Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1512/14.4T8BRG-D.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: FGADM
RENDIMENTOS
CÁLCULO
BOLSA DE ESTUDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Para efeitos do cálculo da capitação média do rendimento do agregado familiar em que o menor se encontra inserido, para saber se excede o valor de referência legitimador da intervenção do FGADM (fixado em € 428,90 pela Portaria nº 21/2018 de 18/1), deve computar-se o valor pago a título de bolsa de estudo não enquadrada no âmbito da acção social escolar, e isto apesar da revogação da alínea h) do nº 1 do art. 3º do DL 70/2010, de 16 de Junho operada pelo Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27 de Junho, com início de vigência a 1 de Julho de 2012).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Sumário: Para efeitos do cálculo da capitação média do rendimento do agregado familiar em que o menor se encontra inserido, para saber se excede o valor de referência legitimador da intervenção do FGADM (fixado em € 428,90 pela Portaria nº 21/2018 de 18/1), deve computar-se o valor pago a título de bolsa de estudo não enquadrada no âmbito da acção social escolar, e isto apesar da revogação da alínea h) do nº 1 do art. 3º do DL 70/2010, de 16 de Junho operada pelo Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27 de Junho, com início de vigência a 1 de Julho de 2012).

I- Relatório

Nos autos de divórcio por mútuo consentimento em que foram partes A. P. e António, com os sinais dos autos, e na sequência de promoção do MP, foi proferido despacho que, por considerar terem deixado de subsistir os pressupostos previstos no art. 2º da Lei 75/98 de 19/11, e art. 3º do DL 164/99 de 13/5, ordenou a cessação do pagamento da prestação alimentar ex vi do art. 3º,4 do referido diploma legal.

Inconformada com esta decisão, a requerente, A. P. dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida em separado, e com efeito meramente devolutivo, findando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

A. Entendeu o Ministério Público e foi no seu encalço o Meritíssimo Juíz a quo que decorria dos documentos / informações constantes dos autos que a capitação média do rendimento do agregado familiar em que o menor se inseria se encontrava excedido o valor legitimador da intervenção do FGADM, fixado em € 418,90.
B. Incorreram, quer o MP, quer o Meritíssimo Juiz, em erro nos valores que levaram em conta para calcular a capitação média do rendimento do agregado familiar da recorrente.
C. Nos termos do nº 1 do art. 3º da Lei 70/2010, “para efeitos da verificação da condição de recursos, consideram-se os seguintes rendimentos do requerente e do seu agregado familiar:

a) rendimentos do trabalho dependente;
b) rendimentos empresariais e profissionais;
c) rendimentos de capitais;
d) rendimentos prediais;
e) pensões;
f) prestações sociais;
g) apoios à habitação com carácter de regularidade
h) (revogada…)
D. A alínea h) do nº 1 do art. 3º do citado diploma referia, antes de ser revogado pelo DL 133/2012, “bolsas de estudo e formação”;
E. Dos elementos dos autos consta que a requerente auferia o salário bruto de € 580,00 e que é titular de abono de família com as seguintes prestações:

-abono de família com valor de € 30,61;
-majoração monoparental, no valor de € 21,43;
-bolsa de estudo, com o valor de € 30,61;
F. Ora, foi feita a capitação do rendimento incluindo a prestação de € 30,61 e da bolsa de estudo que, desde o DL 133/2012 de 27/6, deixou de contar para a capitação média dos rendimentos do agregado familiar.
G. Fazendo-se a soma dos rendimentos que contam, nos termos do nº 1 do art. 3º do DL 70/2010, e retirando o valor da bolsa de estudo que, por virtude da revogação do DL 133/2012 deixou de contar, temos: € 580,00, + € 60,61 + € 21,43 = € 632,04; : 1,5 (1 da requerente e 0,5 do menor) = € 421,36.
H. O valor obtido de € 421,36 é inferior ao valor referência legitimador da intervenção do FGADM, fixado em € 428,90.
I. Assim, contrariamente ao douto despacho agora em recurso, não deixaram de subsistir os pressupostos previstos no art. 2º da Lei 75/98 e art. 3º do DL 164/99, antes mantém-se os respectivos pressupostos que justificam a intervenção e o pagamento da prestação alimentícia pelo FGADM.
J. O douto despacho em crise violou o disposto no art. 3º do DL 70/2010, bem como o previsto no art. 2º da Lei 75/98 e art. 3º do DL 164/99, pois que fez um incorrecto cálculo do valor de capitação média do rendimento do agregado familiar da requerente e recorrente, incluindo valores que nos termos dos citados diplomas não devem ser considerados.

Não houve contra-alegações

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, a única questão a decidir consiste em saber se nos autos ficou demonstrado terem deixado de subsistir os pressupostos previstos no art. 2º da Lei 75/98 de 19/11 e art. 3º do DL 164/99 de 13/5.

III
A decisão recorrida: é o seguinte o seu teor:

No âmbito dos presentes autos em que é menor José, veio o MP promover o arquivamento dos autos.

Decorre dos documentos / informações que antecedem que a capitação média do rendimento do agregado familiar em que o menor se encontra inserido excede o valor de referência legitimador da intervenção do FGADM (fixado em € 428,90 pela Portaria nº 21/2018 de 18/1), não se verificando, assim os pressupostos e requisitos de atribuição da prestação alimentar substitutiva a pagar pelo Fundo, previstos no art. 3º do DL 164/99 de 13/5.

Pelo exposto, por terem deixado de subsistir os pressupostos previstos no art. 2º da Lei 75/98 de 19/11 e art. 3º do DL 164/99 de 13/5, ordeno a cessação do pagamento da prestação alimentar substitutiva ex vi do art. 3º,4 do referido diploma legal”.

IV
Conhecendo do recurso.

O que está em discussão neste recurso é saber se na situação dos autos deixaram de subsistir os pressupostos previstos no art. 2º da Lei 75/98 de 19/11, e art. 3º do DL 164/99 de 13/5, e se por força disso a decisão que ordenou a cessação do pagamento da prestação alimentar ex vi do art. 3º,4 do referido diploma legal é correcta, ou se, como pretende a recorrente, foi errada e tem de ser revogada.

Vejamos a Lei 75/98 de 19 de Novembro, que aprovou o diploma referente à Garantia de Alimentos Devidos a Menores, alterada pelas Lei 66-B/2012, de 31 de Dezembro e 24/2017 de 24 de Maio.

Dispõe o art. 1º (Garantia de alimentos devidos a menores)

1- Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação.

Este diploma veio a ser regulamentado pelo DL 164/99, de 13 de Maio, alterado pelos DL 70/2010, de 13 de Maio e 64/12, de 20 de Dezembro. No preâmbulo deste diploma lê-se: “A Constituição da República Portuguesa consagra expressamente o direito das crianças à protecção, como função da sociedade e do Estado, tendo em vista o seu desenvolvimento integral (artigo 69º). Ainda que assumindo uma dimensão programática, este direito impõe ao Estado os deveres de assegurar a garantia da dignidade da criança como pessoa em formação a quem deve ser concedida a necessária protecção. Desta concepção resultam direitos individuais, desde logo o direito a alimentos, pressuposto necessário dos demais e decorrência, ele mesmo, do direito à vida (artigo 24.º). Este direito traduz-se no acesso a condições de subsistência mínimas, o que, em especial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna. (…) Estas situações justificam que o Estado crie mecanismos que assegurem, na falta de cumprimento daquela obrigação, a satisfação do direito a alimentos. Ao regulamentar a Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, que consagrou a garantia de alimentos devidos a menores, cria-se uma nova prestação social, que traduz um avanço qualitativo inovador na política social desenvolvida pelo Estado, ao mesmo tempo que se dá cumprimento ao objectivo de reforço da protecção social devida a menores. (…)”.

O art. 2º deste diploma refere que “é constituído, no âmbito do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, adiante designado por Fundo, gerido em conta especial pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (nº 1) e que Compete ao Fundo assegurar o pagamento das prestações de alimentos atribuídas a menores residentes em território nacional, nos termos dos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro” (nº 2).

Da Lei nº 75/98 de 19 de Novembro resulta, assim, que a atribuição de prestações ao abrigo deste regime depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:

a) Estar a pessoa obrigada judicialmente a prestar alimentos a menor a residir em Portugal (o que pressupõe a prévia fixação de uma prestação de alimentos);
b) Não ser possível cobrar essa prestação nos termos deste art. 189º (actualmente art. 48º do R.G.P.T.C.);
c) O alimentado não ter rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.

E o art. 3º do DL 164/99, de 13 de Maio supra citado, regulamenta a forma como deve ser feito o cálculo do rendimento ilíquido do menor ou respectivo representante legal.

Vejamos.

Dispõe o nº 2 do referido art. 3º que “entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação do rendimento do respectivo agregado familiar não seja superior àquele valor”.

E por seu lado o nº 3 acrescenta: “o agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação dos rendimentos, referidos no número anterior, são aferidos nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, alterado pela Lei nº 15/2011, de 3 de Maio, e pelos Decretos-Leis nºs 113/2011, de 29 de Novembro, e 133/2012, de 27 de Junho”.

E o nº 4: “para efeitos da capitação do rendimento do agregado familiar do menor, considera-se como requerente o representante legal do menor ou a pessoa a cuja guarda este se encontre”.

O art. 5º do Decreto-Lei n.º 70/2010 de 16/6, sob a epígrafe “Capitação do rendimento do agregado familiar”, dispõe: no apuramento da capitação dos rendimentos do agregado familiar, a ponderação de cada elemento é efectuada de acordo com a escala de equivalência seguinte:

Elementos do agregado familiarPeso
Requerente1
Por cada indivíduo maior0,7
Por cada indivíduo menor0,5

E o nº 4 dá-nos o conceito de agregado familiar para este fim.

Ora, enquanto a recorrente explica detalhadamente a razão pela qual entende que a decisão recorrida fez errada aplicação da lei, e tenta demonstrá-lo, efectuando o respectivo cálculo, a decisão recorrida omite completamente esse cálculo, e esgota-se na simples afirmação, não demonstrada, de que “deixaram de subsistir os pressupostos previstos no art. 2º da Lei 75/98 de 19/11 e art. 3º do DL 164/99 de 13/5”, precedida apenas da afirmação de que “decorre dos documentos/informações que antecedem que a capitação média do rendimento do agregado familiar em que o menor se encontra inserido excede o valor de referência legitimador da intervenção do FGADM (fixado em € 428,90 pela Portaria nº 21/2018 de 18/1)”.

Vejamos assim se assiste razão à recorrente.

Dos elementos juntos a estes autos resulta (fls. 2) que a beneficiária e recorrente A. P. aufere:

a) remuneração-base de € 580,00.

O menor José é titular de abono de família com as seguintes prestações, pagas à recorrente sua mãe:

b) Abono de família de € 30,61
c) Majoração monoparental de € 21,43
d) Bolsa de estudo de € 30,61

Ora, o valor a encontrar é a capitação do rendimento deste agregado familiar.

Em face dos elementos juntos aos autos constatamos que se trata de um agregado familiar constituído pela recorrente e por uma criança, o que dá um peso total de 1,5 (1 + 0,5).
E então, teremos: € 580,00 + € 30,61 + € 21,43 + € 30,61 / 1,5 = € 441,76.
E assim, supomos (não podemos saber com certeza porque nada é dito na decisão) que terá sido esta a conta que a primeira instância fez, pelo que, considerando que o valor de referência legitimador da intervenção do FGADM foi fixado em € 428,90 pela Portaria nº 21/2018 de 18/1, aquele valor excede este, e daí a decisão recorrida.

Porém, como vimos, a recorrente entende que, com a revogação da alínea h) do nº 1 do art. 3º do Regime para a Determinação das Condições de Recursos das Prestações Sociais dos Subsistemas de Protecção Familiar e de Solidariedade e outros Apoios Sociais Públicos pelo Decreto-Lei nº 133/2012 de 27 de Junho, a conta não abrange a bolsa de estudo.

E assim o cálculo deveria ter sido assim:

€ 580,00 + € 30,61 + € 21,43 / 1,5 = € 421,36

Com efeito, o Decreto-Lei nº 133/2012 de 27 de Junho veio, com o seu art. 13º, alterar vários artigos do DL 70/2010 de 16/6, nomeadamente os artigos 1º a 4º, 9º, 12º e 13º. Interessa-nos agora a alteração introduzida no artigo 3º, que consistiu na supressão pura e simples da alínea h) do nº 1.

O artigo em causa diz-nos quais os rendimentos do requerente e/ou do seu agregado familiar que devem ser tidos em conta para efeitos da verificação da condição de recursos. E na alínea h) da redacção anterior (introduzida pela Lei nº 15/2011, de 3 de Maio, com início de vigência a 2 de Julho de 2011) estavam previstas as Bolsas de estudo e de formação não enquadradas no âmbito da acção social escolar.

Foi essa alínea que foi agora suprimida.

A recorrente, referindo-se a esta supressão, afirma que a prestação de € 30,61 da Bolsa de Estudo, desde o DL 133/2012 de 27 de Junho deixou de contar para a capitação média dos rendimentos do agregado familiar.

Ora bem. Como resulta da informação por nós pedida à Segurança Social, e acabada de chegar aos autos, “o menor José foi titular de bolsa de estudo no âmbito das prestações familiares aos titulares que recebam Abono de Família no 1º ou 2º escalão e que estejam a frequentar ensino secundário com aproveitamento escolar e idade inferior a 18 anos”.

Daqui resulta que a bolsa de estudo que estava a ser paga ao menor José não estava enquadrada no âmbito da acção social escolar, mas sim no âmbito do abono de família.

Mas daí não se segue que a eliminação da alínea h) supra referida tenha o significado que a recorrente lhe pretende dar, de que esse valor deixe de contar para o cômputo do rendimento do agregado familiar. Pensamos antes que se tratou de um mero aprimoramento do texto legislativo, pois a prestação em causa continua a estar incluída no âmbito do abono de família em sentido lato, e logo cai na alçada da alínea f) do nº 1 do art. 3º do DL 70/2010, de 16 de Junho, que se refere a prestações sociais.

E daí, a revogação da referida alínea não tem qualquer influência no cômputo da capitação do rendimento do agregado familiar, ao contrário do que pretendia a recorrente.

Donde, e para terminar, e muito embora a decisão recorrida não mencione o cálculo que lhe subjaz e que a enforma, chegamos à conclusão que a decisão em causa não merece a censura que a recorrente lhe dirige.

E daí, a improcedência do recurso.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente e confirma na íntegra a decisão recorrida.

Custas pela recorrente (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 8/11/2018

Relator

(Afonso Cabral de Andrade)

1º Adjunto
(Alcides Rodrigues)

2º Adjunto
(Joaquim Boavida)