a X CRL apresentasse Resultados Líquidos negativos, mesmo que as metas impostas para o pagamento de tais remunerações, designadamente, relacionadas com o Volume de Negócios, tivessem sido atingidas.
109. Todos os arguidos ao agirem do modo descrito sabiam que violavam deveres de cuidado inerentes à gestão da cooperativa e que, assim, provocavam um prejuízo à cooperativa, nos montantes acima referidos, o que quiseram.
110. Os arguidos Manuel, Alfredo e António (falecido) sabiam que concediam proveitos patrimoniais às duas arguidas, Emília e Maria, e que perdoavam dívidas a si próprios, bem sabendo que isso contrariava os ditames de uma gestão criteriosa e racional e, bem assim, o princípio cooperativo “interesse pela comunidade”.
111. As arguidas Emília e Maria agiram ainda com a intenção de manipular/alterar a contabilidade da cooperativa, com a intenção de, assim, obterem a atribuição dos prémios/gratificações à custa da cooperativa.
112. As arguidas Emília e Maria agiram, ainda, com a intenção de mandar elaborar documentos (factos constantes dos pontos 58 a 67), tendo os mesmos apostas datas de emissão anteriores àquelas em que, efectivamente, foram elaborados, de molde a que os seus dados assim fossem incluídos em documentos contabilísticos relativos a exercícios de ano anterior, bem sabendo que, dessa forma, abalavam a fé pública, a confiança das pessoas e segurança do comércio jurídico na veracidade daqueles documentos, ofendendo, assim, um interesse legítimo do Estado e da própria cooperativa, com o intuito de, nos termos acima mencionados, não verem colocado em causa o auferimento das gratificações adicionais acima mencionadas.
113. Os arguidos previram e quiseram actuar do modo acima referido.
114. Em todas as circunstâncias supra referidas, os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e criminalmente punidas;
*
- Factos alegados no pedido cível deduzido pela assistente, X, Crl.:

115. Parte do volume de vendas da cooperativa era gerado pela venda de leite;
116. A venda de leite da cooperativa ascendia a milhões de euros e gerava reduzida margem de lucro;
*
- Factos alegados no pedido cível deduzido pela Massa Insolvente de Sociedade Agrícola de Irmãos P., Lda:

117. A Sociedade Agrícola Irmãos P., Lda., é cooperante de X, Lda.,.
*
- Factos respeitantes aos antecedentes criminais dos arguidos e às suas situações pessoais:

118. A Sociedade Agrícola Irmãos P., Lda., é cooperante de X, Lda..
119. A arguida Emília não tem antecedentes criminais averbados no respectivo c.r.c..
120. A arguida Maria não tem antecedentes criminais averbados no respectivo c.r.c..
121. O arguido Manuel não tem antecedentes criminais averbados no respectivo c.r.c..
122. O arguido Alfredo não tem antecedentes criminais averbados no respectivo c.r.c..
123. A arguida Emília é filha única de um casal originário da Freguesia de …, Maia, localidade onde cresceu e se fixou até à presente data.
124. Os progenitores da arguida Emília, de estatuto socio-económico médio / baixo – o pai trabalhava como chefe de manutenção de maquinaria e a mãe como operária fabril –, garantiram-lhe os cuidados de que carecia, partilhados, até a idade escolar, pela ama que cuidou dela e com quem, também, estabeleceu relações de afecto.
125. A supervisão da arguida Emília, durante o seu processo de desenvolvimento, foi assegurada pela progenitora, que a imbuiu de todos os valores assentes numa prática religiosa católica
126. A arguida Emília teve, ainda, oportunidade de desenvolver o gosto pelo teatro, música e dinamização da sua comunidade, através das experiências transmitidas pelo avô materno (músico) e pai (frequentador assíduo, juntamente com a progenitora, do teatro de revista e um dos fundadores da Associação cultural e Recreativa “...”.
127. A dinâmica familiar do agregado de origem da arguida Emília foi positiva e marcada por laços de afectividade entre os membros;
128. A arguida Emília ingressou no ensino em idade regulamentar, tendo o seu percurso escolar decorrido com sucesso.
129. A arguida Emília ficou, no ano de 1982, habilitada com a licenciatura do curso superior de Economia da Faculdade de Economia, não obstante a inicial preferência pela formação em engenharia electrotécnica.
130. A arguida Emília frequentou também, com aproveitamento, alguns dos níveis do Instituto Britânico, mais-valia que mais tarde, em termos profissionais, lhe facilitaram a respectiva actividade.
131. Ainda em 1982, a arguida Emília iniciou a actividade profissional na então designada Cooperativa de Produtores de Leite … SCRL, na organização da contabilidade, tendo, passado pouco tempo, sido nomeada pela Direcção do Conselho de Administração Directora-Geral, actividade que manteve até ao dia 5 de Janeiro de 2009, altura em que foi demitida por uma nova Direcção, entretanto eleita.
132. A arguida Emília casou com 28 anos de idade, tendo, desta relação que caracterizou como de grande afectividade e duradoura, um filho, actualmente com 25 anos de idade.
133. No período a que se reportam os factos acima descritos, a arguida Emília exercia a função de Directora-Geral na assistente, X.
134. No mesmo período, o marido da arguida Emília também se encontrava laboralmente activo, auferindo um salário aproximado de €2.000,00 por mês.
135. A arguida Emília e marido conseguiam, não só assegurar as despesas do quotidiano, como garantir o processo educativo do filho, possibilitando-lhe a frequência do ensino superior privado.
136. No período acima mencionado, o filho da arguida integrava, ainda, o núcleo familiar, tendo, entretanto, constituído agregado autónomo com o casamento, mantendo os respectivos membros relações afectivas e de proximidade, extensíveis à família alargada, nomeadamente, à mãe e tio materno.
137. No mesmo período, a arguida Emília habitava uma moradia sita na Freguesia de ..., Concelho da Maia, construída num terreno propriedade dos pais, custeada com a ajuda destes últimos e de um plano poupança-habitação;
138. No mesmo período, a arguida Emília ocupava os tempos livres na participação em feiras e congressos da sua área profissional, a viajar, no convívio social e no gozo de férias, por regra, no Algarve, e participava, em regime voluntário, no apoio às actividades dinamizadas pela Paróquia ….
139. Actualmente, a arguida Emília mantém a situação familiar e habitacional acima descrita.
140. A mãe da arguida Emília integrou o seu agregado familiar, por se encontrar dependente, assegurando-lhe a arguida os cuidados de que carece.
141. Em 2011, a arguida Emília constituiu uma empresa, “GG”, Equipamentos, Serviços e Soluções Sustentáveis Unipessoal Lda., que desenvolvia actividade no âmbito das energias renováveis, em sistema de franchising, com o qual não obteve os resultados esperados, facto pelo qual, em 2014, denunciou o respectivo contrato.
142. A arguida Emília manteve a actividade profissional nesta empresa, como trabalhadora por conta de outrem, com resultados aquém do pela mesma esperado.
143. O respectivo insucesso, assim como o sofrimento e revolta sentidos pelo presente processo, provocaram na arguida Emília perturbações significativas, entre elas, sintomatologia depressiva, com sujeição a acompanhamento psiquiátrico, encontrando-se actualmente de baixa médica, a qual está reforçada pelo problema de saúde – de foro urológico – que careceu de intervenção cirúrgica no passado mês de Agosto.
144. A actual situação económica da arguida Emília revela-se, segundo a própria, algo precária, sendo que aufere o salário mínimo nacional que, acrescido do valor reforma auferida pelo marido, como funcionário do Ministério da Agricultura, e do rendimento auferido como trabalhador independente, não asseguram as despesas do agregado familiar, facto pelo qual aquela nos referiu ter necessidade de recorrer a algumas poupanças ou crédito bancário.
145. O tempo livre de que a arguida Emília, actualmente, dispõe ocupa-o nos cuidados a prestar à mãe e na participação em algumas actividades dinamizadas pela Paróquia ….
146. O processo de desenvolvimento e de socialização da arguida Maria, filha única, teve origem no seio de uma família de situação social e económica remediada, mercê do exercício laboral de ambos os progenitores, com dinâmica integradora dos seus membros e regida por valores éticos e normativos.
147. A arguida Maria, em idade própria, ingressou no sistema de ensino, que prosseguiu até à sua licenciatura em auditoria, após a conclusão do bacharelato em contabilidade.
148. Ao longo do percurso académico, a arguida Maria sempre trabalhou em paralelo com a sua licenciatura, em prol da independência e autonomia financeira, que sempre prezou.
149. A arguida Maria iniciou-se laboralmente em 1990, como professora, tendo leccionado durante cerca de 4 anos na Escola Secundária …, em Vila Nova de Famalicão.
150. Motivada para prosseguir uma carreira noutra área, a arguida Maria laborou, durante cerca de um ano, numa empresa de construção civil, que deixou por melhores condições laborais e salariais.
151. A arguida Maria manteve-se, a partir de então, a trabalhar numa empresa do sector automóvel, sedeada no Porto, como Directora Administrativa e Financeira, durante cerca de 6 anos.
152. Em 2003, a arguida Maria contraiu matrimónio, iniciando uma nova etapa na sua vida pessoal/familiar, que a levou a decidir ingressar na assistente X, em Vila Nova de Famalicão, com o objetivo de se fixar nesta cidade.
153. Em Maio de 2003, depois de ter ingressado na assistente X, o casal constituído pela arguida Maria e marido adquiriu um apartamento em Vila Nova de Famalicão, onde se fixou.
154. A arguida Maria foi mãe em 2004 e beneficiou do suporte logístico e familiar dos pais, que residiam próximo, no cuidado e acompanhamento da filha, o que lhe permitia maior disponibilidade para o exercício laboral, no qual se envolvia, dedicando grande parte do seu tempo.
155. Em 2006, a arguida Maria iniciou um período de instabilidade na relação conjugal, que culminou na sua ruptura e processo de divórcio litigioso, que se arrastou até 2011.
156. Em 2009, após tomada de posse da nova Direcção e Órgãos Sociais da assistente X, a arguida Maria foi despedida, permanecendo em situação de desemprego até 2012 e passando a residir, na companhia da filha, actualmente com 12 anos de idade, em casa dos pais, onde se mantém, e que constituíram e constituem o seu principal suporte de retaguarda.
157. Pese embora seja proprietária de um apartamento em Vila do Conde, adquirido em 1996, porque dispõe do suporte de retaguarda dos pais no acompanhamento da filha, a arguida Maria continua a residir junto daqueles, em Vila Nova de Famalicão.
158. Em 2012, a arguida Maria começou a trabalhar na sociedade P. – Construções metálicas, Lda, em Vila do Conde, onde desempenha a função de Directora Financeira, auferindo um montante mensal de € 1397,00.
159. O arguido Manuel descende de um núcleo familiar numeroso (pais e 9 irmãos) cujo meio de subsistência provinha, essencialmente, da agricultura, actividade desenvolvida pelos seus progenitores.
160. O seu processo de crescimento/desenvolvimento decorreu no seio deste agregado, inicialmente marcado por algumas dificuldades económicas, caracterizado pela entreajuda e coesão ao nível das relações intra-familiares.
161. O arguido Manuel ingressou no sistema de ensino em idade própria, tendo-se habilitado com o 4º ano de escolaridade.
162. O arguido Manuel deixou de frequentar a escola por opção pessoal e começou a trabalhar para apoiar a família.
163. O arguido Manuel, desde muito cedo, dedicou-se a apoiar os pais na produção agrícola que os mesmos detinham, actividade que desenvolveu até cumprir o Serviço Militar Obrigatório.
164. Regressado do Serviço Militar Obrigatório, o arguido Manuel trabalhou como motorista de pesados cerca de 2/3 anos, ocasião em que decidiu instalar-se como agricultor por conta própria, com o cônjuge, negócio que evoluiu da produção agrícola para a criação de gado de leite.
165. Desde então, o arguido Manuel subsistiu deste modo de vida, assim como os restantes familiares, registando uma rentabilidade económica que permitia à família usufruir de uma condição de vida equilibrada.
166. Reformado há cerca de 2 anos, o arguido Manuel continua a auxiliar os filhos na actividade agrícola.
167. O arguido Manuel casou aos 26 anos de idade, relacionamento conjugal que mantém e de que existem dois filhos maiores de idade, o mais velho já autonomizado do agregado.
168. O arguido Manuel tem o relacionamento com a mulher como gratificante e de entreajuda ao nível da interacção familiar.
169. No período a que se reportam os factos acima descritos, o arguido Manuel integrava o agregado constituído de que faziam parte o cônjuge e os dois filhos do casal, ambos de maior idade.
170. No mesmo período, o filho mais velho do arguido Manuel frequentava o ensino superior universitário.
171. No aludido período, o arguido Manuel residia em casa tipo moradia, herança de família do cônjuge, inserida em meio rural e com adequadas condições de habitabilidade.
172. Activo profissionalmente como agricultor, o arguido Manuel, no mesmo período, desenvolvia a actividade com a ajuda da esposa e dos filhos, e subsistia dos ganhos obtidos, à data de maior valor que o actual, sobretudo da produção de leite, que possibilitavam ao agregado usufruir de uma situação económica estável.
173. Na mesma altura, o arguido Manuel ocupava o tempo livre, essencialmente, no convívio com a família constituída, outros familiares largados e alguns amigos mais próximos.
174. Porque integrava a direcção da Cooperativa Agrícola e de Produtores de Leite … - “ X”, a assistente, como secretário, o arguido Manuel destinava algum do seu tempo à mesma.
175. Actualmente, o arguido Manuel mantém inalterado o seu enquadramento socio-familiar e habitacional, assim como o modo de vida que apresentava.
176. Apesar de reformado, o arguido Manuel continua a gerir o seu quotidiano em função do trabalho que ainda desenvolve e que pretende, a curto prazo, ceder aos filhos.
177. Economicamente, o arguido Manuel subsiste da pensão de reforma que aufere, no montante de € 495,00 / mês, dos ganhos do trabalho e, de algum património de que dispõe, parte dele adquirido por herança.
178. O arguido Alfredo é o nono de onze irmãos de um agregado com uma dinâmica familiar harmoniosa e de apoio mutuo.
179. Os pais do arguido Alfredo eram agricultores e detinham uma situação económica estável, o que permitiu a criação de condições de estimulação educativa favoráveis a todos os descendentes, alguns dos quais com acesso a níveis académicos superiores.
180. O arguido Alfredo ingressou no sistema de ensino em idade própria, tendo a escolaridade equivalente ao actual 6º ano de escolaridade.
181. Algum desinteresse pela prossecução da escolaridade, compeliu o arguido Alfredo contava 15 anos de idade, a integrar a vida activa, na exploração agrícola parental, num contexto protector e responsabilizante, no desenvolvimento de actividades diversas relacionadas com a produção agrícola (milho), criação de gado bovino e exploração da actividade leiteira.
182. O arguido Alfredo permaneceu junto do agregado de origem até aos 27 anos de idade, altura em que casou, mantendo tal matrimónio até à actualidade, tendo a respectiva relação afectiva como gratificante.
183. A partir do respectivo casamento, o arguido Alfredo passou a viver em casa dos sogros, também agricultores de profissão, detentores duma exploração agrícola que, ao longo dum período de dez anos, foi alvo de projectos de modernização e rentabilização elaborados e implementados pelo arguido, seu actual proprietário.
184. Paralelamente, ao longo do seu ciclo de vida activo, o arguido Alfredo, foi assegurando a gestão do espaço familiar/economia doméstica bem como, no quotidiano, um acompanhamento atento do único descendente, nascido na constância do matrimónio, num ambiente securizante e protector, com partilha de responsabilidades com cônjuge, considerando-se realizado com os diferentes papéis que realiza como pai, no exercício das funções parentais, como homem, a nível da conjugalidade e como profissional na área agrícola, relacionada sobretudo com a exploração leiteira e criação de gado bovino (cem vacas).
185. À data dos factos acima descritos, o arguido Alfredo residia com o cônjuge, filho e sogro, com uma dinâmica familiar normativa.
186. O arguido Alfredo, à data dos factos acima descritos, trabalhava na exploração agrícola acima mencionada, assim como o cônjuge e filho do casal, situação que se mantém na actualidade.
187. O arguido Alfredo dispõe de boas condições de vida, consonantes com as suas expectativas pessoais, que possibilitam um estilo de vida saudável e desafogado, dispondo de rendimentos em valor mensal não apurado que lhe permitem fazer face a despesas mensais fixas de cerca de € 2 000,00, correspondentes ao pagamento de prestações relativas a empréstimos bancários contraídos e ao consumo de energia eléctrica da exploração agrícola e na sua residência.
188. O arguido Alfredo ocupa o tempo livre de que dispõe, domingo, sobretudo em casa, com a família e amigos;
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II.B. FACTOS NÃO PROVADOS (com relevância para a decisão final):

- Factos constantes a acusação e pronúncia:

1. Enquanto estrutura cooperativa, a existência da X é anterior à década de 80 do séc. XX.
2. A arguida Emília, pelo menos desde 2003, com o acordo dos membros da direcção e da própria, bem como da arguida Maria a partir da sua entrada na cooperativa, por si só, geria os recursos e património desta, gozando de poderes de gestão que a habilitavam a dispor de tais recursos e património e a vincular a cooperativa perante terceiros.
3. As arguidas Emília e Maria eram, na prática, as únicas dirigentes dos destinos económicos da cooperativa.
4. As arguidas Emília e Maria desenvolveram ou gizaram um plano que lhes propiciasse a apropriação de avultadas quantias, que decidiram em comum atribuir a si próprias, criando uma aparência de legitimidade, mas que violavam os interesses que lhes cabiam na regular gestão da cooperativa.
5. Em data não concretamente apurada, mas seguramente desde meados de 2003 e até Dezembro de 2008 (altura em que foi eleita uma nova direcção), as arguidas Emília e Maria idealizaram a possibilidade de, através da gestão e recursos disponíveis na cooperativa, obterem proveitos económicos para si, muito superiores aos que lhe seriam normalmente devidos.
6. Para tanto, as arguidas Emília e Maria contaram com a colaboração dos arguidos Manuel, Alfredo e António, os quais permitiram intencionalmente que as arguidas executassem o seu plano, o qual bem conheciam e que sabiam prejudicar os interesses da cooperativa e eram contrários à sua missão.
7. As decisões de atribuição de remunerações, gratificações e regalias às arguidas Emília e Maria tomadas pelos arguidos em reuniões de direcção entre 2003 e 2008, referidas na matéria de facto provada, foram pelos mesmos tomadas por influência / sugestão das aludidas arguidas.
8. O subsídio referido no ponto 30 da matéria de facto provada foi atribuído pela Direcção apenas para compensação de utilização de viatura própria nas deslocações de e para a cooperativa.
9. Os arguidos, os três membros da Direcção e as duas arguidas, não avaliaram o impacto com as despesas com pessoal nem o justificaram.
10. O TOC da cooperativa recomendou à arguida Emília que fossem processados descontos a favor da Segurança Social respeitantes às gratificações auferidas pelas arguidas em cumprimentos dos acordos referidos na matéria de facto provada.
11. Desde meados de 2003, em consequência directa da acção das arguidas Emília e Maria, a informação financeira e documentos contabilísticos da X passaram a não traduzir a imagem verdadeira e apropriada da situação financeira e dos resultados da operação da cooperativa, conseguindo assim que lhes fossem pagos os prémios / gratificações correspondentes.
12. Com efeito, ao arrepio das mais elementares normas contabilísticas, as arguidas Emília e Maria, desde meados de 2003, manipularam os resultados da cooperativa, atingindo, com tais resultados, os objectivos e metas que estavam traçados nos acordos celebrados com a direcção.
13. Os arguidos actuaram com intenção de criar a aparência de legitimidade do recebimento das gratificações pelas arguidas por força de uma suposta “brilhante” gestão, que mais não era do que ruinosa para os interesses da cooperativa.
14. As arguidas, para conseguir garantir o recebimento de quantias a título de gratificações ou outras, independentemente da valia da sua gestão, decidiram fixar os prémios de desempenho em função do volume de negócios e não em função dos resultados obtidos;
15. Para aumentar o valor do volume de negócios e, desse modo, garantir que fossem atingidos os referidos objectivos (dos quais dependia a atribuição dos prémios) foram emitidos documentos de venda ou de prestação de serviços que não correspondem a efectivas transacções comerciais, que foram posteriormente anulados, como ocorreu no ano de 2007;
16. As arguidas, para garantir o pagamento dos prémios, decidiram condicionar o pagamento dos mesmos em função apenas do volume de negócios, independentemente da boa cobrança do facturado.
17. Por força da forma simplista como foram estabelecidos os objectivos para a atribuição dos ditos prémios, as arguidas Emília e Maria passaram a gerir unicamente a cooperativa com o escopo de atingir os objectivos fixados em termos de volume de negócio, descurando a Missão da cooperativa, não se importando com os interesses desta mas os seus, concretizados nas gratificações aludidas.
18. Novamente com vista à manipulação da contabilidade da cooperativa, com o único intuito de se alcançar os objectivos fixados e assim receber os prémios acordados, as arguidas desenvolveram ainda outros comportamentos, nomeadamente a contabilização de cláusulas penais.
19. A inclusão das cláusulas penais referidas na matéria de facto provada não passava de uma simulação, permitindo assim às arguidas registar tais cláusulas contabilisticamente de modo a aumentar as vendas da cooperativa e, por conseguinte, o volume de negócios.
20. O valor das indemnizações referidas na matéria de facto provada não passava de uma simulação, tendo sido contabilizadas por ordem das arguidas Emília e Maria de forma a aumentar as vendas da cooperativa e, por conseguinte, o volume de negócios.
21. Para obter essas declarações dos seus subscritores / devedores, convencendo-os à sua emissão alegando interesses da cooperativa, a arguida Maria referiu-lhes que as mesmas seriam necessárias para ultrapassar uma auditoria às contas da cooperativa, caso contrário poderia levar à falência da cooperativa, bem sabendo que as confissões de dívida não correspondiam a dívidas reais, sendo as letras de crédito letras de favor, assinadas com a condição de nunca serem descontadas.
22. A anulação das letras de câmbio referida na matéria de facto provada foi realizada com a finalidade de regularizar a situação dos respectivos aceitantes.
23. As declarações de dívida acima mencionadas, apesar de estarem datadas dos últimos dias dos respectivos anos, foram elaboradas entre Março e Maio do ano seguinte, por ordem das arguidas Emília e Maria, sempre após o TOC da X lhe ter dado a conhecer o balancete do ano anterior, respectivamente, o qual apresentava resultado líquido negativo.
24. Se ao valor dos Resultados Extraordinários apurados nos anos de 2004, 2005 e 2006 se retirarem os montantes referentes às indemnizações por incumprimentos (claúsulas penais), constantes das Declarações de Dívida acima referidas, uma vez que foi provisionado o seu valor e anuladas parte das letras de crédito que tiveram origem nas mesmas, o valor corrigido dos Resultados Extraordinários passa a ser o constante do quadro seguinte:

Resultado Extraordi. (€)Ano
200320042005200620072008
Apurados pela X, 66.816,3991.902,13323.871,831.414.385,321.480,68303.345,27
Valor Letras de Crédito0,00-111.500,00-291.491,50-1.407.721,780,000,00
Valor Corrigido66.816,39-19.597,8732.380,336.663,541.480,68303.345,27


25. A correcção do valor dos Resultados Extraordinários apurados nos anos de 2004, 2005, 2006, tem influência directa no apuramento dos Resultados Líquidos desses anos, passando os mesmos de € 12.196,51, de € 12.125,57 e de € 12.778,88, para -€ 99.303,49, € -279.365,93 e € -1.394.942,90, respectivamente, conforme quadro seguinte:

ANO200320042005200620072008
R. Operacionais-233.007,95-280.287,72-609.047,21-1.755.917,85-667.414,37-3.700.474,63
R. Financeiros177.106,72200.655,01297.433,51354.538,34679.076,24254.434,21
R. Extraordinários Corrigidos66.816,39-19.597,8732.380,336.663,541.480,68303.345,27
R. Antes Impostos10.915,16-99.230,58-279.233,37-1.394.715,9713.142,55-3.142.695,15
I. Rendimento -182,40-72,91-132,56-226,93-496,77-241,54
R. Líquidos10.732,76-99.303,49-279.365,93-1.394.942,9012.645,78-3.142.936,69


26. Ou seja, se não tivessem sido contabilizados como Proveitos e Ganhos Extraordinários nos anos de 2004, 2005 e 2006, os valores relativos às nove letras de crédito, de € 111.500,00, de € 291.491,50 e de € 1.407.721,78, respectivamente, cujo valor se encontrava provisionado em 2007, e a sua maior parte anulada indirectamente nos anos de 2009 e 2010, a X não teria apresentado Resultados Líquidos positivos de cerca de € 12.000,00 em cada um daqueles anos, mas sim Resultados Líquidos negativos nos montantes de € -99.303,49, € -279.365,93 € e € -1.394.942,90, respectivamente.
27. A actuação das arguidas ao manipular os dados contabilísticos referentes às indemnizações mencionadas na matéria de facto provada nos termos aí referidos, teve como único propósito lograr que lhe fossem pagos os prémios e gratificações acordados.
28. Entre os arguidos, Emília, Maria, Manuel, Alfredo e António (falecido), pese embora os acordos fixados estarem apenas condicionados a que fosse alcançado determinado volume de negócios, estava implícito, para que os prémios neles previsto fossem pagos às primeiras, que a cooperativa apresentasse lucros, isto é, que os resultados líquidos fossem positivos, porque decorrente das regras de boas gestão atenta a situação específica da cooperativa.
29. As arguidas Emília e Maria, gozando da capacidade fáctica de gestão da cooperativa, levaram, determinaram, a que a Direcção lhes atribuísse regalias desmesuradas, bem sabendo que isso contrariava os ditames de uma gestão criteriosa e racional e, bem assim, o referido princípio cooperativo “interesse pela comunidade”.
30. As arguidas Emília e Maria agiram, ainda, com a intenção de elaborar ou mandar elaborar documentos que titulavam as declarações de dívida acima referidas, tendo os mesmos apostas datas de emissão anteriores àquelas em que, efectivamente, foram elaborados, de molde a que os seus dados assim fossem incluídos em documentos contabilísticos relativos a exercícios de anos anteriores, bem sabendo que, dessa forma, abalavam a fé pública, a confiança das pessoas e segurança do comércio jurídico na veracidade daqueles documentos, ofendendo, assim, um interesse legítimo do Estado e da própria cooperativa.
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- Factos alegados no pedido cível deduzido pela assistente, X, Crl.:

31. As arguidas Emília e Maria estiveram ausentes da cooperativa cerca de 123 dias úteis, nos mesmos locais, às mesmas horas e a tratar dos mesmos assuntos.
32. Tornou-se prática corrente da Direcção da cooperativa, constituída pelos arguidos Manuel, Alfredo e António (falecido), deixar acumular dívidas dos produtores com o objectivo de criar dependência destes em relação à cooperativa, de modo a que não questionassem a sua actuação.
33. Nos exercícios de 2009 a 2010, alguns dos fornecimentos a produtores foram suspensos pela cooperativa.
34. Em consequência directa e necessária da actuação dos arguidos, a cooperativa precisou de recorrer a financiamento bancário.
35. Em consequência directa e necessária da actuação dos arguidos, a cooperativa teve os seus fornecimentos suspensos e ocorreu o aumento dos seus encargos financeiros e, a partir de determinado momento, deixou de ter mercadoria para exercer a sua actividade.
36. Em consequência directa e necessária da actuação dos arguidos, a cooperativa ficou com o valor de capitais próprios diminuído de € 1 500 000,00 para – € 500 000,00.
37. Em consequência directa e necessária da actuação dos arguidos, a cooperativa ficou com o seu bom nome, a sua imagem, o seu crédito, o seu prestígio, a sua reputação e a sua confiança perante o mercado afectados.
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- Pedido cível deduzido pela Massa Insolvente de Sociedade Agrícola de Irmãos P., Lda:

38. A Sociedade Agrícola Irmãos P., Lda., é titular de uma participação na X, Crl., correspondente a € 500,00, dividida em cinco parcelas de igual montante pelas cinco Secções desta, ou seja, Leiteira, ADS-OPP, Compra e Venda, PI e CG.
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A demais matéria constante da acusação e da pronúncia mostra-se insusceptível de conhecimento nesta sede, quer por ser conclusiva ou quer por revestir natureza jurídica, pelo que a ela não se faz referência nos items da matéria de facto provada ou não provada e, consequentemente, no item da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
A matéria de facto alegada na contestação apresentada pela arguida Maria mostra-se irrelevante para a decisão a proferir nesta sede (posto que não é constitutiva da sua responsabilidade delitual), pelo que dela não se conhece.
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1. O recurso da assistente sobre a parte penal da decisão.

1.1. O crime de administração danosa.

Através dos diversificados instrumentos de que se socorre nas prolixas conclusões com que delimitou o objecto do seu recurso, a assistente tem em mira, essencialmente, a demonstração de que as condutas assumidas pelos arguidos – todos eles – preenchem os elementos do aludido crime de administração danosa, p. e p. pelo art. 235º do C. Penal, ou, subsidiariamente, os do crime de infidelidade, p. e p. pelo art. 224º, do mesmo código, para o que deveria promover-se a alteração prevista no art. 358º, nºs 1 e 3, do CPP. Nessa senda, defende a recorrente que a factualidade assente é suficientemente idónea para o efeito e, em segunda linha (para a hipótese de assim não se entender), evoca alguns pontos factuais que, na sua perspectiva, deveriam ter sido consignados no acórdão, assacando a este, a par do erro de julgamento sobre a concernente matéria, várias nulidades previstas nos art. 379º, nº 1, c), do CPP, por omissão de pronúncia quanto a essa matéria.

A recorrente alega que os arguidos teriam assumido, com a prática de factos do respectivo conhecimento pessoal e directo, um comportamento inadmissível à luz dos princípios da “gestão democrática” e do “interesse pela comunidade”, enunciados no C. Cooperativo, conformando-se com tudo o que dele adveio, traduzido nas contas de exercício de 2008 e no período posterior, que é configurável como o empobrecimento da assistente e como um dano relevante, o qual, por isso, lhes seria imputável a título de dolo, pelo menos eventual, assim se devendo considerar preenchidos os elementos do mencionado crime de administração danosa, sob pena de se esvaziar de sentido a opção do legislador com o citado art. 235º.

Todavia, na interpretação de qualquer norma incriminadora é essencial descortinar, para além do bem jurídico protegido, o valor ou conjunto de valores, mas também as realidades ontológicas que o legislador pretendeu tutelar ao fazer corresponder a um comportamento uma sanção penal (1). O que implica, desde logo, atentar na inserção sistemática no C. Penal do referido tipo legal e no modo como este é aí descrito.

Tal como o art. 224º, referente ao mencionado crime de infidelidade, o art. 235º insere-se sistematicamente no âmbito dos delitos contra o património (Título II, do Livro II, do CP) e este, mais precisamente, nos «crimes contra o setor público ou cooperativo agravados pela qualidade do agente» (Capítulo V). E o normativo deste art. 235º dispõe que é punível quem, infringindo intencionalmente norma de controlo ou regras económicas de uma gestão racional, provocar dano patrimonial importante em unidade económica do sector público ou cooperativo.

«A ratio legis há-de ser também encontrada conhecendo a história da incriminação e as suas fontes (…). Já na altura se entendia que a sua natureza pública importaria um cuidado acrescido na administração dos bens resultantes do esforço dos cidadãos e que visam a satisfação de necessidades supra-individuais. O quantum acrescido de punição adviria da natureza da unidade produtiva, do caráter público das funções exercidas e das finalidades específicas a cujo serviço essa unidade se encontrava vinculada.» (2).

A exposição de motivos constante do preâmbulo da versão originária do Código Penal de 1982, que com o seu art. 333º introduziu no nosso ordenamento o ilícito penal em questão, explicava as razões do referido tipo de crime nos seguintes termos: «sublinhe-se a consagração de um capítulo especial relativo aos chamados “crimes contra o sector público ou cooperativo agravados pela qualidade do agente”. Visa-se, assim, proteger penalmente um vasto sector da economia nacional mas não tolher os movimentos dos responsáveis que os representam. Sabe-se que a vida económica se baseia, muitas vezes, em decisões rápidas que envolvem riscos, mas que têm de ser tomadas sob pena de a omissão ser mais prejudicial que o eventual insucesso da decisão anteriormente assumida. Daí que não seja punível o acto decisório que, pelo jogo combinado de circunstâncias aleatórias, provoca prejuízos, mas só aquelas condutas intencionais que levam à produção de resultados desastrosos. Conceber de modo diferente seria nefasto - as experiências estão feitas – e obstaria a que essas pessoas de melhores e reconhecidos méritos receassem assumir lugares de chefia naqueles sectores da via económica» (nosso sublinhado) (3).

Por essa via se constata, liminarmente, que o concreto bem jurídico tutelado pelo crime de administração danosa é o património de pessoa colectiva integrada no sector público ou cooperativo: é um ilícito contra o interesse patrimonial de uma entidade integrada num de tais sectores, cometido no exercício da gestão da respectiva unidade económica (4). Ao que acresce resultar daquela descrição, a par da primordial preocupação de proteger o património de tais sectores, também, a de garantir observância das normas de controlo e regras económicas de uma gestão racional, ou, por outras palavras, o bom aviamento dado aos bens afectos à satisfação de necessidades públicas ou de necessidades que, sendo privadas, são prosseguidas, sem fins lucrativos, através da entreajuda dos membros das cooperativas.

Como se sabe, a garantia e a protecção que a lei fundamental confere à propriedade dos meios de produção cobrem – a par dos sectores público e privado – o sector cooperativo e social (5), que compreende, além do mais, especificamente, os meios de produção possuídos e geridos por «pessoas colectivas autónomas, de livre constituição, de capital e composição variáveis, que, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, com obediência aos princípios cooperativos, visam, sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles» (6).

Posto isto, contra o parcialmente defendido pela recorrente, sempre se tem entendido que as exigências postas pelo legislador para a integração do tipo de ilícito em questão são todas as que vêm delineadas na fundamentação jurídica da decisão recorrida com a qual, nesse segmento, concordamos.

Assim, na vertente objectiva, deparamos no tipo do ilícito em análise com:

- 1) Um crime específico próprio que, por um lado, só pode ter por sujeito passivo uma entidade do sector público ou cooperativo e, por outro lado, só pode ser praticado por quem (agente activo) detiver a qualidade pessoal inerente à incumbência da gestão ou administração de unidade económica de uma tal entidade, sendo a própria ilicitude do facto fundamentada em tais elementos (7). Ao contrário do que sucede com a generalidade das normas incriminadoras, que não exigem qualquer elemento típico referente ao agente, podendo ser sujeito activo do crime qualquer pessoa, a ora em apreço, como já se disse, dá origem a um tipo (de ilícito) especial, em que se verifica uma restrição do círculo dos possíveis agentes, porquanto o dever específico que constitui o núcleo definidor do crime «só vincula certas pessoas e cuja violação é sancionada plenamente no tipo respectivo» (8). Para existir uma relação de imputação objectiva entre o resultado produzido («dano patrimonial importante») e os factos do agente (gestor ou administrador da unidade económica), o quadro funcional deste tem de admitir a possibilidade jurídica de o mesmo poder vincular a pessoa colectiva à celebração de um dado negócio jurídico (9).
- 2) Uma conduta típica que «obedece a uma combinação do modelo de execução vinculada e de execução típica. Por um lado, o dano tem de ser produzido “infringindo intencionalmente normas de controlo ou regras económicas de uma gestão racional”; por outro, inversamente, tal pode acontecer sob as formas ou os procedimentos mais diversificados» (10). Como se constata, exige-se a prova do acto ilícito, i. é, a demonstração da contrariedade do acto (ou omissão imprópria) aos deveres do cargo de gestor (11): o não adimplemento de normas de controlo ou regras de gestão racional, com as quais se pretende salvaguardar o património de uma unidade económica do sector público ou cooperativo.
- 3) Um crime material de dano cujo resultado da acção típica terá de se exprimir na ocorrência efectiva de um “dano patrimonial importante”. O critério nuclear do tipo objectivo deste crime material acaba mesmo por ser a “importância” do dano causado pelo agente, a qual, entre nós, só pode ser aferida à luz de uma concepção de património orientada para a específica tutela das funções públicas ou supra individuais cometidas à unidade económica gerida ou administrada por aquele, como resulta da já citada exposição de motivos da versão originária do Código Penal, no ponto em que nela se esclarece que se pretendeu abarcar «só aquelas condutas intencionais que levam à produção de resultados desastrosos» (12). Assim se afasta a avaliação do dano por uma vertente estritamente objectiva e patrimonial e, por consequência, a noção de valor «elevado» ou «consideravelmente elevado» fornecida pelo art. 202º, do C. Penal ou outra de índole meramente matemática ou contabilística, porquanto a aferição da “importância” do dano neste crime de administração danosa deve ser feita, em concreto, através da aplicação concorrente de um critério objectivo e de um critério subjectivo porque, como elucida o Prof. Costa Andrade, «(…) torna-se indispensável que, pelo seu impacto concreto, o dano possa pôr em causa a subsistência, o funcionamento e o desempenho das tarefas comunitárias cometidas à unidade económica» (13).
- 4) Por fim, exige-se a ultrapassagem da margem do “risco permitido” ou a álea que sempre acompanha qualquer atividade económica: neste tipo de ilícito ponderou-se e assumiu-se o chamado “risco calculado”, a fim de obstar a que, perante a ameaça de uma sanção penal, houvesse a rejeição da assunção de riscos de espécie alguma, sempre imprescindíveis no contexto de qualquer atividade económica. E daí que a verificação do dano contra a “expectativa fundada” do agente não é punida (cf. nº 2 do artigo). Donde, tendencialmente, o «acordo (expresso) de todos os cooperantes ou dos órgãos de direção mandatados para o efeito afasta a tipicidade da conduta do agente. Nas unidades do sector público, o acordo compete, de igual modo, aos órgãos de administração respetivos (…)» (14). Tendo havido, p. ex., o acordo na assunção do risco por parte de todos os elementos da direcção de uma cooperativa ou a sua aprovação em assembleia geral dos respectivos membros, estaremos perante uma cláusula de exclusão ou justificação da ilicitude (15).

E no que concerne ao tipo subjectivo, na verificação do respectivo preenchimento, há que ter em consideração que o dolo se desdobra nos chamados elementos intelectual – representação, previsão ou consciência dos elementos do tipo de crime – e volitivo – vontade dirigida à realização daqueles elementos do tipo (16). Aos elementos intelectual e volitivo acresce um elemento emocional, que é dado, em princípio, pela consciência da ilicitude (17): «uma qualquer posição ou atitude de contrariedade ou indiferença face às proibições ou imposições jurídicas (…) quando o agente revela no facto uma posição ou uma atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever-ser jurídico-penal» (18).

Da já citada exposição de motivos (preâmbulo da versão originária do Código Penal de 1982), resulta que foi intenção do legislador «fazer impender a responsabilidade penal sobre as pessoas – e tão só elas – que, através de uma execução vinculada (“infringindo intencionalmente normas de controlo ou regras económicas de uma gestão racional”), provoquem um dano de um certo tipo a uma unidade económica pública ou cooperativa» (19).

Como tal, exige-se, nomeadamente, que o agente saiba que desempenha funções de gestão ou administração numa unidade económica do sector público ou cooperativo e que pratica o facto criminoso no exercício e na prossecução do interesse público ou comunitário que justificou o seu mandato e que, sabendo que o faz, queira violar a relação de confiança instituída pelo acto jurídico de designação e/ou eleição ou de contratação que lhe conferiu tal mandato, bem como provocar o dano patrimonial (com os contornos já definidos), através da infracção ao conteúdo do acto jurídico que lhe conferiu tal mandato ou a norma de controlo ou a regras económicas de uma gestão racional.

Em suma, exige-se que o agente saiba que está atingir o resultado ilícito que a comunidade repele e censura e, apesar disso, o queira. No entanto, da descrição contida na norma do citado art. 235º resulta que a acção típica nela prevista possibilita uma dupla ou distinta relevância do elemento volitivo: por um lado, exige-se que a violação de normas de controlo ou regras económicas de uma gestão racional seja intencional, portanto, que seja cometida (apenas) com dolo directo, contra o que, normalmente sucede; por outro, já parece nada obstar a que o resultado típico possa ser imputado ao agente em qualquer das demais modalidades do dolo, inclusive o eventual, bastando-se, pois, com a possibilidade de o agente perspectivar, como resultado possível da sua acção, a ocorrência do dito dano patrimonial “importante” na unidade económica e actuar conformando-se a essa mesma possibilidade.

É o que se retira, segundo se nos afigura, do relacionamento do inciso “intencionalmente” apenas à infracção das normas ou regras económicas. E, como vimos, a particular exigência do tipo no que respeita ao seu elemento subjectivo explica-se por o legislador apenas pretender a punição de infracções intencionais às aludidas normas ou regras económicas, pelo que não se antolha nesse desiderato – nem a letra da lei a inculca – a existência de qualquer razão adicional para estender essa particular exigência à imputabilidade ao agente do resultado da acção, i. é, para pensar a exclusão dessa imputabilidade em qualquer das demais modalidades do dolo previstas no art. 14º do CP (20).

Assim entendendo, o âmbito da incriminação cinge-se aos casos em que o gestor ou administrador da unidade económica, através do exercício dos poderes inerentes ao seu cargo, quis infringir as regras a que estava funcionalmente obrigado e ainda, directamente, necessariamente ou admitindo-o como um resultado possível, causar um dano patrimonial “importante” à unidade económica que dirige.

1.2. O crime de infidelidade.

Impõe-se, agora, uma breve alusão à pretensão subsidiariamente formulada pela recorrente assistente de que seja ponderado o preenchimento do crime de infidelidade, p. e p. pelo art. 224º, do C. Penal, com a consequente promoção da alteração prevista no art. 358º, nºs 1 e 3, do CPP.

A invocada norma do C. Penal preceitua que é punido «Quem, tendo-lhe sido confiado, por lei ou por acto jurídico, o encargo de dispor de interesses patrimoniais alheios ou de os administrar ou fiscalizar, causar a esses interesses, intencionalmente e com grave violação dos deveres que lhe incumbem, prejuízo patrimonial importante».

Ora, é consensual o reconhecimento de que o já analisado crime de administração danosa, tendo como objecto de acção específico uma unidade económica do sector público ou cooperativo, é um tipo qualificado do crime de infidelidade. Por isso, o tipo objectivo daquele crime de administração danosa corresponde, no fundamental, à conduta típica deste, embora com a agravação justificada pela necessidade de atentar à especial natureza dos interesses públicos ou comunitários com que nele se lida e daí o respectivo «tipo refletir uma atuação – neste domínio vinculada – descrita de jeito mais preciso», mas «sem que o conteúdo essencial se aparte de modo considerável». Contudo, aquele específico objecto de acção, «a par de outros elementos, não consentem uma importação acrítica da hermenêutica do art. 224.º do CP para o crime de administração danosa, como ocorre, v. g., na interpretação do segmento “dano patrimonial importante” (…) só esta hermenêutica, por outro lado, justifica que a pena do art. 235.º do CP seja superior à do art. 224.º, n.º 1, do mesmo Código. O quantum acrescido de desvalor acoberta-se à aludida funcionalização do património que jamais deve ser perdida de vista na escalpelização interpretativa.» (21).

Ainda assim, também o delito de infidelidade é um crime específico próprio, que tendo, igualmente, subjacente a ideia ética da confiança, resultante directamente da lei ou de acto jurídico, somente pode ter por agente a pessoa a quem foi confiado o dever de dispor, administrar ou fiscalizar interesses patrimoniais alheios (22).

E, de acordo com a descrição contida no referido art. 224º do C. Penal, exige-se, para a integração do crime de infidelidade, que a actuação do agente seja “intencional”, portanto, que este represente o facto que o preenche, actuando com intenção de o realizar, o que aponta no sentido de que se encontra afastada a imputabilidade deste crime a título de dolo eventual, designadamente, quanto à imputabilidade do resultado da acção, uma vez que aquela intenção abarca a de causar aos interesses patrimoniais alheios, «prejuízo patrimonial importante» (23).

Por fim, o crime pressupõe que o agente actue não apenas com dolo directo (“intencional”), mas também com “grave violação dos deveres” que lhe competem e que o prejuízo patrimonial causado à vítima seja “importante”.

É certo que o legislador, na tipificação do crime de infidelidade, não fornece qualquer definição do que se deva entender por “grave violação dos deveres”, nem por “prejuízo patrimonial importante”. Porém, apesar dessa indeterminação conceitual, também aqui é patente a preocupação do legislador em restringir o número de situações susceptíveis de integrarem o delito de infidelidade, reconhecendo a punibilidade, não de qualquer acto decisório que provoca prejuízos, mas só daquelas condutas intencionais que produzem um prejuízo patrimonial “importante” e com “grave violação” dos deveres que incumbem ao agente, não bastando uma qualquer violação.

Em conclusão, não obstante as assinaladas “nuances” utilizadas na tipificação de um e outro crime, é sustentável, em abstracto, que uma boa parte das condutas abarcáveis pela previsão do art. 235º, caso este não existisse, seriam enquadráveis no art. 224º, descontadas as especificidades daquele tipo legal de crime de administração danosa geradas pelo seu específico objecto de ação – uma unidade económica do setor público ou cooperativo – e pela sua repercussão no resultado típico, reflectida na expressão “dano patrimonial importante”, com o conteúdo acima explanado.

1.3. A aferição da verificação dos analisados tipos de ilícito (administração danosa e infidelidade.

Como dissemos, a realização de ambos os ilícitos pressuporia, para além da consciência da ilicitude, a representação, a previsão ou a consciência dos elementos do tipo de crime e a vontade dirigida à realização daqueles elementos do tipo, ou seja, em síntese, que os agentes sabiam que estavam atingir o resultado ilícito e, apesar disso, o quiseram.
É certo que admitimos resultar do citado art. 235º que a acção típica nele prevista possibilita, em abstracto, quanto à imputação ao agente (apenas) do resultado típico, a relevância do dolo numa das suas modalidades diferentes da do directo. Já a violação de normas de controlo ou regras económicas de uma gestão racional apenas releva se for cometida com dolo directo.
E é o que também sucede com o crime de infidelidade, mas neste, como acabámos de mostrar, a sua integração depende da imputabilidade ao agente, a título de dolo directo, de todos os elementos do respectivo tipo objectivo, por isso, também do resultado da acção.
No que se refere, especificamente, ao crime de administração danosa, não se lobriga, desde logo, a susceptibilidade da sua imputação às arguidas Emília e Maria, uma vez que não fora alegada a investidura das mesmas na direcção da cooperativa e, por isso, na qualidade estatutária de gestoras de uma unidade do sector cooperativo, o que exclui, por si, face ao acima explanado, o seu posicionamento como agentes de tal crime (24).

Por outro lado, impor-se-ia, ainda, a imputação aos arguidos e a subsequente demonstração de factos donde fosse extraível o rol das normas de controlo ou regras económicas cuja violação intencional pelos mesmos teria provocado, adequadamente, o “resultado desastroso” consistente num dano com o impacto concreto de ter posto em causa a subsistência, o funcionamento e o desempenho das tarefas comunitárias cometidas à unidade económica da assistente, para o que não bastaria, por si só, a outorga de gratificações, não obstante a fastidiosa insistência da recorrente em as qualificar de “milionárias”.

Como parece evidente, desde logo, a ostentação da violação – com relevância jurídico-penal – de tais regras não se poderia quedar pela mera alusão à adopção de determinados procedimentos pretensamente refutáveis, designadamente no plano da contabilidade ou do processamento dos descontos sobre as gratificações para a Segurança Social, mas que se constata corresponderem a soluções técnicas, pelo menos, admissíveis, se não mesmo aconselháveis, à luz dos padrões vigentes no respectivo circunstancialismo temporal (25).

É certo que a atribuição às arguidas Emília e Maria das questionadas gratificações – complementos remuneratórios de que outros trabalhadores daquela também beneficiavam mas em montantes menos relevantes – constituiria, também na lógica do recurso, o núcleo factual central da imputação aos arguidos dos vários ilícitos, particularmente o de gestão danosa. Contudo, não ressaltavam da factualidade inserta na acusação/pronúncia elementos que inculcassem que essa atribuição, necessariamente da autoria (apenas) dos membros da direcção da assistente, nada teve a ver com as funções exercidas pelas arguidas e o grau de importância e responsabilidade às mesmas cometidas, face à natureza do cargo de tais membros – não profissional e não remunerada – e ao modo do respectivo desempenho, dado que apenas o presidente da direcção comparecia com alguma regularidade nas instalações daquela.

Além disso, saliente-se que nem todas as decisões que causem um prejuízo patrimonial à unidade económica integram o tipo incriminador previsto no artigo 235º do C. Penal: contrariamente ao que resulta do quadro incriminatório descrito pela acusação pública e, bem assim, do extenso rol de juízos conclusivos que a mesma encerra – e por cuja inclusão na factualidade assente a recorrente pugna, como se de factos se tratasse, lembre-se –, a imputação da prática do crime de administração danosa não se basta com uma mera avaliação retrospectiva de hipóteses abstractas alternativas ao resultado efectivo da conduta, antes exigindo uma ponderação dos elementos relevantes, conhecidos pelo agente no momento da alegada violação das regras económicas de gestão, cujo cumprimento se lhe impunha.

Por fim, quanto ao delito de infidelidade, para além do que já aduzimos em relação ao respectivo tipo subjectivo, a sua verificação dependeria da imputação aos arguidos e da subsequente comprovação de factos que facultassem a conclusão de que aqueles teriam agido causando intencionalmente um prejuízo patrimonial “importante” à assistente, com “grave violação dos deveres” do cargo, tendo estes conceitos as balizas que exibimos.

Realmente, do que aqui se trata é saber se a factualidade assente (ou a passível de demonstração) é idónea a integrar a tipicidade dos referidos crimes, no que não nos podemos alhear de que são os parâmetros definidos por tais estritas balizas que legitimariam a ilação de que foram assumidas pelos arguidos condutas com a consciência da respectiva punibilidade penal, ou seja, com a noção da carga de censura ético-social imanente à proteção dos bens jurídicos por aqueles crimes tutelados e que são de tal modo relevantes que a sua violação justifica a resposta mais drástica do Estado: a imposição de uma sanção penal, determinada pela lógica coerciva mais forte de todos os ramos do Direito, aquele que tem sempre, ou quase sempre, no seu horizonte a privação da liberdade.

Por vezes, assomam entre nós umas conhecidas pulsões para vislumbrar a existência de crime em todo o lado, bem como para a expansão do direito penal, sugerindo o uso da sua “artilharia pesada” contra toda e qualquer conduta que atice alguma censura ético-social, seja esta de que tipo for. Não obstante, continua a ser largamente consensual que este ramo do direito é um remédio extremo que tutela os valores essenciais da vida em sociedade, segundo os princípios de intervenção mínima e de proporcionalidade, intrínsecos ao estado de direito, assumindo a natureza «de tutela subsidiária (ou de última ratio) de bens jurídicos dotados de dignidade penal, ou, o que é dizer o mesmo, de bens jurídicos cuja lesão se revele digna de pena» (26).

Por isso, a relevância penal das ofensas cometidas a tais bens jurídicos deverá ser imediatamente reconhecível, para além de aferida em função do contexto em que as mesmas ocorram, pois apenas se mostra legitimada a actuação estatal com o direito penal se o autor da ofensa tiver o repúdio manifesto da maioria da sociedade, exigindo-se, ainda, um patamar mínimo de carga ofensiva abaixo do qual não se justifica a tutela penal, segundo aqueles princípios de intervenção mínima e de proporcionalidade (27).

Na verdade, um facto que não seja, consensualmente, rejeitado pela colectividade não pode, ao mesmo tempo, produzir dano relevante a essa mesma colectividade, e, por essa razão, não pode, adequadamente, enquadrar-se num ilícito típico, ainda que, formalmente, assim o pareça: só é considerável relevante para o direito penal a conduta socialmente danosa, que atinge o meio em que as pessoas vivem, ferindo em elevado grau o sentimento de justiça e o senso de adequação social de um povo, estando, pois, excluídas da incidência típica as condutas que, em determinado contexto histórico, são socialmente toleradas e praticadas pela sociedade, mesmo que afrontem princípios éticos ou não sejam inteiramente normativas, por desrespeitarem regras administrativas ou, p. ex., de âmbito civil.

Como já acima lembrámos, não se harmonizam com a realidade ontológica visada pelo legislador, ao tutelar os bens jurídicos subjacentes aos ilícitos em questão, as condutas assacadas aos arguidos. Por conseguinte, terá de se concluir que tais condutas, independentemente do juízo sobre a respectiva similitude formal com os tipos em análise – cuja perfeição está excluída –, sempre disporiam de densidade jurídico-penal e de potencial ofensivo dos bens jurídicos específicos tutelados insubsistentes para os integrarem: ante a última ratio constituída pelo direito penal, as mesmas não poderiam fundamentar um juízo de reprovação jurídico-penal, por não integrarem apropriadamente a tipicidade dos ilícitos imputados ou a de algum outro, ainda que pudessem justificar uma qualquer espécie de crítica à luz de padrões que, noutros planos, também orientam a vida em comunidade, como, aliás, em concreto, sucedeu com a decisão judicial obtida no foro laboral, portanto, num plano meramente jus-civilístico (28).

Por outro lado, a afirmação da violação de tais bens não se compagina com o “meio enchimento” dos respectivos tipos de ilícito. Ora, todos aqueles factos, atinentes, quer às mencionadas ciência e vontade dos arguidos, quer aos demais elementos que ora, sinopticamente, enunciámos como integrando as examinadas tipicidades, não se retiram da factualidade assente como já se não retiravam da imputada na acusação/pronúncia, onde careceriam de ter sido expressamente consignados, para que pudessem ter sido submetidos ao crivo da prova produzida. E o certo é que o não foram. Como tal, nunca seriam susceptíveis de demonstração nestes autos os delitos aludidos na incriminação pretendida pela recorrente, a título principal e subsidiário.

1.4. O crime de informações falsas, p. e p. pelo art. 519º, nº 4, do CSC.

Também sustentou a assistente que os factos apurados em audiência de discussão e julgamento quanto ao crime de informações falsas impunham a inerente alteração não substancial da sua qualificação para o crime (agravado) previsto no art. 519º, nº 4, do CSC, ao abrigo do disposto nos arts. 358º e 359º, do CPP.
A decisão recorrida julgou extinto, por prescrição, o procedimento penal relativo o crime de informações falsas, (apenas) p. e p. pelos nºs 1 e 2 do citado artigo, por que vinham acusados os arguidos Alfredo e Manuel.
Nos termos dos normativos referenciados na incriminação movida a tais arguidos, será punido com prisão até três meses e multa até 60 dias quem, estando obrigado a prestar a outrem informações sobre matéria da vida da sociedade, as der contrárias à verdade, se pena mais grave não couber por força de outra disposição legal, ou prestar maliciosamente informações incompletas e que possam induzir os destinatários a conclusões erróneas de efeito idêntico ou semelhante ao que teriam informações falsas sobre o mesmo objecto.
O tipo incriminador desse art. 519º do CSC, que prevê as informações falsas, regula jurídico-penalmente a prestação de informação contrária à verdade no âmbito do cumprimento de deveres legais de informação, quando alguém exerce o correspondente direito.
Por sua vez, o crime agravado pelo qual a assistente/recorrente pretenderia que os arguidos fossem punidos somente se preenche quando for causado dano grave, material ou moral, e que o autor pudesse prever, a algum sócio que não tenha concorrido conscientemente para o facto, à sociedade, ou a terceiro.
Como se constata, a tipificação de qualquer desses crimes é motivada ou desencadeada pela defesa da veracidade das informações sociais e a referida agravação que a lei prossegue em relação ao simples é justificada por razões de justiça e política criminal relacionadas com o circunstancialismo específico da vida da pessoa colectiva que esteja em causa, exigindo-se, em qualquer caso, a demonstração da gravidade do dano causado naquele concreto circunstancialismo e que o respectivo autor o pudesse prever como resultante do seu comportamento.
Como é bom de ver, parafraseando a recorrente, não podia o Tribunal ignorar que a factualidade assacada aos referenciados arguidos nunca consentiria a sua (diferente) qualificação como preenchendo os requisitos do nº 4 do citado artigo, sem o aditamento, se legalmente permitido, da concernente matéria: nada se retira do libelo acusatório de que se pudesse extrair o dano especificamente causado pela informação contrária à verdade, a possibilidade da sua previsão pelos arguidos ou a sua imputabilidade à conduta dos mesmos, bem como elementos susceptíveis de fundar qualquer juízo sobre o concreto grau de gravidade do dano eventualmente causado.

1.5. A alteração dos factos.

Na senda do explanado, não se retiram da factualidade assente, como já se não retiravam da imputada na acusação/pronúncia, onde careceriam de ter sido expressamente consignados, os diversos factos atinentes quer às mencionadas ciência e vontade dos arguidos quer aos demais elementos que ora, sinopticamente, fomos enunciando como integrando as tipicidades dos examinados ilícitos.
Perante essa constatação, que dizer do alvitre da recorrente/assistente de que incumbiria ao Tribunal de 1ª instância suprir todos esses alheamentos e, que, não o tendo feito, teria incorrido nas copiosas nulidades por omissão de pronúncia que a mesma assaca à decisão recorrida?

Parece-nos que a recorrente não tem razão. Vejamos porquê.

Perante a estrutura acusatória do nosso processo penal, constitucionalmente imposta (art. 32º, nº 5, da CRP), os poderes de cognição do tribunal estão rigorosamente limitados ao objecto do processo, previamente definido pelo conteúdo da acusação/pronúncia, pela contestação, pelos pedidos de indemnização civil e respectivas contestações. É nestas peças processuais que os intervenientes em confronto alegam os factos que submetem ao julgamento, indicam os respectivos meios de prova, enunciam as normas jurídicas aplicáveis e apresentam os seus argumentos.
De harmonia com o normativo contido no art. 283º do CPP, a acusação deve conter, sob pena de nulidade, a «narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada».
E a instrução, quando for requerida pelo assistente, como aqui também sucedeu, visa lograr uma decisão de pronúncia para submissão da causa a julgamento e, embora não sujeita a qualquer formalidade especial, deverá sempre conter todos os elementos a que aludem as alíneas b) e c) do nº 3 do citado art. 283º do CPP. No que respeita aos termos substanciais, independentemente da ordem, o requerimento de abertura de instrução tem de conter a narração dos factos e a sua subsunção jurídico-penal, ou seja, a indicação das normas que os preveem e punem como crime(s).

Como é pacífico, a estrutura acusatória, impõe, para assegurar as garantias de defesa do arguido, uma necessária correlação entre a acusação e a sentença: os factos essenciais descritos na acusação, em articulação com as normas consideradas infringidas pela sua prática (também obrigatoriamente indicadas), definem e fixam o objecto do processo que, por sua vez, delimita os poderes de cognição do tribunal e o âmbito do caso julgado.

É o que o T. Constitucional, aliás, por diversas vezes, salientou, como sucedeu no Ac. 358/04, de 19/05 (P. 807/03, in DR II, de 28/06/04), em que ponderou (29):

«A estrutura acusatória do processo penal português, garantia de defesa que consubstancia uma concretização no processo penal de valores inerentes a um Estado de direito democrático, assente no respeito pela dignidade da pessoa humana, impõe que o objecto do processo seja fixado com o rigor e a precisão adequados em determinados momentos processuais, entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura da instrução. (…)».
«Dada a posição do requerimento para abertura da instrução pelo assistente, existe, como se deixou mencionado, uma semelhança substancial entre tal requerimento e a acusação. Daí que o artigo 287º, nº 2, remeta para o artigo 283º, nº 3, alíneas b) e c), ambos do Código de Processo Penal, ao prescrever os elementos que devem constar do requerimento para a abertura da instrução.

Assim, o assistente tem de fazer constar do requerimento para abertura da instrução todos os elementos mencionados nas alíneas referidas do nº 3 do artigo 283º do Código de Processo Penal. Tal exigência decorre, como se deixou demonstrado, de princípios fundamentais do processo penal, nomeadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória. É, portanto, uma solução suficientemente justificada e, por isso, legitimada. (…)».
«De resto, a exigência feita agora ao assistente na elaboração do requerimento para abertura de instrução é a mesma que é feita ao Ministério Público no momento em que acusa.».
Donde, perante a estrutura acusatória do nosso processo penal, constitucionalmente imposta (art. 32º, nº 5, da CRP), os poderes de cognição do tribunal estão rigorosamente limitados ao objecto do processo, previamente definido pelo conteúdo da acusação/pronúncia, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios subordinados ao princípio do contraditório. Em suma, esta estrutura do processo penal significa que o seu objecto é fixado pela acusação/pronúncia que delimita a actividade cognitiva e decisória do tribunal, tendo em vista assegurar as garantias de defesa do arguido, protegendo-o contra a alteração ou alargamento do objecto do processo.

Expendeu o Desembargador Cruz Bucho no estudo “ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS EM PROCESSO PENAL” (30):

«Como o Tribunal Constitucional já por diversas vezes teve oportunidade de salientar, os factos descritos na acusação (normativamente entendidos, isto é, em articulação com as normas consideradas infringidas pela sua prática e também obrigatoriamente indicadas na peça acusatória), definem e fixam o objecto do processo que, por sua vez, delimita os poderes de cognição do tribunal (31) e o âmbito do caso julgado.

Segundo Figueiredo Dias (32) é a este efeito que se chama vinculação temática do tribunal e é nele que se consubstanciam os princípios da identidade (33) (segundo o qual o objecto do processo, os factos devem manter-se os mesmos, da acusação ao trânsito em julgado da sentença), da unidade ou indivisibilidade (34) (os factos devem ser conhecidos e julgados na sua totalidade, unitária e indivisivelmente) e da consunção do objecto do processo penal (mesmo quando o objecto não tenha sido conhecido na sua totalidade deve considerar-se irrepetivelmente decidido, e, portanto, não pode renascer noutro processo) (35).».

Por outro lado, os “factos” que constituem o “objecto do processo” têm que ter a concretude suficiente para poderem ser contraditados e deles se poder defender o arguido e, sequentemente, a serem sujeitos a prova idónea (36). Como alerta Germano Marques da Silva (37), «A descrição dos factos e de todas as circunstâncias pertinentes deve ser muito cuidada, pois se é certo que na fase de julgamento podem ser ainda consideradas as circunstâncias que não impliquem alteração substancial dos factos (artigo 358.º), é de todo o interesse que todas as circunstâncias conhecidas no momento da acusação sejam nela descritas para serem objecto de defesa, de apreciação no julgamento e consideradas na decisão».
É certo que essa estrutura basicamente acusatória, tendo em vista assegurar as garantias de defesa do arguido – protegendo-o contra a alteração ou alargamento do objecto do processo – é integrada e temperada por um princípio de investigação, podendo ser considerados – ou “enxertados” para usar a expressão da assistente – factos ou circunstâncias factuais relativas ao crime imputado que, não constando logo da acusação, emerjam durante a discussão da causa, desde que se trate de questões e/ou factos novos que, traduzindo uma alteração dos anteriormente descritos, não alterem o objecto do processo, i. é, que acatem a disciplina do preceituado nos arts. 358º e 359º do CPP. Donde, está completamente fora de cogitação a “enxertia”, relativamente ao que constava da acusação/pronúncia, de factos «que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis» [cf. art. 1º f) do CPP].

Por outro lado, resulta do disposto nos arts. 368º, nº 2 e 369º, nº 2 do CPP, que o tribunal deve decidir todos os factos alegados pela acusação ou pela defesa e os que resultem da discussão da causa, desde que sejam relevantes para a resolução das diversas questões em que se desdobra a análise da culpabilidade e da determinação da espécie e da medida da pena. São esses os limites da descoberta da verdade e da boa decisão da causa, que constituem a finalidade primordial do julgamento penal. Por isso, como resulta daquela expressão (relevantes) e também do princípio geral da utilidade dos actos processuais, só estão abarcadas pelo dever de pronúncia os factos relevantes para a decisão, tendo em conta as suas diversas soluções plausíveis.

Assim sendo, é espúrio o apelo da recorrente aos “dominantes” princípios da verdade material e do inquisitório, porque transborda abundantemente a moldura acusatória do nosso processo penal que enforma tais princípios.
No caso dos autos, está já adquirido que a acusação/pronúncia ora em apreço não contém a narrativa dos factos passíveis de integrar os elementos objectivos dos ilícitos típicos imputados aos arguidos, o que despoleta questão da adequada consequência jurídica dessa insuficiência fáctica, ou seja, a improcedência de tal acusação, porquanto a falta de narração, nela dos elementos do crime «traduz uma pura inexistência de tipicidade, não sendo admissível, posteriormente, por exemplo, em sede de instrução, para efeito de pronúncia, a alteração dos factos da acusação, por forma a que daquela passem a constar factos integrantes de um comportamento típico do(s) agente(s), uma vez que tal alteração, neste caso, consubstanciaria a convolação de uma conduta atípica em conduta típica» (38).
Neste recurso, foi colocada a questão de saber se uma tal acusação poderia ser “desenvolvida” em julgamento com a inclusão dos factos em falta e integrantes das referidas tipicidades. Ora, como decorre do já exposto a resposta a essa questão só pode ser, evidentemente, negativa.
No nosso actual regime processual, a falta de narração na acusação/pronúncia de elementos integrantes da tipicidade do ilícito, redunda na pura inexistência dessa tipicidade, não sendo admissível a alteração na sentença dos factos da acusação, para que daquela passem a constar factos integrantes de um comportamento típico dos agentes, a qual, nessa hipótese, consistiria na convolação de uma conduta atípica em conduta típica. Aliás, em caso de alteração, nem sequer é permitida a comunicação ao Ministério Público para que ele crie novo procedimento pelos novos factos quando estes não são autonomizáveis em relação ao objecto do processo (39), logo, por maioria de razão, se, como aqui pretenderia a recorrente, o juiz suprisse a omissão, integrando a descrição factual da acusação/pronúncia com uma inscrição de factos “novos” essenciais para a integração dos ilícitos imputados, estaria a proceder a uma alteração substancial dos factos, proibida pelo comando do art. 359º do CPP (40).

A solução até agora oferecida a todas as analisadas questões suscitadas no recurso interposto pela assistente prejudica, ostensivamente, o conhecimento de todos os demais temas e argumentos naquele propostos, incluindo os atinentes à alteração da decisão sobre a matéria de facto, mantendo-se apenas a viabilidade da apreciação da questão do pedido cível.

2. Os recursos das arguidas Emília e Maria.

As arguidas Emília e Maria não se conformam com a decisão que as condenou, a cada uma delas, como autoras de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, d), do C. Penal, na pena de 210 dias de multa, à taxa diária de €10.
O referido tipo de crime de falsificação prevê a punibilidade de quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante.
Um documento é falso quando não corresponde à realidade, quando entre o que ele relata e o que de facto aconteceu existe divergência. Na sua circulação, quer se trate de documento particular quer público, em relação a ambos o Estado deve propiciar a sua genuinidade como garantia de estabilidade nas relações humanas.
As disposições penais referentes ao crime de falsificação em causa exigem, para o preenchimento do respectivo tipo legal, que, além do fabrico, falsificação ou alteração de documento, a menção de facto juridicamente relevante e não verdadeiro em documento ou o uso de documento falsificado por outrem, o agente actue com o propósito de, através dum engano, causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para terceiro vantagem patrimonial ilegítima (benefício ilegítimo), sendo este um dolo específico do ilícito criminal.

Temos assim, a par dos elementos objectivos, como elementos do tipo subjectivo: (i) o dolo genérico (41), que, como em qualquer outro tipo de ilícito, se desdobra nos elementos acima destrinçados (42) – o conhecimento e vontade de praticar o facto (a falsificação), com consciência da sua censurabilidade; (ii) e o dolo específico – a intenção de causar prejuízo a terceiro, de obter para si ou outra para pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime.

Sobre esta matéria, refere Helena Moniz (43):

«O crime de falsificação de documentos é um crime intencional, isto é, o agente necessita de actuar com “intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo”. Não se exige, no entanto, uma específica intenção de provocar um engano no tráfico jurídico (…)
(…) isto não significa que apenas se integrem no âmbito deste tipo legal de crime as condutas do agente que apenas tenham como objectivo a obtenção de um beneficio patrimonial ou a provocação de um prejuízo de carácter patrimonial. Não foi essa a posição do legislador mesmo que se considere, como vem sendo tradição, que o bem jurídico protegido é a fé pública nos documentos.
Constitui benefício ilegítimo toda a vantagem (patrimonial ou não patrimonial) que se obtenha através do acto de falsificação ou do acto de utilização do documento falsificado. O facto de o agente ter de actuar com esta específica intenção não significa que se pretenda proteger outro bem jurídico que não seja o da credibilidade no tráfico jurídico-probatório. Não constitui objecto de protecção o património, tão pouco a confiança no conteúdo dos documentos (…), mas apenas a segurança e credibilidade no tráfico jurídico, em especial no que respeita aos meios de prova, em particular a prova documental.
Aquando da prática do crime de falsificação (onde se integra, por força deste tipo legal, o uso de documento falso por terceiro) o agente deverá ter conhecimento que está a falsificar um documento ou que está a usar um documento falso, e apesar disto quer falsificá-lo ou utilizá-lo. Ou seja, para que o agente actue dolosamente tem que ter conhecimento e vontade de realização do tipo, o que implica um conhecimento dos elementos normativos do tipo. Constituindo o documento um elemento normativo do tipo apenas se exige que o agente tenha sobre ele o conhecimento normal de um leigo de acordo com as regras gerais, não sendo necessário o conhecimento da noção jurídica, maxime, da noção jurídico-penal.
(…) Para a prática do tipo legal basta a verificação do dolo eventual (…), isto é, basta que o agente tenha previsto e se tenha conformado com a verificação dos factos inscritos no tipo e considerados perigosos.

Vejamos, então, o caso destes autos.

Em ambos os recursos apresentados pelas arguidas Emília e Maria é impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, tanto restritamente, com alusão a vícios previstos no art. 410º, nº 2, como amplamente, com a invocação de erros cometidos no julgamento de tal matéria, ainda que a arguida Emília o faça de um modo mais diluído.
Naquela primeira vertente, a arguida Maria insurge-se contra o acórdão recorrido, assacando-lhe o vício de nulidade nos termos do art. 379º, nº 1, al. c) do CPP e o vício da insuficiência da matéria de facto art. 410º, nº 2, alínea a) do CPP, devido à não pronúncia pelo Tribunal recorrido sobre os fundamentos que aduziu na contestação, designadamente, que não realizava a contabilidade e não dava ordens ao TOC, alegando, ainda, que não foram levados em conta os efeitos da criação de provisões por contraponto à emissão das “28 facturas”.
E a arguida Emília, pese embora faça alusão ao vício de erro notório – art. 410º, nº 2, alínea c) – a sua verdadeira pretensão dirige-se à impugnação, por erro de julgamento, da decisão proferida em 1ª instância sobre a matéria de facto, na medida em que na concretização do mesmo apela a depoimentos testemunhais.

Conquanto com algumas cambiantes, ambas as recorrentes impugnam, no essencial, a legitimidade dos juízos adoptados na decisão que censuram, quanto a terem elas procedido a tal determinação [emissão das facturas] e a serem elas movidas, na sua conduta, pela intenção de obterem um benefício ilegítimo, através da repercussão no incremento do volume de vendas do valor [€ 444.683,83] das aludidas facturas, datadas de 31/12/2007, no exercício desse ano, de modo a obviar a que se colocasse em causa o pagamento das gratificações adicionais por si auferidas.
A par de tais vícios formais, o regime processual penal consagra a chamada impugnação ampla da matéria de facto, através da invocação de erro de julgamento, nos termos previstos no art. 412º, nº 3, alíneas a), b) e c), do CPP.
Para correctamente se impugnar a decisão com fundamento em erro de julgamento, é preciso que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, mas assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência – pela qualidade, sobretudo – dos elementos considerados para as conclusões tiradas.
É certo que a possibilidade de a Relação modificar a decisão da 1ª instância, sem que se imponha qualquer limitação relacionada com a convicção que serviu de base à decisão impugnada – ainda que, quanto à prova gravada, com a consciência dos condicionamentos postos pela limitação da acção do princípio da imediação –, é inteiramente congruente com o objectivo de garantir um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, claramente prosseguido pela lei de processo (44). Todavia, uma vez invocado o erro de julgamento, embora a sua apreciação se alargue à análise do que se contém e pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, a mesma é balizada pelos concretos pontos impugnados e meios de prova indicados, ou seja pelos limites fornecidos pelo recorrente, a quem se impõe o estrito cumprimento dos ónus de especificação previstos no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP (45). É esta a doutrina recomendada pelo STJ, p. ex., nos sumários dos seus Acs. de 10-01-2007 e 15-10-2008 (46).
O que se visa é, pois, uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto que o recorrente especifique como tendo sido incorrectamente julgados, na sua perspectiva, a fim de poder obviar a eventuais erros ou incorrecções na forma como foi apreciada a prova.
Daí que a delimitação desses pontos de facto seja determinante na definição do objecto do recurso, cabendo ao tribunal da relação confrontar o juízo que sobre eles foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção, determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifique nas conclusões da motivação.

Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova apontados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa.
Sendo certo que neste tipo de recurso sobre a matéria de facto (impugnação ampla), o tribunal da relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal a quo.

Precisamente por isso, o recorrente que pretenda impugnar amplamente a decisão sobre a matéria de facto deve cumprir o ónus de especificação previsto nas alíneas do nº 3 do citado art. 412º. A referida especificação dos concretos pontos factuais traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam na sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados. E a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico dos meios de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual impõem decisão diversa da recorrida. Exige-se, pois, que o recorrente refira o que é que nesses meios de prova não sustenta o facto dado por provado ou como não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe decisão diversa da recorrida, com o facto individualizado que se considera incorrectamente julgado.

Com efeito, num sistema como o nosso em que a prova não é tarifada, não podemos olvidar que, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (art. 127º CPP), o tribunal, orientado pela descoberta da verdade material, aprecia livremente a prova e não está inibido de socorrer-se da chamada prova indiciária ou indirecta.

Nessa senda, a análise da impugnação é norteada pela ideia de que a apreciação da prova, segundo o grau de confirmação que os enunciados de facto obtêm a partir dos elementos disponíveis, está vinculada a um conceito ou a um critério de probabilidade lógica preponderante e, especificamente, face a uma eventual divergência inconciliável de depoimentos, produzidos por pessoas dotadas de uma razão de ciência sensivelmente homótropa, prevalecerão os contributos colhidos por essa via, que sejam corroborados por outras provas, ou que, ao menos, melhor se conjuguem entre si e/ou com a experiência comum.

Sabendo-se que as provas são, em princípio, apreciadas segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador é necessário que o processo de formação dessa convicção seja explicado, esclarecendo-se nomeadamente porque se entende que ele se encontra em conformidade com as regras da experiência. Isto significa que não basta afirmar que certo depoimento, onde se abordaram determinados pontos está de acordo com as regras da experiência e, por isso, é credível; é preciso, dar o passo seguinte que consiste exactamente em esclarecer de forma raciocinada a compatibilidade do seu teor com tais regras da experiência.

Como é evidente, tais princípios não comportam apreciação arbitrária nem meras impressões subjectivas incontroláveis, antes têm, sempre, de nos remeter, objectiva e fundadamente, ao exame em audiência, com critérios da experiência comum e da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica, das provas aí validamente produzidas, visando a descoberta da verdade prático-jurídica e não a verdade transcendente, inalcançável, fruto de especulação projectada para fora do domínio da racionalidade prática, sem suporte em concretos argumentos e elementos de prova objectivos (47).

Contudo, no âmbito penal, o princípio in dubio pro reo – a que nos autos também se alude – estabelece a imposição de que, após a produção da prova, o tribunal terá de decidir a favor do arguido, perante a persistência de uma dúvida razoável: exige-se uma pronúncia favorável ao arguido quando o tribunal não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Neste conspecto, esse princípio constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos. Ora, como resulta do exposto, a violação desse princípio só se pode verificar quando o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido.
Normalmente, a imputação de uma alegada violação desse princípio suscita a necessidade de ser demonstrado o erro na apreciação da prova produzida, com vista a evidenciar no recurso a carência de prova de que os factos imputados ao arguido foram por este protagonizados ou de que se verificou qualquer circunstância que a lei faz depender a punibilidade do mesmo.
É certo que a prova não pressupõe uma certeza absoluta, mas, por outro lado, também não se pode quedar na mera probabilidade de verificação de um facto. Assenta no alto grau de probabilidade do facto suficiente para as necessidades práticas da vida (48). Trata-se de uma liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da «liberdade para a objectividade» (49).
É por isso que nos casos em que o julgador não logra decidir com segurança com base nas mesmas e permanecendo uma dúvida consistente e razoável não pode desfavorecer a posição do arguido, só lhe restando concluir pela absolvição do mesmo por apelo do princípio in dubio pro reo (50), pois convém não esquecer que «o arguido beneficia da presunção de inocência: a prova para condenação tem de ser plena (...). Desde que a prova suscite (…) a possibilidade de diferente hipótese que não pode ser afastada, prevalece, por força da lei, a presunção de inocência».

Assim é, porque «a condenação de um inocente afecta muito mais gravemente a justiça, e por isso também o próprio interesse social, do que a não punição de um culpado» (51).
E, como é evidente, é segundo esta perspectiva que hão-de ser apreciados os factos provados e a fundamentação que o tribunal recorrido levou a efeito para sustentar a sua convicção acerca deles, ou seja, o processo avaliativo que o tribunal levou a cabo de modo a que se possa dizer com segurança se houve ou não uma errada apreciação da prova produzida. Em suma, neste processo, a violação do invocado princípio deve ser defrontada ou apreciada também nesta vertente da adequação da decisão proferida à prova produzida.

Analisemos, então, o sentido da decisão impugnada e os elementos de prova invocados nas conclusões de recurso sobre os pontos da impugnação deduzida.

O Tribunal de 1ª instância, «ponderando a matéria de facto dada como provada, pontos 58, 62 e 63», entendeu que as arguidas, sob uma única resolução delituosa, cometeram um (só) crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.º1, al. d), do CP, porque «determinaram a elaboração das facturas aí mencionadas, constando delas data de emissão (facto juridicamente relevante) distinta daquela em que as mesmas foram emitidas, com o objectivo de as fazer repercutir contabilisticamente no exercício do ano da data que delas consta, de modo a que da sua ponderação resultasse um resultado líquido positivo e, assim, as contas do exercício pudessem ser aprovadas sem que quem as fiscalizasse, Assembleia-Geral, pudesse suspeitar do auferimento, pelas mesmas, das gratificações adicionais mencionadas na matéria provada, com vista a obter tal benefício patrimonial».

Para tanto, em sede da motivação da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal considerou demonstrado que as arguidas determinaram a emissão das 28 facturas respeitantes à revisão ou correcção de preços, pelo depoimento da testemunha Carlos, que a assumiu, por ordem directa da arguida Maria, tendo-lhe a arguida Emília, directora-geral, manifestado claro conhecimento de tal procedimento. Daí, apelando a critérios de normalidade, afirmou o Tribunal recorrido não encontrar «outra explicação razoável para a emissão das aludidas facturas que não seja o motivo constante da matéria dada como provada, ou seja, de que a emissão das facturas de modo a serem repercutidas no exercício do ano da data que delas consta tinha como fim, das arguidas, o incremento do volume de vendas e, consequentemente, a afectação dos resultados do exercício nos termos verificados e dados como provados, de modo a obviar a existência de argumento que colocasse em causa o pagamento das gratificações adicionais por si auferidas por parte da Assembleia-Geral ou Conselho Fiscal».

Ora, independentemente de as arguidas não intervirem directamente na elaboração da contabilidade, não convence o argumento que as mesmas daí pretenderam colher nos recursos agora sob exame, na medida em que, em abstracto, as mesmas sempre poderiam ter determinado a questionada emissão das facturas, atendendo ao grau de responsabilidade e à natureza das funções que desempenhavam na actividade da cooperativa.

Por outro lado, no que importa, especificamente, ao elemento subjectivo de qualquer infracção, pode/deve fazer-se uso das regras da experiência comum. Na verdade, sendo o dolo um elemento da vida interior do agente, ou, dito de outro modo, um facto do foro psicológico, por isso que impossível de apreender directamente, o mesmo pode deduzir-se ou inferir-se de dados que, com muita probabilidade, o revelem. Estes factos são, muitas vezes, indemonstráveis de forma naturalística, mas o tribunal pode considerá-los provados, através de outros que com eles normalmente se ligam se, apesar da ausência de reconhecimento pelo agente, atenta a sua conduta, esta tiver o significado evidente, a probabilidade séria da verificação do elemento subjectivo, nos enunciados termos, posto que manifestamente preenchido o conhecimento da totalidade dos elementos típicos objectivos, em moldes que evidenciem a vontade da prática dos factos.

Todavia, salvo o devido respeito, a decisão recorrida não ponderou, como se impunha, que na factualidade apurada muito se realçam os seguintes aspectos: i) a actividade das arguidas, mesmo a da directora-geral, nunca deixou de estar sintonizada e ser funcionalmente subordinada à direcção da cooperativa; ii) a emissão das facturas foi acompanhada e teve o correspondente reflexo e contrapartida na constituição de uma provisão cujo valor, àquelas dedicada, anulava o putativo efeito contabilístico com que a decisão recorrida argumentou; iii) caso não se contabilizasse tal provisão e se retirasse a quantia respeitante às facturas (€ 444.683,83) ao volume de negócios do ano de 2007, este ainda seria de € 22.572.380,76 (cf. item 65 dos factos), ultrapassando, pois, o patamar (€ 20.000.000) que estava estabelecido pela direcção da assistente para as arguidas poderem percepcionar as gratificações; iv) a dita emissão foi mera decorrência e execução do procedimento assumido pela direcção da assistente e cristalinamente comunicado aos cooperadores presentes na assembleia geral realizada em 12-12-2007, vertido na respectiva acta [cf. fls. 2331: «os débitos mais significativos têm sofrido penalizações várias que constam acertos/aumentos de preços dos serviços prestados e dos factores de produção fornecidos e que a todos, indistintamente, são aplicadas as taxas de juros previstas no Regulamento Interno de Concessão de crédito da X»].
Com particular relevância sobre esses aspectos factuais, salientamos, ainda, os seguintes depoimentos:

- A testemunha B. N., ROC em representação da “YY” (52), negou, frontalmente, a ideia de que a emissão das 28 facturas tivesse como objectivo aumentar o volume de negócios, a fim de as arguidas obterem proventos, uma vez que tal acto visou, sim, contrariar benefícios que haviam sido concedidos aos cooperadores incumpridores e asseverou que as contas da cooperativa sempre foram positivas e nunca foram objecto de qualquer manipulação.
- A testemunha J. M., também funcionário da “YY”, garantiu que as 28 facturas foram emitidas porque os cooperadores não estavam a cumprir com os pagamentos, que para tal regularização foi criado um código próprio para o acerto de preços, que a emissão teve um impacto nulo nas contas por terem sido criadas provisões à mesma afecta, que, na data, havia muito que estava atingido o volume de negócio exigido para as questionadas gratificações às arguidas, não sendo necessário qualquer estratagema para esse efeito, e que todas as decisões referentes à cooperativa eram tomadas pela respectiva direcção.
- A testemunha Adelaide, então funcionária administrativa da cooperativa, informou, sem tibiezas, que a ordem para a emissão das 28 facturas em questão veio da direcção.
- A testemunha Carlos, trabalhador informático da assistente, assumiu ser da sua competência a emissão de facturas e esclareceu ter recebido da arguida Maria a indicação para emitir as 28 facturas em questão. Note-se, contudo, que daí nada se pode concluir quanto à substancial autoria da determinação para a prática de tal acto, até porque a testemunha disse ter ficado com a impressão de que na origem do mesmo estaria um conselho da “YY” e que, na data, nada de irregular vislumbrou em tal medida.

Todos esses dados, sobretudo e peremptoriamente o que se refere ao de a emissão das facturas emergir de um procedimento adoptado pela direcção da assistente, do conhecimento do órgão decisor máximo da mesma, a respectiva assembleia geral, com o móbil evidente de incentivar ou exercer pressão sobre os cooperadores relapsos para que satisfizessem os débitos que então mantinham para com a assistente, apontam no sentido oposto ao trilhado pela decisão recorrida. Com efeito, não se pode concordar com o decidido em 1ª instância: tais elementos não consentem que se considere provado que «tal aconteceu …por decisão e ordem das arguidas Emília e Maria» (item 63 dos factos), ou seja, que a responsabilidade pela determinação de tal emissão possa recair nas ora recorrentes e, muito menos, que esse acto/determinação constituísse a realização de um intento formado pelas próprias arguidas de alcançarem um benefício ilegítimo, o auferimento das gratificações adicionais (item 112 dos factos).
De todo o modo, estamos em crer que as explicações avançadas pelas arguidas não poderiam ser desconsideradas pelo Tribunal colectivo, como acabaram por sê-lo, não só porque inexistem elementos de prova seguros que as contrariassem, como os que, realmente, existem apontam no seu exacto sentido.
Ora, de acordo com o aludido princípio in dubio pro reo, como corolário da apreciação da prova, existindo a possibilidade razoável de uma solução alternativa ou de uma explicação racional e plausível diferente, a decisão deve assentar na que se mostre mais favorável às arguidas. O que se aplica, essencialmente, aos mencionados pontos fulcrais (determinação do acto e intento de benefício ilegítimo), mas também se adequaria a múltiplas referências – algumas, aliás, de cariz meramente conclusivo – disseminadas na enumeração dos factos assentes [como sucede nos itens 67, 73 (na parte respeitante à arguida Maria), 108 e 111], se a decisão ora tomada não inviabilizasse/inutilizasse a sua apreciação e a aferição da sua incongruência ou incompatibilidade com o decidido em relação àqueles outros pontos.

Por conseguinte, decidimos considerar não provados e, por consequência, expurgar da factualidade assente os aludidos factos atinentes à determinação pelas ora recorrentes da emissão das facturas e a que esse acto/determinação constituísse a realização de um intento formado pelas mesmas de alcançarem o benefício ilegítimo consistente no auferimento das gratificações adicionais.

Em consonância com o assim decidido, não se preenche a totalidade dos elementos, já sumariamente exibidos, do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, d), do C. Penal, pelo qual, em 1ª instância, foram condenadas as recorrentes, o que implica a sua absolvição e prejudica o conhecimento de todas as demais questões por elas suscitadas, dada a sua completa inutilidade.
Procedem, pois, os recursos das arguidas.

3. O pedido cível.

A demandante cível pedira a condenação solidária dos arguidos a pagar-lhe as quantias de € 4.209.353,76 e € 50.000, para reparação dos danos, respectivamente patrimoniais e não patrimoniais, alegadamente sofridos em consequência da conduta aos mesmos imputada.
Agora, no seu recurso, a demandante sustenta que esse seu petitório deve ser apreciado em conformidade com a condenação das arguidas Emília e Maria pelo crime de falsificação, uma vez que se verificam todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual quanto às mesmas, à luz dessa efectiva condenação.
Era imputada às ora requeridas a autoria de um crime de administração danosa, p. e p. pelo art. 235º, nº 1, e de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, d), ambos do C. Penal.
Porém, não se demonstrou que as requeridas tivessem cometido qualquer dos actos ilícitos por que vinham acusadas, não se retirando da matéria factual apurada os elementos típicos dos referidos ilícitos criminais que lhes eram imputados e, por isso, aquelas vão absolvidas.
O pedido de natureza cível nos autos formulado, fundamentado na pretendida responsabilidade subjectiva do demandado, haverá que ser apreciado à luz do disposto na lei civil (53). Estamos, pois, perante uma acção civil, que adere ao processo penal e que como acção cível permanece até ao fim (54).

Assim, a autonomia da acção cível enxertada na acção penal explica até que a absolvição relativamente ao aspecto jurídico-penal da causa possa não ter reflexos sobre a procedência ou improcedência do pedido de indemnização civil.
O que, aliás, está em consonância com o que, a propósito, se estipula no art. 377º, nº 1, do C.P.Penal, segundo o qual, a sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, sem prejuízo do disposto no art. 82º, nº 3. Há, ainda, que ter em consideração a jurisprudência uniformizada constante do AUJ do STJ nº 7/99, in DR Iª Série, nº 179, de 3/08/1999, que sobre a matéria decidiu: «Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no Artº 377º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade contratual».

Importaria, pois, averiguar se in casu estão verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar, em consonância com a responsabilidade civil extracontratual, que pressupõe a ilicitude do facto, a imputação desse facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (art. 483º do CC).

Ora, a demandante (cível) não logrou evidenciar, como lhe incumbia (art. 342º nº 1 do CC), os apontados pressupostos do direito à indemnização aqui exercido, maxime, o concreto danos cujo ressarcimento almejaria, assim como o nexo de causalidade entre o suposto dano e o apurado comportamento das requeridas, bem como a ilicitude deste: designadamente quanto às gratificações, o punctum saliens da controvérsia travada nos autos e em que (muito) se foca a demandante, nada se demonstrou que permita concluir se e em que medida as mesmas seriam uma remuneração indevida, por constituírem contrapartida manifestamente desadequada (excessiva) em relação ao relevo das funções concretamente prestadas pelas demandadas ou quanto ao modo, necessariamente ilícito, como estas teriam determinado a direcção da demandante a atribuir-lhes essa contrapartida putativamente indevida. Como tal as demandadas devem ser, como foram, absolvidas do pedido contra elas formulado.

Por conseguinte, improcede o recurso da assistente, também nesta vertente.
*
Decisão:

Nos termos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar totalmente improcedente o recurso da assistente e procedentes os recursos das arguidas Emília e Maria e por consequência:

a) alterar a decisão sobre a matéria de facto nos termos sobreditos;
b) absolver as arguidas Emília e Maria da acusação/pronúncia também relativamente ao crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, d), do C. Penal;
b) manter no demais a decisão recorrida.

Custas de todos os recursos, na parte penal, pela assistente, fixando-se as respectivas taxas de justiça em seis unidades de conta, quanto ao daquela, e em quatro quanto a cada um dos restantes (arts. 513º, nº 1, do C.P. Penal, e 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma), e, na parte cível, pela demandante.
Guimarães, 10/07/2018

Ausenda Gonçalves
Fátima Furtado


1Como refere Jescheck (Tratado de Derecho Penal, Parte General, 4.ª Edição, p. 6): «o direito penal tem por missão proteger bens jurídicos. Em todas a normas jurídico-penais subjazem juízos de valor positivo sobre bens vitais que são indispensáveis para a convivência humana na comunidade e que consequentemente devem ser protegidos, pelo poder coactivo do Estado através da pena pública. (...) Todos os preceitos penais podem reconduzir-se à protecção de um ou vários bens jurídicos. O desvalor do resultado radica na lesão ou o colocar em perigo de um objecto da acção (ou do ataque) que o preceito penal deseja assegurar, do titular do bem jurídico protegido».
2André Lamas Leite (“Nótulas esparsas sobre o crime de administração danosa”), que também esclarece: «Sabemos que o art. 235.º do CP foi muito influenciado por um tipo paralelo que existia no CP da antiga Alemanha de Leste (de 12 de janeiro de 1968), em que se propendia para a tutela do património do Estado. Nesse § 165, 1, era elemento expresso do tipo objetivo um bedeutenden wirtschaftlichen Schaden («dano económico importante/significativo»).
3«Em uma palavra, o legislador aponta para uma interpretação apta a conciliar o rigor e a prudência da gestão com a inevitabilidade de as empresas correrem os riscos adequados à prossecução do seu escopo social» (André Lamas Leite, artigo cit.).
4É o que também defendem o Prof. Costa Andrade (“Comentário Conimbricense do Código Penal”, Coimbra Editora, em anot. à referida norma) e Pinto de Albuquerque (“Comentário do Código Pena: à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora”, em anot. ao art. 235º).
5Cf. arts. 80º e 82º da CRP.
6Art. 2º do C.Cooperativo. Como se vê, os organismos cooperativos, embora possuindo natureza privada, prosseguem, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações de diversa índole dos mesmos.
7Neste sentido, o Ac. do STJ de 11-02-1998, in CJ/STJ, 1º/202, com sumário in www.dgsi.pt (P. 97P1191).
8Cf. Henrique Monteiro “A comparticipação em crimes especiais no Código Penal”, Universidade Católica Editora, Lisboa, 1999, p. 16.
9Segundo o Prof. Costa Andrade, cit. “Comentário”, só incorre na prática deste crime aquele que encete «(…) ações compreendidas no âmbito de competência do agente e da sua capacidade para vincular perante terceiros a empresa pública ou cooperativa».
10Prof. Costa Andrade, cit. “Comentário”, 1999, p. 542.
11André Lamas Leite (artigo cit.), na esteira de Roxin (“Autoría y dominio del hecho en Derecho Penal”, trad. da 7.ª ed. alemã de 1999), afirma que se pode caraterizar o crime de administração danosa como um «delito de dever», no sentido em que «o núcleo do ilícito consiste na confiança depositada pela ordem jurídica na manutenção da integridade de certos deveres assumidos pelo agente do crime».
12 O sumário do acórdão da RP de 2-02-2000 (p.9940740-Teixeira Pinto) também aponta esse caminho.
13 In cit. “Comentário”, no que é acompanhado por André Lamas Leite (artigo cit.): «Se assim é, o dano e a sua natureza não se podem desligar dessa função, i. e., só releva para o âmbito da incriminação típica o dano que a comprometa de modo sério, de jeito decisivo. O que é independente de uma simples consideração matemática e que terá de ser analisada caso a caso, mas que terá sempre como limite intransponível que esse prejuízo causado se tenha arvorado em óbice sério à continuidade do desempenho das funções para que tende a unidade económica.» (…) Já se disse que é essencial que se afaste, aqui, a noção puramente decalcada do art. 202.º do CP. Exige-se, isso sim, um reflexo concreto do dano na estrutura da empresa e no asseguramento da manutenção das suas funções primordiais.» Um dano «que, p. ex., tenha afetado de tal forma a imagem exterior da empresa que provoque uma debandada de clientes/consumidores para outras empresas, em especial em setores concorrenciais. P. ex., uma decisão de deixar de apoiar financeiramente um projeto social muito querido da população.».
14Pinto de Albuquerque (cit. “Comentário”, anot. 12). O mesmo defende este autor para o tipo fundamental de infidelidade – cf. anot. 10, p. 619.
15Neste sentido, também André Lamas Leite (artigo cit.), que, no entanto, ressalva: «isto não significa, note-se, que qualquer ato que preenchesse objetivamente os elementos típicos do crime, desde que praticados por decisão de órgão colegial, quedaria impune. Deve assentar-se em que o tipo legal do art. 235.º, n.º 1, do CP, do modo como se acha configurado, se preenche com atuações individuais de quem, na unidade económica do setor público ou cooperativo, pela natureza das funções que ocupa, pode provocar “dano patrimonial importante”». (…) Ora, quando os arguidos tiverem atuado dentro do seu quadro funcional, não merecem qualquer censura penal e, a merecerem, teriam de ser todos quantos, p. ex., aprovaram a deliberação do órgão».
16Em qualquer das modalidades previstas no art. 14º do C. Penal (directo, necessário e eventual): intenção de realizar o facto típico, aceitação como consequência necessária da conduta, conformação ou indiferença pela realização do resultado previsto como possível.
17Cfr. Figueiredo Dias, Jornadas de Direito Criminal, Fase I, ed. do Centro de Estudos Judiciários, 1983, p. 71-72 e Rev. Port. de Ciência Criminal, ANO 2, 1º, p. 18-19.
18Ainda Figueiredo Dias, em “Direito Penal, Parte Geral”, I, Coimbra Editora, 2004, p. 333.
19André Lamas Leite (artigo cit.).
20Também neste sentido, o acórdão da RC de 6-07-2011 (p. 2184/06.5JFLSB.C1-Alberto Mira). Diferentemente, Pinto de Albuquerque (cit. “Comentário”, anot. 10) tem a interpretação (mais restritiva) de que o tipo subjectivo do ilícito só admite o dolo directo por não ser «concebível que o agente possa actuar com intenção de violar as normas de gestão racional e apenas se tenha conformado com a possibilidade de causar o dano que essas regras visam evitar».
21André Lamas Leite (artigo cit.).
22Neste sentido, Taipa de Carvalho, em anot. ao artigo 224º do CP, in “Comentário Conimbricense
23Foi essa, justamente, a vontade expressa pelo proponente do tipo na Comissão de revisão do CP de 1966 (in Actas, CP/Eduardo Correia), segundo Pinto de Albuquerque, em anot. 9 ao art. 224º, in cit. “Comentário”.
24O que o Sr. Procurador-Geral Adjunto demonstrou, muito doutamente, como, aliás, em relação aos demais temas versados nos recursos.
25É o que logo ressuma da factualidade imputada aos arguidos e o que a prova produzida claramente indica, como, indiscutivelmente, resulta, entre outros, do depoimento do técnico B. N. que, nesta matéria, assumiu uma enorme saliência por ter auditado, externamente, a assistente em representação da empresa “YY”, qualidade em que subscreveu o documento de certificação das contas cujos elementos aquela agora pretenderia colocar em crise.
26Figueiredo Dias, “Temas Básicos da Doutrina Penal”, 2001, p. 43.
27Também Frederico Lacerda Costa Pinto (“Falsificação de Informação Financeira nas Sociedades Abertas”) aponta a natureza duplamente fragmentária do direito penal: «só tutela certos bens jurídicos e só tutela esses bens jurídicos perante certas formas de agressão, fazendo-o de acordo com critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade da intervenção penal» (cfr. art. 18.°, n.° 2 da CRP)».
28Este colectivo já expendeu considerações de idêntico pendor no precedente acórdão de 5/03/2018 (p. 193/12.4TABRG.G1, in wwdgsi.pt).
29Tal como já fizera, p. ex., no Ac. nº 674/99 de 15/12/99, in DR II de 25/2/2000, em que julgou «inconstitucionais as normas contidas nos artigos 358º e 359º do CPP, quando interpretadas no sentido de se não entender como alteração dos factos - substancial ou não substancial - a consideração, na sentença condenatória, de factos atinentes ao modo de execução do crime, que, embora constantes ou decorrentes dos meios de prova juntos aos autos, para os quais a acusação e a pronúncia expressamente remetiam, no entanto aí se não encontravam especificadamente enunciados, descritos ou discriminados por violação das garantias de defesa do arguido e dos princípios do acusatório e do contraditório, assegurados no artigo 32.º, n.os 1 e 5, da Constituição da República» (o realce é nosso).
30 Que apresentou, nomeadamente, numa comunicação feita no Tribunal da Relação de Guimarães, no dia 2 de Abril de 2009.
31Cfr., v.g., Ac. do Tribunal Constitucional n.º 130/98, in www.tribunalconstitucional.pt
32Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, pág. 145.
33Cfr. Eduardo Correia, A Teoria do Concurso em Direito Criminal – II Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Coimbra, Almedina, reimp., 1983, págs. 305 e 317.
34Não pode “a acusação pretender uma consideração só parcial ou só de alguns dos aspectos jurídico-criminais do objecto posto pela acusação” (Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, Coimbra, 1968, pág. 202). Por isso, também, “o juiz deve conhecer não de maneira fragmentária mas esgotantemente o facto que é submetido ao seu julgamento” (Eduardo Correia, A Teoria do Concurso em Direito Criminal, cit., pág. 359; cfr. também, págs. 314-315 e 317-318). O princípio da investigação ou da verdade material, com os propósitos de economia, celeridade e justiça material, justifica a indivisibilidade do objecto do processo.
35 O princípio da consunção implica que "posta uma questão penal ante um magistrado, deve este necessariamente resolvê-la. E resolvê-la esgotantemente até onde deva e possa. Aquilo, pois, que, devendo tê-lo sido, não se decidiu na sentença directamente, tem de considerar-se indirectamente resolvido; aquilo que se não resolveu por via expressa deve tornar-se como decidido tacitamente” (Eduardo Correia, A Teoria do Concurso em Direito Criminal, cit., pág. 304); “Por outras palavras, o conhecimento do objecto do processo deve ter-se sempre por totalmente consumido – a decisão sobre ele deverá considerar-se como tendo-o definido jurídico-criminalmente em tudo o que dele podia e devia ter conhecido” (Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, cit., pág. 205).
36Assim, concluiu o STJ no Ac. de 17-06-2004 (04P908 - Santos Carvalho): «Não são “factos” susceptíveis de sustentar uma condenação penal as imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado (“procediam à venda de produtos estupefacientes”, “essas vendas eram feitas por todos e qualquer um dos arguidos”, “a um número indeterminado de pessoas consumidoras de heroína e cocaína”, utilizavam também “correios”, “utilizavam também crianças”, etc.). As afirmações genéricas, contidas no elenco desses “factos” provados do acórdão recorrido, não são susceptíveis de contradita, pois não se sabe em que locais os citados arguidos venderam os estupefacientes, quando o fizeram, a quem, o que foi efectivamente vendido, se era mesmo heroína ou cocaína, etc. Por isso, a aceitação dessas afirmações como “factos” inviabiliza o direito de defesa que aos mesmos assiste e, assim, constitui uma grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no art. 32º da Constituição.». Ou no Ac. de 2-07-2008 (07P3861 - Raul Borges): «Esta imprecisão da matéria de facto provada colide com o direito ao contraditório, enquanto parte integrante do direito de defesa do arguido, constitucionalmente consagrado, traduzindo aquela uma mera imputação genérica, que a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem entendido ser insusceptível de sustentar uma condenação penal – cf. Acs. de 06-05-2004, Proc. n.º 908/04 - 5.ª, de 04-05-2005, Proc. n.º 889/05, de 07-12-2005, Proc. n.º 2945/05, de 06-07-2006, Proc. n.º 1924/06 - 5.ª, de 14-09-2006, Proc. n.º 2421/06 - 5.ª, de 24-01-2007, Proc. n.º 3647/06 - 3.ª, de 21-02-2007, Procs. n.ºs 4341/06 - 3.ª e 3932/06 - 3.ª, de 16-05-2007, Proc. n.º 1239/07 - 3.ª, de 15-11-2007, Proc. n.º 3236/07 - 5.ª, e de 02-04-2008, Proc. n.º 4197/07 - 3.ª.».
37Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 2000, III, p. 114.
38Como ponderou o já cit. Ac. da RC de 6-07-2011 (2184/06.5JFLSB), onde se disse, ainda: «A possibilidade de, após a dedução da acusação pública, na qual não constam todos os elementos típicos do crime imputado, se poder reformular essa peça processual, seria manifestamente violadora do princípio do acusatório e das mais elementares garantias de defesa do arguido». Também o Ac. da RP de 27-06-2012 (581/10.0GDSTS.P1 - Pedro Vaz Pato), concluiu: «A acusação à qual falte um dos elementos constitutivos do tipo não é nula mas improcedente. Deduzida acusação improcedente e requerida a abertura de instrução, a circunstância de os factos descritos na acusação não constituírem crime levaria à rejeição desta. E se, mesmo assim, a acusação não tivesse sido rejeitada e viesse a ser realizado julgamento, essa situação levaria à absolvição do arguido com o consequente arquivamento dos autos. Em nenhuma destas situações se prevê a faculdade de reformular ou corrigir uma acusação improcedente, com o consequente prosseguimento do processo, em vez do seu arquivamento. A reformulação ou correcção da acusação, nestas circunstâncias, subverteria o sistema processual penal vigente.».
39Segundo Frederico Isasca (“Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no Processo Penal Português”, p. 203), «os factos são autónomos ou autonomizáveis quando podem, por si só e portanto independentemente dos factos que formam o objecto do processo, ser susceptíveis de fundamentar uma incriminação autónoma em face do objecto do processo» e Germano Marques da Silva (“Do Processo Penal Preliminar”, p. 369) alude a factos que podem «constituir objecto de novo processo, independentemente do resultado do processo em curso». Pelo contrário, os factos não são autonomizáveis quando «estão imbrincados nos factos constantes da acusação» (Sousa Mendes, in “O Processo Penal em Acção: Hipótese e Modelo de Resolução”, “Questões avulsas de processo penal”, Lisboa, AAFL, 2000, p. 115.], quando são «insusceptíveis de valoração jurídico-penal separados do objecto do processo penal em que foram descobertos» (Marques Ferreira, “Da Alteração dos Factos Objecto do Processo Penal”, p. 253).
40V., ainda, a doutrina fixada pelo AUJ nº 1/2015 (DR I de 2015-01-27): «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do Código de Processo Penal.»
41 Em qualquer das modalidades previstas no art. 14º do C. Penal.
42 Cf. p. 86 deste acórdão.
43 No comentário que faz ao art. 256º no “Comentário Conimbricense do Código Penal”, tomo II, 1999, pág. 684 e ss
44 O legislador pretendeu um grau de recurso que atentasse e procedesse – dentro dos limites que uma gravação, despida dos factores possibilitados pela imediação consentisse – uma verdadeira e conscienciosa reapreciação da decisão de facto.
45 Como se expendeu no acórdão do Tribunal Constitucional nº 312/2012, relatado pelo conselheiro Cura Mariano «…o direito ao recurso constitucionalmente garantido não exige que o controlo efetuado pelo tribunal superior se traduza num julgamento ex-novo da matéria de facto, face às provas produzidas, podendo esse controlo limitar-se a aferir se a instância recorrida não cometeu um error in judicando conforme já se decidiu no Acórdão n.º 59/2006 deste Tribunal (acessível em www.tribunalconstitucional.pt), onde se escreveu: “Na verdade, seria manifestamente improcedente sustentar que o recurso para o Tribunal da Relação da parte da decisão relativa à matéria de facto devia implicar necessariamente a realização de um novo julgamento, que ignorasse o julgamento realizado em 1ª instância. Essa solução traduzir-se-ia num sistema de “duplo julgamento”. A Constituição em nenhum dos seus preceitos impõe tal solução…».
46 Processos nºs 06P3518 e 08P2894, respectivamente, ambos relatados pelo Conselheiro Henriques Gaspar.
47 A óbvia vinculação dessa liberdade às regras fundamentais de um estado-de-direito democrático, sobretudo as vertidas na lei fundamental e na do processo penal, não obsta à busca da verdade material. Por ser condição da realização da justiça e da sua própria subsistência, não pode a concretização dessa tarefa, embora exercida com exigência e rigor, tropeçar em exagero ou comodismos, travestidos de juízos matematicamente infalíveis ou de argumentos especulativos e transcendentes, sob pena de essencialmente deixar de o ser e de o julgamento passar à margem da verdadeira, fundamental e íntima convicção dos juízes, com o risco indesejável de, assim, o tribunal abdicar da sua soberana função de julgar em nome da comunidade (cfr. Ac. STJ de 15/6/2000, in CJ(S), 2º/228, sobre a questão da livre convicção).
Mas, ainda a propósito da livre apreciação da prova, convém lembrar o que refere o Prof. F. Dias: «(…) o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida». E acrescenta que tal discricionaridade tem limites inultrapassáveis: «a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» – , de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo». E continua: «a «livre» ou «íntima» convicção do juiz ... não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável». Embora não se busque o conhecimento ou apreensão absolutos de um acontecimento, nem por isso o caminho há-de ser o da pura convicção subjectiva. E «Se a verdade que se procura é...uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais – mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impôr-se aos outros». E conclui: «Uma tal convicção existirá quando e só quando ... o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável», isto é, «quando o tribunal ... tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse» - Direito Proc. Penal, 1º. Vol., pp. 203/205.48 Como dizia Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, p. 191.
48 Como dizia Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, p. 191.
49 Rev. Min. Pub. 19º, 40.
50 Com efeito, como ensina Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Vol. I, Verbo, 1993, pág. 41, «a dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado». Neste sentido se pronuncia, também, a generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, como o atestam, v.g., o Ac. da RP, de 21/04/2004, in www.dgsi.pt, no qual se refere: «O princípio “in dubio pro reo” é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Ou seja, e dito de outro modo, quando o juiz não consiga ultrapassar a dúvida razoável de modo a considerar o facto como provado, com a certeza que se exige para tal, e porque não pode haver um “non liquet”, tem de valorar o facto a favor do arguido. a favor do arguido é consequente do princípio da presunção de inocência».
51 Cfr. Manuel Cavaleiro de Ferreira, in “Curso de Processo Penal”, vol. 2º, 1986, Editora Danúbio, pág. 259.
52 Já acima referenciado na nota 25.
53 Art. 129º do C.Penal.
54 Cfr., neste sentido, Figueiredo Dias, in “Jornadas de Direito Processual Penal”, pág. 15.